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História A bússola negra - Naufragando em sonhos


Escrita por: Sirukyps

Capítulo 5 - Naufragando em sonhos


Fanfic / Fanfiction A bússola negra - Naufragando em sonhos

 

Severus”. Repetindo baixinho, o marujo jamais se permitiria esquecer o nome escolhido pela mãe.

Os dedos macios...

Quando criança, adormecia desfrutando do singelo carinho lhe acariciando os cabelos. A doce voz explicava ter tido inspiração quando lia sobre audaciosos imperadores romanos: Septímio Severo, Alexandre Severo... Assim como eles, Severus Snape seria forte o bastante para libertá-los, afinal, embora ainda fosse um menino cujos anos de vida não completava uma mão, já era o homem mais corajoso que ela conhecia.

E, um dia...  

Na época, o pequeno não sabia onde ficava Roma. Nem imaginava se aqueles homens ainda existiam ou já haviam morrido. Contudo, contaminado pelos vestígios de alegria no bondoso olhar, empenhava-se em “ser tão bom quanto a sua mãe...”.

A garganta travava.

Largando o esfregão, coçava o punho marcado pela algema de ferro.

A pele avermelhada pelo atrito, pelo calor.

Buscando não desanimar, quantas pessoas importantes não terminavam em iguais condições após perderem guerras? Disputas? Ou, recordando o tolo prisioneiro, serem capturados por um ato de má sorte? Puxando a manga da folgada camisa para acobertar a vergonha, o tolo artesão não merecia o mesmo destino.

Voltando a retirar as marcas de botas da madeira, como poderia ajudá-lo se nem mesmo conseguia fugir?

Escutando as batidas salgadas contra o casco da embarcação, recordava o quanto o esverdeado parecia atraente. Talvez, não fosse tão ruim se tornar comida de peixe. Seria melhor que...

Focando em esfregar... Umedecia o esfregão e esfregava, esfregava.

Quantos minutos faltavam para a refeição do dia seguinte?

Cansado, naqueles dias, pouco dormia por conta da ansiedade em reencontrar o prisioneiro. E, ainda quando as reticências lhe dominavam os diálogos, estando com James, até parecia verdade que, um dia, aquele navio arderia em chamas e as algemas que agora o prendia, seriam reduzidas as cinzas.

Vagamente feliz, a tristeza estava com os dias contados em seu coração.

E, agarrando-se aquele caloroso sonho, ele continuava.

- Aberrações como você ficam ainda mais deploráveis quando sorrir. – Pontuou a voz amarga, firme e ancestral. 

Sentado defronte a penteadeira de ouro, os maldosos olhos pesavam sobre o moribundo servente, espionando através do exagerado espelho.

Arrumando a pomposa peruca branca de uma realeza que não lhe pertencia, em quase todos os dedos, haviam anéis. As elegantes roupas destoavam da algazarra marítima. O longo casaco azul furtava a tranquilidade esperada pelos céus. Às vezes, soava engraçado como os sapatos com finos saltos afundavam pelos buracos de madeira. Qualquer um que observasse as brancas meias, sempre impecáveis até o joelho, admitiria que Peter Petigrew não deveria continuar ali.

Ele nem deveria ter chegado ali.

No entanto...

Abrindo a gaveta para guardar a escova, retirava uma bússola.

Mantendo-a no interior da mão, empurrou a tampa, decepcionando-se ao perceber que a meia-seta permanecia apontada ao leste. Diferente das demais, quem a confeccionou, colocou um M no lugar do N indicativo de Norte. E, virando o objeto de cabeça pra baixo, o suposto nobre ambicionava que a sete atingisse aquela letra “errada”.

Afinal, permanecia ali com um propósito.

Um único propósito.

E, a contratante havia lhe entregado aquele “presente” com o aviso: “Se estimulado da maneira correta, sempre o céu estará nublado. Ou algo mais. ”.

Levantando o objeto na altura dos olhos, Peter se questionava se a pessoa, realmente, não conhecia sobre o potencial daquele artefato. Na única vez que o homem conseguiu induzir a agulha ficar rente ao M, a escuridão se apossou da sua casa, consumindo toda a família. 

Quando a fumaça baixou, até os galhos da plantação esfarelavam aos gritos. Desnorteado, somente o vento uivava, junto a poeira e o maldito serviçal desmaiado aos seus pés.

Intrigado, desde então, não importava o empenho colado. O máximo alcançado, não passava de um céu nublado. Alguns insetos caídos. Talvez, a bugiganga não funcionasse em alto-mar. Ainda mais, nos últimos dias... Ele até vinha sendo acordado PELO ESTRESSANTE CANTO DOS PÁSSAROS.

COMO SE EXISTISSE ALGUM MOTIVO PARA FESTEJAR NAQUELA PORCARIA!

E, agora, além do céu azulado lhe machucando a sanidade, tinha que presenciar a horrorosa criatura tentando sorrir.

Abominável! ”.  Revirando os olhos, Peter guardava o dourado artefato ao bolso. Levantando-se, caminhava com as imundas botas pelas partes limpas. Parando, exatamente, onde o ajoelhado jovem estava, pisou na ponta do balde, derrubando-o e espalhando a suja água pelo chão.

Sinceramente, nutria certa inveja.

COMO AQUELE INFELIZ PODERIA SE DIVERTIR NAQUELE INFERNO?

Ele detestava cada minuto naquela espelunca.

Odiava o fedor de sal.

Odiava o cardápio repleto de peixes.

Odiava Sirius.

E, só continuava ali, pois... Tendo perdido tudo no momento errado, não poderia falhar.

Sem levantar os olhos, Severus segurou o esfregão entre as duas mãos.

Não era a primeira vez.

Não seria a última.

O seu erro foi devanear como se alguma esperança pudesse apagar as crescentes chamas da fogueira em torno de si.

- O que há de tão divertido, Ranhoso?

- Eu... – Incerto, balbuciava. Não poderia contornar aquele campo minado. Onde pisasse, explodiria. Ainda assim, - Eu iria espirrar.

- Você se acha tão esperto. – Enojado, Peter devolvia. Voltando a pegar o objeto, comentava casualmente, enquanto volteava pela poça de água e partes limpas. – Todavia, não sei se anda reparando como os dias estão mais... Claros, talvez? Inclusive, o babaca do Sirius afirmou que poderíamos desembarcar logo, logo. Ele encontrou vestígios de uma nova estrela. – Percebendo o erguer dos olhos intrigados, devolveu. – Este não era o nosso combinado.

Terra firme? ”. Sem escutar a grotesca criatura bostear palavras, Severus baixou o rosto um tanto decepcionado. “Logo, logo” James estaria distante e... Por que o coração apertava se fazia tão poucos dias que o conhecia? Pelo menos, ele teria aquela recordação para...

Fortes dedos lhe puxavam o cabelo, obrigado a fitar o raivoso rosto sobre si. Rangendo entredentes, a fera ordenava:

- Responda-me, quando eu perguntar!

- Talvez, seja a água.

- Descubra o verdadeiro motivo para esta porcaria não funcionar. – Puxando os fios com mais força, quase os arrancando. - Entendido?

E, desta vez, Peter não aguardou a resposta.

Soltando-o agressivamente, para falar a verdade, não aguentava fitar a escuridão daqueles olhos lhe penetrando a alma.

Aquela irritante indiferença o condenava ao fracasso, a miséria, aos seus... Recordando da noite genocida, caso não mantivesse a bússola apertada no interior da mão, poderia ser o primeiro.

E, fitar Severus o lembrava disto e de muitos, muitos outros erros.

Aquele maldito garoto...

Voltando a abrir o artefato, nenhuma mudança.

Como conseguiu ir tão longe?

Onde estava errando?

Seria somente o efeito de flutuar em água salgada?

Logo, logo” eles estariam em terra, assim, não poderia perder esta nova chance.

Um tanto neurótico, pontuava:

- Eu não quero passar mais um minuto nesta porcaria de navio.

- Então, pare de me usar como desculpas para suas falhas. – Severus contrapunha, sem medo. Sentando-se sobre as próprias panturrilhas, continuava num indiferente desprezo. – Eu não sou o portador da Bússola.

- Obrigado por lembrar, Ranhoso. – Guardando o objeto ao bolso, o riso em ironia se esvaia em cólera. – Talvez, eu deva pedir a cabeça da sua mãe na próxima negociação. – Rodopiando nos calcanhares, indicava o espaço acima do espelho. Fazendo o enquadramento entre indicadores e polegares, explicava. –Eu deixaria ali, na cabeceira da minha cama, para todos os dias quando você fosse me servir café, lembrasse o preço por SUPOR que eu falho.

Percebendo a escuridão vacilar, Peter continuava satisfeito:

- Aposto que assim, você não ficaria rindo em devaneio em VEZ DE PENSAR NA PORCARIA DE UMA SOLUÇÃO PARA NOS TIRAR DESTE INFERNO.

Baixando o olhar cabisbaixo, Severus temi... Não! O desprezo se convertia na habitual indiferença. Afinal, aquele imbecil já não o amedrontava. Ainda quando lhe gritava, esmurrava, exigindo resposta, respeito, ou algo do tipo. De verdade, para Severus, não importava.

Nada importava.

Em momentos assim, ele mergulhava na própria escuridão, clamando para não acordar. Todavia, desta vez, ao mergulhar nas negras águas, ele conseguia enxergar as sete letras do próprio nome pairando como fumaça naquele vazio.  

E, “logo, logo” ele iria reencontrá-la.

Escutaria aquela doce voz.

Soterraria os terrores vivenciados, junto as cinzas do passado.

E... Fechando os olhos ao ter o rosto atingido, por agora, nada era real. Um mal pensamento. Um pesadelo criativo cujo desespero parecia lhe explodir o crânio e, levava os olhos a lacrimejar. No entanto, quanto tudo estivesse demais, ele poderia acordar e nada...

Nada...

Até mesmo o seu nome...

A sensação em perdê-la.

Fugir.

Por agora, nada poderia ser real.

Pois, se fosse...

As gaivotas já não cantavam, mas James ainda não havia recebido a comida.

Abrindo outro botão da desgastada camisa, sempre esteve tão calor? Ou melhor, reparando o céu nublado, abafado seria o melhor termo.

Respirando fatigado, os dedos tremulavam em ansiedade, sedentos, famintos.

Sentando ao fundo da cela, recostava a testa contra a madeira.

“Será que seus pais o procurava? ”

“Há quanto tempo navegava? “.

Sirius era um péssimo capitão.

Em todos aqueles dias, nunca veio conferir a droga do único prisioneiro na cela.

Recordando o próprio palácio, será que, alguma vez, ele já teve um prisioneiro? Já escutou rumores sobre punições para ladrões de verduras ou sonegadores de impostos, mas... De certo modo, a vida de algumas pessoas parecia importar menos e, talvez, ele só estranhasse, pois sempre foi a prioridade. 

ATÉ PORQUE ELE ERA UM PRÍNCIPE.

Pegando uma pedrinha, arremessava. Era invejável como ela conseguia ultrapassar as grades com tanta facilidade.

Os olhos pesavam e James já não sabia o que significava “ser um príncipe” ou “ter sangue real”.

Sempre tinha achado o fardo daquele nobre título pesado, o qual lhe proporcionava insuportáveis jantares por conveniência, ridículos tratados por cordialidade, insignificante presentes por adulação.

Suspirando entristecido, o homem esquecido só almejava que existisse alguma aura natural para tornar inato aqueles irritantes e, agora, tão desejados, privilégios.

Todavia, assim...

Os negros olhos de Severus...

O estrelado universo que ele já não encontrava por dois dias.

Permitindo um sorriso brincar em seus lábios, mais do que os confortos do palácio, sentia falta do entusiasmo que lhe atingia quando recebia a mínima atenção daquele misterioso e desgraçado homem.

- Severus... – Fechando os olhos, talvez, em sonho, conseguisse percorrer o navio e descobrir mais acerca da misteriosa criatura cujas palavras de acidez determinada não combinava com a desiludida expressão distante.

E, junto as gaivotas, passos retornavam.

Saltando num ímpeto ao primeiro peso contra a madeira, o sorriso desapareceu ao notar um homem idoso descendo com a provável comida.

Deixando frente a cela e recolhendo a antiga, ele logo saia sem nem conferir os suprimentos.

Será que teriam uma escala de revezamento e aquela função não era mais a tarefa do maléfico algoz?

Dois dias.

No terceiro, angustiado, James questionou ao notar a grosseira figura se aproximar:

- Onde está Severus?

- Severus? – O homem piscou.

Claramente, desconhecia.

- Sim. Senhor Severus Snape. – James insistiu e mediante o rosto confuso, recordava: “Ranhoso. Aqui no navio eles me chamam de ranhoso.”.

Contudo, não.

Aquele não era o seu nome e a alcunha era... Desprezível.

Por que o chamavam assim?

Por que o garoto atendia?

O que teria feito?

De qualquer forma, ele não seria mais um.

 Em devaneio, rememorava o vago riso enquanto eles compartilhavam a pouca água da garrafa durante o majestoso jantar. Nostálgico, prosseguia:

– Sim. Ele deve ser o melhor marujo deste navio. Inteligente, sarcástico, perspicaz...

- Certamente, um delírio. – Trocando as bandejas, o indivíduo caçoava. – É normal estando neste alçapão.

- Não é um delírio. Severus é... Talvez, um sonho.

- Então, vá dormir para encontrá-lo.

- Eu... – Voltando a sentar na seca palha enquanto o desconhecido tomava distância, trocaria todos os bens da realeza por alguns dos segredos envoltos da emblemática figura.

Infelizmente, aquelas grades lhe impunham limites contra a impulsividade. Se os seus pais tivessem descoberto antes o quão fácil seria pará-lo...

Rindo sozinho, almejava ser a pequena pedra arremessada. E, embora a invejasse, nem o constante balançar a distanciava, como se a fiel companheira o aguardasse.

Ao contrário de...

ONDE ESTARIA O AQUELE MALDITO ALGOZ SEM EXPRESSÃO?

COMO OUSAVA NÃO COMPARECER PARA O JANTAR?

Dormir pra encontrá-lo”.

Fechando os olhos, até que o conselho não parecia uma má ideia. Assim, solitário, o sujo jovem naufragava no vazio dos próprios sonhos. E, angustiado, aspirava:

- Eu espero que funcione. 



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