Era só mais uma noite de insônia
E uma goteira que caía do teto direto na cama
Até que uma ânsia forçou meu paladar
Ainda não lembro bem o que a causou
Talvez a ressaca de seis meses esteja bagunçando minhas memórias
O estralo do bebedouro corroía meus tímpanos sensibilizados
E um verme me encarava deitado na louça suja
A cozinha parecia mais suja do que eu lembrava
Mas fazia tanto tempo que eu lembrava...
Ou será que pouco tempo? Acho que me perdi
A eletricidade por trás da geladeira parecia instável
Como se entrasse em algum tipo de mini curto circuito
Nada visível por enquanto
O que o olho não vê, o coração não sente
É assim que funciona... não é...?
Procurei nos armários com teias de aranha
E nas prateleiras com alguma marmita mofada que deixei sabe-se lá quando
As bocas do fogão ainda tinham as marcas da última visita
E do último desastre que fiz na cozinha
Sou um péssimo anfitrião, ou um péssimo cozinheiro, algum dos dois
Mas a ânsia não passou como eu esperava
Não antes de eu olhar o talher que deixei na mesa semanas atrás
As compras que eu fiz não serviam de nada naquele momento
O que eu queria não estava lá
Mas minha mente ainda se lembrava exatamente de como recriar
O gosto ácido ainda fermentava minha boca seca
Como se eu pudesse me ver no primeiro dia que provei isso
Cada ingrediente ainda vivo nas lembranças
O passo-a-passo fincado em minha memória muscular
Mas não fui eu quem fincou... Fui?
71kg de um sorriso em desesperança no amor
80kg de um cacho com idealização de algo impossível
Uma mistura que até meu estômago forte nao aguentou
O que era forte mesmo? Meu estômago ou esse ácido?
A combinação (im)perfeita entre a ânsia pelo inalcançável
E a farsa de não criar nenhuma expectativa em algo possivelmente doloroso
Não são só expectativas que machucam
Por fim, um pouco de dependência emocional
E uma pitada de conformidade com o melhor que se podia ter
Ou existia algo melhor? Talvez... Era minha primeira vez tentando
Ah! Quase me esqueci. Que tolice minha...
Justo o mesclado que faria o toque final
Os últimos passos para o que acabaria com a minha noite
Talvez, isso pusesse minha insônia para dormir
A petulância em não deixar algo perdido ir embora
E o apego a memórias futuras que nunca existirão
Que doce sabor dessa loucura fantasiosa
O sabor não é doce, mas eu finjo que é
Bem, eu fingia que era, ao menos
Era um restaurante tão encantador com pratos tão bonitos...
Quem diria que eu quase morreria de infecção alimentar
Parasita desgraçado que roeu minhas entranhas
Era só mais uma noite de insônia
E uma goteira que caía de meus olhos direto na cama
Mas não consegui conter a eletricidade de meu cérebro
Em pôr esta maldita receita para impregnar o ar
O prato mais saboroso que tu me destes
O prato mais venenoso que eu já provara
No fim, nos meses em que meu apetite fora roubado por ti
Este era o prato mais saudoso que eu já teria
Cozido sob uma lâmpada falha.
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