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História 10 years - 131


Escrita por: Anynaty

Capítulo 32 - 131


Por mais que eu tenha feito o nariz de Johanna sangrar, ainda não me sinto satisfeita com o meu suposto acerto de contas. Uma semana se passou desde que Johanna arranhou o meu rosto quase inteiro. Não tem um dia no qual eu não pense nela e no Peeta antes de dormir. Então eu sei que ainda temos muito o que falar, e talvez eu devesse ouvir de verdade dessa vez, afinal, eu já surrei a cara dela.

Odeio admitir, mas o trabalho ficou muito mais difícil sem ela agora. O pior é que não tenho tempo para recrutar outra pessoa pois estou atolada demais com o trabalho que tenho, e não posso me dar ao luxo de ter a esperança de que o RH me arrume uma assistente a altura de Johanna, eles não conseguiriam nem ao menos aos pés dela. Eu tenho uma impressora no meu escritório, mas alguns documentos tem por volta de duzentas páginas, então sou obrigada a ir até a sala de impressões. Sempre tem alguém por lá, sempre começam a falar mais baixo quando entro no lugar. As pessoas aqui realmente não possuem a capacidade de sussurrar adequadamente, pois só essa semana ouvi três especulações diferentes sobre o motivo de eu ter mandado Johanna ir embora.  Ao menos, não pareço tão destruída quanto estava a alguns meses atrás. Não preciso mais encher o meu rosto de maquiagem porque as olheiras que estavam dois tons mais escuros que a minha pele, desapareceram. Meu cabelo parou de cair e o meu coração não palpita ao ponto de me causar dor. Está tudo quase bem. Às vezes me pego beirando às lágrimas por um luto de um filho que eu nunca tive, mas cada dia isso se torna mais tolerável. Afinal, não houve morte.

Nunca estive tão ineficiente no serviço como agora, eu sei que a vaga não vai ser minha, mas agora é tarde demais para desfazer o meu trato com a Hevellin. É pior do que fazer um pacto de sangue com o demônio. Eu sei que fiquei muito tempo distante, mas ainda me sinto extremamente cansada. Parece que dar um tempo e voltar não foi muito eficiente para a minha produtividade.

Bato na porta da Johanna, duas vezes. Eu sei que por volta desse horário ela já foi dispensada. Apenas torço para que ela tenha vindo direto para casa.

Assim que Johanna abre a porta, eu e ela nos encaramos por um minuto quase inteiro. O nariz dela ainda está um pouco inchado, mas não tem sinal de nada roxo, fico feliz de não ter quebrado.

— O que você quer? — Ela me pergunta ao se encostar no batente da porta.

— Te ouvir.

Johanna levanta as sobrancelhas, surpresa.

— Devia ter pensado nisso antes de socar a minha cara.

— Devia ter pensado na possibilidade de eu socar a sua cara antes de dormir com o meu marido. —  Passo para dentro de seu apartamento desviando de seu corpo na porta.

Ouço-a fechar a entrada enquanto me sento em seu sofá. Estou definitivamente pronta para ouvir, inacreditavelmente paciente. Olhar o nariz dela danificado causa uma satisfação indescritível, coisa que me ajuda a cultivar a sagrada paciência.

— Você esquece que se divorciou, não é? — Johanna se senta na outra ponta do sofá. A distância ainda não é segura o suficiente.  — Você diz coisas como ‘’ meu marido’’, ‘’meu Peeta’’.

Eu não esqueço que me divorciei, mas o resto do meu cérebro inteiro ainda não entendeu que ele não é mais meu. Na verdade, seria um bom momento para todo meu cérebro entender que ele nunca foi realmente meu.

— É, eu sou uma idiota. — Afirmo a ela. — Você está disposta a realmente me explicar, ou vamos ficar assim para sempre?

Ela me olha confusa por um momento, antes de descer do apoio de braço do sofá e se sentar no estofado.

— Uma conversa de reconciliação? — A voz dela é esperançosa, mas eu duvido que ela mesma acredite que isso é possível.

— Não, uma explicação para que eu consiga virar a página. Vocês dois não saem da minha cabeça.

Johanna suspira pesadamente, ela coça a cabeça e diz: — É o mínimo que posso dar a você.

— Então começa a falar.

— Katniss. Olha. Primeiro, eu sei que te devo desculpas. — Ela aperta os olhos — Eu sou uma máquina ambulante de fazer merda. Não devia ter mentido para você, não devia ter feito Nick e Peeta mentirem para você, eu estava com medo que acontecesse, o que está acontecendo agora. Eu sei que deve ser impossível de acreditar agora, mas eu realmente gosto muito de você e...

Agora é tão diferente da semana passada, pois agora ao menos de um jeito muito estranho, acredito que ela goste de mim. Só que ela gosta ainda mais do Peeta.

— Johanna, começa a falar. Por favor.

Johanna não olha para mim quando começa falar.

— Eu gosto do Cato, tipo muito mesmo, de verdade. Essa parte não era mentira. Eu e ele estávamos tendo um negócio há muito tempo. Eu estava cansada de não ter uma coisa séria com alguém, então o Gale apareceu e eu fiquei dizendo para mim mesma que não ficaria mais com o Cato, que faria tudo certo com o Gale. O problema era que Cato simplesmente não me deixava ir por completo, sabe? Então, tudo estava totalmente errado a partir desse ponto. Depois de uma conversa que eu tive com ele sobre tentar uma coisa séria, ele simplesmente decidiu que queria uma namorada. Essa mulher não era eu, Cato não chegou a me considerar sendo que eu estava bem ali na frente dele. Em um dia ele veio me contar que estava saindo com a Clove, eu fiquei super irritada e ele acabou derramando cerveja no meu sofá. — Ela faz uma pausa — Depois que ele foi embora, Nick me ligou dizendo que ele e o Peeta tinham entrado em um acordo dentro do projeto deles, então me chamaram para beber. Eu estava com a cabeça cheia, totalmente agitada, com raiva de você, com raiva do Cato e...

— Com raiva de mim? — Sou obrigada a interrompê-la

Eu não fiz absolutamente nada, até onde sei, ainda estava no Texas.

Ela revira os olhos.

— Não foi culpa sua. O Cato disse uma coisa sobre você de um jeito que fez parecer que te admirava e eu fiquei chateada

— Qual é o problema disso? Ele me admirar não significa necessariamente que ele sente algo por mim

— Sabe o que é? — Ela olha bem no meu rosto dessa vez — O Cato era o único cara qual me interessei de verdade que até então eu achava que nunca tinha olhado para você. Teve o Peeta e depois o Gale, e o Cato depois indiretamente diz que queria uma garota como você.

— Eu não sabia sobre você e o Peeta— Me defendo — Você se esqueceu que vocês dois decidiram me contar quase um ou dois anos depois que eu e ele estávamos casados? Eu não teria casado com ele se soubesse daquela relação nojenta que vocês tinham. De verdade, me desculpa por ter acabado com o seu romance baseado em álcool e sexo sujo.

— Eu sei que a gente não te contou na hora certa. — Ela respira fundo. — Mas olha a minha vida, eu não tinha ninguém de verdade até o Peeta, Katniss. Não estou falando que eu era apaixonada por ele, porque eu nunca fui. Isso é verdade. Só que ele era a minha pessoa, ele era a minha única companhia, ele era o MEU Peeta. Não tenho mágoa por ele ter escolhido você, eu vi o quanto ele gostava de você, eu via que você fazia muito melhor a ele do que eu. —  O rosto dela está molhado agora, e eu continuo lutando para manter os meus olhos secos. — Só que eu senti muita falta dele. Eu não era a garota dele e tudo bem. Eu entendo que também seria muito injusto com você se eu e ele continuássemos tentando ser amigos. Então eu e você também passamos a nos dar tão bem, isso não é culpa de ninguém. É só circunstância. Não estou dizendo que é culpa sua por ele ter me deixado.

Engulo a seco as palavras dela, mas ainda me custa a acreditar que estava ‘’tudo bem’’. Ainda mais na situação que nos encontramos agora.

— Eu vou terminar, tudo bem? Naquele dia, eu fui até o apartamento do Peeta e comecei a falar tudo, e estava bebendo tudo rápido demais e o Peeta começou a me consolar — Ela começa a falar rápido — Ele me abraçou, sabe? Eu e ele éramos assim. Bebidas e abraços. Então por um segundo de desastre eu achei que ele queria me beijar, então eu o beijei. — Ela se estica um pouco em minha direção e arregala os

olhos com sua melhor simulação de convicção. — Peeta não queria me beijar, ele me empurrou na parede com muita força e depois me expulsou da casa dele. Eu tive que implorar para ele conversar comigo depois. O Nick esteve presente em todas as nossas conversas depois daquilo, pode perguntar para ele. Eu os convenci a esconder de você.

Ela me olha esperando uma reação, mas ainda fico incomodada porque eu sei que ainda está faltando informações.

— Nick estava presente quando vocês estavam transando também? — Pergunto a ela com a minha melhor faceta para sarcasmo. — Não esqueceu de nada?

— A gente não fez nada, foi só isso. Eu não sei de onde a Annie tirou que eu e ele estávamos fazendo isso. — Ela deixa a coluna cair de volta no sofá.

— Para de mentir para mim! — Digo a ela.

— Eu não estou mais mentindo! — Ela diz alto.

Claro que está mentindo.

— Mesmo que a Annie não tivesse dito que vocês estavam transando, eu pensaria exatamente nisso porque é essa merda que vocês fazem. Não é?  ‘’ agente não se gosta é só sexo ‘’ — Digo a ela tentando imitar a frase dita a quase dez anos atrás.

Fico de pé, irritada.

— Pensa o que você quiser — Johanna fica de pé — Pergunte ao Peeta também. Ele mesmo disse que não tinha motivo nenhum para esconder algo de você, afinal, vocês estão separados.

Minha respiração fica agitada e as minhas mãos começam a implorar por outro soco em seu nariz. Definitivamente, eu deveria ir embora, mas algo na mesa de centro dela me prende muito a atenção. Tem no mínimo uns dez panfletos de faculdades ali, alguns rabiscados e alguns amassados.

É um inferno. Ela e o Peeta têm o dom de causar o pior tipo de conflito dentro de mim. Sinto raiva, ódio, nojo e isso tudo ainda consegue estar misturado com muito carinho.

— Está pensando em fazer faculdade? — Olho para ela.— Direito. — Ela me diz com calma — Vai ser fácil, aprendi muita coisa com você.

Sim, vai ser inacreditavelmente fácil para ela.

— Desde quando está pensando nisso?

— Faz pouco tempo.

Fico em silêncio tentando administrar tudo que estou sentindo por ela agora. Então, por estar à beira das mais confusas lágrimas, decido ir embora.

— Não tem mais nada para me contar? — Pergunto a ela, dando a última chance para que ela admita que estava fodendo com o Peeta.

— Não. — Ela me diz.

Em silêncio, então, eu vou em direção a porta.

—  Conversa com o Peeta — Ela me diz — Ele deve estar enlouquecendo.

— Eu vou — Digo a ela.

Abro a porta e estou prestes a sair, mas eu não aguento ficar quieta. A minha síndrome de irmã mais velha é mais forte que o meu ego.

Olho em direção aos panfletos de faculdade mais uma vez, dessa vez sem ter controle de uma única lágrima.

— Estou orgulhosa de você. — É a última coisa que digo a ela antes de fechar a porta.

Meus pensamentos continuaram tomados por Johanna até que pus meus pés na calçada novamente. Pronta para atravessar a cidade atrás do Peeta, procurando o ponto final para conseguir virar a página.

Não fazia ideia de onde é o seu novo lar, mas Finnick me fez o favor de me passar o endereço, o andar e o número do apartamento. Eu sei que a conversa não vai ser fácil, mas eu estou disposta a lutar um pouco mais para ter uma boa noite de sono. Agora, sinto que estou perto de algo que se assemelha à paz. Acho que tudo que me esperava aconteceu. Conversar com o Peeta é o passo final. Chega de epifanias negativas.

Fico nervosa por ir até ele, fico com medo das respostas que estou disposta a exigir. Hoje não quero gritar ou atirar coisas. Eu só quero informações o suficiente para ter paz. Se tudo ocorrer como eu planejo, essa vai ser a nossa conversa mais civilizada em três anos.

Quando paro de frente para a porta dele, a ansiedade me toma por completo. Juro que as pontas dos meus dedos estão formigando. O frio na barriga também é irritante, e isso é ridículo porque é só o Peeta.

É necessário que eu respire fundo para conseguir juntar forças para bater na porta dele. Digo a mim mesma que essa é última vez que vou pisar nesse lugar, que vou bater nessa porta. Primeira e última vez que vou entrar na casa dele.

Peeta abre a porta, e pelo seu olhar eu sei que eu sou a última pessoa que ele esperava encontrar.

Os olhos dele no meu rosto aceleram o meu coração. Odeio toda reação involuntária que ele causa em mim.

— Entra — Ele diz de pronto. Seu corpo dá espaço para que eu passe para o lado de dentro.

Entro curiosa, me perguntei algumas vezes como seria uma casa só do Peeta. O lugar é simples e bonito. Tinha a expectativa de que o cheiro dele invadisse o meu cérebro e despertasse memórias dolorosas na minha mente, mas não tem sombra do cheiro natural de Peeta por aqui.  O cheiro é de tinta fresca e algo alcoólico.

Sinto-o caminhar lentamente atrás de mim. Nós ainda não dissemos uma frase completa um ao outro, e tudo simplesmente parece já ter dado errado.  É loucura, mas sinto nos meus ossos que estar aqui me deixa mais vulnerável do que nunca. Uma batalha interna e barulhenta está sendo travada em mim neste momento, existem gritos me dizendo para ir embora e sussurros perturbadores dizendo que eu preciso ficar.

Peeta está na minha frente agora. Faço o melhor que posso para continuar parecendo gelada diante dele. Não gosto do jeito que ele me olha. Peeta me olha como se conseguisse ler todas as coisas que estão passando pela minha cabeça, como se pudesse ouvir os sussurros me convencendo a ficar. Ele tem certeza de que eu não vou embora cedo. 

— Você não queria conversar? — Desvio meu rosto do dele. — Estou aqui para te ouvir.

Me viro e me sento em seu sofá. Pensei que fosse ser o nosso antigo sofá, o qual ele amava dormir, mas é um totalmente novo.

— O que te fez mudar de ideia? — Peeta se senta na mesinha de centro bem na minha frente. Está com as pernas abertas, com os cotovelos apoiados nos joelhos, seus olhos estão procurando os meus, mas me recuso a ter contato visual.

— Dúvidas e especulações. Questionamentos involuntários estão roubando todo o meu sono. Acho que as coisas que você tem para me dizer podem calar todas essas frustrações.

Peeta presta muita atenção em mim em silêncio. Peeta exala serenidade, o invejo por isso, pois tenho certeza que estou exalando ansiedade em sua mais pura forma. Não fiz absolutamente nada, mas já me falta ar.

— Pergunte o que quiser, te respondo qualquer coisa. — Ele me diz. Esse é o quanto Peeta quer conversar, o quanto quer que eu o ouça.

Pensei em exigir que ele me contasse o que aconteceu com a Johanna, mas percebi que eles provavelmente combinaram a história e Peeta acabaria cuspindo na minha cara a mesma ladainha recheada de verdades mal contadas. Então decidi perguntar e ver o quão disposto ele está para conversar.

— Você disse que sabia o que eu estava pensando naquele dia, o que acha que era? — Devagar, eu o questiono.

Tenho medo de todas as coisas às quais estou disposta a pedir. Tenho medo o quão honesto ou desonesto ele pode ser. É uma faca de dois gumes. 

Peeta pensa demais antes de me responder. Talvez ele esteja tentando encaixar sua resposta na mentira formulada com a Johanna.

— Estava duvidando do nosso passado. — Como um tiro certeiro e raso, Peeta declara. 

— Exatamente. — Respondo-lhe. — Valeu a pena para você destruir a última ilusão de coisa boa que tínhamos? Achei que você ao menos teria consideração. — Minhas palavras saem mais atravessadas do que eu pretendia, mas também não é exatamente sem querer. 

A mágoa me torna suficiente para cuspir o que penso em seu rosto. Não gosto de como ele não está desesperado para me explicar, para me fazer acreditar na história de Johanna. 

— A mesma consideração que você teve quando simplesmente foi embora? — Peeta se levanta, irritado.

Como foi fácil acabar com a serenidade dele

— Você não está me dizendo isso...

— Você não está falando de consideração? 

— Eu não sou sua mãe, Peeta. Eu não tenho que ficar com você. 

— Eu não queria que você ficasse, queria que você tivesse dito algo, deixado um bilhete. Entendo que você precisava tirar um tempo de tudo, não só de mim. Só que você foi parar a mais de dois mil quilômetros de distância um segundo depois da gente se separar. — Ele mexe um pouco no cabelo — Eu demorei para perceber o quanto isso me incomodou. Demorei bastante para entender tudo que você me fez sentir. 

Eu queria ter a ousadia de pensar que isso não é problema meu, que se tínhamos nos separado tudo automaticamente seria deletado. Só que essa questão de abandono do Peeta é outra coisa que passa por cima do meu ego. Johanna me disse no Texas que ele estava bem, no mínimo eu deveria ter desconfiado o quanto a separação pode ter sido devastadora para a criança quebrada dentro dele. Não me sinto culpada por não pensar, afinal, eu também precisava de cuidados emocionais e o abraço da minha família pôde me dar um pouco disso. Peeta apenas tinha a ele mesmo. Porém depois teve Johanna. 

Não por culpa ou arrependimento, mas por consideração aquela criança sem uma família de verdade. Eu peço desculpas. 

— Tudo bem. Me desculpa, eu poderia ter deixado um bilhete. —  As palavras saem com facilidade da minha boca, pois a minha honestidade e empatia as carregam até seus ouvidos. 

Não sei como exatamente um bilhete poderia o confortar, mas se na cabeça dele isso seria válido para tornar tudo um pouco menos pior, não vou questionar. 

Peeta estava dormindo com a Johanna e ainda conseguiu me fazer pedir desculpas em uma discussão onde o objetivo era o fazer admitir o que fez. Esse é o motivo dos gritos me mandarem ir embora, eles sabem que eu não sou páreo para ele. 

— Tudo bem. — Ele para por um minuto, então mexe no cabelo, confuso. — Merda! Katniss. Você não tem que pedir desculpas. 

Ao menos ele sabe que não é exatamente justo o meu pedido de desculpas. No entanto, quero deixar as boas palavras no ar para purificar o ambiente condensado e sujo. Não consigo deixar de notar que o cabelo dele está bem cortado, está com a barba feita. Quem está tocando nele? Duvido que Johanna saiba cortar cabelo. 

Depois de minutos tempestuosos de silêncio, Peeta ainda está na defensiva, nossas energias estão prontas para a guerrear no ar. Eu estou pronta para continuar com as minhas perguntas atravessadas, pois apesar de todas as coisas que minha mente colocou em pauta, ainda preciso de um ponto final para virar a página. Preciso desesperadamente virar essa merda de página. 

— E a sua consideração, gastou inteira nos lençóis com a Johanna? — Volto ao nosso jogo principal. 

Peeta me olha por uns instantes, e a transparência dele me permite identificar o quanto minhas palavras o fizeram perplexo. 

Odeio o quanto ele demora para me responder. 

— Me responde uma outra coisa, Peeta. A quanto tempo você sente saudade dela? A quanto tempo você pensa nela? Quando ao longo desses nossos anos juntos você começou a pensar coisas como " e se eu tivesse ficado com a Johanna". — Sou obrigada a fazer uma pausa para respirar, para não surtar. — Não. Você não tinha o direito de ter dúvida sobre mim na sua vida. 

— Eu não tinha o direito da dúvida? Você ficou em dúvida no dia em que beijou aquele filho da puta. Sério? Era aquele babaca que era o seu príncipe encantado? Foi aquele idiota que te fez sentir dúvida sobre o nosso casamento? 

— Não era dúvida, ele me deixou confusa. — Eu grito com ele. — Eu não queria aquele beijo, e você sabe muito bem disso. Se você não soubesse não teria tentado me perdoar por todos esses anos. Sem contar, que você foi um idiota inescrupuloso por não ter me contado que sabia. Eu não sou a única culpada. 

— Por que você não me disse que ele tinha falado todas aquelas porcarias que você disse semana passada? Se você tivesse me contado, poderíamos ter evitado muito conflito. — Ele grita de volta. 

Odeio quando ele grita comigo.

— Você acha realmente que faria alguma diferença? Você viu a sua esposa beijando o ex namorado dela, contar que ele estava me assediando psicologicamente mudaria alguma coisa na sua raiva? Você foi lá e bateu nele até sangrar, não foi o suficiente? Você sabe que não contei nada porque tinha medo de te perder, idiota! 

Respiro fundo e olho em seu rosto novamente. Tenho vontade de jogar coisas nele, mas não vou fazer. Ele está com aquela feição emburrada que eu detesto. Eu poderia xingá-lo agora, mas acho que a minha feição está ainda pior que a dele. 

 — Outra coisa, onde estava a sua consideração com a nossa relação quando você ficava tirando a porcaria da aliança para ficar flertando com outros caras bem na minha frente? — Ele me diz, puxando a nossa discussão cada vez mais fundo.

— Eu queria chamar a sua atenção, eu te falei isso em outra discussão. Eu não saía escondido de você, ou de fato queria estar com outra pessoa.

Não chora, Katniss. Não chora. Você é uma nova pessoa que não faz coisas estúpidas como chorar na frente de homens. 

— Katniss, eu perdi as contas de quantas vezes eu tentei passar um tempo com você, mas você estava ocupada. As grosserias desnecessárias que você cuspia no meu rosto semana após semana, você não se lembra, não é? 

 — Peeta você sempre me procurava quando eu estava trabalhando, eu não podia deixar tudo de lado para te dar atenção. 

Peeta sorri sozinho do jeito mais sarcástico e irritante possível. Como se não tivesse acreditando no que acabou de ouvir. Estou começando a considerar arremessar alguma coisa nele.

— Você não tinha tempo para nós dois, mas você tinha tempo para tirar a aliança e flertar com outras pessoas. É ótimo ver como a nossa relação sempre foi uma das suas prioridades. 

— Era para você ir atrás de mim, era para você ir até lá arrumar briga comigo e me fazer colocar a aliança de volta. Só que em um momento você simplesmente parou de notar a minha existência. — Forço as palavras saírem da minha boca, tenho que fazer cada sílaba desviar dos milhares de nós doloridos na minha garganta agora.

— E por que você precisava de toda essa alegoria, por que você simplesmente não me procurava? 

 — Por que você se afastou de mim. —  As palavras saem da minha boca como um grito involuntário dessa vez. Agora, é tarde demais para tentar manter a pose gélida e irreverente na frente dele. Estou chorando pelo Peeta na frente do Peeta, é definitivamente o fundo do poço. 

— Antes, Peeta,  eu especulava que você tinha pegado um certo nojo de mim por causa que o Gale tinha conseguido me beijar, sabe, pela mentira que te contei. — Continuo dizer a ele — Só que desde que eu soube que você sabia a verdade, eu pude enxergar o quanto nojo você de fato, com certeza, estava sentindo de mim. — Seco meu rosto com as duas mãos. — Peeta, depois daquilo com o Gale, você passou a dormir na outra ponta do sofá. Nos primeiros dias, eu pensei, tudo bem...você estava chateado, fazia sentido. Depois passaram semanas e eu tive que te pedir para você dormir junto comigo de verdade. Então a gente se mudou para a nossa última casa, e você dormiu exatas duas noites abraçado comigo. Sem contar que eu posso contar em uma mão, Peeta, os meses que você dormiu na nossa cama, depois você foi para aquele lixo de sofá. Você estava com tanto nojo de mim que nem ao menos para sexo eu te servia. 

Peeta me olha com os olhos levemente arregalados. Ele me olha como se eu fosse uma doida, na verdade. Peeta suspira pesadamente ao tirar as mãos dos quadris e tocar meus cotovelos. Com calma e me tratando como se eu estivesse à beira de um surto psicótico, Peeta me põe sentada em seu sofá. Apenas quando sinto o estofado em minhas pernas percebo o quanto estou ofegante. 

— Katniss — Ele diz devagar e se abaixa na minha frente — Você do nada chegou em casa com três potes térmicos e me mandou ejacular neles para termos bebês. Aquilo para mim foi um sinal claro que você não queria mais fazer amor comigo, de jeito nenhum. 

— Eu fiz isso por que o sexo estava uma droga justamente por você não me desejar mais. 

— O sexo estava uma droga porque estávamos afastados, não porque eu não te desejava mais. —  Peeta ilumina toda a neblina de caos que estava nos rondando com um minúsculo e bem humorado sorriso — Eu sou até meio obcecado por você, acho que a coisa que eu mais pintei na vida foi você pelada. 

— Cala a boca. — Respondo-o fazendo questão de ignorar o seu sorriso. Usando a ignorância para juntar forças com o objetivo de abastecer minha irritação. — Nunca mais encosta em mim, nem nos cotovelos e em lugar algum. — Acrescento a ele. 

Ao menos desaceleramos um pouco, quase posso sentir o sangue voltar a temperatura normal nas minhas veias.

Não é difícil continuar com raiva apesar das minhas lágrimas, pois até agora tudo que ele fez foi trazer assuntos também mal resolvidos para desviar o fato de ter dormido com a Johanna. Talvez a intenção dele com a conversa também pode ter sido lavar todas as nossas histórias sujas.

O sorrisinho bonito de Peeta não dura muito tempo, cansado e irritado, ele se senta na outra ponta do sofá. Ouço-o resmungar um palavrão.

— Bom, estamos falando sobre tudo mesmo. O que você tem para me dizer sobre aquelas mulheres que você estava saindo? — Olho para os meus próprios pés inquietos no chão. 

— Que eu menti para você, não queria outras pessoas. Acho que só queria te machucar.  Não sei. Foi impulso. — Ele simplesmente diz. 

— Você realmente não ficou com nenhuma delas?

—  Te disse não fiquei. — Ele responde sem me olhar.

Acredito nas palavras dele porque sou uma idiota. Por que isso parece pequeno demais agora.  

— Rachel? — Pergunto a ele. Agora me aproveito de verdade da declaração dele dizendo que me responderia qualquer coisa.

 — Foi aquilo que você viu e depois nunca mais soube dela.

—  De verdade?

— De verdade.

Ficamos em silêncio de novo. Peeta não olha para mim, apenas encara a televisão desligada em nossa frente.

— Naquele dia, você viu aquela coisa com a Rachel. Porque foi até o ateliê? Você nunca fazia visitas. 

Fico constrangida de revelar o motivo, pois é a coisa mais ridícula do universo. É o que fazemos quando estamos em meio a uma situação desesperadora, nos sujeitamos a coisas perigosas, coisas sem sentido e a coisas ridículas. 

— Eu tinha passado um tempo com o Finnick. — Não olho para o Peeta, apesar de sentir os olhos dele em cima de mim. — Eu falei sobre nós, e ele me aconselhou a te beijar. Ele disse que um beijo é romântico e poderia nos dar forças para resolver as nossas questões. 

— Então, você foi até o ateliê só para me dar um beijo? — Por seu tom de voz, acredito que tenha gostado do que ouviu. 

— Naquela noite você ganhou um beijo de qualquer jeito. Só não foi meu. Então, para você foi indiferente. — Digo a ele com a única intenção de acabar com a suposta felicidade que a minha declaração pode ter causado nele. Quero que ele perceba o quanto é frustrante. 

— Você não me perguntou uma coisa. — Ele me diz com a voz já levemente amarga. 

Óbvio que ele mudaria de assunto, não quer me dar mais uma oportunidade de jogar no ventilador, novamente, o fato de ele ter simplesmente deixado a Rachel o tocar. 

— O que? — Pergunto tentando afastar a memória de Rachel. 

—  O motivo de dormir no sofá. 

— Não sei se quero saber a resposta. 

— É a resposta menos horrorosa até agora, pode ter certeza. 

— Então me fala logo. — Cansada, eu exijo. 

— No começo era porque estava chateado, depois a luz da tela do seu celular começou a me incomodar. 

Qual é o problema desse homem com celulares? É tão rabugento! 

— Coisas pequenas se tornam monstruosas em situações estressantes. — Ele declara ao perceber meu olhar de indignação. 

Continuamos a dançar com o nosso jogo de esclarecimentos, não deixo mais o silêncio nos alcançar. Dessa vez parece que realmente estamos nos ouvindo. 

— Lembra daquela briga que a gente teve? Aquela última. 

— Lembro. 

— Você disse que quando acordava e percebia que ainda estava comigo, sentia ódio de si mesmo…

— Claro que foi da boca para fora, Katniss. — Ele não me deixa terminar a pergunta. — Não teria ficado tanto tempo com você se metade daquelas coisas que eu disse fossem legítimas. Foi impulso, foi raiva. 

O que resta entre nós é o ambiente vazio, sem mais questionamentos mediante a essa parte do passado. Continuamos sentados, encarando a tela escura. Cansados de dizer coisas as quais passamos os últimos meses remoendo em nossas mentes. Declarando motivos e especulações, colocando pontos finais. Transformando coisas horríveis, em coisas não tão ruins. 

Apesar da distração, o problema o qual julgo pior ainda me assombra. Os questionamentos ignorados por Peeta ainda estão em aberto. O pior é que nesta nossa legítima onda de honestidade, sei que vai ser muito mais fácil de acreditar no que ele vai dizer. 

— Pergunta logo sobre a Johanna, pergunta sobre o que você acha que é mentira. 

— Johanna me contou a versão dela onde acontece um beijo nojento. Eu quero saber se você pode me contar o que aconteceu de verdade. Sabe, tudo. — Agora, me forço a olhá-lo. Pela primeira vez, nossos olhares se cruzam diretamente um com o outro. 

— O que ela te disse? — A voz escapa de seus lábios quase que como um apelo lento. 

— Me fala a sua versão primeiro. 

Peeta me conta mais do que Johanna. Peeta me conta que ficou bêbado e foi atrás dela mais de uma vez nesses últimos meses, ele me diz que desmaiou de bêbado na casa dela e dormiu no sofá. Peeta disse que eles passaram um bom tempo juntos, que quebraram todas as minhas regras mesmo antes de Johanna ir para o Texas. Ele olha nos meus olhos e admite que não estava bem. Peeta também me contou que estava fazendo terapia há pouco tempo. Estava tudo bem. Comecei a acreditar que ele estivesse me dizendo toda verdade. Talvez ele esteja. Peeta me conta a mesma exata história que a Johanna. Conta que a empurrou na parede e a expulsou, que para ele aquilo não pode ser considerado um beijo. Em um dado momento ele parou de olhar nos meus olhos. Eu senti honestidade em suas palavras. Talvez em outras circunstâncias, ou talvez daqui a alguns anos eu passe a acreditar que eles não estavam transando. Agora, ainda mais depois de todas essas confissões, mesmo que eu quisesse, não conseguiria acreditar. Peeta sabe disso. Ele não fica irritado por eu não acreditar, se a situação fosse o contrário ele também não acreditaria. Peeta sabe disso.

No final, essas declarações foram mais eficazes do que as minhas perguntas neuróticas.

Não saio feliz do apartamento, mas o que consegui é satisfatório. É suficiente para calar as questões na minha mente. Também é o suficiente para dar o meu veredito final. É o suficiente para virar a nossa página. 

Quando decido embora, apenas digo um "adeus" ao sair de sua casa. Planejo como vão ser os meus dias daqui para frente, vou atravessar a rua para o evitar quando nos esbarrarmos no centro, não vou ser amiga dos amigos dele. Vou deixar tudo só passar.

Preciso de um ponto final de verdade. Agora isso parece mais fácil, porque não estou necessariamente com raiva, também não necessariamente magoada. Apenas determinada a mover minha vida. Seria um alívio apontar culpados, mas decido pensar que somos vítimas das circunstâncias que criamos. Não somos perfeitos.


Notas Finais


Oi, monas, rs.
Bem vindas a fase três, a fase final da nossa história.
Até domingo eu solto mais um, talvez um pouco menor que esse.
Espero que tenham gostado do capitulo e muito obrigada por ler.
Beijos!
<3 <3<3<3


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