Prefácio
Minha primeira aterrissagem em Campo Grande foi uma experiência
estranha. A primeira impressão que tive foi que a capital do Mato Grosso do Sul
parecia não ter quase nada a ver com o Brasil.
Cento e poucos anos atrás, Campo Grande foi construída como cidade
planejada, com ruas e avenidas bastante arborizadas. Fiquei impressionado com a
quantidade de lojas com grandes vitrines. Os açougues expunham dezenas de peças
inteiras de carne magra. Uma loja da John Deere exibia filas e mais filas de tratores.
Tinha mais o ar do Texas rural dos anos 1960 do que do sensual Rio de Janeiro ou
da industriosa São Paulo.
Nos limites claramente definidos da cidade, os prédios espaçosos cediam lugar
a um solo de terra tão vermelha que até parecia pintada. O contraste com o verde
intenso da vegetação transformava toda a área numa paisagem de desenho
animado.
Bem no ponto onde tudo ficava vermelho e verde, deixei o anel rodoviário
pegando uma saída sem sinalização. Tive de me desviar de alguns tambores de
gasolina colocados numa estrada de terra até chegar a um portão com alambrado.
Dali era possível ver grande parte da penitenciária federal de segurança máxima. O
desenho nítido e moderno das paredes e torres de vigia logo me chamou a atenção. O
acabamento dos edifícios tinha tons suaves de amarelo e vermelho pastel.
Depois que o primeiro portão se abriu automaticamente, tive de enfrentar um
último obstáculo: barreiras antitanque. Em vista da rica tradição de fugas carcerárias no país, Campo Grande não queria correr riscos. É uma das quatro
penitenciárias especiais brasileiras as outras ficam em Catanduva, Mossoró e
Porto Velho e foi construída para os criminosos considerados de maior
periculosidade. Tal como Campo Grande não se parece com cidades mais famosas
do Brasil, essa cadeia também é diferente da maioria de suas prisões.
Em primeiro lugar, os guardas são sempre simpáticos e educados. Alguns
falam um inglês muito bom, coisa rara no interior do país. Dentro dos limites de
suas funções, todos se empenharam em me ajudar.
Não havia sinal algum da miséria, da superlotação e da violência latente
associadas a grande parte do sistema penitenciário. A prisão de Campo Grande tem
uma aura de ordem e previsibilidade. Não é um regime fácil para os reclusos, mas
não há notícia de violação dos direitos humanos nem reclamação de atos de
violência arbitrária. Nenhum prisioneiro das quatro penitenciárias foi vítima de assassinato cometido por outros detentos e nunca houve uma fuga bem-sucedida,
ocorrências corriqueiras no restante do sistema penal.
A notoriedade dos prisioneiros é a razão principal da administração
carcerária de invulgar eficiência. Antes, os grandes assaltantes de bancos e chefes de
cartéis de drogas continuavam a operar de dentro da prisão sem ser perturbados.
Nos presídios municipais e estaduais, é prática corrente subornar os guardas mal
remunerados para fazer vista grossa às coisas que ali entram de maneira
clandestina, desde celulares, drogas, aparelhos de videogame e televisões até mulheres
para relações sexuais.
Em Campo Grande, a única maneira de os presos poderem receber
mensagens do mundo exterior, afora as cartas, que são rigorosamente monitoradas,
é por meio de seus advogados ou de parentes que tenham permissão para visitá-los.
Isso impõe dificuldades até para os criminosos mais organizados.
Depois de deixar meus objetos pessoais num compartimento trancado, passei
por uma série de procedimentos de segurança e controles biométricos. Fui autorizado
a ficar com o relógio, os óculos e, por uma permissão especial do Judiciário, um
gravador digital e nada mais. Esses três objetos foram checados e rechecados antes
que dois agentes federais me levassem a uma sala retangular com cerca de 3,5 por
6,5 metros.
À esquerda, havia uma mesa com computador e câmera de vídeo. A parede
do lado direito era coberta por uma cortina com as palavras DEPARTAMENTO
PENITENCIÁRIO NACIONAL em letras maiúsculas. A sala era usada por
prisioneiros ao comparecer em videoconferência em qualquer lugar onde se
realizassem as audiências do julgamento Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus ou
Recife.
À minha frente estava sentado o homem que eu fora visitar Antônio
Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha. Visitei o Brasil pela primeira vez cerca de sete anos antes, em 2006. Estava
animado, com uma grande curiosidade e também uma intensa sensação de alívio.
Vinha fazendo pesquisas para McMáfia, meu livro sobre o crime organizado global,
e minha viagem anterior me levara a Dubai. Descobri que os Emirados Árabes
Unidos não tinham grande coisa a recomendá-los. País de uma quentura
insuportável, sua identidade parecia enterrada a grande profundidade sob as areias escaldantes do deserto, obscurecida pela busca incansável de riquezas até eliminar
qualquer coisa que se pudesse identificar como cultura. Além disso, como jornalista,
fiquei bastante frustrado, pois era quase impossível convencer alguém a falar.
Mesmo em termos oficiosos, praticamente ninguém se dispunha a comentar o papel
de Dubai como centro de lavagem de dinheiro e para obtenção de bens e serviços
ilícitos.
No mesmo instante em que cheguei ao Brasil, percebi que ali se aplicava o
contrário. Não conseguia fazer com que as pessoas parassem de falar. Creio que foi
no segundo dia em que eu estava em São Paulo: um agente do serviço de
informações me passou o arquivo completo que o Brasil reunira sobre as atividades
suspeitas de ilegalidade de Boris Berezovsky, o oligarca russo estabelecido em
Londres, que morreu em 2013. A partir daí, falei com advogados, políticos,
criminosos, vítimas e jornalistas, e todos ficaram muito contentes em me contar suas
histórias sobre a cultura do crime, da política e da corrupção no país. Para um
jornalista, o Brasil era como um paraíso. Até o momento, claro, em que o jornalista
começa a pisar nos calos de gente importante. E aí o céu logo pode se revelar um
verdadeiro inferno.
Pude ter uma ideia de como o Brasil pode deixar de ser um lugar tão
inspirador e se transformar num lugar de fato assustador quando cheguei a São
Paulo em maio de 2006, três dias antes da rebelião do Primeiro Comando da
Capital (PCC), que paralisou o maior centro industrial da América do Sul durante
dois ou três dias. Foi um choque considerável ver como uma metrópole tão
sofisticada podia ficar refém de uma organização criminosa. Outro choque foi ver
como a Polícia Militar executou sua vingança logo a seguir, numa orgia de chacinas
extrajudiciais.
Tal como fiz antes de visitar outros países, como a China e a Índia, durante as
pesquisas para McMáfia, consultei a Amazon para ver quais eram os livros mais
recentes e interessantes sobre o Brasil publicados em inglês. Encontrei centenas deles
sobre o crescimento da China e dezenas sobre o desenvolvimento da economia
indiana. Mas, no que se refere ao Brasil, encontrei apenas uma meia dúzia. Eram, na
maioria, narrativas políticas de viagens, na linha de Brasil: Terra de contrastes (uma
figura literária anglófona padronizada).
Quando comecei a explorar o país, esse patente desinteresse me deixou
perplexo. Avaliando o tamanho enorme do Brasil, perguntei-me por que não havia
mais publicações, em vista da espantosa diversidade da experiência brasileira. Diante da relativa escassez de livros de não ficção sobre o assunto, passei a pensar na
possibilidade de voltar algum dia ao país, para tentar eu mesmo escrever alguma
coisa.
Segundo minha experiência, os brasileiros sentem imensa curiosidade em
saber como os outros os enxergam, justamente porque o país não é muito conhecido
fora da América do Sul (é também espantoso notar a quantidade de ideias
equivocadas que os países vizinhos têm sobre o Brasil). Mas um legado do
colonialismo português é uma alta suscetibilidade a críticas externas. O Brasil foi por
muito tempo uma terra que teve suas riquezas arrebanhadas para o benefício muitas
vezes frívolo de seus senhores de Lisboa. Assim, antes de começar as pesquisas para
este livro, senti a obrigação de aprender o máximo possível sobre o país.
Comecei lendo sobre sua história. Como tantos outros estrangeiros crus no
assunto, fiquei sem graça ao perceber que não sabia quase nada, atolado como
estava no pântano dos clichês e estereótipos culturais que parecem afetar o Brasil de
maneira desproporcional em comparação a outros países. Um dado fundamental foi
descobrir que a quantidade de negros escravizados da África Ocidental remetidos
para o Brasil foi cerca de dez vezes maior do que a dos remetidos para os Estados
Unidos. A ideia geral que se tem da escravidão passa quase exclusivamente por
nosso conhecimento do Sul dos Estados Unidos, tal como ela é retratada em livros e
filmes (no Reino Unido, nosso conhecimento da escravidão passa também pela
experiência do Caribe).
No entanto, esse imenso tráfico negreiro é fundamental não só para a
autodefinição do Brasil, mas também para suas diferenças em relação aos vizinhos
sul-americanos. Descobri ainda que ele é talvez o país mais importante do mundo
em termos de riqueza e amplitude de recursos naturais à sua disposição. Apesar
disso, nós no estrangeiro não ouvimos quase nada a esse respeito, com exceção do
desmatamento da Amazônia. Por que, perguntei a mim mesmo, tão pouca gente
fora do Brasil sabe alguma coisa sobre o país, tirando o Carnaval, o futebol e a
Garota de Ipanema? Quanto mais eu descobria, mais sentia que gostaria de voltar
algum dia para escrever sobre ele.
Escavando nas escuras profundezas da memória os restos do latim que aprendi na escola, descobri que conseguia ler as manchetes dos jornais, as placas de
rua e os cardápios em português. De volta à Inglaterra, descobri também que, com o
auxílio de um dicionário, conseguia avançar aos trancos e barrancos em artigos
simples da Folha de S.Paulo ou de O Globo. Claro que outra coisa bem diferente era
tentar entender uma única palavra que alguém dissesse!
Notei a importância da língua portuguesa logo após minha primeira chegada.
Todos os povos dão muito valor à língua materna, mas, quanto mais eu explorava
o Brasil, mais me convencia de que o português era o elemento cultural mais
importante, que mantinha a coesão desse país notável. Não o futebol, não a música,
não as características geográficas, como o Amazonas ou o litoral. Mas a língua. Uma leitura superficial da história sul-americana moderna não explica por
que o Brasil manteve sua coesão na primeira metade do século XIX, ao passo que os
territórios de língua espanhola se fragmentaram quando a força centrípeta da
Espanha se dissolveu. Em primeiro lugar, creio que a resposta está na constelação de
fatores e processos políticos específicos que levaram à independência do Brasil. Mas
com o passar do tempo, parece-me, a língua foi adquirindo importância sempre
maior para a criação de uma identidade brasileira moderna.
Se pretendo escrever um livro sobre o Brasil, raciocinei, preciso no mínimo
tentar aprender português. Levei algum tempo até entender como essa é uma língua
enganosa. Comecei a aprendê-la em Nova York, no início de 2012, e percebi que,
depois de uns seis meses, conseguia ler jornais, revistas e até livros inteiros sem muita
dificuldade.
Mas não estava preparado para a língua falada.
Já falo vários outros idiomas, que em termos gramaticais são mais complexos do que o português e sem dúvida mais distantes do inglês. Mas, por causa
da pronúncia, o português é muito mais difícil de aprender do que, por exemplo, o
espanhol ou o italiano. E é excepcionalmente difícil aprender a identificar as relações
entre a língua falada e a escrita.
A tarefa ficava ainda mais pesada porque, a essa altura, eu já tinha passado
dos cinquenta. Por uma série de razões, é muito mais difícil aprender uma nova língua com idade mais avançada, e sobretudo falar. Além disso, eu nunca conseguia
ficar no Brasil mais do que dois meses por vez e, em geral, em períodos de duas ou
três semanas, o que significava que nunca ganhei a fluência que pretendia.
Não que isso fosse me ajudar nas conversas com Antônio Bonfim Lopes. Ele
fala de modo claro, mas sua linguagem vem recheada de expressões e palavras que
só são compreensíveis nem digo para os moradores das favelas, mas apenas para os
moradores da Rocinha. E assim, apesar do meu esforço de aprender português, um
intérprete profissional sempre me acompanhava em minhas visitas à prisão. Eu
precisava entender ao máximo o que Nem dizia na hora em que dizia.
O Brasil não é um lugar fácil para trabalhar como escritor. É um país caro e
sua infraestrutura tende a falhar nas horas mais inconvenientes. Por mais que eu
queira evitar estereótipos sobre o povo, o clima é um desafio constante. Na primeira
vez em que estava com visita marcada a Campo Grande, em março de 2013, fiquei
ilhado quando um temporal de proporções bíblicas caiu sobre o bairro de Botafogo,
transformando a rua Voluntários da Pátria num rio torrencial, por onde pequenas
árvores desciam a toda a velocidade. Eu estava de bermuda e camiseta, e era como
se trouxesse escrita a palavra GRINGO na testa. Quando afinal cheguei ao aeroporto
Santos Dumont, em cima da hora do voo, mais parecia alguém saído da selva
depois de cinco anos. Com minha única muda de roupa encharcada, tive de aguentar
o ar condicionado geladíssimo da Azul durante duas horas e meia.
Outro desafio me aguardava quando debandei para a Rocinha, para a primeira de minhas temporadas por lá, que durou pouco mais de dois meses. Depois
do relativo conforto do Leme e de Botafogo, não é que a vida na Rocinha tenha sido
um choque foi apenas absolutamente diferente. Alguns amigos estavam
preocupados com minha segurança lá. Mas no começo da estadia, conversando com
o homem que me fornecia cafezinho e pão de queijo quase todas as manhãs, ficou
clara uma verdade importante. “Bom, aqui na rua 1 talvez seja o lugar mais seguro
do Rio para você neste momento”, respondeu ele quando perguntei sobre minha
segurança pessoal. Manifestei uma leve surpresa e perguntei por quê. “Em primeiro
lugar”, disse ele, “todos os ladrões e assaltantes estão fazendo o Leblon, Ipanema,
Copacabana e os outros locais de turistas. Eles vêm para cá dormir e não fariam merda na porta de casa.” Parecia uma suposição razoável. “Mas aqui na rua 1 o
pessoal já notou tua presença”, continuou, referindo-se a mim, “e não vai te acontecer
nada, pois te consideram um dos locais.”
Eu estava morando lá depois da entrada da Unidade de Polícia Pacificadora
(UPP) na favela. Mas ela não livrou a comunidade das armas e do tráfico de
entorpecentes. A Polícia Militar controlava a via principal a estrada da Gávea e
a grande área comercial na parte baixa da Rocinha. Porém, quanto mais você se
afastava dessas regiões, mais frequente era ver os membros restantes da facção de
drogas, a Amigos dos Amigos (ADA), superarmados de pistolas e
semiautomáticas. Desde que você não represente nenhuma ameaça visível, eles são
mansos. Mas se fizer alguma coisa que dê a impressão de que é informante, então é
quase certeza de que terá problemas. Como gringo, eu tinha proteção adicional,
como quando andava pelos limites da favela, pois a maioria das pessoas imaginava
que eu estava perdido ou era doido, ou as duas coisas ao mesmo tempo (o que, para
ser justo, talvez fosse verdade).
A Rocinha divide-se em dezesseis bairros, e alguns têm subdivisões. É uma
comunidade muito complexa e elaborada, com uma infraestrutura mais avançada
do que a maioria das favelas. Em comparação aos cortiços da África do Sul e da
Índia onde passei algum tempo, é uma colmeia de atividades econômicas frenéticas.
E isso é inevitável se você não está trabalhando sem parar em troca de um baixo
salário, é provável que esteja cuidando de alguma coisa relacionada à criação dos
filhos. As pessoas vivem incrivelmente atarefadas, e a comunidade é, em muitos
aspectos, autossuficiente.
As várias classes e comunidades do Rio respeitavam umas às outras em seus
contatos ocasionais, mas o que me chamava a atenção era a enorme diferença entre
suas experiências cotidianas, quase como se vivessem em países separados. A vida
na favela é inimaginável para a maioria das famílias de classe média; na verdade, a
maioria dos brasileiros de classe média nunca se arrisca a entrar numa favela. E,
ainda que os moradores das favelas em geral saibam como vivem os outros, pois
trabalham como empregadas, jardineiros ou porteiros, não é um estilo de vida que
possam ou queiram levar. Até novembro de 2011, quando foi preso, Antônio Bonfim Lopes era o
homem mais procurado do Rio de Janeiro, se não do Brasil inteiro. Ouvi falar dele
pela primeira vez em 2007, quando fiz uma das várias excursões pela Rocinha
oferecidas a turistas. Além do tamanho da favela, tida como a maior da América do
Sul, sua especificidade está na localização, bem no meio de três dos bairros mais
ricos do Rio. Quando estive lá pela primeira vez, já era um ponto turístico muito procurado. Podia-se ir numa van, subindo a estrada da Gávea e parando para olhar
o amontoado de barracos de cores vivas onde mora uma parte de seus 100 mil
habitantes. Fazia-se um rápido giro por um grupo de atividades depois do
expediente, organizado por uma ONG local, e depois comprava-se alguma pintura
naïf, como maneira de contribuir para a irrecuperável economia da favela.
Um de meus guias na época explicou que o homem que comandava a
Rocinha se chamava Nem. Falou com toda a sinceridade que Nem, o chefe do cartel
de drogas local, “é o homem que mantém a paz aqui na Rocinha”.
Refleti sobre a posição, o poder e a responsabilidade de Nem. Ao contrário da
maioria dos grandes traficantes, ele não se esbaldava com a iconografia do poder e
do machismo. Não tinha página no Facebook e circulavam pouquíssimas fotos suas;
apesar da grande quantidade de material sobre seus predecessores, comparsas e
inimigos, a personalidade de Nem se esquivava. Como todos os chefes do
narcotráfico nas favelas, ele detinha o monopólio da violência e não prestava contas
de suas ações. Suas descrições na imprensa e, mais importante, as descrições de seu comando vinham cercadas de histórias sombrias de ameaças, intimidações e
torturas. Mas, quando visitei e comecei a conhecer os moradores da Rocinha, surgiu
uma imagem muito diferente. Ele podia ser uma figura bastante misteriosa para o
mundo exterior, mas dentro da favela falavam dele como uma pessoa acessível e
fácil de conversar. Além disso, quase todos ressaltavam como a vida era pacífica e
organizada sob o comando de Nem.
Qual das imagens era correta? Ou elas podiam coexistir lado a lado?
Lembrei-me de Nem quatro anos depois, quando foi preso logo após a meia-noite a alguns quilômetros da Rocinha. As circunstâncias da prisão, é claro, foram
dramáticas. Comecei a cavar um pouco e fiquei surpreso ao ver que, antes da prisão,
ele dera algumas entrevistas a jornalistas brasileiros. Nem tinha sido apresentado
pelos meios de comunicação como um assassino impiedoso, que envenenara a vida
de inúmeros jovens com o comércio de drogas. As entrevistas insinuavam outra
história bem diferente. As respostas de Nem eram ponderadas e sugeriam que ele
compreendia bem a importância social e política do papel que desempenhava como
efetivo presidente, primeiro-ministro e empresário mais poderoso de uma cidade de
porte médio.
Assim, no inverno brasileiro de 2012, escrevi a ele na prisão, apresentando-
me e pedindo que me recebesse. Agora, passados oito meses, ali estava eu em
Campo Grande: diante de mim, Nem, o inimigo público número um. As regras da penitenciária, é evidente, me proibiam de ter qualquer contato físico com ele, inclusive
um aperto de mãos. Nessas circunstâncias, nossas primeiras saudações foram
bastante cerimoniosas.
Nem estava com o uniforme regulamentar da prisão, calça de algodão e
camiseta azul. Quando ficou de pé para ser levado da sala, pude ver que era magro e
alto, talvez 1,85 metro. Tinha pele morena, com um rosto estreito e a mandíbula
superior um pouco saliente. Estava com o cabelo aparado rente, de forma que não se
viam os cachos tão conhecidos das duas imagens mais comuns que circulavam na
internet. O mais impressionante eram os olhos escuros, tão negros que a íris e a
pupila pareciam se fundir. Ficou evidente na hora que a fonte básica de seu carisma
físico eram os olhos: podiam perscrutar nossa alma, mas não davam nada em
troca.
Ele usou comigo o tratamento respeitoso de “senhor”. Estando eu, no começo,
apenas um pouco familiarizado com as nuances do português, tratei-o simplesmente
por Antônio.
A certa altura daquele encontro, minha caneta caiu. Ao apanhá-la, vi que suas
pernas estavam acorrentadas à mesa de aço, esta, por sua vez, aparafusada no chão.
Nem também declinou o café e a água, pois teria de erguer as mãos até a mesa,
mostrando as algemas (nos encontros posteriores, elas foram removidas). Parecia se
sentir humilhado com a situação.
Mas mostrou-se plenamente disposto a falar de sua vida, tanto pessoal quanto
profissional. Estava, e continuava a estar, até o lançamento deste livro, em prisão
preventiva, de forma que havia certos assuntos que não podia comentar, pois se
relacionavam com questões judiciais ainda em curso.
Nos dois anos seguintes, fiz dez visitas a ele. Nas duas primeiras vezes, cada encontro durou duas horas; nas outras, três horas. Entrevistar um prisioneiro dentro
da cadeia é sempre uma coisa esquisita. Mas esses encontros eram especialmente
estranhos. Criei uma relação intensa com Antônio sempre nas circunstâncias mais
incomuns, em parte, talvez, justamente por causa disso. Aos poucos, começamos a
falar de questões íntimas e profundas, algumas das quais talvez ele não comentasse
nem mesmo com a família. Falamos de drogas, de violência, de liderança, de fé, de
família e da sobrevivência entre as adversidades do mundo.
O que se segue é a história de Nem. Embora seus depoimentos tenham papel
central nesta narrativa, naturalmente não me baseei apenas em sua versão.
Conversei com parentes, amigos, inimigos, os policiais que o investigaram, os
políticos que negociaram com ele, os jornalistas que escreveram sobre ele e os
advogados que o representavam.
Os nomes e as ações dos outros personagens citados neste livro foram
descobertos por mim em minhas investigações e pelo que está disponível em acervos
variados. Nem nunca falou sobre eles, a não ser quando questionado especificamente,
instigado pela minha pesquisa. É uma história, creio, que mostra muito da natureza do Brasil contemporâneo seus lados positivos e negativos. Mas que também nos conta como as pessoas
sobrevivem e até prosperam nas condições mais adversas. Como elas lidam com a
estreita linha entre a vida e a morte.
O serial killer Norman Bates foi eleito prefeito de Hellmouth e o Jeff the killer tornou-se o secretário da educação da cidade. O serial killer Jason Voorhees havia sido eleito xerife dessa cidade. A Regan McNeil, que tinha sido possuída por demônios quando era criança, agora era a comandante das bruxas da cidade. Mas o padre Dyer, o John Constantine e a Buffy resolvem enfrentar os serial killers, demônios, zumbis, vampiros e bruxas pra impedir a destruição da cidade.
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