Sentado no fundo da Sala Verde e Dourada, Malfoy observava o vaivém dos garçons, retirando os pratos das mesas, e o burburinho de vozes, risos e música. A pista de dança lotada e a animação da festa evidenciavam o sucesso do evento, um tributo a Crew.
Boat conversava com um fotógrafo, na frente da sala. Ao lado de Draco, Theodore Nott seguiu a direção do olhar do amigo, com pálpebras semicerradas.
— Boat é um homem e tanto.
Draco sorriu. Theo não mudara, nos dez anos em que o conhecia, ainda possuía a mesma expressão de cão abandonado e o mesmo jeito simples e despretensioso, incomum em um homem de sua posição e fortuna. De todas as pessoas que Draco conhecia em Londres, Nott fora o único que ele sentira prazer em encontrar, naquela festa.
— É, sim — concordou, com voz arrastada.
— Inteligente... dinâmico... bonito...
— Muito bonito.
— Mas não é ele, não é?
Não era uma pergunta, e sim uma constatação. Draco olhou para ele, com uma ruga na testa.
— Por que diz isso?
— Só ver vocês juntos...
— Hoje, você quer dizer? — Draco sorriu. — Não serve como base, levando-se em conta como ele está ocupado.
— Exatamente. — Theodore recostou-se. — Eu conheço você,Malfoy. Se Boat fosse tão importante, você encontraria um meio de ficar perto dele, quaisquer que fossem as circunstâncias.
Sentindo-se pouco à vontade, Draco concentrou a atenção na pista de dança. A noite toda, seus pensamentos vagaram entre a revista, Potter, Dorset, Potter.
Um simples vislumbre de terno preto slim ou o som distante de uma gargalhada atraía o olhar de Draco, à procura dele. Não lhe saía da lembrança a imagem de Harry naquele terno justo na medida certa, nem o modo como ele flertara descaradamente com Zabini, e Draco se perguntava se ele já o teria encontrado. Quando a orquestra começou a tocar uma versão branda de uma canção dos Rolling Stones, Draco virou-se para Nott, determinado a desiludi-lo de uma vez por todas.
— Acho que estou precisando mudar um pouco o ritmo. Que acha de dar uma olhada no bar, lá embaixo?
— Você manda! — Theo levantou-se e seguiu Draco. — Pelo menos, a música não fará falta!
— Chegou a pensar a respeito de participar da Semana das Corridas? — perguntou Draco, enquanto desciam a escadaria acarpetada. Você poderia ser útil, na tripulação.
Nott deu de ombros.
— Não há razão para eu não ir, realmente. — Ele sorriu, com evidente esforço. — Não é como se houvesse alguém esperando por mim, aqui, sentindo minha falta...
Malfoy amaldiçoou-se intimamente, conforme atravessavam o saguão inferior. Não fora sua intenção tocar num ponto sensível, apenas desviar a atenção de Theodore de Boat.
— Não tem tido notícias de Newt? — Ele se sentiu no dever de perguntar.
— Nem uma palavra, em seis meses. Mas já aceitei a situação, Draco. De verdade.
— Ele está, mesmo, decidido pelo divórcio?
— Segundo meu advogado, sim. — Nott empertigou-se, tentando livrar-se da melancolia. — Mas tudo isso são águas passadas, portanto, se você quer minha companhia na Semana das Corridas, sou todo seu.
Draco deu uma palmadinha no ombro de Nott.
— Ótimo! Telefonarei para Weymonth, amanhã cedo, para informá-los. Está na hora de você começar a sair mais, namorar...
Theo fez uma careta.
— Não tenho certeza se ainda me lembro de como é isso!
— A Semana das Corridas é a oportunidade perfeita. Velejar de dia, ir a festas à noite... Acredite, vamos nos divertir a valer!
Dessa vez, o sorriso de Nott foi autêntico.
— Quem sabe, conseguimos, finalmente, encontrar um nome para seu barco!
Malfoy abriu a porta do bar.
— Não tenha tanta esperança. Aliás, já me acostumei a chamá-lo de Barco.
Os dois homens riram e entraram no bar, hesitando por um momento enquanto seus olhos se adaptavam à iluminação fraca. Réplica de um clube de cavalheiros da época vitoriana. Era um salão confortável, com cadeiras estofadas e quadros a óleo em tons escuros dependurados nas paredes revestidas de madeira.
Conforme Malfoy vasculhava o salão, à procura de uma mesa, um casal sentado em um banco estofado, em um dos cantos, atraiu sua atenção. Mesmo na penumbra, os movimentos irrequietos denunciavam quem era Potter. E o homem ao seu lado era Blaise.
— Tem um lugar ali — disse Nott, apontando na direção oposta.
— Espere...
O sangue de Draco fervilhou nas veias quando ele viu a mão de Zabini pousar sobre o joelho de Harry.
— Aquele é Blaise Zabini? — perguntou Nott, estreitando os olhos.
Draco não conseguia desviar o olhar da mão de Blaise.
— O próprio — murmurou, relaxando só um pouco quando Harry segurou a mão de Blaise o guiou-a para longe de seu corpo.
Malfoy esperava, em parte, que ele se levantasse e saísse, porém não foi o que aconteceu. De fato, por que ele faria isso? Entre outras coisas, Blaise era rico e disponível, as únicas duas qualidades que Harry podia exigir de um homem, naquele momento, graças à aposta que ele havia cometido a asneira de propor.
— Sabe que eu não invejo a vida de Zabini? — comentou Nott, pensativo. — Só relacionamentos fúteis, um após o outro... Se bem que com aquele ali, até eu!
— Blaise está perdendo tempo com ele.
— Você o conhece? — perguntou Theodore, surpreso.
— É Harry Potter. Trabalha na editora, é colunista do Times. — Malfoy forçou-se a aparentar serenidade, enquanto via o outro aproximar o rosto de Harry. — Vamos nos sentar.
— Bem, nós sabemos como isso vai terminar, não? Dessa vez, o sangue de Draco gelou.
— Como assim? — perguntou, no tom de voz mais natural possível.
— Ora, é óbvio que Blaise tem planos para esse seu Potter. — Nott espiou por sobre o ombro. — E, se bem o conheço, ele vai conseguir o que quer.
Alguma coisa repentina, amarga e desproporcional ao comentário de Theo retorceu o estômago de Malfoy. Raiva? Ciúme? Ele rejeitou ambos, imediatamente.
— Ele não é meu Potter. É um funcionário da revista somente.
E, desde que não terminasse em pedido de casamento, o que acontecesse entre ele e Zabini não era de sua conta. Enquanto se virava, ele teve um vislumbre de Blaise novamente inclinando-se para dizer alguma coisa a Harry. Draco observou, fascinado, a expressão surpresa de Potter. Ele arqueou uma sobrancelha, com ar de indagação, e Harry fechou a boca. Num movimento sutil, ele entrelaçando os dedos com os de Blaise para mostrar a Malfoy que ele não tinha desistido da aposta.
"Mantendo as aparências", pensou Draco, com uma sensação de alívio tão intensa que não pôde deixar de sorrir.Ele soubera, desde o início, que Harry não se engraçaria com Blaise.
— Por um momento, pensei que ele o tivesse perdido — disse Nott.
— E perdeu.
— Não sei, não. Ele me parece bem interessado.
Harry estava se esforçando, isso sim, e Draco o admirava por isso; rindo, sorrindo, o olhar fixo em Blaise, como se cada palavra que ele dissesse o deslumbrasse. Mas seus movimentos eram forçados, sem naturalidade.
— Não. Ele não está interessado — disse Draco com veemência. — Observe as mãos dele. Embora tenha deixado Blaise segurar uma, a outra está segurando o copo como se estivesse agarrando uma tábua de salvação. — Malfoy sorriu para Nott. — Acredite em mim, ele está furioso.
Theodore olhou para ele, curioso.
— Parece que você conhece muito bem esse homem!
— Não conheço nada. Já lhe disse, ele não passa de um funcionário.
Um funcionário bonito e teimoso, que estava prestes a perder a maior aposta de sua vida. Malfoy sorriu.
— Vamos pedir nosso drinque?
Potter aproveitou que estava tomando a bebida para lançar um rápido olhar na direção de Malfoy, com a esperança de que ele tivesse ido embora. Mas ele ainda estava lá, olhando para ele de uma mesa de canto.
— Você me enganou, mesmo! — exclamou Blaise, chegando mais perto de Harry. — Por um momento, pensei que iria embora. — Ele riu, baixinho, acariciando a mão dele com o polegar. — Perdoe-me se me precipitei. É que você me deixa louco...
Ele levou os lábios ao pescoço de Harry, porém este se esquivou.
— Por favor, não faça isso!
— Deixa você louco, também?
— Você não sabe de nada — murmurou ele, tomando um gole de vinho, consciente de que não poderia levar aquilo adiante por muito tempo.
Naquele momento, Potter decidiu que bastava. Era melhor agüentar a zombaria de Draco do que continuar perdendo tempo com o príncipe Zabini.
— Boa noite! — exclamou, ele levantando-se. — Obrigado por tudo, foi ótimo.
— Espere. —Zabini pôs-se de pé, abruptamente, largando o copo sobre a mesa. — Tenho uma coisa para você. Ele enfiou a mão no bolso e pegou uma chave.
— Quarto 112 — sussurrou, colocando a chave na palma da mão de Harry. — Está tudo pronto. Vinho, morangos doces, calda de chocolate. Hum?
Harry olhou para a chave.
— É uma ideia excelente, mas morangos me dão urticária.
O sorriso de Zabini desvaneceu-se.
— Está me dizendo não?
— Você entende as coisas depressa. — Harry estendeu a chave para ele. — Boa noite, Zabini.
— Eu não acredito! Por acaso tem idéia de quantos homens seriam capazes de matar para ter essa chave nas mãos?
— Centenas, tenho certeza.
— Acertou!
— Nesse caso, você não terá dificuldade para se livrar dela. — Potter colocou a chave sobre a mesa. — Agora, preciso, mesmo, ir.
Zabini segurou-o pelo braço.
— Os homens normalmente não me dizem não, Potter.
Com um movimento Harry se desvencilhou e deu um passo para trás.
— Então, esta é uma experiência nova para você, não é mesmo?
— Espere! — Blaise ainda chamou, porém Harry ignorou-o.
Atravessou o salão, apenas parando por um instante na porta. Olhou por sobre o ombro, na direção da mesa de Malfoy, e ficou aliviado ao vê-lo com o rosto virado para o outro lado, envolvido numa conversa animada com o amigo. Se tivesse sorte, chegaria em casa antes que ele se desse conta de que ele fora embora.
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