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História A Destruição do Olimpo - O Último Adeus?


Escrita por: MiniNicc

Notas do Autor


-> ALERTA CAPÍTULO GRANDE.

É, amores...chegamos ao fim do ( 1 ) PRIMEIRO ATO. ( 1 ) PRIMEIRA TEMPORADA.

OBRIGADA por terem me acompanhado até aqui. Obrigada pelas quase 17 MIL visualizações, pelos 500 favoritos e quase 1000 comentários. Mais uma vez: VCS SÃO PAU.

Boa leitura.

Capítulo 50 - O Último Adeus?


Fanfic / Fanfiction A Destruição do Olimpo - O Último Adeus?

 

Toc toc. Uma batida curta na porta do seu quarto. Nimuë estava sentada na beirada da cama ainda com a roupa do Caça à Bandeira, embora já fossem praticamente 4 horas da manhã. O jogo havia terminado com a vitória fácil e rápida da Equipe Azul, pois o capitão desta escondeu a bandeira em si mesmo, usando o exemplo de Annabeth Chase no último jogo. A diferença de Kael di Maggio para a filha de Atena é que ele ocupa, indiscutivelmente, a posição de semideus mais poderoso do Acampamento. Ou seja, absolutamente ninguém conseguira retirar a bandeira dele e a Equipe Azul sagrou-se campeã da Caça à Bandeira mais um mês. Nimuë nem precisou lutar ou se sujar muito. Porém, ainda sim, estava destruída. Não por causa do jogo ou do esforço físico que este lhe exigira, mas sim por causa da visita que recebeu logo quando retornara ao Chalé 3.

— Entra! — Nimuë respondeu à batida na porta, depois de alguns segundos viajando e encarando suas próprias mãos sobre as pernas. A porta do seu quarto se abriu, e Percy Jackson adentrou o recinto com um olhar indecifrável no rosto. Nimuë tentou não encarar ele por muito tempo, senão tinha medo de começar a chorar. Então apenas continuou olhando para frente, ou para suas mãos deitadas sobre suas coxas.

—  Como você está? —  seu irmão lhe perguntou, enquanto caminhava ambiente a dentro. Até que parou em sua frente. Percy também usava sua armadura da Caça à Bandeira, e seu cabelo escuro estava um pouco sujo de terra. Se ele balançasse a cabeça, com certeza cairia areia em seus olhos esverdeados. 

— Como você acha? — a sereia respondeu, com o olhar petrificado. Sentia-se perdida, completamente sozinha dentro da imensidão que reverberava dentro de si mesma. Era como se estivesse sozinha em um salão escuro com 10 vezes o seu tamanho, e olhasse para todos os lados sem saber o que fazer. Sem saber onde estava.

Quando retornou para o Chalé 3, logo após o Caça à Bandeira, recebeu a última visita que imaginou receber naquela madrugada. Seu pai, Poseidon, estava lhe aguardando. O Deus dos Mares encontrou Nimuë e Percy Jackson e os chamou para conversar. Contou que havia visitado o Olimpo mais cedo, e havia chegado a um acordo com o Todo-Poderoso para controlar a crise. Havia encontrado uma solução definitiva para todos, principalmente para Nimuë. O acordo, para o Deus dos Mares, era simples. E, para Zeus, provavelmente era mais simples ainda. Eles queriam que ela deixasse o Acampamento para trás, como fizera com Cathlon há meses atrás, e se mudasse novamente para o fundo do Oceano Pacífico. Dessa forma, o Todo-Poderoso cessaria as investidas contra a sereia e contra todo o Acampamento Meio-Sangue. Simples assim. Seu pai, o Deus dos Mares, tivera a audácia de aparecer e lhe falar isso como se fosse a coisa mais óbvia e normal do mundo. Como se tivesse encontrado a solução mais prática e simplória para seus problemas. Ele só ignorou...o principal de tudo. A sereia era uma pessoa como qualquer outra. Uma garota, de apenas dezessete anos, com sentimentos como qualquer ser humano. Com sentimentos. Poseidon havia ignorado completamente seus sentimentos, como se isso fossem emoções meramente mortais e semideuses não pudessem se dar o luxo de senti-los.

— Eu gostaria de poder te ajudar, mas essa é uma decisão que... — seu irmão, parado na sua frente com os braços cruzados sob o tórax, começou a falar. Mas a sereia o interrompeu, levantando o queixo para lhe encarar.

— O que você faria? — ela o perguntou, apreensiva. Se fosse para escutar a opinião de alguém, queria que fosse a dele.

— Eu não posso te... — Percy tentou fugir do assunto, mas a sereia não iria desistir tão fácil. Ele já conhecia o suficiente para saber disso.

— Se você tivesse essas duas opções. Ir ou ficar. Aceitar, ou recusar. Nas mesmas condições em que eu me encontro agora. Se fosse com você o que você faria, Percy? — Nimuë o questionou. O filho de Poseidon hesitou responder a pergunta, mas quando estava prestes a fazê-lo, a sereia o interrompeu novamente. Ela parecia extremamente confusa, desesperada, imersa em pensamentos. Falava mais sozinha do que consigo.

— Nos falaram que o Acampamento Meio-Sangue é o local mais seguro do mundo para um semideus viver. Nos convenceram disso ao longo dos anos. Mas essa é uma grande mentira. O sistema é falho, Percy. Meu deus! — ela exclamou, como se tivesse feito a maior descoberta do mundo. — Você não percebe? Aqui é como Hogwarts, e eu sou a merda do Harry Potter. Não existe lugar seguro para alguém que tem como inimigo a pessoa mais perigosa e poderosa do mundo. Para Harry era o Voldemort, o bruxo das trevas mais temido do universo. O mais forte, e o mais poderoso. E pra mim... — a sereia murmurou, deixando o nome do Todo-Poderoso do Olimpo reverberar no ar. Os olhos verdes dela jaziam petrificados, à medida em que a sereia ia percebendo e conectando os fatos na sua cabeça. Percy, de início, achara engraçado a comparação dela. Entretanto, era a melhor analogia que ele já escutara na vida. Merda, pensou consigo mesmo. Nimuë era realmente era o Harry Potter. E o Acampamento Meio-Sangue era Hogwarts, onde os alunos estavam constantemente em perigo embora todos os professores tentassem negar. Até mesmo Quíron era parecido com Dumbledore.

- Eu não posso ser inimiga dele, Percy. Não posso bater de frente. Mesmo que o Sr. D e o Sr. Quíron encontrem o traidor que permitiu a entrada dos monstros no Acampamento, Zeus tem poder o suficiente para persuadir qualquer um aqui de dentro a fazer isso novamente. Ele tem poder o suficiente para desfazer o feitiço da Barreira de Thalia e nos atacar diretamente se assim achar necessário. Nós podemos apenas lutar e enfrentar tudo juntos mas... não iremos vencê-lo. Nós vamos apenas morrer tentando! — ela complementou, deixando as lágrimas tomarem conta do seu rosto atraente. Percy tomou alguns segundos para raciocinar e seguir a mesma linha de pensamento dela. E no fim chegou a conclusão de que ela já havia pensado sobre aquele assunto um milhão de vezes. Já havia desenhado o mapa de todos os caminhos possíveis a seguir, de todas as variáveis e todas as opções. Era por isso que a sereia a possuía cem por cento de razão em tudo o que falava. Todos os caminhos os levariam ao mesmo lugar. Todos os caminhos os conduziriam a morte. Não só ela, mas Percy. Kael di Maggio. Provavelmente Annabeth e qualquer outra pessoa, seja ela Semideus ou Deus, que tentasse interferir. Era uma catástrofe premeditada e anunciada.

— Ou, eu posso aceitar o acordo. E impedir tudo isso. Impedir uma guerra, impedir mortes desnecessárias, impedir a destruição. Mas pra isso... eu vou ter que abandonar tudo de novo. A minha rotina, os meus amigos, a minha família. Eu vou perder você, Percy. Eu vou perder ele! — a sereia mal conseguiu pronunciar a última parte, referindo-se a Kael di Maggio. Referindo-se, obviamente, ao grande amor da sua vida. Não importava que haviam terminado, e que atualmente mal se falavam direito. Nimuë o amava mais do que amava a si mesma, e se separar definitivamente assim de alguém era algo que lhe machucaria mais do que a própria morte. Nunca mais vê-lo...

Seu peito se retorcia completamente somente de imaginar isso. Somente de premeditar a dor que haveria de sentir caso escolhesse partir.

— Eu vou te perder, vou perder meus amigos, e... vou perder ele. Então por favor, Percy. Me diz o que você faria? — a sereia perguntou novamente, levantando o queixo para encarar seu irmão. O filho de Poseidon respirou por alguns segundos e então sentou-se no chão, na frente dela. O quarto de Nimuë, dentro do Chalé de Poseidon, era revestido por um tapete branco peludinho que fazia Percy ter vontade de deitar nele para tirar um cochilo. Aquilo deveria ser mais caro que o seu próprio colchão. O filho de Poseidon encarou a figura mirrada e encolhida da sereia sentada na lateral da cama, e teve a impressão de que havia algo de diferente nela. Não soube explicar o quê, mas essa sensação crescia cada vez mais. E com certeza não era o novo corte de cabelo, que agora jazia curto e ondulado na altura dos ombros.

 — Você é a pessoa mais forte que eu já conheci na vida, sabia? — Percy falou, abraçando as próprias pernas para se apoiar. — Eu tenho quatro anos a mais que você, e acho que eu não conseguiria ter passado nem por um terço do que você passou na vida. A perda da sua mãe, a forma que teve que abdicar da sua infância e se tornar uma governante responsável pela vida de milhares de pessoas. Depois o súbito abandono de tudo o que estava acostumada no auge da sua adolescência para vir morar em um lugar onde você não conhecia nada e nem ninguém. E por fim o ataque ao Acampamento. A morte do Kael, o término de vocês e agora isso. O peso da Profecia que você não tem culpa de estar envolvida. — o filho de Poseidon completou, praticamente elencando todos os traumas e as dificuldades que a sereia já havia passado na vida. Puta que pariu, ela chegou a pensar sozinha. Duvidava que alguém com a mesma idade que a sua tivesse um histórico tão perturbado assim. Tivesse uma jornada de vida tão dolorosa e trágica quanto a sua. — Eu não teria aguentado ou enfrentado tudo isso de cabeça erguida assim. O que não me faz qualificado para te dar nenhum conselho sobre isso. Mas o que eu posso te relembrar é do quanto você é forte e capaz de sobreviver a isso. Você é a guerreira mais resistente que já pisou nesse Acampamento, e você vai sobreviver a isso como já sobreviveu a muitos outros obstáculos! — Percy exclamou, colocando a mão no joelho da sereia quando a viu se debruçar em lágrimas. Sentou-se mais perto das pernas dela, e a encarou profundamente.

—  Olha pra mim! —  seu irmão pediu, com a voz aveludada e poderosa. A filha de Poseidon encontrou os olhos verdes de Percy Jackson, tão cristalinos quanto o Oceano Pacífico.

— Me escuta com atenção, tá bom? Você nunca vai me perder. Nunca! — seu irmão falou, com o olhar marejado de emoção e dor. — Se você escolher ir, eu prometo te visitar todos os meses. Prometo ser o mais presente possível na sua vida, e mesmo quando estivermos separados ainda sim estarei pensando em você. Nós somos uma família, e eu nunca vou te abandonar. — Percy complementou. — E se você escolher ficar, nós vamos enfrentar o que tiver que enfrentarmos juntos. Até o fim. — o filho de Poseidon finalizou, com uma certeza na voz que Nimuë nunca tinha presenciado. Deixou uma lágrima escorrer, e sentiu-se grata por ter esse apoio dele.

— Ainda sim, eu estou com medo! — foi tudo o que a sereia conseguiu responder. E não poderia ter sido mais sincera. Estava com muito medo. Estava desesperada, e apavorada.

— Eu sei. É bom sentir medo, significa que você está pronta para decidir. Significa que você sabe o que deve fazer. — Percy falou, inflando o peito para uma respiração longa. E então fez algo que não queria fazer. Mas sua irmã estava tão perdida que ele sentiu necessidade de ajudá-la da forma que fosse.

— Eu colocaria a segurança dela, a sua e a de todos os outros campistas em primeiro lugar. — o filho de Poseidon falou, referindo-se à Annabeth. Estava dando a sua opinião, caso fosse ele no lugar da sereia. E talvez realmente fosse o único que pudesse dar esse parecer, porque sentiria a mesma dor dela caso precisasse abandonar sua namorada. Caso precisasse abandonar a pessoa que mais ama na vida. — Eu colocaria a segurança de vocês em primeiro lugar sempre, por mais que isso fosse me doer. Por mais que essa decisão fosse me destruir completamente. Eu faria o que é certo para a maioria das pessoas, ao invés do que é certo somente para mim — Percy concluiu, por fim. Os dois filhos de Poseidon eram, provavelmente, duas das pessoas mais altruístas e benevolentes que existiam. Talvez isso fosse uma característica paterna, mas ainda sim era o que mais os ligava e os conectavam. A sua forma igual de pensar, e de agir. A forma em que eram dispostos a proteger, a fazer o bem de olhos fechados sem se importar o quanto seriam destruídos por isso. Talvez esse seja o verdadeiro significado de ser o protagonista da sua própria história. Talvez esse seja o verdadeiro significado de heroísmo.

Para ser um herói você não precisa ser o mais poderoso e o mais indestrutível. Afinal, o herói nunca é o último em pé. O herói é aquele que morre ou que se destrói para salvar tudo e todos. É aquele que sacrifica o que tiver que sacrificar em prol da maioria das pessoas. Para isso você não precisa ser o mais forte e capaz guerreiro entre todos. Você só precisa de coragem, e caráter. Duas características que sobravam tanto em Nimuë, quanto em Percy Jackson.

— Obrigada, mano! — a sereia agradeceu ao filho de Poseidon por ter compartilhado sua opinião. Sabia o quanto deveria ter sido difícil para ele isso.

— Eu vou te dar um pouco de espaço, tá bom? Estarei ali fora se você precisar de mim — Percy lhe respondeu, se levantando do tapete. Ele lhe deu um beijo carinhoso na testa, e caminhou em direção a porta. Nimuë conferiu o relógio na cabeceira da sua cama, e confirmou que eram 4:56 da madrugada. O Caça à Bandeira havia terminado, como sempre, perto das 3 horas da manhã e agora provavelmente estaria tendo alguma festa no Chalé de Ares para a Equipe vencedora. Como Percy e Annabeth faziam parte da Equipe que perdera, não haveria comemoração alguma. Então a sereia tinha presumido que eles iriam descansar, como qualquer outra noite.

— Você não vai dormir? — ela perguntou ao filho de Poseidon antes que ele pudesse abrir a porta.

— Eu não conseguiria nem se eu tentasse. E tenho certeza que o Deus dos Mares vai entrar em contato logo, então ficarei preparado — ele admitiu, dando de ombros. Realmente, Nimuë pensou. Depois da visita de Poseidon e dessa situação atordoante em geral, ninguém em sã consciência conseguiria dormir.

Até porque o Deus dos Mares havia deixado claro que o acordo era imediato. Não era para a sereia lhe dar uma resposta semana que vem, ou daqui um mês. Ele iria retornar ao Acampamento e prepará-la para retornar à Cathlon dentro de algumas horas, no máximo. Se é que já não estava retornando. Nimuë precisaria se preparar para partir, ou então se preparar para enfrentar a fúria do seu pai quando recebesse um não como resposta. E a fúria de um Deus que controla a própria fúria dos Mares com certeza não deveria ser algo agradável de se ver.

— Tá bom — a sereia respondeu ao seu irmão, dando de ombros como se aquilo não fosse nada demais.

— Vou passar um café, se você quiser — Percy ofereceu, com um sorrisinho amarelo de quem diz que apenas um café lhe ajudaria naquela situação. Nimuë riu, e assentiu com a cabeça enquanto balançava seus cachos loiros. Ainda não havia se acostumado com o seu cabelo curtinho assim.

— Quero sim, obrigada. Eu já vou — ela respondeu, deitando o corpo para trás na cama. E encarando o teto do Chalé de Poseidon.

— Tome o tempo que precisar — Percy Jackson lhe respondeu, fechando a porta atrás de si.

 

-#-

 

A visita do seu Soberano maior pegou todos no Reino de Cathlon desprevenidos. A última vez que o Deus dos Mares havia presenteado o Reino Afundado com sua presença fora há dezessete anos atrás, quando trouxera sua filha de apenas quatro dias de vida enrolada em um lençol branco roubado do Olimpo. Desde então, Poseidon se tornara uma lenda distante. Seu nome era citado apenas em histórias de dormir, contos de fadas, fábulas ou nos livros de história que enfeitavam a Biblioteca Central. Nem mesmo a própria filha, que ele trouxera para ser acolhida e protegida, tinha contato com o pai. Entretanto agora, depois de todo esse tempo, Poseidon havia retornado para Cathlon com um anúncio importante para fazer.

A regente, Sra. Mayda-Tamiel, certificou-se de todos os preparativos para receber o Deus soberano dos Mares muito embora a sua experiência já lhe premeditasse qual era o assunto. Poucas pessoas no mundo eram mais sábias e experientes do que a sereia-anciã de Cathlon. Mayda, além de possuir quase 500 anos de idade, ainda era espirituosa e sensitiva. Trabalhava com as energias ao seu redor, e ainda possuía um grande dom herdado da sua família. Se estivesse em contato com a pele de alguém, conseguia ter uma série de visões ou relapsos momentâneos sobre a vida dessa pessoa. Já lhe tinha sido útil em diversos momentos, embora Mayda não gostasse muito. A sereia-regente de Cathlon abriu as largas portas douradas do Castelo e nadou pelo salão principal. Estava indo de encontro ao Deus dos Mares que, nesse exato momento, já deveria estar reunido com os membros do Parlamento. O corredor principal do castelo, localizado no topo da única montanha do Reino Afundado, era um local inexplicavelmente grandioso e bonito. Desde o chão até o teto, deveriam existir mais de 50 metros de altura. As paredes? Revestidas com ouro puro. Os lustres de iluminação? Também. As estátuas gigantes de tritões cruzando suas lanças para formar um arco de passagem? Feitas de ouro dezoito quilates. Somente um pedaço, ou um dedo que fosse daquelas estátuas, poderia levar o mortal ou o humano mais simplório a completa loucura. Poderia iniciar uma guerra entre os homens. Mortais já haviam guerreado por muito menos. Era por esse motivo que o Reino era afundado e completamente isolado de tudo e todos. Era escondido, e longe dos olhos gananciosos do ser humano fraco e mortal.

Ao final do corredor, os guardas do palácio curvaram-se quando a sereia anciã passou. Reverenciaram-na como reverencia-se à uma rainha. À uma deusa. A sereia regente de Cathlon, embora já passasse dos seus mais de 500 anos de existência e experiente, ostentava a aparência de uma mulher jovem e extremamente sedutora. Seus olhos eram azuis-cinzentos como os de seu pai, o Duque Louis-Tamiel. E seus cabelos eram castanho-escuros, compridos e lisos como de qualquer sereia. Ela os mantinha tradicionalmente soltos, balançando com o levar das águas. Entretanto, hoje os usava presos em um penteado deveras elegante. Estava entranhado em uma trança viking que mantinha a parte superior dos seus fios enrolados na sua coroa de regente. Normalmente não a usava, mas se havia uma circunstância em que a coroa era necessária com certeza seria aquela. Não era sempre que Cathlon recebia a visita do Deus dos Mares.

Quando virou a esquina do corredor que desembocava na sala de reuniões, Mayda avistou os membros do Parlamento. Assustou-se. Ali, conversando e parados do lado de fora da sala, estavam os Duques Louis-Tamiel, Alfred Wassex, e William Reinaldi. O duque Eleanor de Aquitânia, o marquês Henrique Teck-Bowes, e a duquesa Alexandra de Hesse-Cassel. Os seis, junto com a Princesa-Regente Mayda, formavam o topo da realeza e do comando do Reino. Por ser filha de um duque, Mayda sempre fora uma duquesa. Entretanto, com sua ascensão ao cargo de regente na ausência da Princesa Sacerdotisa Nimuë, Mayda recebeu o título de Princesa. Junto com ela e acatando as suas ordens, o Parlamento e o Gabinete mantinham diariamente o Reino funcionando. Tratavam da economia, do comércio, dos negócios, da saúde, da educação, questões sociais e absolutamente tudo o que fosse necessário com maestria, eficiência e pulso firme. Não erravam nunca. Eram categóricos, eficientes e profissionais. Por esse motivo, Mayda assustou-se ao vê-los do lado de fora da Sala. Quem é que tivera a brilhante ideia de deixar o Deus dos Mares esperando tal qual um paciente que espera o dentista?

— O que é que está havendo aqui? — a Princesa perguntou assim que se aproximou dos membros do Parlamento. Seu pai, o Duque Louis-Tamiel, também conhecido como Mestre da Moeda, foi o primeiro a se manifestar e explicar.

— Vosso Soberano nos dispensou, alteza. Ele requer apenas a sua presença! — o duque falou, com sua característica voz de eloquência. Entretanto, Mayda conhecia o pai o suficiente para saber que ele estava irritado. No mínimo ofendido. Ninguém ousava lhe dispensar ou lhe tratar como qualquer coisa menor do que sua alta posição na realeza impunha. Ele não estava acostumado a isso. Muito pelo contrário. Entretanto, era de Poseidon que eles estavam falando. Se existia alguém que era indiscutivelmente superior ali, esse alguém era o Deus Soberano dos Mares.

— Compreendo. Aguardem no Salão Real, então! — Mayda bradou as ordens, que foram automaticamente obedecidas. A sereia-anciã aguardou que os membros do Parlamento se afastassem para, só então, abrir a porta dourada que se estendia do teto do Palácio até o chão.

Ela nunca se cansava da beleza que era aquela sala. O vidro temperado e espelhado que a circundava completamente era daquele tipo que impede os que estão de fora de olharem o que está dentro. Porém, quem está dentro consegue ter uma visão completa do que acontece lá fora. A grandiosa janela panorâmica dava-lhes uma vista absoluta do lado de fora do Palácio. Na ala oeste. Era possível enxergar os jardins e, mais ao longe após os muros de entrada do Castelo, os prédios do Reino. A vida geral em Cathlon. As construções, o hospital, a ponta do prédio mais alto do Reino, onde aconteciam as principais reuniões de comércio e negócios. Dali, da Sala do Parlamento, era possível ver até mesmo dentro das casas e apartamentos dos moradores. De tão espetacular, ampla e minuciosa que era a vista. Exatamente no centro da Sala, ao fim da mesa comprida e extensa onde as reuniões do Gabinete e Parlamento ocorriam, estava Poseidon. Alto, elegante como Mayda se lembrava e extremamente poderoso. Tanto que, somente de estar na presença dele, você se sente acuado e diminuído. Como se a aura e a essência dele mandasse você se curvar automaticamente. Então foi o que a sereia-anciã fez.

— Vossa Majestade, meu Soberano! — ela pronunciou, ao reverenciá-lo. O Deus dos Mares abriu um sorriso encantadoramente atraente, e gesticulou com a mão lhe liberando da reverência.

— Mayda! Aproxime-se, por favor. — Poseidon bradou, descruzando os braços sob o peitoral forte e definido.

— Você achou rude da minha parte dispensar o seu Gabinete? — ele lhe perguntou, de forma descontraída e informal. Provavelmente Poseidon havia escutado as conversas do outro lado da porta dourada, ou até percebido as reações dos próprios duques. Ele era um Deus. Sabia e ouvia absolutamente tudo. Mayda limpou a garganta, pois estava seca devido a sua ansiedade e nervosismo. Era uma sereia centrada, fria, inteligente e extremamente responsável para lidar com assuntos e reuniões formais . Entretanto, estar na presença de um Deus poderoso como Poseidon desestabilizava qualquer pessoa.

— Jamais, Vossa Majestade. O senhor tem absoluta autoridade para fazer o que quiser — a sereia anciã respondeu, com a voz razoavelmente falhada. Poseidon percebeu. O Deus dos Mares gostava disso. Sabia que deixava as mulheres nervosas com sua presença e aparência, e as vezes até se permitia aproveitar esses momentos para massagear seu ego.

— O que eu quiser? — ele perguntou, deixando o duplo sentido subentendido no ar. Deixou seus olhos verdes correrem pelo corpo da sereia anciã tempo o suficiente para que ela percebesse suas intenções. Mayda era um ser sirênico que reunia todas as características principais que sua raça impunha. Era sedutora, atraente, o corpo voluptuoso com curvas femininas. A cauda era mais longa do que a maioria das sereias, devido a sua idade e experiência, e possuía uma tonalidade de azul que combinava perfeitamente com seus olhos claros. O cabelo castanho-escuro complementava o toque perfeito da sua beleza. E a coroa no topo da sua cabeça lhe conferia respeito e status o suficiente para ser cortejada por um Deus poderoso como Poseidon.

— Com algumas exceções, eu creio. — ela respondeu, sendo ousada o suficiente para lhe cortar. Poseidon sorriu, de forma debochada. Gostava daquilo. Pouquíssimas eram as mulheres que lhe dispensavam ou faziam-se de difíceis na sua presença. O Deus dos Mares virou as costas e foi em direção ao vidro temperado que possuía vista para o Reino inteiro. A sereia-anciã o seguiu e ambos pararam lado a lado, deixando o barulho da água balançar ao redor de si.

— O motivo pela qual eu requisitei apenas a sua presença é porque eu sei que somente você terá o tato e a sensibilidade necessária para lidar com essa situação. — Poseidon falou, imerso em pensamentos. Ele cruzou novamente os braços sob o peito, e franziu o cenho. Como se aquele assunto lhe incomodasse.

— Qual situação, Vossa Majestade? — a sereia anciã questionou, ainda encarando o Reino lá fora através da vista espetacular do palácio.

— Minha filha. — ele respondeu, atraindo imediatamente a atenção de Mayda. A sereia virou-se para ele, preocupada e com o coração acelerando-se por baixo da pele.

— Vossa Alteza está bem? — ela perguntou, referindo-se à Nimuë. A filha de Poseidon.

— Está. E, para continuar assim, eu tomei a decisão de que ela deve retornar à Cathlon. — o Deus dos Mares falou, por fim. Mayda assustou-se. Aquela novidade não era uma simples novidade. Era uma bomba. Que alterava absolutamente tudo, pelo menos ali em Cathlon. Isso dizia respeito a mudanças drásticas dentro do Parlamento, dentro do Gabinete privado, troca de comando, reação da própria população do Reino, até mesmo a economia e a moeda sentiriam o peso daquela novidade. A Princesa havia partido há meses atrás porque o Reino, assim como ela, estavam sob forte ameaça de invasão. Todos estavam preocupados e a segurança havia sido reforçada em 10x, não só no Palácio mas sim em toda a cidade. Agora seria necessário tomar essas precauções novamente, entre diversas outras.

— Eu compreendo, senhor. Preocupo-me apenas com a segurança da nossa Princesa. — Mayda respondeu, sentindo-se confiante o suficiente para expressar suas preocupações e anseios. Nimuë era como uma filha para si, e Poseidon sabia disso.

— Não haverá necessidade disso mais. Meu irmão e eu entramos em um acordo e o Reino será poupado de qualquer investida ou ameaça. — o Deus dos Mares respondeu, referindo-se à Zeus. Mayda nunca se cansaria de achar estranho e bizarro alguém referir-se a um Deus lendário e poderoso como Zeus dessa forma. Meu irmão, ele havia dito. Como se fosse a coisa mais normal do mundo. Eles haviam feito um acordo assim? Durante uma conversa entre refeições? Beleza, hoje eu decidi que não vou matar sua filha.

Isso era bizarro. E extremamente não-seguro.

— Eu sinto muito, Vossa Majestade. Mas não confio no Todo-Poderoso. — Mayda foi o mais sincera possível. Não confiava em Zeus. Absolutamente ninguém ali em Cathlon confiava. Os amantes e seres da água eram, automaticamente, inimigos dos seres do céu. Inimigos de Zeus e de tudo o que ele representava. Era uma herança histórica que representava a própria rivalidade de Poseidon com o irmão.

— Então confie em mim. Eu alguma vez já deixei de proteger vocês? Já deixei de protegê-la? — ele perguntou, fazendo menção a Nimuë. Sua voz estava tão forte e poderosa que a sereia se arrepiou completamente.

— Não, senhor — ela não tardou a responder, baixando a cabeça automaticamente.

— Você tem a minha palavra de que o Reino estará em total segurança. E a Princesa também. — Poseidon bradou, valendo-se de sua autoridade. Mayda respirou fundo, escondendo seu nervosismo e sua preocupação com Nimuë, e o encarou.

— Quando Vossa Alteza irá retornar? — ela perguntou, para quebrar o clima.

— Hoje. — Poseidon respondeu.

— E ela já sabe disso? — Mayda o questionou. Conhecia bem a Princesa-Sacerdotisa. Havia a criado desde o seu 4° dia de vida. O caráter, a personalidade e essência dela possuíam muita influência da sua própria. Bem como uma filha herda características e trejeitos da própria mãe. Pela convivência, pela educação, pelos ensinamentos. Mayda sabia que Nimuë deveria estar sofrendo muito nesse exato momento. Podia quase sentir a própria dor dela. Como se estivessem conectadas através da profundidade do seu amor.

— Sabe. — o Deus dos Mares falou, deixando transparecer a dúvida na sua voz. Deixando transparecer qualquer coisa menos certeza. Das duas uma: ou Nimuë não sabia. Ou havia sido enganada com a possibilidade de que poderia escolher entre aceitar ou não. Mayda chutou mentalmente que era a segunda opção.

— Ela concordou em se separar subitamente do irmão, dos amigos e de... — a anciã começou a falar, provocando respeitosamente para obter alguma resposta ou confirmação do homem ao seu lado. Poseidon respirou fundo, percebendo a insistência de Mayda. Não havia necessidade de mentir ou esconder nada dela. Até porque ela era muito inteligente e experiente para ser enganada.

— Ela concordará. — Poseidon falou, confirmando as desconfianças da Princesa-Regente. Mayda analisou a expressão do Deus dos Mares e valeu-se da sua intuição sobrenatural para identificar que ele estava sofrendo com aquilo. Embora não demonstrasse, ele estava.

— Nimuë fará o que é certo, senhor. Mesmo que isso a machuque. — ela falou, tendo cem por cento de certeza do que dizia. Conhecia a Princesa-Sacerdotisa o suficiente para saber disso. Conhecia Nimuë melhor do que qualquer outra pessoa existente no Universo. Sabia que ela sofreria com isso, mas também sabia que ela concordaria com as ordens do pai.

— Eu amo a minha filha, Mayda. Não quero vê-la sofrendo ou machucada. Mas eu quero menos ainda vê-la morta. E se essa é a forma de garantir que ela continue viva tempo o suficiente para crescer, se tornar uma mulher, futuramente constituir uma família e envelhecer então é isso que eu farei. Ela é só uma garota de dezessete anos. É uma adolescente, basicamente uma criança. E eu sou o responsável por ela. Se isso faz de mim o vilão, então eu serei o vilão. — Poseidon confessou, e sua expressão se suavizou conforme ele desabafou e tirou o peso daquelas palavras do peito. Mayda lhe deu um sorriso amarelo. Ele era o pai de Nimuë, e embora não a tivesse colocado no mundo Mayda era sim sua mãe. Juntos eles eram os responsáveis por ela e sim, Nimuë era apenas uma adolescente menor de idade sem um terço da experiência de vida que Mayda e Poseidon possuíam.

— Seremos os vilões juntos então. — a sereia lhe respondeu, com a voz firme. Poseidon a encarou de uma forma que a fez se arrepiar até a última escama de sua cauda.

— Eu sempre soube que poderia contar com você. — ele falou, aproximando-se perigosamente. Agora apenas 1 braço de distância os separava e isso era suficiente para lhe desconcentrar totalmente. Os olhos dele eram tão hipnotizantes e cativantes que Mayda ficou paralisada. Completamente engolida pela essência e pelo poder dele.

— Sempre, Majestade. — ela respondeu, como pôde.

— Você cuida dos preparativos para recebê-la? — Poseidon questionou, com a voz aveludada.

— Sim, senhor. Estará tudo pronto quando Vossa Majestade retornar com a Princesa-Sacerdotisa. — Mayda falou, supondo que ele iria buscá-las nas horas que se seguissem ao seu encontro.

— Eu não retornarei. Porém, vou solicitar que meu filho a acompanhe até aqui. — o Deus dos Mares respondeu, referindo-se ao seu outro filho semideus. O nome dele era Percy Jackson e, embora Mayda nunca tivesse tido a oportunidade de conhecê-lo, conseguia perfeitamente imaginá-lo. Como uma versão masculina de Nimuë. Talvez com os cabelos escuros do pai?

— Receberemos ambos os príncipes então! — a sereia anciã confirmou, sorrindo. Poseidon retribuiu o sorriso, imaginando que Percy acharia extremamente engraçado o fato de alguém ter se referido a ele como um príncipe. Logo ele, que havia crescido com sua mãe Sally Jackson num apartamentinho bolorento do subúrbio de Nova York. Com certeza ele gostaria do luxo em que seria tratado ali. E gostaria mais ainda de acompanhar a irmã durante esse momento importante da sua vida. Poseidon encarou a sereia sensual e linda a sua frente.

— Obrigado, Mayda. Você tem sido minha mão direita durante todos esses anos, e eu nunca tive a oportunidade de lhe agradecer adequadamente — o Deus dos Mares falou, aproximando-se mais ainda dela.

— Vossa Majestade não precisa me agradecer. Nimuë é como uma filha para mim. Cuidar e ampará-la é algo que eu faria mesmo se não recebesse reconhecimento algum por isso. — Mayda respondeu, com a voz oscilante embora tivesse cem por cento de certeza no que dizia. Merda, ela pensou consigo mesma. Parecia uma adolescente idiota, nervosa perto do capitão do time de futebol. Mas não podia evitar. Apostava que mulher nenhuma podia evitar sentir-se dessa forma na presença dele. Os Deuses em geral possuem o poder de paralisar as pessoas e seduzi-los com sua aura, seu poder e sua essência. Eles são encantadores por natureza, e hipnotizantes. Mas Poseidon era mais ainda. Não era a toa que ele possuía inúmeras amantes ao redor do mundo, mesmo tendo Anfitrite como sua esposa. Era de conhecido geral e público que Poseidon, assim como Zeus, não era fiel a sua mulher. Nunca fora, e provavelmente nunca seria. E embora esse fato deixasse a sereia-anciã descontente e contrariada, de alguma forma isso só lhe excitava mais ainda. Ser cortejada e admirada por um Deus como Poseidon era uma honra indescritível, e lhe instigava demais.

—  Você é a figura materna que ela nunca teve a oportunidade de ter! — o Deus dos Mares falou, por fim.

— E essa é a maior honra de toda a minha existência. — Mayda respondeu, enquanto sentia sua cintura sendo puxada de encontro ao corpo forte dele. Num segundo estava encarando o olhar verde hipnotizante de Poseidon, e no outro estava lhe beijando. Ele havia diminuído o espaço entre os dois com um selinho demorado que logo se transformou em uma beijo intenso e feroz. Mayda não teve tempo nem de reagir. Somente se deixou ser puxada para dentro do beijo que seria, disparado, o mais extraordinário da sua vida. A sensação de beijar um Deus era algo que não dava para ser explicada em palavras. Dava apenas para sentir. E entregar-se aquela imensidão de lúxuria e desejo.

Depois de alguns minutos, Poseidon sorriu por meio do beijo, e levou uma mão à lateral do seu pescoço. Ele desvencilhou-se de Mayda e a encarou, com a testa colada na sua.

— Cuide dela por mim. — o Deus dos Mares pediu e, antes que a sereia regente de Cathlon pudesse se dar conta, ele transformou seu corpo em uma avalanche de água e sumiu. Bem na sua frente. 

— Sim, senhor! — a Princesa falou para si mesma, piscando para compreender o que havia acabado de acontecer. Respirando fundo para se recompor, e dar-se conta da realidade ao seu redor. Para dar-se conta do que precisava fazer a partir dali.

Uma missão havia sido-lhe designada, e ela precisaria de ajuda para isso.

— Vossa Alteza Real, a Princesa-Sacerdotisa Nimuë Lee, irá retornar ao Reino Afundado e reassumir suas funções de direito. — Mayda bradou, minutos depois, em frente ao Trono Principal para todos os membros do Parlamento, do Gabinete e funcionários do Palácio. O choque e a comoção foi instantânea, e a sereia regente precisou pedir silêncio e restaurar a ordem duas vezes.

— Quando? — a pergunta veio da Duquesa Alexandra, Mestra das relações sociais do Gabinete. Mayda encarou com veemência a sereia de cauda laranja que era uma de suas amigas mais antigas e fieis.

— Ainda hoje. Então vamos trabalhar! — sua fala final veio acompanhada de duas palminhas para dispersar a todos e iniciar os preparativos.

Iniciar a recepção.

 

-#-

 

— Se despedir pessoalmente de cada um dos seus amigos vai tornar tudo mais difícil, então pega — Percy Jackson falou, enquanto lhe estendia um montinho de envelopes de cartas. Ainda não passavam das 6:30 da manhã, mas o dia no Acampamento Meio-Sangue já estava querendo clarear. O sol já estava querendo começar a nascer no leste, com seus primeiros raios beijando o azul do mar localizado atrás do Chalé de Poseidon. A filha do Deus dos Mares encarou seu irmão, que lhe estendia um monte de mini envelopes em branco.

— Você quer que eu me despeça por cartas? — ela o questionou, com as sobrancelhas arqueadas e um tom debochado na voz.

— Uma para cada um, pra ser mais pessoal e acolhedor. — seu irmão lhe respondeu, dando de ombros.

— Você tá brincando né? — a sereia questionou o filho de Poseidon, enquanto o observava. Ele estivera, nas últimas duas horas, encarregado de diversos preparativos. Fossem eles administrativos, pessoais, sociais ou até mesmo manuais. Ele quem tinha lhe ajudado a fazer suas malas e mochilas com os pertences mais leves e práticos, porque o grosso das suas roupas seria transportado em outra ocasião.

— Claro que não. Você não tem tempo pra se despedir de ninguém, e cartas são melhores do que nada. — Percy lhe falou, colocando as cartas na sua mão sem que a sereia dissesse que concordava. Era claro que ele tinha razão. Cartas eram melhor do que nada. Eram melhores do que simplesmente sumir da vida de todos os amigos que tinha feito, sem nem dizer uma última palavra. Sem lhes explicar o motivo pela qual faria isso.

— Tudo bem, mas... — a sereia comentou com o irmão, deixando as palavras morrerem por alguns segundos. — Mas eu não posso fazer isso com ele! — Nimuë complementou, referindo-se à Kael di Maggio. Ela não podia despedir-se dele por uma carta. Isso seria de longe a atitude mais desumana e hostil já feita por alguém. Ela não seria essa pessoa.  

— Nimuë, eu não sei se essa é uma boa id... — seu irmão tentou falar, com o olhar verde mais claro e chamativo do que nunca, mas a sereia o interrompeu.

— Ele me ama, Percy. Por mais que esteja tentando esconder e camuflar a dor com insultos, grosseria ou qualquer que seja o mecanismo de defesa dele, eu sei que ele me ama. E, por causa disso, eu não posso ir embora sem vê-lo. Sem permitir que ele tenha a chance de me convencer a ficar. Eu devo isso a ele. — Nimuë murmurou a frase final com muita dor no coração. No fundo não sabia se estava pronta para essa conversa, e para a grandiosidade desse momento. Mas como tudo na sua vida, haveria de sobreviver. Era uma sobrevivente, uma guerreira. E já havia passado por muito para desistir, se entregar e quebrar agora. Seria forte. E venceria mais esse estágio doloroso da sua vida com a cabeça erguida.

— E se ele te convencer a ficar? — o filho de Poseidon lhe perguntou, cruzando os braços na frente do peito. Percy tinha tomado banho e agora vestia uma camiseta preta justa de manga comprida que definiam e modelavam bem os seus braços. Nimuë as vezes se esquecia do quanto seu irmão era bonito e atraente. Cabelo escuro, olhos verdes claros, um rosto extremamente bem desenhado e um sorriso fofo encantador. Se não fosse da sua família, provavelmente ele teria sido um dos primeiros semideuses a chamar a atenção da sereia. 

— Minha decisão já está tomada. — Nimuë o tranquilizou, porém estava claramente mentindo. —  Mas eu preciso ver ele uma última vez, Percy. Ele precisa ter a oportunidade de se despedir apropriadamente. Ele precisa saber que vai ter que vivenciar o luto da minha perda. — a sereia complementou, dessa vez sim falando sério. Devia isso a Di Maggio, por mais que fosse lhe doer. Ele merecia ouvir essa notícia da sua boca, e não de qualquer outra pessoa.

— Ele vai te convencer a ficar. — Percy bufou, revirando os olhos e repetindo a frase que havia dito anteriormente. Balançou a cabeça negativamente enquanto encarava a irmã, demonstrando que não concordava com isso.

— Então eu ficarei. — a sereia bradou, cruzando os dois braços na frente dos seios. Nimuë usava um chapéu bucket hat moderno, iguais aqueles femininos que estavam na moda feminina sufista. E um conjunto de moletom com uma calça larga, cinza e despojada. Seu cabelo loiro, agora curto e ondulado na altura do ombro, complementava a sua beleza surreal. Porém, Percy tinha quase certeza que não era esse o look que ela acharia mais adequado e apropriado para retornar ao Reino Afundado. Isso significava que, no fundo, ela ainda não tinha decidido se iria.

— Simples assim? — o filho de Poseidon lhe perguntou, de forma irônica.

— Simples assim. — Nimuë mentiu. Óbvio que não era simples assim. Não teria como a sereia simplesmente decidir ficar depois de já ter confirmado ao Deus dos Mares que aceitaria o acordo com Zeus. Mas, bem lá no fundo, ainda não tinha decidido nada. Iria decidir e ter a certeza do que faria depois que conversasse com ele. Precisava de Kael di Maggio mais do que nunca. Precisava dele.

E então, depois de mais de uma hora escrevendo minuciosamente cartas para Annabeth Chase, Percy Jackson, Danna, Hector, Stela, Quíron, Reyna, Ikrain e todos seus outros amigos, a sereia finalmente criou coragem para deixar o Chalé de Poseidon e ir bater na porta dele. Ainda não deveriam ser 8h da manhã, e Nimuë conhecia bem o filho de Hades para saber que ele ainda deveria estar dormindo. A sereia pegou o caminho mais longo e ainda deu umas desviadas para criar coragem, respirar fundo e se inspirar o suficiente. Precisaria de forças para fazer aquilo, mas ainda sim deveria fazer. Queria olhar dentro dos olhos negros dele, e lhe dizer o quanto o amava. Lhe pedir desculpas por tudo, queria lhe abraçar. Há praticamente uma semana que não sentia os braços fortes dele ao seu redor, o seu cheiro e sua proteção. Dentro do abraço dele era o lugar onde Nimuë mais se sentia segura no mundo. Mais amada, e feliz. Por mais que estivesse triste, magoada e separada dele, não poderia jamais negar isso. Ele era o amor da sua vida, e ela era o amor da dele. Se tinha uma coisa em que acreditava na vida, era isso. Se tinha uma certeza, era essa. Colocaria sua mão no fogo pelo amor que ambos haviam construído juntos. 

E esse, talvez, foi o seu maior erro. Foi o tombo final da sereia. O último empurrão para o fundo do poço. Ou... do mar.

Assim que se aproximou do Chalé de Hades, avistou o tradicional fogo grego queimando nas duas piras ao lado da escada que levava a porta principal. Pensou em subir até lá, e bater na porta. Pensou na cara de confuso que ele faria ao lhe ver ali, e talvez no sorriso que Kael lhe daria. A sereia riu sozinha dos seus pensamentos bobos, e estava prestes a colocar o primeiro pé na escada quando a porta se abriu. Quando a porta do Chalé de Hades revelou o que viria a ser o motivo dos seus maiores pesadelos pelos próximos 3 meses.

De lá, rápida e distraída, desceu uma garota de cabelos amarelos que Nimuë conhecia muito bem. Ela estava com a mesma roupa que usara no Caça à Bandeira na madrugada anterior, porém sem o colete de couro por cima da camiseta. Os cabelos estavam bagunçados, o zíper da calça de tecido meio-aberto e os olhos azuis arregalados enquanto ela estacava no meio do caminho. Encarando a filha de Poseidon como se estivesse vendo um fantasma.

— O que é que você tá fazendo aqui? — Ino, a filha mais velha de Afrodite, lhe questionou com sua característica petulância na voz. Eu poderia te fazer a mesma pergunta, a sereia teria lhe respondido se conseguisse falar. Se conseguisse mexer sequer um músculo do rosto. Mas não conseguia. Estava paralisada, completamente petrificada e chocada com o que seus olhos verdes viam. Ino havia dormido ali. Ou melhor, ela havia dormido com...

— Hello? Terra chamando Nimuë! — a filha de Afrodite estalou os dedos, chamando atenção da sereia que ainda estava completamente congelada e sem reação. Lá de dentro do Chalé de Hades, Kael di Maggio sentiu uma dor onde ficava a sua cicatriz de morte. A cicatriz que enfeitava sua pele, na altura do coração. Costumava sentir dor nela quando algo de ruim estava prestes a acontecer. Era uma sensação, uma intuição basicamente. E ouvir a filha de Afrodite pronunciar o nome da sua ex-namorada com certeza não era nada bom. Di Maggio colocou rapidamente uma camiseta para cobrir o tórax nu, e foi até a porta de entrada do Chalé.

— Você tá perdida ou o quê? — Ino perguntou novamente, como se fosse a dona do mundo e exigisse respostas. Como se não fosse ela quem estava saindo sorrateiramente pela manhã do Chalé onde o garoto que a sereia costumava namorar morava. O garoto que era homem e seu parceiro há menos de 5 dias atrás. Di Maggio engoliu em seco quando seu olhar cruzou com o da filha de Poseidon, parada no pé da escada do Chalé de Hades. Poucas vezes na vida havia a visto com o olhar tão machucado assim. Talvez nem quando ela pensou que ele estivesse morto. Kael a conhecia o suficiente para saber disso. Para saber que ela estava prestes a desabar ali mesmo, na frente dos seus olhos. Então automaticamente deu um passo na direção dela, descendo um degrau. Mas a sereia reagiu, saindo do transe petrificado em que estava. Ela deu um passo para trás, e estendeu a mão como se pudesse impedi-lo de chegar mais perto de si. Kael precisou conter as lágrimas. Não era para isso estar acontecendo. Não queria que a sereia visse isso, não dessa forma. Nem queria ter transado com Ino na noite anterior. Ela havia invadido o seu Chalé, tirado as roupas na sua frente após a festa e praticamente lhe implorado para reviver os velhos tempos. Di Maggio estava arrasado, triste, completamente desolado e perdido devido aos acontecimentos dos últimos dias que...acabou cedendo. Cedeu ao álcool, e cedeu ao sexo com Ino. Ela havia dormido ali, e estava indo embora no primeiro horário da manhã mas...

— Não, eu... eu só vim pra dizer tchau! — a sereia falou, forçando sua voz sair de dentro das suas cordas vocais. Kael franziu as sobrancelhas, confuso. Aquilo não fazia sentido nenhum.

— Então tchau! Desaparece. Sua presença não é necessária aqui. — Ino respondeu, com sua característica insolência. Di Maggio sentiu vontade de mandá-la calar a boca, mas não o fez. Na cabeça dela, e de acordo com as últimas atitudes do filho de Hades, ela deveria achar que Kael odiava a sereia. Que era sua ex-namorada, havia lhe decepcionado e lhe dado um pé na bunda. E tecnicamente ela havia sim feito isso, mas nem por isso Kael queria vê-la daquela forma. Chocada, segurando as lágrimas, e com o coração aparentemente em pedaços.

— Pois é, é o que parece mesmo. — Nimuë respondeu com a voz fraca, enquanto olhava para o chão e já ia dando as costas para voltar de onde veio. Mas antes que a sereia pudesse completamente o movimento, ela virou-se novamente e forçou-se a encarar Kael di Maggio nos olhos. O filho de Hades nunca esqueceria da forma que se arrepiou com aquele olhar dela, exatamente ali. Naquele momento. Quando, futuramente, ele soubesse o que aquilo verdadeiramente significava, nunca mais conseguiria tirar aquela visão da mente. Misturado ao olhar verde filha de Poseidon, havia dor. Decepção. Sofrimento. Aflição. Até mesmo culpa.

— Tchau! — Nimuë falou com poder e intenção na voz. Como se realmente tivesse vindo ali só para falar isso. Mas ainda sim não fazia sentido nenhum. Porque havia vindo ali só para lhe dar tchau? E porquê? Pra onde estava indo?

Ela virou de costas, e se afastou. Assim, do nada. Kael di Maggio não conseguiu raciocinar e mover as pernas para ir atrás dela e lhe perguntar o que aquilo significava. Somente ficou ali, paralisado. Sem reação. Mais angustiado e decepcionado consigo mesmo do que nunca. Como é que havia deixado aquilo acontecer? E se ela tivesse vindo ali para tentar voltar e reatar o namoro? E ela tivesse criado coragem para lhe dizer que tinha errado em terminar? E se aquela havia sido sua chance de ter sua loirinha de volta, e Kael havia arruinado tudo por causa de uma bobagem. Havia arruinado tudo por causa de uma pessoa que Di Maggio nem sequer gostava ou se importav...

— Eu sempre soube que essa garota era estranha, mas isso foi bizarro — Ino debochou, jogando os cabelos loiros para trás. Ela riu, subiu os dois degraus superiores da escada, e beijou Kael di Maggio no pescoço enquanto o segurava pela cintura.

— Eu gostei muito da nossa noite. — a filha de Afrodite falou, lhe encarando com seus olhos azuis frios e duros. Kael a olhou, sem responder nada. Sem um pingo de emoção ou reação. Mas, como sempre, Ino ignorou. Somente sorriu, fingiu que ele havia respondido que também havia amado a noite, e lhe deu outro beijo no pescoço.

— Eu te vejo no refeitório logo mais? — Ino perguntou, apertando a mão na sua cintura.

— Pode ser! — Kael respondeu, assentindo com a cabeça. Falaria qualquer coisa para que ela saísse logo dali. Não queria ser um filho da puta que se livra da garota logo depois de transar, mas estava irritado demais. Não gostara do jeito que a filha de Afrodite tinha falado com Nimuë, a enxotando daquela forma. Não gostava da sua forma sempre arrogante e superior de ser. Tudo bem que Di Maggio também era arrogante muitas vezes, mas sabia de suas intenções. Sabia que não fazia por maldade, sabia que era apenas seu mecanismo de defesa quando estava sofrendo ou magoado. Já Ino não...ela era malvada por natureza. Gostava de machucar as pessoas, gostava de ser grossa e pisar na ferida mais vulnerável do próximo.

O filho de Hades deixou a filha da Deusa do Amor sumir por entre as árvores, bateu o porta atrás de si e correu.

Correu em direção ao Chalé de Poseidon.

Não sabia se conseguiria resolver aquela situação com sua loirinha, mas pelo menos iria tentar. Iria tentar mais do que nunca.

 

-#-

 

— O que tá acontecendo? — Kael di Maggio perguntou para Percy Jackson, assim que o avistou na frente do Chalé de Poseidon. O filho do Deus dos Mares virou-se para lhe encarar, e carregava no rosto uma expressão indecifrável. Kael não conseguiu identificar o que estava errado, mas definitivamente algo estava acontecendo. Algo ruim.

— Ela foi falar com você, e voltou chorando. Voltou vomitando, e tremendo. — o filho de Poseidon afirmou, referindo-se a sua irmã. Kael sentiu uma pontada no coração. Merda. Merda. Merda. Quase conseguia sentir a dor e a decepção dela, quase conseguia imaginar o quanto deveria ter machucado. Percy cruzou os braços na frente do peito, e fechou a cara.

— O que você fez? — ele perguntou, lhe encarando.

— Ela chegou bem na hora que... — Di Maggio tentou responder, mas a verdade era tanta que não conseguiu nem mesmo olhar nos olhos verdes do Filho de Poseidon. Mas, depois de alguns segundos, respirou fundo e cedeu.

— Eu tava com alguém, tá bom? — o filho de Hades admitiu, impaciente. Mas a reação de Percy foi a última que ele imaginou ver. O filho de Poseidon parecia magoado. Como se a ofensa tivesse sido a ele próprio. Ele estava com dor no olhar, como se estivesse com pena de si...

Que merda estava acontecendo?

— Deixa eu falar com ela. Eu preciso pedir desculpas ou pelo menos tentar. — Kael pediu, respeitosamente. Tecnicamente poderia entrar no Chalé de Poseidon de uma forma ou de outra, mas não queria desrespeitar Percy. Até porque também não gostaria que ninguém entrasse no seu Chalé sem a sua permissão. Era algo moralmente anti ético.

— Não vai adiantar — Percy respondeu, balançando a cabeça negativamente. Como se tivesse acabado de perceber que não conseguiria finalizar uma maratona dentro do tempo estipulado. Como se estivesse realmente decepcionado.

— Do que você tá falando? — Di Maggio perguntou, mais confuso do que nunca. Sabia que não iria adiantar, que ela não iria simplesmente lhe perdoar e reatar o namoro. Mas aquela situação ali... tinha algo de diferente. Não era disso que Percy estava falando. Era?

— Kael! — o filho de Poseidon pronunciou seu nome, chamando sua atenção. A expressão dele estava igual daqueles médicos quando vão contar para os parentes que fizeram de tudo mas não conseguiram salvar seu ente querido.

— O que? — Di Maggio perguntou, sem saber se deveria ficar ansioso ou não para aquela notícia. Talvez fosse melhor não saber. Talvez fosse doer. Mas não se aguentaria de ansiedade de uma forma ou de outra, então...

— Ela tá indo embora. — Percy pronunciou as palavras, mas a mente do filho de Hades não as processou direito. De tão confuso, e perdido.

— Como assim? — Kael perguntou, com as sobrancelhas arqueadas.

— Ela vai voltar para Cathlon — o filho de Poseidon murmurou, com o semblante vago. Di Maggio sorriu, tal qual sorriria ao ouvir uma piada. Uma piada de mal gosto. Uma piada idiota, sem nexo. Balançou a cabeça negativamente, tentando se convencer de que aquilo era uma piada. Não havia como ser verdade. Fora dos limites da Barreira de Thalia qualquer meio-sangue de um dos Três Grandes Deuses correria imensamente perigo. Praticamente não existe uma vida lá fora. Não para eles, com o sangue forte e poderoso. Capaz de atrair um exército de monstros. 

— Isso é impossível. É... é sacanagem né? Ela... hãh. Ficaria completamente exposta lá, em perigo. Como assim, do que você tá falan... — Di Maggio tentou falar, com a voz hesitante em consoante com seus pensamentos confusos e misturados. Ainda mantinha o sorriso debochado no rosto, se recusando a acreditar naquilo. Ainda mantinha a esperança daquilo ser uma piada ridícula, quando Percy Jackson pronunciou as palavras que o filho de Hades mais temia.

— Poseidon e Zeus entraram em um acordo!

Sua expressão endureceu, a medida que Di Maggio ia se dando conta do que estava acontecendo. Se Zeus e Poseidon haviam entrado em um acordo, então Nimuë poderia sim viver longe dos limites da Barreira de Thalia. Ela poderia viver longe dali. E, aos poucos, tudo começou a fazer sentido. Ela tinha dito que...

Meu deus. Ela tinha dito que queria lhe dar tchau. Tchau. Era isso. Ela estava mesmo considerando ir embora. Isso não podia estar acontecendo. Kael sentiu o corpo inteiro ficar quente, de nervosismo. De choque, de dor. De medo. A garganta fechou, e o seu coração acelerou de uma forma que ele podia escutar as batidas pulsando no pescoço. Engoliu em seco, e olhou para dentro do Chalé de Poseidon. Procurando-a. Kael sentiu suas pernas fraquejarem, somente de imaginar ou cogitar que ela já tinha ido. Que aquele tchau havia sido a última coisa que eles haviam conversado. Mas então ouviu movimentação no quarto dela. Ela estava lá. Ainda estava lá.

— Já estamos com tudo pronto pra... — o garoto mais velho e experiente começou a falar, mas Di Maggio desviou dele e entrou no Chalé de Poseidon a força. Percy Jackson ainda tentou segurar o seu braço, porém não conseguiu.

— Kael! — ele bradou lá atrás, vindo na sua cola. Di Maggio apressou o passo, caminhou pelo corredor tradicional do Chalé 3 com os olhos marejados e sem ver muita coisa a sua frente. Não se responsabilizaria pela pessoa que tentasse entrar na sua frente e lhe impedir de vê-la. Não se responsabilizaria pelos danos causados a pessoa que tentasse se intrometer e lhe parar. Di Maggio abriu a porta do quarto da sereia com abruptidão e violência, e encontrou lá dentro. Ajeitando coisas dentro de uma bolsa que jazia em cima da cama. Ela se assustou, e o encarou com os olhos arregalados. Eles estavam vermelhos, entregando que ela havia chorado. E muito. Kael deu uma olhada ao redor pelo quarto, e viu vários mochilas cheias e prontas. Os livros de Harry Potter dela estavam empacotados, bem como algumas roupas. Não todas.

Nimuë viu seu ex-namorado entrar no seu quarto, com o rosto transtornado. Aparentemente ele havia descoberto  o que estava acontecendo. Havia descoberto que ela planejava ir embora. Mas não era momento para lhe provocar. Se ele estava com raiva, iria receber raiva em troca. Porque se tinha algo que Nimuë estava sentindo naquele momento era isso. Se ele viesse com explosão, se quisesse lavar os pratos e a louça inteira, então ela estava preparada. Não iria mais receber insultos daquele filho da mãe. Não iria mais abaixar a cabeça pra esse desgraçado de mer...

— O que você tá fazendo? — ele perguntou, cuspindo as palavras por entredentes. Como se estivesse se controlando para não gritar. Atrás dele, seu irmão entrou no quarto. O filho de Poseidon parecia preocupado, e encarava os dois semideuses a sua frente com cautela.

— Percy, tira ele daqui! — Nimuë pediu, com o máximo de educação e controle que pôde empregar na sua voz. Seu irmão automaticamente lhe obedeceu, colocando a mão no braço de Kael di Maggio para lhe puxar. Mas o filho de Hades desviou do toque dele, com um certo nível de agressividade. Fazendo Percy recuar, para se proteger de um possível contra-ataque.

— Não encosta em mim — Di Maggio bradou, sem sair do lugar onde estava. Encarou a loirinha a sua frente, demonstrando que não iria ceder.                                                                               

— Sai do meu quarto. Agora! — ela aumentou o tom de voz, praticamente gritando a última parte. Kael deu um passo em frente.

— Eu te fiz uma pergunta — o filho de Hades repetiu, referindo-se ao fato de ter a questionado o que ela estava fazendo. Queria ouvir da boca dela que estava planejando fazer essa loucura mesmo. Não acreditava nisso e não acreditaria até que ela mesma lhe dissesse.

— Percy? — Nimuë praticamente gritou, chamando a atenção do irmão que estava parado na porta sem fazer absolutamente nada. Pra que servia um irmão mais velho se não era pra tirar o desgraçado do seu ex-namorado da sua frente quando ela lhe pedia? Ele provavelmente era a única pessoa no mundo que conseguiria fazer isso. Que era páreo para a força e a fúria do filho de Hades.

— O que aconteceu com aquela história de dar uma chance pra ele te convencer a ficar? — o filho de Poseidon lhe perguntou, repetindo as palavras que ela havia falado mais cedo. É sério isso? Ele iria ficar do lado de Kael? Que belo irmão, Percy. Que belo irmão.

— Isso foi quando eu achei... — Nimuë tentou falar, mas sua garganta embargou. Precisou respirar fundo para não começar a chorar e gritar. Suspirou duas vezes, retomando o controle do seu corpo e de sua voz. —  Isso foi quando eu achei que devia algo a ele. Isso foi quando eu achei que ele me amava! — a sereia respondeu ao filho de Poseidon, sem cruzar com o olhar negro do filho de Hades.

— Como é que é? — Di Maggio perguntou, praticamente gritando. Nimuë arregalou os olhos quando o viu vir na sua direção, com determinação e raiva no olhar. O filho de Hades se aproximou, enroscou a mão no seu cabelo para firmar a sua cabeça num toque apertado e até mesmo desconfortável, e lhe encarou com ferocidade e intensidade. Nimuë levou a mão ao braço e ao peito dele, para lhe afastar. Teve a impressão de que ele iria lhe bater, embora soubesse que mesmo enfurecido Di Maggio jamais seria capaz de fazer isso. Entretanto, se um dia chegou perto disso, esse momento era agora. Nimuë fez cara de braba, e o filho de Hades apertou mais ainda a mão no seu cabelo enquanto jazia com o rosto há menos de 3 centímetros do seu. Se a situação atual não fosse completamente dolorosa e difícil, teria ficado excitada com a pegada dele.

— Por acaso você acabou de insinuar que eu não te amo? — Kael sussurrou por entredentes novamente, se controlando para não gritar. Ele estava com a expressão furiosa, mas principalmente ofendida. Como se aquilo fosse o maior insulto que já havia escutado na vida. Nimuë assumiu um aspecto duro no rosto, misturado com nojo. Era isso o que sentia ao lembrar que passara a noite inteira chorando por causa dele, enquanto ele estava transando com outra. Era isso que ele chamava de amor?

— Eu fiquei a madrugada inteira me torturando, achando uma forma de te contar isso sem te machucar e você estav... — a sereia começou a falar, com uma expressão neutra no rosto.

— Eu morri por você! Eu morri por você, e você terminou comigo! — Di Maggio balbuciou com a voz baixinha. Não conseguia acreditar que ela tivera a capacidade de duvidar do quanto ele lhe amava. Não era possível...

— Eu me torturei e me culpei por achar que iria te machucar mais uma vez. Por achar que você não merecia isso. E enquanto isso você tava transand... — Nimuë continuou falando, ignorando o que ele havia dito. Ou talvez estivesse tão imersa na sua própria dor e nos seus próprios pensamentos que nem ouviu.

— Eu morri por você! —  o filho de Hades gritou, apertando mais ainda a mão no cabelo dela e a prensando contra a parede do quarto atrás de si —  Nunca mais diz isso! Nunca mais! — ele gritou novamente na cara dela,  descontrolando-se. Sentiu a aproximação de Percy Jackson atrás de si, mas não se importou. Sabia que o filho de Poseidon não iria aceitar aquilo, não iria deixar que ele se descontrolasse perto da sua irmã. Mas, naquele exato momento, estava tão transtornado que nem se importou. Havia guardado suas dores e seus sentimentos por muitos dias, e agora finalmente havia explodido. Finalmente tinha chegado o momento de colocar para fora, de transbordar.

— Você tava transando com aquela garota! — a filha de Poseidon gritou, com os olhos marejados e o rosto completamente molhado. As mãos de Kael desapareceram do seu cabelo e da sua cintura, e ele foi puxado para trás com violência. A sereia continuou na parede, e bateu a cabeça na parede enquanto fechava os olhos e deixava as lágrimas tomarem conta da sua alma.

— VOCÊ TERMINOU COMIGO! — Kael berrou de volta, enquanto era empurrado por Percy para o canto mais distante do quarto. O filho de Poseidon colocou a mão no seu peito, e o encarou.

— Se controla! —  ele falou, contrariando todas as expectativas de Kael. Imaginou que, no mínimo, iria apanhar. Mas Percy estava lhe dando uma segunda chance. Ele queria que o filho de Hades pudesse falar civilizadamente com a sereia. Queria lhe dar uma nova oportunidade — Respira! — Percy falou novamente, incentivando Di Maggio a se controlar e retomar suas faculdades mentais.

Não estava ali para ofendê-la, muito menos para machucá-la ou prensá-la na parede para tirar satisfações. Principalmente depois da cena ridícula que ela havia visto no Chalé de Hades. Kael não tinha absolutamente nenhuma moral para cobrar algo dela. Não agora, que ela provavelmente estava de cabeça quente e com raiva. Que estava magoada. Se quisesse conversar de verdade, precisaria tomar uma abordagem diferente. Por mais que estivesse desesperado e tremendo somente com a possibilidade de perdê-la dessa forma. Não iria aguentar se ela retornasse para Cathlon. Poderia viver com ela sendo sua ex-namorada, poderia aguentar o término porque no fundo sabia que ela tinha as motivações corretas. Mas não aguentaria se ela fosse embora. Não aguentaria nunca mais vê-la.

— Eu vou te dar 15 minutos, mas se eu ouvir gritaria de novo... — Percy, ainda na sua frente, começou a falar. Mas Di Maggio compreendeu.

— Tudo bem... — falou, tranquilizando-o. O filho de Poseidon, ainda nervoso pela cena que tinha acabado de ver entre sua irmã e Kael, respirou fundo e saiu do quarto. Deixando-os a sós. Eles precisavam disso. E não cabia a si interferir, não cabia a si impedir.

O filho de Hades encarou a sereia, que ainda jazia de olhos fechados recostada a parede. Kael respirou fundo, engoliu as lágrimas, e caminhou até o centro do quarto. Mantendo, dessa vez, uma distância respeitosa dela. Nimuë abriu os olhos e o encarou.

— Me desculpa! — Kael falou, com a voz carregada de dor. A sereia revirou os olhos, embora não houvesse traço algum de deboche na expressão dela. Era só mágoa mesmo.

— Eu sei que são só palavras, e podem não ter significado nenhum. Mas ainda sim, eu te peço desculpas. — o filho de Hades continuou, sendo o mais sincero que pôde.

— Você não me deve nada. Não estamos mais juntos. — a sereia falou, tentando soar razoável e madura. Tentando soar como se fosse uma pessoa bem resolvida. Mas não era. Quando você termina o namoro mas ainda ama seu ex, não existe isso de ser uma pessoa bem resolvida quanto ao que quer que seja. Você sente ciúmes, você se machuca, você sofre. E Nimuë estava sofrendo. Vê-lo com outra, imaginá-lo com outra...machucava muito.

— Tem razão. Não estamos mais juntos. Eu sou solteiro, e posso fazer o que eu quiser — Kael respondeu, entrando no jogo dela. A filha de Poseidon arqueou as sobrancelhas, surpresa com a fala dele.

— Mas eu ofendi a mim mesmo. Ofendi ao meu próprio sentimento. Eu mesmo me trai. Eu amo você! — Kael tentou continuar falando, mas sua voz falhou. Dava para ver que estava nervoso, que estava tentando conter um desespero interno. —  Eu amo você e a dor de não te ter mais tem me transformado em uma pessoa que eu nem reconheço direito — ele continuou, imerso em pensamentos.

— Você tinha razão. Eu tenho mesmo um mecanismo de defesa. Quando eu estou vulnerável, sofrendo e machucado, eu sou um filho da puta arrogante com todo mundo. Eu sou capaz de ser rude e grosso com a garota que eu amo só pra não mostrar o quanto eu to destruído por dentro. Eu faço sexo com qualquer uma só pra... — Di Maggio foi desabafando tudo o que estivera guardando dentro de si por tanto tempo, mas não conseguiu terminar sua fala. A sereia curvou-se subitamente, pegou o lixinho de canto de mesa e usou-o para vomitar. O filho de Hades ficou chocado com a cena. Era como se só ali, naquele momento, pudesse compreender a gravidade do que estava acontecendo. Pudesse finalmente compreender o quanto ela estava machucada e sofrendo.

Nimuë já havia passado da fase de achar que seus vômitos e mal-estares fossem por causa do nervosismo, do sofrimento e da ansiedade. Já sabia. Ali, naquele momento, já sabia o verdadeiro motivo. Mas não falaria nada. Nem para si mesma, e nem para ninguém. Verbalizar as palavras tornaria aquilo verdade, e ela precisava que tudo isso não fosse verdade. Pelo menos agora.

— Por favor, princesa. Me perdoa. Me desculpa. Eu queria ter sido melhor pra você. Eu queria poder mudar tanta coisa... — o filho de Hades começou a falar, assim que a sereia se recompôs e limpou a boca com a manga do seu moletom. Di Maggio deixou, pouco a pouco, o desespero ir tomar conta de si novamente.

— Você foi o melhor namorado do mundo, Kael! — a sereia falou, com a voz um pouco mais doce e contida. E isso era a mais pura verdade. Kael di Maggio havia sido a melhor pessoa do mundo para si, o melhor namorado, o mais carinhoso e atencioso companheiro e um amante indescritível na cama. Não havia absolutamente nada do que ela pudesse reclamar do seu relacionamento. Exceto pelo fato de que os dois juntos, por razão do destino, eram uma bomba relógio e não podiam ficar juntos sem trazer o caos e a destruição a tudo e todos. Só esse simples fato.

— Não fui. Eu não fui — Kael falou, deixando as lágrimas transbordarem no seu rosto. Voltou a sentir dor no coração, na altura do seu ferimento mortal. Voltou a tremer as mãos, e o sangue esquentou nas veias.

— A decisão que eu tomei hoje não tem absolutamente nada a ver com o que você fez na madrugada passada. — a sereia falou. Kael franziu as sobrancelhas, e a encarou. Como se tivesse se relembrado só agora do fato principal. Do motivo pela qual havia invadido o Chalé de Poseidon completamente alucinado e enfurecido.

— O quê? Do que você tá falando? Que decisão? — o filho de Hades perguntou, confuso e agoniado. Não. Não. Não. Não é verdade isso. Isso não tá acontecendo. Kael, em um certo momento, não conseguia mais nem raciocinar direito.

— Eu vou voltar pra Cathlon — Nimuë falou, depois de alguns segundos analisando a situação ao redor. Analisando se era seguro e perpicaz dar essa notícia assim. Confirmar dessa forma o que provavelmente era um dos relatos mais dolorosos que ele receberia na vida.

— Não! — Di Maggio murmurou, mais para si mesmo do que para a sereia. Nimuë tentou se aproximar dele, dando um passo na sua direção.

— É o único jeito de salvar o Acampamento. — ela falou, sabendo que seria inútil. Que ele não iria ouvir. Mas não estava psicologicamente preparada para os momentos que viriam a seguir. Não estava preparada psicologicamente para o que haveria de enfrentar nos próximos segundos.

Pensou que estava. Mas não estava.

— Foda-se o Acampamento. Eu não aguento mais isso. Sempre essa mesma merda. Você terminou comigo pra salvar o Acampamento e agora você vai ir embora pra salvar o Acampamento de novo? Já não tava salvo essa porra? — o filho de Hades gritou, gesticulando com os braços.

— Você não entende, Kael. Você acha que é bobagem porque a morte não te assusta. Mas a morte me assusta. E ver alguém que eu amo morrendo por minha culpa me assusta mais ainda — Nimuë explicou, da forma que pôde. Ele não entendia e nem nunca entenderia o motivo pela qual ela estava fazendo isso. Ele não possuía a mesma linha de raciocínio, e não concordava com aquilo.

— É você quem não entende. E não percebe — o filho de Hades bradou, aproximando-se dela. Parou há um braço de distância, mas não a tocou.

— Eu to lutando sozinho por nós dois. Desde o início. Eu te implorei, me humilhei, corri atrás, me ridicularizei e agora to aqui te implorando de novo. Enquanto tudo o que você faz é fugir. Ir embora, me abandonar, dar no pé. Você nunca lutou pelo nosso amor. Você nunca nos colocou em prioridade. — Di Maggio lhe acusou, enquanto lhe encarava com a dureza dos seus olhos negros profundos. Nimuë deixou uma lágrima escorrer, e seu lábio inferior tremia continuamente a medida que ela tentava segurar o choro descontrolado. — Eu to pedindo, princesa. Por favor! Por favor pensa em nós primeiro. Pensa na gente pelo menos uma vez. E fica comigo! — Kael pediu, colocando uma mão na lateral do pescoço dela. Juntando a testa na sua, como ele costumava fazer antigamente. Aquilo ali, aquele momento, o calor do corpo dele perto do seu, era a sua maior felicidade do mundo. Era o seu ponto de paz. Estar ao lado dele era a maior gratidão da sua vida. Nimuë o amava mais do que amava a si própria, e não queria ir embora. Não queria ficar longe dele, não queria ter terminado, isso só lhe torturava. E ali estava o próprio filho de Hades, lhe dizendo que ela nunca havia lutado por eles. Lhe desvalorizando, como se ela estivesse fazendo isso porque queria. Como se somente ele estivesse sofrendo. Sim, Kael di Maggio era egoísta a esse ponto mesmo. Egoísta de querer ficar com ela não importando quem se fudesse e morresse no processo, e mais egoísta ainda por achar que só ele estava sofrendo e lutando por eles.

— Eu sinto muito, Kael. Talvez um dia você consiga ser uma pessoa evoluída o suficiente pra entender — a sereia falou, por fim. O encarando com seus olhos verdes inundados pelas lágrimas. Di Maggio chegou a pensar que queria sim ser uma pessoa evoluída o suficiente para entender. Mas não era, e nunca conseguiria ser. A única coisa que conseguia pensar ali, naquele segundo, era na sua dor. Era no quanto estava desesperado de imaginar sua vida sem sua loirinha por perto.

Mas então Di Maggio desligou-se. Seu cérebro estava implorando por isso, a fim de bloquear a quantidade de aflição que lhe atravessava os vasos sanguíneos.

— Pro caralho com esse papo. Você não queria me dar a chance de te convencer a ficar —  Kael falou, finalmente conseguindo ler ela verdadeiramente. A conhecia o suficiente para isso já. — Você nunca planejou ficar. Já estava com a decisão tomada e nada do que eu falasse iria lhe fazer mudar de ideia — ele complementou, com o cenho franzido de descrença e acusação. Nimuë tentou responder que aquilo não era verdade, mas foi interrompida por Kael.

—  Eu sei porque você foi me ver — ele falou, apontando o dedo na sua cara e dando uns três passos para trás. — Você foi porque queria ficar com a consciência limpa, não é? Porque antes de fugir você ainda queria ter o prazer de poder dizer adeus. — o filho de Hades concluiu sozinho, assumindo uma expressão de quem havia acabado de descobrir o fóssil de um faraó egípcio.

— Mas eu não vou colaborar dessa vez! — ele falou, caminhando na sua direção e parando bem em sua frente. Nimuë deixou as lágrimas rolarem pelo rosto, e quis abraçá-lo. Talvez ele tivesse razão. A sereia queria sim o prazer de dizer Adeus. Ela queria muito isso. Só não tinha percebido até agora. Sentiu-se mal por isso.

— Se você quer ir, então vá! — Kael di Maggio lhe falou e então, sem ao menos lhe dar um último olhar, ele dirigiu-se a porta do seu quarto.

Tomada pelo desespero e pela dor, Nimuë gritou.

— Espera. Por favor, Kael! Não vai embora assim. — ela pediu, praticamente implorando. Seu corpo inteiro tremia, e Nimuë sentia que iria vomitar a qualquer momento novamente. Não queria que ele fosse embora assim, essa não podia ser a última imagem ou conversa que teria com ele. Não podia. Até que a sereia se deu conta...

Kael di Maggio havia lhe feito provar do próprio veneno. Havia invertido a situação, e feito a sereia sentir na pele o mesmo que ele vinha sentindo ao implorar algo e receber o não em troca. Havia lhe mostrado, em primeira mão, o quanto isso doía e machucava.

Sim, ele era egoísta a esse ponto. Já não bastava todas as dores que Nimuë sentia por si própria, agora ainda sentia as mesmas dores que ele.  

O filho de Hades abriu a porta do quarto da filha de Poseidon e a encarou pela última vez.

— Não vai embora assim! — ela pediu novamente, completamente derrotada e vencida. Completamente destruída, machucada e pisoteada. Não queria ter essa última visão dele. Não queria que esse fosse o último olhar que ele lhe daria.

— É você quem está indo embora. Não eu! — Di Maggio falou e, reunindo o máximo de forças que conseguiu, virou o rosto e saiu do quarto. Fechando a porta atrás de si.

No fim do corredor? Poseidon. O deus dos Mares, de braços cruzados e apoiado no encosto do sofá, levantou o olhar e lhe encarou. Kael di Maggio queria matá-lo. Ali mesmo. Não conseguiria, obviamente. Mas pelo menos poderia tentar, e de presente quem sabe Poseidon lhe matasse. Encerraria a sua existência ali mesmo, lhe liberando daquela miséria e sofrimento angustiante.

Até que se deu conta. Finalmente se deu conta do que Hades havia lhe dito no seu pós-morte. Ele sabia que isso ia acontecer, e havia lhe avisado. Di Maggio deixou a voz do Deus do Mundo Inferior reverberar novamente pela sua mente. 

Tem coisas que machucam mais que a morte, meu filho.

Mas você precisa ser forte. Prometa que vai ser forte.

Kael havia prometido. E então, honrando a sua palavra para com seu pai, usou todas as forças que tinha para dar suas costas à Poseidon e sair dali.

Deixou o Chalé para trás e, junto com ele, o amor da sua vida.

 

Naquele momento, a única coisa certeza que Kael di Maggio tinha era que Nimuë iria embora.

E que queria nunca ter ressuscitado. 

 


Notas Finais


FIM.

A não ser, é claro, que você queira comentar aqui embaixo que gostaria de uma segunda temporada pra gente ajeitar juntos essa bagunça. Hein? Que tal?
Querem o PRÓLOGO do ( 2 ) SEGUNDO ATO?


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