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História 2012 - O joio e o trigo


Escrita por: Mallagueta

Capítulo 38 - O joio e o trigo


No capítulo anterior, Magali sofre com a possibilidade de deixar sua tia Nena para trás. Ninguém da turma conseguiu convencer seus pais a ir embora.

BRASIL, 29 DE JUNHO DE 2012
 

06:00

Carmen acordou quase pulando da cama, ofegando fortemente e banhada em suor. Mais uma vez ela teve aquele sonho maluco. Todas as noites era sempre a mesma coisa, sem mudar praticamente nada. Cada detalhe se repetia com perfeição, como um filme passado em um DVD.

No início ela não tinha dado importância, mas como aquilo começou a se repetir todas as noites, ela começou a ficar preocupada. Depois de conversar com os amigos, eles lhe diziam que era apenas porque ela estava preocupada. Muitos também estavam tendo pesadelos e aquilo tinha se tornado comum entre eles. Ainda assim, ela não entendia por que somente seus sonhos tinham aquela coisa enorme acima da cidade, aqueles anjos de asa negra e, o pior, aquela mulher vestida de preto apontando uma foice para o seu pescoço. Aquilo não fazia sentido nenhum para ela.

Ao ver que a moça tinha acordado, ela saiu rapidamente do quarto e decidiu ir para outro lugar. Seu trabalho ali estava terminado e ela só ia retornar de noite para mais uma vez fazer com que aquela garota tivesse o mesmo sonho. Entrar na mente das pessoas enquanto dormia era sua especialidade e ela fazia sem esforço nenhum.

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PARIS, 29 DE JUNHO DE 2012

11:00

Ela olhava o jardim da mansão enquanto tomava o seu café da manhã. Como era férias, Penha não gostava de acordar cedo a não ser que tivesse algo importante para fazer como compras, ir ao clube ou algum compromisso social.

O céu estava um tanto nublado, coisa que ela detestava. Aquilo era tão deprimente! Se bem que aquilo não a preocupava muito. O que lhe preocupava eram os sonhos que ela vinha tendo nos últimos dias.

“Estranho... será que ela quer mesmo falar comigo? Não... ela foi levada embora por aquele anjo. Ou será que ela conseguiu fugir?” aquela era uma boa possibilidade. Talvez Agnes tivesse conseguido escapar e quisesse procurá-la. Até aí nada demais. Quando a invocou na primeira vez, Penha descobriu que ela era muito apegada a esse mundo e nunca tinha conseguido aceitar a morte do seu corpo. Talvez ela estivesse apenas querendo voltar para a Terra.

A moça tomou um gole da xícara de chá, pensando se valeria ou não a pena invocá-la de novo. Com que objetivo? Seu plano de destruir a Mônica tinha falhado miseravelmente, sua imagem no Brasil ficou totalmente suja e seu pai teve muito trabalho para evitar que a notícia sobre sua armação se espalhasse pelo Brasil e pelo mundo. E mesmo assim, a imprensa divulgou muita coisa e foi um escândalo. Aquela dentuça tinha vencido e Penha duvidava muito de que Agnes fosse capaz de fazer algo quanto a isso.

Ela estava perdida em seus pensamentos quando ouviu algo que pareceu um sussurro...

– Penha...
– ???

Foi rápido e muito baixo, quase imperceptível. Teria ela ouvido direito ou seria apenas sua imaginação? Uma brisa suave soprou e ela sentiu um cheiro familiar. Era o cheiro do sabonete anti-bacteriano que Agnes costumava usar várias e várias vezes ao dia por causa da sua fobia de germes e doenças. Ao se certificar de que não havia ninguém no jardim, ela falou em voz baixa.

– Agnes? É você? O que você quer?
– Falar... falar...

Foi com muita dificuldade que Penha conseguiu entender o que Agnes queria dizer e ela imaginou que talvez seu espírito quisesse lhe dizer alguma coisa. De qualquer forma, não lhe custaria nada invocá-la mais uma vez.

O sótão da mansão era grande e tão espaçoso que uma pessoa poderia viver ali confortavelmente. O local estava relativamente vazio, com poucas caixas aqui e ali. No meio, havia espaço o suficiente para ela fazer o ritual de invocação que tinha aprendido em um antigo livro de magia negra.

Penha fez no chão o desenho de um símbolo místico, uma combinação intricada de formas geométricas e palavras antigas de um idioma já esquecido. Depois, ela acendeu velas e as colocou em pontos estratégicos do desenho e depois se colocou bem na frente do arranjo e falou em voz alta, com os braços abertos e olhos fechados.

Hic terra (Aqui da terra)
Mundo ubi vivos regni (Do mundo onde os vivos reinam)
Sanguis fluit in nostra venas (O sangue circula em nossas veias)
Cor nostrum pulsat (Nosso coração bate)

Hinc ego invocant te (Daqui eu te invoco)
Orbis, ubi corpus periit (Do mundo onde o corpo pereceu)

Ego invocant te (Eu te invoco)
Vade revertere ad vivos mundi (Volte para o mundo dos vivos)

Uma fumaça tênue começou a sair de cada vela, aumentando gradualmente até se tornar uma cortina densa que cobriu todo o desenho com uma espécie de redemoinho. Depois aquela fumaça foi se materializando até assumir uma forma assustadora. Mas ela não teve medo e ao abrir os olhos, Penha sorriu e falou.

– Como vai, Agnes? Há quanto tempo!

O monstro foi tomando a forma humana até se transformar em uma garota de aparência meiga e inofensiva, usando agasalho, cachecol, gorro e ela também levava uma bíblia nas mãos.

– Olá, Penha. Ainda bem que você entendeu meu recado.
– Está certo. Bem, vamos até o meu quarto, esse lugar é muito desagradável.

Quando ia virar-se de costas para sair do sótão, ela ouviu Agnes falando com uma voz cansada.

– Eu não posso.
– Como?
– Não posso sair daqui.
– Eu te invoquei, você pode andar onde quiser e...
– Não, Penha. As coisas mudaram. Não posso mais transitar no mundo dos vivos.
– Então porque você me pediu parra te invocar?
– Porque preciso te falar uma coisa muito importante. Escute com atenção, porque essa é a última vez que a gente se fala.

Penha arregalou os olhos, surpresa com o que tinha acabado de ouvir. Agnes não lhe deu tempo para fazer perguntas e começou a falar.

– O mundo está para sofrer uma grande transformação. Tudo irá se desmoronar e cair. Nada será mais como antes.
– Dá parra ser mais específica?
– Estou falando de uma grande tragédia global, Penha. Terremotos, tsunamis com ondas de centenas de metros, milhões de mortes e uma devastação total.

Seu corpo encheu de arrepios e ela sentiu algo ruim no estômago a medida que Agnes foi lhe explicando sobre as transformações que o planeta estava para sofrer.

– E não há como eu me salvar?
– Volte para o Brasil. Há locais seguros ali onde você pode se abrigar. Depois poderá recomeçar a vida.
– Locais seguros? Está falando do bairro das Pitangueirras?
– Não. Ali também será destruído. Os locais seguros são a Chapada dos Guimarães e dos Veadeiros. Escolha um desses locais. E faça isso depressa, o tempo está se esgotando. Tudo começará a desmoronar no fim desse mês.

A moça pôs as mãos na cintura e praguejou.

Sacrebleu(1)! E por que só agorra você me avisa?
– Porque somente nos últimos dias eu pude sair de onde estava para cumprir uma missão.
– Que missão?
– Eu não posso dizer. Faz parte de um acordo. Sabe, meus dias aqui na Terra estão contados.
– Como assim? Você já morreu!

Agnes deu um sorriso amargo com a ignorância da amiga.

– A morte não existe, Penha. Somente o corpo morre. Eu não estou morta, tanto que estou falando com você nesse momento!
– Então?
– É a separação do joio e do trigo. Quando chegar a hora certa, o trigo será preservado enquanto o joio será atirado fora.
– E o que você quer dizer com isso?
– Eu sou o joio e quando tudo terminar, irei embora desse planeta para outro mais primitivo. O mesmo vai acontecer com milhões de espíritos.
– Quer dizer que vão mandar a ralé parra longe? C'est magnifique(2)!

Ela procurou ignorar aquele comentário, entendendo que aquela era a natureza da Penha e não tinha como mudar. Ainda assim, ela resolveu acabar um pouco com aquela empáfia.

– Não se alegre. Você também é joio. Esse mundo irá se transformar. Os “bonzinhos” ficarão, enquanto pessoas como nós irão para outros mundos mais primitivos.
– Como é que é? Vous êtes fou(3)! Eu não vou emborra junto com a ralé! Meu pai é um político muito poderroso, eu sou rica, temos mansões por todo o mundo e...
– Mansões que serão destruídas dentro de pouco tempo. Nesse novo mundo, a posição do seu pai não valerá de mais nada, nem a sua fortuna e as suas roupas de grife.

Penha começou a andar de um lado para o outro, oscilando entre o medo e a descrença. Aquilo seria mesmo verdade? Por um lado, era absurdo demais imaginar o mundo estava prestes a se despedaçar e que ela seria condenada a ir embora junto com os rejeitados. Por outro lado... Não havia motivos para Agnes tentar lhe enganar.

– Não há nada que eu possa fazer? Não querro ir emborra com os rejeitados!

O fantasma deu um sorriso sarcástico e perguntou.

– Você se arrepende de tudo o que fez com a Mônica? Se arrepende dos seus erros?
– Que erros? Eu nunca cometi nenhum erro! Foi tudo culpa daquela dentuça, eu fiz aquilo por causa dela!

Como era de se esperar, Penha jamais assumiria a responsabilidade pelos seus atos. Ela não se arrependia de nada e sequer achava que tinha feito algo de errado. Em sua cabeça doente, ela estava apenas exercendo seus direitos. Agnes voltou a falar com a voz fria.

– Eu também não me arrependo de nada e se pudesse voltar no tempo, teria feito em dobro. Então esse mundo não é mais para nós, é apenas para os bobalhões que se arrependeram do que fizeram e agora querem ser bonzinhos.
– Então...
– Não há mais salvação. Nós somos o joio e seremos atiradas fora.
– Se é assim, então por que está me avisando?

Ela deu de ombros.

– Para que você possa sobreviver a tragédia e passar aqui os anos de vida que ainda lhe restam. Se fizer tudo direito, você ainda poderá ter uma boa vida aqui. Depois, será o exílio.
– Eu não querro ser exilada!
– Se não quer, então mude. Se arrependa de tudo o que fez, peça perdão e...

Ao ouvir aquilo, Penha gritou a plenos pulmões!

– Pedir perdão? Eu? NUNCA! Já disse que não fiz nada de errado! Quem devia me pedir perdão é aquela dentuça esfarrapada e os mortos de fome da turma dela!
– Então não tem jeito. Relaxa, não será tão ruim assim. Eu serei mandada para um mundo onde, comparando com o nosso, eles estão no século 17.
– Que horror!
– Considerando que a maioria irá para outros que ainda estão na idade da pedra, não tenho do que reclamar. Foi esse o acordo que eu fiz ao aceitar aquela missão.
– E eu? Parra onde eu vou?
– Não tenho como saber.
– Eu querro ir parra o mundo onde vão te mandar!
– Isso não é decisão minha. Posso tentar interceder a seu favor, mas não posso te prometer nada.

Apavorada diante da situação, ela implorou.

– Por favor, Agnes! Em nome da nossa amizade, faça isso por mim! Eu não querro ir parra esses mundos primitivos! Querro ir com você!

Aquelas lágrimas fingidas não lhe comoveram nem um pouco, mas ainda assim Agnes prometeu que ia tentar fazer alguma coisa. Se era para ser exilada para outro mundo, talvez não fosse tão ruim assim se alguém conhecido pudesse ir com ela.

– Agora eu tenho que ir, estou enfraquecendo.
– A gente não vai mais se falar?
– Certamente não.

Seu espírito começou a desaparecer lentamente e sua voz foi ficando cada vez mais baixa. Antes de desaparecer por completo, Agnes deu um último aviso.

– Penha, esqueça a Mônica e a turma dela. Não tente mais se vingar deles.
Agorra você está com peninha deles?
– Não. Nada me daria mais prazer do que vê-los sofrendo. Se pudesse, acabaria com todos com minhas próprias mãos, especialmente aquela atrevida que soltou meus passarinhos. Mas se fizer algo contra eles, poderá complicar sua situação e você será exilada para um mundo muito ruim e eu não poderei fazer nada. Esqueça-os. Deixe a vingança pra lá.

Ela foi repetindo a última frase até desaparecer, deixando Penha sozinha no sótão escuro. A luz das velas tinha se apagado e o local ficou silencioso novamente. A jovem caiu de joelhos no chão, com a cabeça fervilhando com toda a revelação de Agnes e sem saber qual decisão tomar. Todo seu mundo tinha virado de cabeça para baixo.


Notas Finais


(1)Maldição!
(2)É magnífico!
(3)Você é louca!


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