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História A Carta que falta - Niragi - Joker p.2


Escrita por: ItsMeaghanCameron

Notas do Autor


Capitulo novo YAY \o/ . Neste capitulo vocês irão notar algo como um [1] antes de alguns parágrafos, eu fiz isso por que são parágrafos que fazem menção/referenciam suicídio, então se você não se sentir confortável com tópicos como esse, o marcador servirá como um guia para pular para o próximo paragrafo.
Enfim espero que gostem. Boa leitura e boa noite ((((((((((((((((((:

Capítulo 18 - Joker p.2


Fanfic / Fanfiction A Carta que falta - Niragi - Joker p.2

Mira

 

Caminho apressadamente pelos corredores de metal até a sala de controle. A sala de controle era um lugar grande com paredes revestidas de metal opaco iluminadas por leds. Cheia de telas, computadores e um mapa digital de toda a Fronteira em uma mesa de vidro no centro, era aqui que todos os jogos eram desenvolvidos, desde que se havia decidido que os jogos que os dealers faziam não eram o suficiente. Charlie está de diante da mesa de vidro com o mapa da Fronteira aberto junto com as seis pessoas que financiavam a Fronteira. O conjunto de CEO dos seis polos da Geotech que ficavam espalhados pelos continentes. Agora conhecidos como Associação dos Valetes desde que haviam começado a se envolver na criação dos jogos das cartas com figura, esquecendo toda neurociência envolvida por trás dos naipes de baralho.

_O que você está fazendo Charlie? – Me volto para ele embora não tenha certeza de que realmente quero descobrir.

_Mira, amor, finalmente voltou. Onde estava? Bom não importa. Estávamos planejando um novo jogo. Bem inovador, bem dinâmico. Vai ser diferente de tudo o que eles já viram - Suas mãos envolvem meu rosto carinhosamente, e ele me planta um beijo nos lábios. “Eles” era o novo jeito com o qual Charlie passara a se dirigir aos jogadores.

_Mesmo? Que jogo? – Pergunto com um falso interesse que não parece ser notado. Particularmente estava ficando cansada de todos esses jogos e tudo nesse mundo utópico. Mas não podia ir embora, haviam duas razoes plausíveis que me prendiam nesse mundo.

_Um jogo especial. Inclusive esse jogo trará a nossa filha de volta para nós. O que acha hein? - Ele diz com um sorriso. Se não o conhecesse bem, isso até me animaria. Mas nos últimos anos suas ações eram apenas um reflexo das ideias do conjunto de acionistas que sustentava financeiramente a Fronteira e a insanidade que parecia consumi-lo a cada novo pensamento.

_Nossa filha? Charl? Não acho que ela viria até aqui de boa vontade. Ela nos odeia. - Digo preocupada. Não gostaria que o jogo trouxesse Mirai de volta de um jeito cruel. Embora quisesse vê-la de novo. Toca-la. Não queria que ela voltasse extremamente ferida, como da última vez em que ela esteve aqui.

_Não se preocupe com isso querida! Nós cuidaremos de tudo.- ele aponta para os sócios sentados à mesa. _ Ela vai precisar de um quarto, talvez você possa buscar a decoração do antigo quarto dela.  Vai ser incrível. - Ele diz soltando o meu rosto depois de me dar um beijo na testa.

Olho os acionistas sentados à mesa com um mapa digital de toda Fronteira de Tóquio, provavelmente para escolher uma arena ou criar uma nova. Yamato me encara com seu usual sorriso de escárnio no rosto. Deus, como odiava aquele homem, comparado com o seu filho, Yamato parecia uma obra do demônio, um homem cruel envolvido em muitos negócios duvidosos que haviam firmado sua fortuna. Não me admirava que seu filho parecia ser desequilibrado. Aquele homem tinha uma visão distorcida do mundo, e Charlie admiti-lo aqui desenvolvendo jogos não parecia ideal.

_Como vai Mira? -ele diz dando um aceno. _ Deve estar contente por finalmente conseguirmos arrancar a sua maldita filha do meio do caminho. - Ele diz. O encaro de onde estou. Embora queira muito retrucar sei que ele não hesitaria em me agredir. Por que era o que ele fazia sempre que diziam o que ele não queria ouvir. Seu dinheiro permitia que ele fizesse o que quisesse ali e todo mundo havia deixado isso acontecer.

_Não ligue para isso querida, ele só está com inveja. Claramente o Niragi não foi o escolhido para testar nosso novo produto. – Charlie o interrompe rindo e se sentando de volta a mesa. O encaro por um instante, as palavras sutis de Charlie o fazem se calar.

            Sei que a conversa acabou para mim quando um silêncio desconfortável se estende e os olhares dos sócios recaem sob mim, em um claro lembrete de que eu havia interrompido algo importante e não deveria estar ali. Ultimamente haviam segredos demais entre os acionistas e Charlie. Nem sempre havia sido assim. Havia um tempo onde segredos não existiam, e o dinheiro não comprava vidas, lugares ou jogos. As coisas estavam fugindo do controle.

Chishiya

 

Caminho pelo deque deserto. A prova havia começado há uns dez minutos e as pessoas começavam a correr. Algumas saiam em direção a cidade, outras reviravam o resort de cima a baixo a procura de qualquer sinal de Mirai. No saguão algumas pessoas ainda se negavam a jogar, em conflito com sua moral e ética.

No final minha teoria parecia mesmo estar no caminho certo. A filha do criador da Fronteira tinha um papel nesse mundo, um papel que ainda parecia suspeito demais.

Bato na porta de vidro entreaberta antes de entrar, não precisava ser baleado acidentalmente embora suspeitasse que aquele homem atiraria em mim usando qualquer circunstância.

_O que diabos você tá fazendo aqui? - Ele se vira erguendo a arma e apontando-a para mim.

_Calma aí - digo retirando as mãos do bolso e erguendo-as em sinal de rendição. _So vim perguntar o paradeiro da Mirai. Pensei que como vocês dois são uma coisa só, ela estaria com você.

_Pensou errado. E mesmo se eu soubesse onde ela está eu não contaria para você.

_Qual é você não pode estar falando sério. – Digo batendo as palmas das minhas mãos em minhas próprias coxas. Aquele idiota a havia deixado vagando por aí, quando um alvo gigante estava colado as suas costas? Digo exatamente isso a ele..

_Eu irei procura-la Chishyia, fique fora do meu caminho. – Ele aponta a arma para mim. Reviro os olhos, ele era mesmo patético as vezes.

_Eu vou com você – digo.

_Não. – Ele rebate secamente enquanto pega munições.

_Não pedi sua autorização. – Digo encarando. Ele bufa abaixando a arma e lança um olhar feio antes de sair pela porta. Eu me coloco a segui-lo de longe.

_Você nem tem motivos para quere-la viva. Por que está querendo ajuda-la? – Niragi me lança um olhar desconfiado de cima dos ombros enquanto caminha em direção a Takatora.

_Digamos que estou seguindo minha ética. – Respondo. Mas o motivo era bem mais profundo que isso. Colocar a própria filha em um mundo artificial cheio de jogos apenas para que ela morresse em um jogo, parecia algo imbecil demais. Eu presumia que matar Mirai significaria talvez nos prender aqui dentro para sempre. Ela parecia possuir segredos peculiares que não estava contando, se comportava de um jeito muito estranho para alguém que possuía uma carreira militar, e se Chogyun estivesse certo, alguma coisa havia acontecido e ela havia perdido a sanidade.

_Você não tem ética. – Niragi diz se virando para me olhar após dar uma ordem a Takatora para eliminar todos que queriam matar Mirai.

Dou de ombros sem conseguir evitar de sorrir. Ele não precisava saber a real motivação por trás do jogo.

Mirai

 

Sinto o frio penetrar meus ossos, fazendo-os tremer. Observo a minha pele. O biquíni não era de longe nem o suficiente para barrar a baixa temperatura. Havia perdido meu quimono em algum momento enquanto fugia, não que isso fosse de fato ajudar. Quando minha foto havia aparecido no telão, e em todos os celulares da Fronteira me marcando como o alvo, eu havia começado a correr sem parar procurando por qualquer lugar que pudesse servir de esconderijo. Eu havia cogitado sair do resort, mas haviam pessoas lá fora me procurando também, então havia descido até o subsolo do resort, onde ficavam várias cozinhas, como não havia comida abundante, algumas cozinhas estavam abandonadas. Escolhi a mais remota entre elas e por sorte havia um freezer funcionando com os geradores. No início parecia uma boa ideia, entrar no freezer, congelar até morrer e evitar a morte de toda a Fronteira.  Minha respiração tremula fazia pequenas nuvens ao meu redor. Será que eu deveria me deixar congelar aqui? As regras não diziam que o Coringa deveria morrer por mãos específicas.

Inspiro profundamente e me arrependo quando o ar gélido circula pelo interior dos meus pulmões, parecendo congela-lo em alguns pontos. Não sabia exatamente se aquele lugar era capaz de me matar sozinho.

Se eu saísse do subsolo seria caçada, isso era um fato. Embora não quisesse morrer sabia que não conseguiria lutar com todas as pessoas da Praia. Uma hora alguém seria mais forte, ou a exaustão ou um golpe de sorte faria o trabalho.

Mas seria tão ruim? A teoria era de que o Coringa levaria as pessoas para casa. E havia também o fato de que o jogo precisava ser zerado, ou todos iriam morrer, então tudo isso não teria adiantado de nada e eu ficaria aqui, sozinha aguardando novos jogadores serem inseridos e no final talvez acabar protagonizando o mesmo tipo de jogo.

Não queria morrer. Mas não queria que várias pessoas morressem. Saber que minha morte pouparia a vida de um grande volume de pessoas não fazia eu me sentir melhor.

Mas você salvaria Niragi, ele não precisaria morrer e se os boatos fossem verdadeiros ele poderia voltar para o mundo real. Poderia ter uma vida. Fecho os olhos me permitindo imaginar como seria se fosse possível voltar ao mundo real com Niragi. Nós apareceríamos aleatoriamente no meio de Tóquio? Ou só apareceríamos em nossas casas? Ele me procuraria? Ele seria diferente no mundo real? Essas eram só algumas das milhares de perguntas que eu tinha para fazer a respeito dele. Solto um grunhido. Eu nunca conseguiria voltar ao mundo real, mordo meus lábios inferiores, eles estão tão gelados quanto dos meus dentes ou qualquer parte de mim.

Encosto a cabeça na parede metálica me torturando com milhares de lembranças e milhares de fantasias do que poderia ter acontecido, a esta altura estou com tanto frio que posso jurar que estou sentindo o calor dos braços de alguém me envolvendo. Talvez eu já esteja morrendo.

_Você é maluca? O que você tem na cabeça? – Sinto como se uma voz sussurrasse em meu ouvido, sinto meu corpo girar como se estivesse decolando. Eu estava mesmo morrendo?

_Ela não vai te escutar. Devia estar ali há horas, o corpo dela deve estar entrando em choque. Ela precisa de um banho quente. – Uma outra voz se junta a primeira. O que estava acontecendo? Depois do que parecem horas, abro os olhos, ou acredito que os abri. Formas fora de foco passam por mim, e sinto minha pele arder, principalmente quando ela fricciona contra algo áspero.

_Nem pense que você vai ficar aqui e vê-la nua. Vá procurar por roupas, que não sejam de praia. – Ouço a primeira voz novamente, fecho os olhos, mas um solavanco me faz arregala-los em instantes. Pela visão menos embaçada consigo ver uma banheira cheia. Recobro a consciência percebendo que não estou sonhando e que haviam me encontrado.

_Você vai me afogar? – Pergunto com uma pontada de desespero na voz, consciente do homem atrás de mim.

_Que? – Sinto seus dedos agarrarem com força os meus ombros e me virarem rapidamente. _O gelo congelou seus neurônios? – A voz grave de Niragi atravessa meus tímpanos fazendo-me esforçar me ao máximo para enxerga-lo.

O frio havia drenado minhas energias. Percebo após quase cair ao ser sentada na borda da banheira quente e não enxergar absolutamente quase nada.

_O que estava pensando quando se escondeu em um freezer? – Niragi pergunta se agachando paralelamente a mim me olhando preocupado de fora da banheira, depois de me ajudar a entrar. Seus dedos passam ligeiramente por minha bochecha.

_Tenho menos de vinte e quatro horas para morrer lembra ? – Digo, mal reconhecendo minha voz que mais parece um chiado. Estremeço com a água quente que parece descongelar o meu corpo.

_Não, você não vai morrer gatinha. Nós vamos dar um jeito. Há um tempo existiu um jogo parecido, onde ninguém precisava morrer. Deve haver outra forma de jogar. – Ele diz com mãos envolvendo o meu rosto. Seus olhos brilham como se houvessem lágrimas neles, mas era difícil dizer se isso não era efeito da luz das velas.

Chishiya

 

_Talvez não seja ela! – Ele diz me encarando enquanto anda de um lado para o outro. Sei por experiência própria que ele chegou ao fundo do poço do seu desespero.

Estava no corredor após ter feito o que ele pedira. Ele saíra do quarto sobressaltado há alguns minutos, era possível ver que ele estava desesperado, se eu não agisse com cautela e muita sensibilidade acabaria sendo atirado no saguão lá embaixo. A queda certamente não iria me matar, mas estar ferido nesse jogo não seria algo bem-vindo já que não sabíamos o que haveria depois.

O homem que circulava tratando o rifle como um brinquedo tentava convencer mais a si mesmo do que eu, que o jogo havia uma solução que não envolvia matar a garota que estava dentro do quarto. Havia tentado pensar em todas as soluções logicas possíveis, isso não era um jogo de Copas, na verdade Coringa parecia mesmo fazer jus a sua imagem, o jogo era doentio, sem solução logica e apenas uma parecia ser plausível, era mesmo de enlouquecer. Talvez representasse sacrifício, mas não sabia exatamente de que ou quem. Sinceramente Mirai só tinha valor a algumas poucas pessoas, sua morte não parecia um sacrifício, a menos que ela soubesse de algo, então ela teria mentido o tempo todo? Fingindo ser ingênua quando na verdade talvez possuísse muito mais informações do que disponibilizara? Talvez.

_Se continuar andando assim, vai fazer um buraco no chão. – Digo com ironia. Não deveria estar fazendo piadas, aquele homem mudava de humor com uma velocidade alarmante e o mais simples olhar poderia ser como assinar uma sentença de morte.

Não espero uma resposta e me afasto, entrando no quarto. Reviro os olhos quando ouço a voz irritada do homem me seguindo murmurando palavrões e proferindo insultos e ameaças se eu por acaso me atrever a entrar no banheiro. Me jogo na poltrona gigante abandonada no centro do quarto e retiro minha caderneta do bolso. Rever a trajetória de pistas talvez me ajudasse a encontrar o motivo pelo qual a garota tinha que morrer.

Mirai

 

Rolo na cama, sem conseguir dormir, não sei exatamente quanto tempo ainda falta para a prova acabar. Niragi havia se irritado e tomado meu celular depois de eu ter passado várias horas obcecada com o cronometro da prova.

Eu sabia que ele e Chishiya não haviam encontrado uma solução, embora eles não falassem sobre a prova na minha frente, a cara e o mau humor de Niragi revelavam que o tempo estava acabando e eu teria que morrer ou todos na Fronteira iriam morrer. Eram vidas demais para serem sacrificados em prol de alguém que nem sequer conheciam, e um grande peso para carregar na consciência se por acaso houvesse uma possibilidade ínfima de eu sobreviver. Mas eu já havia tomado uma decisão, bem antes de ter sido retirada do freezer. Ficar lá congelando aos poucos me deu muito tempo para refletir sobre tudo. O caminho que a minha vida havia tomado parecia um enorme beco sem saída. Tudo pelo que eu havia trabalhado no mundo real havia se voltado contra mim nesse mundo. Apesar de ter sido trancada em meu próprio programa, minhas mãos estavam manchadas de sangue tanto quanto as mãos dos meus próprios pais. Não era justo sobreviver e levar milhares de vidas junto.

Olho para o lado. Niragi havia adormecido abraçando a metralhadora, seu rosto era tão tranquilo quando ele dormia, que o fazia parecer vulnerável, talvez fosse por isso que ele sempre desaparecia antes de eu conseguir acordar.

[1] Me levanto cuidadosamente da cama, colocando a Bíblia que Niragi havia me deixado no bolso, atravesso o quarto em direção a porta, passando por Chishiya que está igualmente adormecido com um caderno em mãos. Pego a arma que Niragi havia deixado na mesa ao lado da porta junto de algumas munições e saio.

[1] Desço a escadaria do resort deserto. Não havia sequer uma pessoa a vista. Pelo que havia entendido, os últimos milicianos fieis ao seu chefe haviam expulsado todas as pessoas a favor de matar na base da violência, o que havia ocasionado um tipo de guerra civil. O lado bom era que os portões da Praia eram resistentes o suficiente para evitar invasores. Mas agora isso pouco importava, olho para o telão com o cronometro da prova. Faltavam dez minutos. Um pouco menos de tempo do que esperava. Seguro a arma com firmeza, não havia muito o que fazer. Eu não poderia viver em um mundo sem ele. E se morrer era o necessário para mantê-lo vivo, eu faria.

Chogyun

 

_Ela vai morrer lá em cima. –An diz sentada no chão abraçando os joelhos. _Isso é culpa minha. – Ela apoia o rosto nos joelhos.

_Ela vai sobreviver. Esse tipo de pessoa sempre sobrevive. – Digo com um suspiro. Já estava claro para mim que a garota vinha de alguma zona de conflito. Geralmente esse tipo de pessoa se virava com qualquer situação em suas mãos. Ou fugia. Como eu também deveria ter feito, a muito tempo atrás no mundo real. Solto um suspiro. Odiava quando as lembranças do mundo real começavam a me atormentar me lembrando do motivo que me fez estar aqui dançando com a morte, ou o que quer que fossem que aqueles lasers vermelhos provocassem.

Onde eu havia falhado? Havia conseguido fugir do ambiente hostil e controlado da Coreia do Norte. A que preço? Sacrifício de toda minha família. Mãe, pai, irmãs, tios e avós. Toda a minha arvore genealógica pela liberdade. Parecia o certo a se fazer na época. Parecia uma ironia do destino, que agora eu estava prestes a ser extinto também, não por que Mirai sobreviveria, não, mas pelas mãos de um homem desiquilibrado brincando de Deus. Se haviam convocado até a Mirai, quanto tempo levariam até me sacrificarem como um peão em um jogo?

Era engraçado visto de outro ângulo imaginar que havia de certa forma entregue minha vida por alguém que jamais sentiria algo por mim além de pena. O que era isso auto piedade? É, acho que podia ter um momento de auto piedade enquanto as pessoas se acabavam em sangue na superfície.

Eu havia mesmo escalado toda a pirâmide do sistema capitalista, havia saído do zero, das ruas do desespero da miséria e chegado ao confortável topo onde não precisava mais me preocupar com o valor potencial da compra. E tudo isso teria dado certo, se no meio do caminho, mais precisamente no ensino médio eu não estivesse na mesma escola que a aquela garota. A vida seguiria como o planejado se eu não houvesse visto aquela garota, do primeiro ano sorrindo despreocupadamente e remexendo os cabelos chocolate ao caminhar.

Droga. Ainda me lembro como se tivesse acontecido ontem. Naquele dia jurei que conseguiria tudo. Absolutamente tudo. O maior cargo, a carreira mais promissora e estável. Mas mesmo conseguindo tudo. Ela não me escolheu. Solto uma risada amarga. E continuou não escolhendo, e eu continuei acreditando que quanto mais alto chegasse mais perto de conquista-la eu chegaria. Mas havíamos vindo parar aqui, e agora ela havia escolhido Niragi, depois de parar do outro lado do mundo, era patético e inegável mesmo que insistisse em me cegar, existia algo próximo de amor ali. Embora gritasse o tempo todo sobre a inexistência do amor e de almas gêmeas não significava necessariamente que eu não acreditava nisso, o termo era ridículo, mas extremamente adequado ao momento.

O lado ruim, era que essa história terminaria de um jeito trágico. Não sabia deduzir se os efeitos desse jogo seriam bons ou ruins. Esfrego os olhos desalinhando os óculos e me levanto. Solto um grunhido. Havia ficado sentado por tempo demais, minha coluna já não era a mesma de anos atrás.

_Você está bem? – An toca o meu braço.

_S-sim, só estou velho. – Respondo após me sobressaltar por um instante. Ela havia ficado tão quieta que eu até havia me esquecido que ela estava ali.

De repente suas mãos tocam o meu rosto, e ela ajeita a armação dos meus óculos. A encaro com uma careta, estava pronto para fazer um comentário ácido, mas a vibração do aparelho em meu bolso me faz pega-lo.

Jogo Concluído

Parabéns

 

Já? Reflito. Quando tempo havia se passado? Bem, não havia muito a se fazer agora. Lamentar, chorar ou surtar não ressuscitaria ninguém.

An me encara me mostrando o seu celular como se não acreditasse no que estava lendo.

_Eles a mataram. – Ela diz levando uma mão a boca. Seu rosto começava a parecer histérico.

_Ela está morta. – Confirmo. _Mas não foi necessário que alguém a matasse. Ela mesma se sacrificou.

[1]_Por que diabos ela se mataria? – Ela pergunta.

_Por ele. – Digo dando de ombros.

_Mas... – ela começa a contestar, mas a interrompo.

_Você melhor do que ninguém deveria entender isso. Ela era um clássico mártir. Ela não deixaria ele morrer, sob pretexto de ama-lo mais do que a própria vida, ou outro clichê qualquer. De qualquer forma foi uma escolha, como a que todos nos fazemos em nossos jogos.  – Digo colocando as mãos nos bolsos. Acho que agora voltamos ao resort para ver se os boatos eram mesmo verdade.

_Espera, mas e a Jodelle? – Ela pergunta me seguindo enquanto saio pela porta.

A encaro incrédulo por ela não ter percebido que ela havia sido usada como rota de fuga.

_Ela fugiu. – Digo-lhe a verdade. _Por que precisaríamos de comida se o jogo só duraria vinte e quatro horas e suspostamente todos iriamos morrer? – Pergunto olhando-a.

_Ela me enganou? E você sabia e não falou nada!? – Ela me olha com ar de indignação.

_Você não percebeu isso? Você é uma péssima policial. – Digo dando de ombros.

_Eu sou uma médica legista não um policial. Você consegue ser mais sabichão do que o Chishiya. – Ela diz.

Não consigo deixar de sorrir com a comparação exótica. Chishiya e eu parecíamos dois polos opostos. E nos colocar lado a lado era no mínimo cômico.

_Pode tirar esse sorrisinho do rosto, não é um elogio. Vocês dois são irritantes. – Ela diz começando a andar á minha frente.

_Agora você falou igual ao Niragi. – Digo me colocando a segui-la

_Tá brincando não é? – Ela se vira um pouco enquanto sobe a escadaria do metro.

_Talvez. – Encaro o chão sorrindo um pouco surpreso. Quando havia sido a última vez que eu havia feito uma piada?

Niragi

 

Acordo assustado ao ouvir o som de um único disparo. Por um segundo penso que as pessoas lá fora conseguiram invadir, mas um único disparo seria muito pouco para o recomeço de um embate.

Não havia notado que havia adormecido com a arma na mão, aquilo era imprudente como o inferno, me endireito ouvindo meus ossos estalarem e sentindo as dores de ter dormido em uma posição esquisita.

Olho para o lado procurando por Mirai, mas a cama está vazia. Franzo a testa me levantando e rumando em direção ao banheiro. Também vazio. Caminho apressadamente em direção a Chishiya que está apagado na poltrona.

_Acorda imbecil, onde está a Mirai? – Lhe chuto quase jogando-o no chão.

Ele acorda com um grunhido de dor irritante

_Não sei – ele esfrega o rosto com uma das mãos. _Vocês não estavam na mesma cama?

_Babaca – Murmuro saindo pela porta afora.

[1] Caminho pelo corredor, esquadrinhando cada centímetro quadrado, e desço os degraus da escada em espiral. Uma poça de sangue se formando no chão é visível de onde estou, mas a pilastra encobre o rosto da pessoa. Uma arma pende na mão entreaberta do corpo. Um suicídio? Minha mente parece trabalhar lentamente.

Ouço um grito agudo. Só para então perceber que ele parte de mim. Minhas reações parecem tão automáticas que não consigo perceber que elas partem de mim. Sinto que estou apenas observando do alto toda a cena.

[1] Agarro o corpo no chão, sem conseguir parar de gritar, e sem conseguir deixar de chacoalha-lo como se assim lhe fosse devolver a vida. O sangue morno umedece meus joelhos através do tecido da calça, meu rosto, consigo sentir seu sangue mancha-lo.

[1] Isso não podia ser real. Aquele jogo. Ela realmente havia se matado por causa do jogo? Ela havia se matado pelas pessoas que a queriam morta lá fora?

Me levanto, não sem antes deitar seu corpo cuidadosamente no chão.

Caminho em passos automáticos até o exterior do resort.

Pessoas se acumulam nas portas como zumbis de algum filme ruim de ficção cientifica, vagando, esperando.

_Vocês querem saber o resultado do jogo? – Grito para aqueles seres enquanto abro o portão.

As pessoas me encaram com expectativa, se aproximando lentamente, espero até que elas estejam em uma distância boa o suficiente e começo a atirar. Mataria todos eles, acabaria com o jogo de uma vez por todas.

 

Chogyun

 

Alguns dias após o fim do jogo...

 

An e eu havíamos voltado para a superfície após o fim do jogo.

 Haviam muitas pessoas que sobreviveram, mas também haviam muitas que morreram. O desespero em caçar o Coringa parecia ter feito as coisas saírem do controle. Passamos uns bons dias removendo corpos das ruas e enterrando-os em cemitérios improvisados. Segundo An era o correto a se fazer. Ninguém a havia questionado quando ela havia dito isso, então as pessoas apenas a obedeceram, até mesmo os milicianos. Algumas pessoas ainda estavam desaparecidas, inclusive Mirai. Todos afirmavam veementemente que ela havia morrido. Mas não havia um corpo, as pessoas não sabiam quem a matara. Agora entendia como ela se sentia quando todos a disseram que Niragi estava morto. Sem um corpo era mesmo difícil de se acreditar.

Haviam muitos boatos estranhos sobre o andamento do jogo. Só as pessoas que concordaram em não fazer mal a ela se encontravam dentro das dependências do resort, mas mesmo assim uma delas a tinha matado, pelo menos era isso em que acreditavam, cada um tinha uma aposta diferente. Algumas pessoas que estavam escondidas e sobreviveram ao massacre disseram que todos souberam a hora exata em que Niragi a encontrou morta, seus gritos podiam ser ouvidos por todo o quarteirão, e ele saiu e atirou em todo mundo que encontrou pela frente. Essas mesmas pessoas juraram também que ele só parou quando um laser atravessou sua cabeça. Até então não sabíamos se a história era verídica, mas a julgar a quantidade de corpos no chão, era questão de tempo até encontrarmos o de Niragi entre eles.

 

 

 

 


Notas Finais


Não. Não acabou.


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