História 72 Edição dos Jogos Vorazes (Interativa) - A Colheita

Perplexa e desejando que tudo aquilo fosse um mero sonho, Gaia caminhava em direção ao palco. Com um silêncio fúnebre atuando como trilha sonora para o momento. Lá de cima, a garota via diversos rostos familiares, que a traziam de volta para a realidade.

Senhora Haugland colocava-se a chorar, apoiada nos braços de sua amada vizinha. Sua irmã, Nick, nem sequer se mexia, assim como sua namorada, Calíope, que estava boquiaberta, completamente desacreditada.

Por um momento, Gaia viu-se em desespero. Temendo que pudesse desmoronar em lágrimas na frente de todos, passou a olhar para a ponta de seus sapatos, que estavam desgastadas pelas ações do tempo e alguns tropeços que gaia costumava dar com eles. 

—E nosso tributo masculino será...— disse Effie, sorridente. Possivelmente, a única que não se abalaria, independente do nome que fosse retirado do sorteio— Heron Haugland!— ela anunciou. 

A jovem perdeu o chão. Lágrimas puseram-se a cair de seus olhos e uma dor imensurável tomava conta de seu peito. Não conseguia acreditar no que estava acontecendo, sem sombras de dúvida, só poderia estar sonhando.

Heron não deixou-se abalar tão facilmente quanto Gaia. Levantou o queixo, confiante, e caminhou até o palco. Deu um boa encarada em sua irmã por alguns instantes e parou ao lado de Effie. Ambos respiraram fundo e aguardaram, olhando para os moradores de seu Distrito. Agora, não havia mais volta. 

Distrito 1

Palco da Colheita.

Effie caminhava, lentamente, com seu salto cor-de-rosa sobre o glamuroso palco do Distrito mais rico de Panem. Sem sombra de dúvidas, era sempre uma enorme alegria sortear os tributos do Distrito 1, todos os jovens sempre apresentavam-se muito bem vestidos e animados para tal momento. A maioria da população de jovens era composta por carreiristas, que sonhavam em ter seus nomes chamados para participar dos Jogos e trazer orgulho para seu Distrito, além, claro, da fama e fortuna que pairaria sobre sua família, após a vitória. Não era à toa que as palmas e gritos quase não cessavam após o término dos discursos. 

Por um instante, todos os sons foram silenciados pela abertura de uma filipeta, frente ao microfone central no palco. A dama com uma peruca amarelada esboçou um breve sorriso, ao perceber que todos haviam repousado os olhares sobre si, antes de dizer o primeiro nome sortudo, ao qual todos desejavam ouvir.

—E o tributo feminino que competirá pelo Distrito 1, em nossa 72ª edição dos Jogos Vorazes, será...— ela fez uma pausa dramática antes de completar a sentença. Effie já havia sido a anfitriã da Colheita inúmeras vezes e, com toda a certeza, amava a hesitação e curiosidade de cada jovem do Distrito 1. Para ela, cada ano era especial. Embora fosse uma forma de aumentar suas chances, poucos jovens optavam pelo sistema de tésseras, o que tornava a Colheita ainda mais interessante— Acho que irão gostar dessa— disse a jovem, reconhecendo o sobrenome do tributo sorteado— Evangeline Clare Golden!

Effie estava certa, o público não parava de aplaudir e gritar, completamente felizes com a seleção da jovem. A família Golden possuía um longo histórico de popularidade em seu Distrito e até mesmo na Capital, este, começara com uma grande fama que seus antepassados criaram no ramo de pedras preciosas e confecção de jóias, de forma que, seu sobrenome é a maior marca de tal histórico. E, como se isso não bastasse, sua família carregava um legado de grande admiração, forjado sobre o sangue de 23 jovens. O avô de Evangeline havia sido o vitorioso de uma das edições passadas dos Jogos, deixando, além de muito dinheiro, um espólio de vitória aos membros posteriores de sua árvore genealógica. 

Evangeline, como muitos em seu Distrito, recebera o treinamento de um carreirista. E, por esse motivo, todos ali presentes ficaram felizes quando seu nome fora sorteado, com exceção da própria jovem. A morena sempre sonhara em participar dos Jogos, mas não como tributo. Sonhava em ser uma estilista da capital, e confeccionar as glamurosas roupas do desfile. Ela precisou de muito esforço e postura para caminhar até o palco e subir no mesmo enquanto Effie retirava o nome do tributo masculino de uma pequena bola transparente e brilhante sobreposta à mesa de vidro.

—E nosso tributo masculino será...— disse ela, abrindo a filipeta para prosseguir com a Colheita, enquanto Evangeline, ainda muito confusa, tentava procurar o rosto de seu primo na plateia— Mas que surpresa agradável!— exclamou ela— Josh Kylie Golden!

Então, Evangeline o encontrou, caminhando entre os garotos mais jovens do Distrito em direção ao palco, enquanto seus amigos o cumprimentavam e parabenizavam por ser escolhido para os jogos após muitas tentativas. Todos sabiam o quanto Josh queria ter a oportunidade de participar dos Jogos, e, sem dúvidas, ele era um dos carreiristas mais dedicados. 

Josh, muito sorridente, caminhou com coragem e determinação até o palco, e parou ao lado de Effie. Este, era um dos dias mais felizes de sua vida. Desviou seu olhar do público por um instante e repousou sobre Evangeline, que o encarava boquiaberta e um pouco cabisbaixa, ambos haviam sido criados juntos e se amavam como irmãos. Não ousou desmanchar o sorriso que expunha, o rapaz estava disposto a honrar o nome de sua família sobre quaisquer circunstâncias, mesmo que isso significasse que teria que matar Evangeline, sua amada prima.

Distrito 2

Palco da Colheita.

Mais uma vez, a Capital estava feliz. E, se a Capital estivesse feliz, Effie e o prefeito do Distrito também estariam. O Distrito 2 era um dos favoritos da Capital, não apenas por seus grandes carreiristas vitoriosos, mas por sua lealdade para com ela. Este, havia sido um de seus poucos aliados durante a rebelião que levara a obliteração do décimo terceiro distrito durante os Dias Escuros. 

A dama com uma peruca amarelada caminhou lentamente entre duas fileiras de pacificadores fortemente armados, que estavam ali não para a assegurar, mas para dar-lhe as boas vindas. Essas eram as duas especialidades do Distrito, armas e pacificadores.

Como de costume, Effie aguardou o término dos discursos e dirigiu-se para sua parte favorita da Colheita. Assim como o Distrito 1, o 2 era composto de jovens entusiastas dos Jogos, os carreiristas, que, pelo histórico de lealdade de seu Distrito, eram sempre melhor tratados e recepcionados. 

—Primeiro, vamos às damas— disse ela, frente ao microfone. Caminhou até a bancada e revirou a enorme bola de papéis, em busca da escolhida. Ela olhou para a platéia após retirar a filipeta e, por algum motivo, sentiu que, naquele ano, as garotas estavam mais animadas que os garotos— Vamos tornar isso um pouco mais divertido— ela sussurrou, colocando sua mão dentro do globo contendo as filipetas masculinas e escolheu uma, sem muitas cerimônias. Claro que Effie leria o tributo feminino primeiro, como o usual, mas o fato de já haver escolhido os sorteados para os Jogos nos primeiros segundos deixava todos muito curiosos. Caminhou, então, sorridente até o centro do palco e levantou seus braços para o alto, mostrando os papéis, um em cada mão— Senhoras e senhores, apresento-lhes os nossos tributos!— exclamou ela. Effie, de fato, sabia como levantar o astral de público tão facilmente, em questão de segundos, toda a plateia antes um pouco quieta e acanhada se transformara em uma grande massa de aplausos e expectativas— Para o tributo feminino, Greta Crystal White! E para o masculino, Georgie Flamie!

Rapidamente, surgiu ao leste a figura feminina antes mencionada, uma jovem de pele tão clara como a neve e cabelos tão negros quanto o carvão. Sua hora havia finalmente chegado. Greta ansiava pelo momento que seu nome seria chamado e poderia honrar o nome de sua irmã, Marilyn. Assim, sem hesitar, a jovem caminhou bravamente até o altar, com passos firmes e confiantes. Lá, procurou pelo rosto de seus familiares e, logo que os encontrou, lançou um olhar corajoso para seu pai, assentindo com a cabeça, e sendo respondida com um radiante e orgulhoso sorriso. Olhou para o límpido e brilhante céu azul e respirou fundo, deixando que o ar fresco que vinha das montanhas acariciasse seus pulmões por breves segundos. "Por você, Mary", pensou antes de retornar seu olhar ao público.

Soluçando e cambaleando, ainda um pouco relutante, Georgie subia no palco ao lado de Effie. Apenas um garotinho de 13 anos, filho mais velho de uma família simples e pobre do Distrito, uma das poucas que necessitava do sistema de tésseras. Seu rosto era marcado por longas e profundas cicatrizes e, agora, por rastros de suas doloridas lágrimas. 

—Aplausos a nossa dupla!— disse Effie, prestes a finalizar a Colheita— Feliz Jogos Vorazes! E que a sorte esteja…

—Espere!— disse uma voz suave e extremamente feminina, que, aos poucos, se revelava na multidão— Eu me voluntario!

—Desculpe, quem é você?— perguntou Effie, não reconhecendo a jovem morena de cabelos e compridos e com uma maquiagem e roupa completamente impecáveis.

—Delphine Saint-Exupéry Black— respondeu a bela jovem, confiante e com as mãos na cintura— A futura vencedora da 72ª edição dos Jogos Vorazes!— completou, levando o público a loucura, enquanto subia as escadas para o palco— Eu me voluntario, guria!— ela exclamou, mais uma vez, olhando fixamente para Greta, como se pedisse para que ela deixasse o lugar.

—Não preciso que se voluntarie por mim, eu me garanto— respondeu a Tributo, com os braços cruzados e uma expressão fria e completamente séria pairando sobre seu rosto.

—Não me interessa se você se garante, acredite, sou melhor que qualquer um desse Distrito fedido— respondeu Delphine, com uma de suas sobrancelhas arqueadas— Agora, se me der licença, eu assumo daqui, lindinha— disse.

—Sinto muito, Delphine— respondeu o prefeito do Distrito, colocando-se entre as duas jovens— Mas, se Greta não pretende abrir mão de seu lugar, não há como se voluntariar.

—Então, me coloque no lugar do medroso— ela se virou para Georgie, enquanto tentava convencer o prefeito— Ele não quer estar aqui mesmo, não é, menininho?— perguntou ao pequeno. Georgie apenas assentiu amedrontado.

—Delphine, as regras são claras— o prefeito respondeu, mais uma vez, com um tom de voz calmo e sugestivo. Effie, percebendo o furdúncio que se formava, afastou-se do palco e apanhou seu telefone rapidamente— Um garoto e uma garota de cada Distrito. Sem exceções!— ele disse. A jovem deixou que um riso sarcástico e debochado saísse de seus lábios enquanto ouvia ao prefeito.

—Deixe-me ver se eu entendi— dizia Delphine, caminhando lentamente até o homem, de modo que ficasse a poucos centímetros de encostá-lo— Então, a Capital está com medo de uma competidora tão forte como eu, não é?! Vejamos se as regras são tão claras mesmo— ela sussurrou. Em seguida, caminhou até a frente do palco e tomou o microfone para si— Olá, Distrito 2!— ela disse à plateia, mas fazendo questão de olhar para as câmeras da Capital que filmavam a Colheita— Chegou o momento de serem ouvidos. Quem vocês querem para representar-lhes nos Jogos e trazer orgulho para casa; uma jovem magricela, que parece ter saído de um caixão, e um menino medroso, cujo rosto já está destruído sem ter pisado na Arena sequer, ou eu, sua maravilhosa e gloriosa, Delphine Saint-Exupéry?!— ela perguntou, enquanto pequenos grupos passavam a gritar seu nome, "Delphine", em resposta ao discurso da jovem— Não estou ouvindo!— exclamou ela, clamando o apoio da multidão.

Triunfante, Delphine virou-se para o prefeito. Aproveitou para fitar também o rosto de Greta que, por ela, já era vista como uma potente rival por não ter cedido seu lugar. A família White, agora, composta apenas pelos pais de Greta, não ousou participar do grupo a favor da voluntária e seu pai, ainda vestindo suas roupas de pedreiro, quase comprara briga com o vizinho bêbado que gritava fortemente o nome de Delphine. 

Effie, ainda em uma longa ligação, aproximou-se novamente da confusão e sussurrou algo no ouvido do prefeito, que o fizera dar uma longa bufada e bater um pouco os pés ao se retirar do palco. A dama com uma peruca amarelada, então, guardou o aparelho telemóvel dentro de seu sutiã e levantou o braço, pedindo o silêncio da plateia. 

—Suas vozes foram ouvidas— ela disse, sorridente— Georgie, a decisão é sua, gostaria de ceder sua vaga para a Delphine?— perguntou. O tímido garotinho apenas correu para a multidão, de volta para os braços de sua mãe, que carregava um pequeno bebê no colo, essa havia sido sua resposta— Senhoras e senhores, pela primeira vez na história dos Jogos Vorazes, teremos duas competidoras femininas!— ela disse, ganhando os gritos e aplausos precoces de um público emocionado— Com vocês, Delphine Saint-Exupéry Black, para a segunda vaga do Distrito 2!

A vaidosa jovem sorriu, com seus dentes perfeitamente alinhados, para o público e para as câmeras, mandando piscadelas para as mesmas. Era óbvio que tal exceção aberta para Delphine só fora possível pelo amor que a Capital cultivava pelo Distrito em questão e sua lealdade no passado. Delphine sabia bem disso, e, muito além de amor por lealdade, a jovem sabia que já havia conquistado o coração e a carteira de muitos na Capital por sua ousadia, e isso era tudo que ela queria. Amava estar no centro dos holofotes e ter a sensação do mundo girando ao ser redor. 

Insistiu em olhar brevemente para Greta e encará-la de cima a baixo com um sorriso malicioso no canto dos lábios. Greta, por outro lado, não se deixou abalar pelo ocorrido. Não precisava do apoio de nenhum burguês da Capital, havia treinado arduamente por anos e a vitória era algo que ninguém conseguiria tirar dela. Dela e, claro, de sua querida Mary.

Distrito 5

Palco da Colheita.

Localizado ao oeste de Panem, o Distrito 5 preparava-se para mais uma Colheita. Neste, em questão, a cerimônia não era tão prestigiada como nos Distritos 1 e 2. Para eles, pouco importava quais seriam os escolhidos para os Jogos Vorazes, levavam uma vida tranquila e simples, cuidando de sustentar os postos de energia da Capital e de toda Panem, ou melhor, quase toda. Os Distritos mais ao leste do continente não tinham esse privilégio. No 12, mal podiam manter as cercas elétricas funcionando.

A monotonia ininterrupta das planícies onduladas e grandes cadeias de montanhas que compunham o cenário por trás do palco era estonteante. Pouco a pouco, era possível ver um efêmero e sutil raio de sol se formando por detrás das cordilheiras. Somente uma vista de tal magnitude seria capaz de fazer com que Matthew Greene esboçasse algo que se assemelhasse a um sorriso, saindo pela culatra, pelo canto dos lábios.

O rapaz morava em uma bela e distante casa no centro do Distrito, cercada por outras casas, prédios e usinas. Em geral, o Distrito era assim, quase completamente urbano e cercado por muros e fiações. Ver o nascer do sol por detrás da cadeia de montanhas do Distrito era algo raro de se acontecer.

—Olivia...— disse Effie, anunciando o tributo o feminino. Matthew virou-se de súbito para olhar para as fileiras de garotas do Distrito. Os muitos aplausos ao seu redor haviam impedido o rapaz de identificar o sobrenome da tributo sorteada.

Por breves segundos, sentiu seu coração palpitar mais rápido. Olivia era o nome de sua irmã caçula e este, coincidentemente, era seu primeiro ano na Colheita. Preocupado, mas, ainda assim, não permitindo demonstrar tal sentimento, seus olhos vagaram a procura de Olivia Greene. 

Finalmente, com a intervenção de pacificadores, a tributo fora arrastada até o palco. E, para o alívio de Matt, não era sua irmã. Olivia Palms era o nome da garota, uma jovem de cerca de 15 anos, órfã desde que nascera. 

Os olhares de Matthew e sua irmã se encontraram por breves segundos. Ele não havia sido o único a levar um susto, Olivia levava uma das mãos ao peito, sentindo as fortes batidas de seu coração. Ela sorriu para o irmão e sussurrou para que ele lesse seus lábios, "Essa foi por pouco". Matt voltou a observar, brevemente, as montanhas ao redor. Não estava interessado na Colheita, na verdade, não se interessava também pelas cordilheiras, mas sentia-se um pouco nervoso com a primeira Colheita dos irmãos. Felizmente, o susto havia passado e Olivia Greene estava sã e salva, bastava torcer pelo irmão gêmeo da garota, Ethan Greene.

—E nosso tributo masculino será...— disse Effie, radiante, abrindo a segunda filipeta— Matthew Greene— ela disse.

Dessa vez, o rapaz conseguira ouvir claramente seu nome sendo chamado. Não hesitou, e deixou, calmamente, a fileira na qual estava para dirigir-se ao palco. Sentira um misto de alegria e confusão; não tinha quaisquer intenções de participar do Jogos, mas, ao menos, seus pequenos gêmeos estavam seguros. E, agora que seu nome havia sido chamado, era tudo uma questão de como Matthew iria se comportar diante das câmeras da Capital.

Distrito 6

Palco da Colheita.

Atrasada, cerca de 15 minutos, para o início da Colheita, a dama de cabelos levemente ondulados, em um tom castanho-escuro, caminhava com passos largos até a Colheita. Estava prestes a fazer uma loucura, mas uma da qual não se arrependeria jamais.

Chegara na praça do Distrito quando Effie estava prestes a ler a primeira filipeta que portava o tributo feminino. A jovem não esperou um único segundo, caminhou até o palco e declarou-se voluntaria no lugar da pequena garotinha loira que havia sido sorteada.

—Qual é seu nome, querida?— perguntou Effie, contente. Dificilmente, havia voluntários do Distrito 6.

—Seleena Underfilds— respondeu a jovem de cabelos compridos. Logo, fora recebida com uma salva de palmas dos demais jovens enquanto Effie caminhava para sortear o tributo masculino.

Sem fôlego da longa caminhada que fizera até a praça, Seleena permitiu-se fechar os olhos por breves segundos. Uma péssima ideia; a cada palpitada de seu coração, a jovem revia a atrocidade que presenciara mais cedo, como flashes sob as pálpebras de seus olhos. A porta destrancada, as pegadas de sangue pelas escadas, as xícaras quebradas sobre o chão do corredor, os lençóis desdobrados e enrolados dentro do guarda-roupa, e, por fim, um corpo mutilado sobre a beirada da cama de casal. Os belos pares de olhos de Georginne Underfilds, agora, não passavam de pérolas azuladas, tristes e sem vida, mas que assombrariam os sonhos de Seleena por um longo tempo. Ela sabia disso, lembrava-se cada vez que sentia o sangue ferver e subir a garganta.

—E nosso tributo masculino será...— prosseguiu Effie. Como sempre, fazendo um grande suspense antes de abrir a filipeta e anunciar o nome que ela continha— Kodien Gruter!— ela anunciou, completamente animada, mas sem quaisquer formas de retorno.

Diferentemente de como o público havia recebido Seleena, ninguém ousara se pronunciar. O rapaz que havia sido escolhido era conhecido em seu Distrito, Kodien era amado por todos por seu coração e criatividade imensuráveis. Respirou fundo, uma última vez, e caminhou até o palco. 

O silêncio pesado e cabisbaixo reinava entre a plateia, sendo quebrado apenas pelos gritos e choros de sua mãe ao fundo. Todos ali presentes não desejavam que o garoto fosse para os jogos, gostavam de vê-lo andar pelas ruas e cuidar de seu irmão gêmeo, era algo que aquecia o coração. Mas, agora, que o loiro caminhava para seu destino na Arena, o clima era quase tão frio quanto as noites de inverno. Apesar disso, ninguém ousara se voluntariar por ele, apenas aceitaram e oraram por sua alma e sua vitória.

Capital

Dia após a Colheita.

Effie sentara sobre a poltrona azulada de veludo em sua sala, enquanto ouvia o som da lenha queimando na lareira. Tinha acabado de tomar sua última refeição do dia e, agora, repousava no conforto de sua casa. 

A dama gostava da época dos Jogos, mas, embora não pudesse fazer nada para impedir o inevitável destino, sentia falta daqueles que já se foram na Arena. Ainda lembrava-se do rosto de cada um dos jovens que conhecera.

Pegou, então, o controle de sua televisão e a sintonizou no canal da Colheita. A reprise da cerimônia era transmitida durante dois dias inteiros, para que todos tivessem a oportunidade de conhecer os novos tributos a qualquer hora. Deixou que um pequeno sorriso escapasse ao se ver pela primeira vez, ao lado de Evangeline e Josh do Distrito 1. Effie pegou seu pequeno caderninho vermelho e sua caneta brilhante com pequenas jóias e passou a fazer pequenas anotações sobre as Colheitas.

Anotara o nome de todos os tributos, assim como pequenos acontecimentos únicos. Esse ano, a cerimônia havia sido singular. Receberam dois tributos femininos, Greta e Delphine, que pareciam ter muito a oferecer para os Jogos; anotara também o quão belos Rosalie Hale e Fletcher Hannibal aparentavam lado a lado sobre o palco do Distrito 3; se permitira fazer um desenho dos rostos dos tributos do Distrito 4, Kaylane Nakamura e Dylan Chase Lih Petterson, que pareciam uma ótima dupla; apreciou também o contraste entre as personalidades do Distrito 5, onde a garota, Olivia, tentara fugir quando fora sorteada e o rapaz, Matthew, aparentou-se tão calmo; o mesmo acontecera no Distrito 6, onde Seleena se voluntariou e Kodien precisou aceitar que fora escolhido; o Distrito 7 havia ganho seu coração, dois jovens belos foram sorteados, Zkirea Kiren Varts, uma garota loira, sorridente e carismática, e Billpert Masheesteer, cujos pais Effie já conhecia.

Acabara se distraindo por um segundo, quando percebera que ambos do Distrito 7 eram loiros e que combinavam perfeitamente com sua escolha de peruca para o ano. Sem dúvidas, esse ano seria especial, Effie ainda não sabia o que os tributos enfrentariam, mas já previa fortes competidores. Voltando à sua lista, acompanhando as reprises no televisor, lembrou da delicadeza e suavidade que Tarsiha Formond demonstrou, ao caminhar até o palco do Distrito 8, e em como Lysander Hellspott parecia determinado olhando para sua família na plateia; a Colheita no Distrito 9, na verdade, havia sido bem semelhante ao Distrito 6, um clima fúnebre e acanhado ao verem duas crianças queridas serem levadas para a arena, Kallyta Ophelyr, uma futura professora de muito sucesso, e Kirsten Triggs, um jovem travesso e peralta; no 10, por outro lado, o cenário havia sido como o de uma tempestade e, em seguida, a calmaria, Opala Griffin fora a sorteada, que precisara ser levada por pacificadores até o palco e, para piorar, teve uma arma apontada para sua cabeça pelo restante da Colheita, Marley Jones também fora um dos escolhidos, e ousara tocar levemente o braço de Opala para dar-lhe apoio.

Effie não havia notado a coragem do rapaz em fazer isso frente a um pacificador, mas, agora que os via na reprise, possuía mais um casal de tributos predileto. Para ela, Marley realmente aparentava uma postura de irmão mais velho. E, claro, como esquecer do Distrito 11, onde, tragicamente, um casal de irmãos, Gaia Haugland e Heron Haugland, fora sorteado. Effie não imaginava o sofrimento de ambos e os admirava, assim como admirava a mãe solteira do Distrito 12, Octavia Parks Silverstone, que abraçara sua corajosa e pequena filha, minutos antes de subir ao palco, também já havia ouvido muito a respeito de Leon Malkien Cryst, o segundo tributo do Distrito, que levava fama de cabeça-quente.

Sem sombra de dúvidas, a edição deste ano possuía inúmeros nomes fortes e promissores. Em breve, todos estariam na Arena enfrentando-se e Effie sentiria saudade de cada um dos tributos. Apertou o botão de replay em seu controle e deixou-se apreciar, mais uma vez, a Colheita da 72ª edição dos Jogos Vorazes.