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História A Era Mais Escura - Astárium


Escrita por: MarleyMAlves

Notas do Autor


Olá! Gostaria de lembrar que aprecio muito qualquer feedback que vocês possam dar sobre minha história ou mesmo meu modo de escrever, assim eu posso sempre melhorar!

Capítulo 12 - Astárium


Fanfic / Fanfiction A Era Mais Escura - Astárium

Na madruga a qual finalizou sua carta para rei Aurius, Logan não conseguiu esperar até o amanhecer para encaminhar o recado, pois sabia, era uma longa jornada que aquele envelope precisaria fazer até chegar a Thâmys, onde ele estava hospedado; deste modo, atravessou o castelo real por inteiro noite a dentro, ainda com suas vestes sujas com o sangue daquela criatura, e seu próprio, foi bom que o mensageiro mais desperto entre os outros, não fez perguntas ao pegar a mensagem de sua mão, apesar de com certeza ter usado ao máximo da imaginação para tirar suas conclusões.

            Foi somente quando voltou ao seu quarto que o cansaço alcançou seu corpo, e Logan se viu incapaz sequer de dar mais um passo, caindo direto em sua cama. No começo, tinha certeza de que conseguiria adormecer depois de todo o tumulto que fora aquele dia e aquela noite, mas ao contrário de seu corpo que doía como a muito tempo não sentia, sua mente estava acelerada, pensando em coisas demais para conseguir descansar; a mercenária de olhos esmeraldinos rondava seus pensamentos enquanto mesclava suas memórias, algumas claras, inocentes e distantes, enquanto outras eram escuras, tão pretas e vermelhas que o faziam estremecer. Na escuridão de seu quarto percebeu o quanto era engraçado que todas aquelas facetas juntas davam forma a uma mulher tão naturalmente fascinante, a qual se mostrou um poço de inteligência e habilidade, e para algumas pouquíssimas, de ternura, por outro lado, direcionara quase todas aquelas tão grandes qualidades para um ofício odioso; ouvira muitos dizerem que era uma garota sem rumo, mas sabia muito bem que não, Mila Dameron fez suas próprias escolhas, não importa o quanto algumas coisas estivessem pesando na balança, sabia no que se metia e por que suas roupas quase sempre estavam sujas de sangue no final do dia, e isso era o que tornava tão complexo entende-la. Como pôde se deixar cair nas graças de uma armadilha como era aquela mulher, e mesmo depois de tudo, se sentir atraído novamente pela mesma e idêntica isca?

            Como da última vez, pensava que talvez as coisas seriam mais simples quando não tivesse escolha a não ser impedi-la, pois tinha medo dessa escolha, tinha medo de descobrir que apesar das vidas que Mila tirou, ela ainda assim, merecesse a liberdade e todas as dádivas que a vida pudesse a oferecer, pois como veio a entender, aquela mulher já havia sofrido o suficiente; e foi com esses pensamentos ecoando pela sua cabeça, que o sono veio o abraçar finalmente, levando-o para longe das questões complicadas, dos problemas antigos, mas mesmo assim parte de tudo aquilo iria o seguir para além daquela madrugada, perguntas e questionamentos sobre como e porque mais uma vez, sua vida havia sido virada de cabeça para baixo.

 

            Quando finalmente acordou, foi recebido de maneira muito calorosa pelo sol alto que sempre tinha o costume de entrar diretamente por sua janela quando já era passada a hora do almoço, tomou seu tempo até se sentar na cama e ter coragem de encarar a paisagem a fora, onde vislumbrou uma Losran já viva e pulsante, apenas mais uma prova de que já faziam muitas horas que havia se passado o momento em que o termo “acordar muito atrasado”, era adequado.

            - Mas que droga. – Resmungou, e como um carma, um cheiro horrendo adentrou seu nariz, e o fez ter a nítida impressão de que havia dividido sua cama com um rato morto na noite anterior; no entanto, foi quando finalmente se levantou, que sentiu suas botas, o que o forçou a olhar para baixo, para suas roupas completamente imundas as quais havia se esquecido completamente. – Mas que...!

            Irrompeu seu banheiro um instante depois, se despindo pelo caminho, porque, afinal, como poderia em um único dia, se tornar o homem mais desleixado daquele castelo?

            Foi um longo e efetivo banho o qual tomou, não exatamente se importava que havia perdido ainda mais tempo do que desperdiçou dormindo, não era como se não precisasse daquele descanso, mas sim que haviam muitas mudanças a serem feitas e novas incursões a planejar, pois ficará frente a frente com a temida criatura que a meses passara a assolar sua capital, e como se não fosse o bastante, uma certa mercenária havia dado o ar da graça, e mesmo que naquele momento não fosse lidar com ela, seu povo deveria ao menos, achar que sim. Foi com tais objetivos e roupas novas em folha que deixou seu quarto a caminho de seu escritório, Nahash, assim como ele, limpa e polida, confortavelmente pesando em sua cintura; se surpreendeu quando viu virando no fim do corredor, Den, seu sobrinho, vindo assim como ele ia, a passos largos ao seu encontro.

            - Tio. – O jovem o cumprimentou, batendo continência com primor, uma exigência que havia feito constantemente nos últimos tempos, mesmo assim, o advertiu com seu olhar, pois haviam outros costumes que aquele recruta teria de aprender. – General... – Ele corrigiu. – Estávamos te procurando desde de manhã, foram até seu escritório, a sala de treino, até mesmo na ala real; e como ninguém conseguiu te encontrar, me pediram para verificar seu quarto, seus olhos estão vermelhos... você estava dormindo?

            - Oras, desde cedo tive que escrever uma carta para o rei com urgência, e por isso, quis fazer isso na minha privacidade, por favor, pense antes de fazer qualquer alegação sobre mim. – Desviou, mesmo que com pequenas mentiras no meio daquela verdade.

            - Nossa, me desculpa, não estava te acusando de nada. – Defendeu-se seu sobrinho, coçando os cabelos castanhos tão semelhantes aos seus.

            - Mas qual é a emergência? – Apressou-o quando este pareceu perder o foco por um segundo, o que tinha que admitir, era natural quando se dizia respeito a Den.

            - Sim, claro, perdão, ainda antes de amanhecer, os soldados do alojamento norte exterior foram jogados para fora do dormitório. – O garoto contou, uma de suas sobrancelhas erguidas como se ainda desacreditasse na tal história. – Me contaram que um homem entrou como um furacão e disse que era convidado do rei, e tinha sua permissão para usar todo aquele lugar o quanto quisesse.

            Se viu boquiaberto com o que seus ouvidos estavam entendendo, tendo de tomar um segundo para digerir toda aquela informação, era mais uma coisa a se somar a todo o resto, mas então lhe ocorreu um pensamento subitamente, e não sabia bem porque, mas não soava tão improvável, e foi com essa linha de pensamento em sua cabeça, que perguntou:

            - Por acaso disseram algo mais sobre esse homem?

            Viu Den dar de ombros, olhar o nada e erguer ambas as sobrancelhas em uma caçada por informações em sua cabeça avoada, afinal, suas maiores qualidades era seu espirito de liderança, honra e sua grande habilidade com a espada, e exatamente por conhecer também seus pontos fracos, não o apressou mais, sabendo que não seria muito difícil vê-lo travar.

            - Ah, sim, me lembro que eles comentaram que o homem tinha um sotaque pesado e usava roupas bem diferentes. – Ele disse por fim, e já foi o bastante para que Logan percebesse que estavam falando de um certo feiticeiro que conheceu recentemente.

            - Que ótimo. – Lamentou ironicamente, ao levar uma mão ao rosto de uma maneira derrotada. – É claro que ele não poderia ter ido para um quarto de hospedes.

            - Você o conhece então?

            - Conhecer definitivamente não é a palavra que eu usaria, Den. – Brincou, revirando os olhos. – Apenas diga para os outros que vou dar um jeito nisso agora mesmo. – Concluiu, já partindo rumo ao lado norte do castelo a passos largos, já tão ocupado com seus novos problemas que nem mesmo percebeu quando seu sobrinho bateu continência mais uma vez e lhe desejou boa sorte.

 

            Caminhando a céu aberto, a caminho do alojamento norte dos soldados, que era o único que se encontrava fora da construção principal do castelo, percebeu as folhas das anciãs arvores dos jardins, caídas ao chão, assim como percebeu os troncos e os galhos secos; no dia anterior haviam chego ao alto outono, o auge daquela época que seu povo chamava de “depressão marrom”, e depois do dia anterior, não poderia fazer mais jus ao título. Naturalmente teria sido ontem o famoso Baile Marrom, o maior do ano em Losran, o rei fazia questão disso, e sabia que seus motivos iam além de simplesmente espantar a tristeza.

            Mila, como ele tão bem se lembrava, era uma frequentadora eximia de bailes, nunca, é claro, com sua real identidade, mas isso jamais a impediu de ser a estrela da noite; a primeira vez da assassina de cabelos de corvo no grande evento outonal de Ravius foi como sua companhia, e para o bem ou para o mal, foi uma noite inesquecível para os dois, porém, não apenas para eles. Essa, como outras mil linhas de pensamentos envolvendo a assassina e mercenária o perfuraram na madrugada passada como uma flecha contra sua cabeça que parecia atravessar sua testa em câmera lenta. Tudo deveria ser culpa de sua incapacidade de agir contra a mulher quando frente a frente com ela no Primadona, sua fraqueza em nem ao menos tentar levá-la consigo, levá-la à justiça, mesmo que já soubesse que a fugitiva não voltaria para aquele calabouço uma vez mais, eram outros tempos, outro rei, e realmente não sabia dizer se isso o assustava mais que confortava.

Quando chegando perto do tal alojamento, Logan pressentiu o quão estranho seria reencontrar seu salvador da noite passada, de fato sentia-se desconcertado de, nem mesmo por um segundo, ter considerado a hipótese de aquele zankariano ser o emissário de Ellia, afinal, quantos feiticeiros zankarianos visitariam Losran naquela época? Sabia, porém, que assim como lhe fora instruído, deveria tratar aquele homem insuportavelmente egocêntrico como um lorde da ordem da coroa inferior, isto é, do mesmo modo que o rei é tratado.

            Atingindo a porta de madeira adornada em ferro, observou toda a extensão da parede de pedras do dormitório, que em sua grande maioria estava enfeitada com plantas trepadeiras, inclusive as grandes janelas, as quais estavam como sempre fechadas, pois nem um único homem (nem mesmo cinco) teve força suficiente para vencer aquelas velhas dobradiças a décadas, ele incluído, mesmo que não comentasse disso com seus soldados. Colocou sua mão na porta para empurrá-la, mas tomou um segundo para respirar e juntar todo seu cavalheirismo enquanto afundava toda a falta de paciência e implicância com os de Zankar, mas infelizmente não teve tempo de completar a “meditação”, porque a porta de madeira se abriu subitamente, fazendo com que o general perdesse o equilíbrio por um instante, e como não poderia ser diferente, de uma maneira um tanto deselegante.

            - General! – Exaltou-se o bruxo, dessa vez sem sua pesada capa e capuz, enquanto apoiava uma mão na cintura e outra na porta. – Juro que esperei você bater, mas já estava demorando demais, entre de uma vez, temos trabalho a fazer e cheguei à conclusão de que seu reino é totalmente subdesenvolvido em relação a produção de cafeína!

            Instantaneamente sentiu toda aquela vontade de ser cordial se esvair ao mesmo tempo que nem mesmo conseguiu impedir seu rosto de tomar aquelas feições tão naturais de descontentamento ao caminhar para dentro do grande dormitório. E ao entrar, também não conseguiu se impedir de perceber o que o homem havia feito com o local, de alguma maneira empilhando as mais de cinquenta camas anteriormente espalhadas pelo lugar em diversas pilhas, estas dispersas pelos cantos do recinto, assim deixando um grande espaço livre no centro, onde percebeu estar desenhado um símbolo em algum tipo de tinta azul celeste, a ilustração parecia reluzir como se fosse feito com algum tipo de tinta metálica.

            - Mas o que em nome dos deuses aconteceu aqui?! – Disse indignado ao caminhar cômodo adentro, seus olhos um pouco arregalados, precisou de um tempo para voltar a si e pensar em suas próximas palavras. – Eu não sei o que pretende fazer aqui, mas se tem alguma coisa a ver com magia, milorde, temos lugares apropriados para isso.

            - Oras, se eu pudesse fazer isso em uma daquelas suas “salinhas” para feiticeiros, tenha certeza que lá eu estaria, meu caro. – Retrucou Illai, com um sorriso sarcástico estampado no rosto, ao caminhar até o desenho no chão de pedras, e sinalizar para que Logan o seguisse.

            Um pouco relutante a princípio, andou um pouco atrás do emissário ao se aproximar, e aos poucos os detalhes da marca se revelaram para ele, não poderia dizer que não ficou impressionado com a obra, pois representado na marca estava uma meia lua e um par de asas, essas que pareciam abraçar um conjunto de estrelas ao centro, talvez formassem algum tipo de constelação, por fim, pela extensão do todo, diversos arabescos decoravam o desenho, o que o levou a pensar quanto tempo havia demorado ao homem para finalizar aquilo.

            - Milorde, pretende fazer algo grande? – Questionou, lançando-o um olhar tão desconfiado quanto sério.

            Torcendo a boca e levantando uma sobrancelha para o general, o zankariano se abaixou ao fitar sua pintura, parecia conferir seus detalhes ao responder:

            - Pare com essas cordialidades, colega, elas não caem bem em você; se bem que no geral os de Ravius não são muito bons com máscaras e jogos de interesses. – Ao soltar as palavras, ele olhou para cima, do mesmo modo como se estivesse verificando algo, e ao seguir seu olhar foi surpreendido mais uma vez ao ver que flutuando acima de suas cabeças estavam cinzas, que circulavam o símbolo vagarosamente. – E talvez seja um pouco grande, sim, talvez um pouco perigoso também, mas ninguém se importa com os meios, não é?

            Continuou a observar o lento movimento das cinzas durante alguns instantes, ponderando no que deveria ter passado na cabeça dos anciões que regiam o reino de Zankar para mandar um representante com tanta “admiração” pelo reino vizinho, um representante que aparentemente parecia estar confiante o suficiente para fazer algum tipo de ritual mágico não seguro estando ali a menos de um dia, talvez o alto círculo de Ellia estivesse sendo irônico, bom, realmente não sabia ler estas estranhas mensagens subliminares das cortes.

            - Bom, talvez eu não seja bom com tramas e afins, mas acho que ao menos educação meu reino me ensinou, milorde – Incitou, sorrindo felinamente para feiticeiro, sem dúvidas uma certa mercenária ficaria orgulhosa. – Mesmo assim, creio que não vou poder te deixar fazer isso, seja lá o que for isso. – Indicou as pedras do piso pintadas e as cinzas flutuantes.

            Levantando-se, o estrangeiro deu de ombros ao dar a volta na ilustração, e ao chegar do lado posto, disse, cruzando seus braços:

            - Sim, sim, eu compreendo meu caro general, não seria nada seguro colocar as pessoas em risco à toa deste jeito, até mesmo porque não te dei motivos para confiar em mim, além, é claro, de salvar sua vida! – Sem dúvidas deveria ter esperado ironia como resposta, mas mesmo assim, se pegou surpreso pela concordância dele, pois pelo pouquíssimo que conhecera do bruxo, este não parecia do tipo que ouvia muito a opinião dos outros. – Bem, então me ajuda aqui a lavar este glifo, até mesmo porque, eu não tinha interesse nem um em saber a identidade daquela coisa da noite passada, sei que seus excelentes soldados descobriram isso em um estalar de dedos.

            Semicerrou os olhos ao olhar de Illai para as cinzas e visse versa, estaria ele realmente tentando identificar a aberração que arrancava o coração do jovem naquela madrugada, e mesmo se estivesse, quais seriam seus motivos para tal? Havia muito nas poucas atitudes que presenciara do emissário até ali que o deixavam desconfiado, tantas coincidências e conveniências que talvez já tivessem ultrapassado o limite da sorte, ao menos para Logan; entretanto, sua honra o inclinava a dar uma chance ao zankariano de Ellia, afinal, sim, ele havia salvo sua vida naquele beco, assim como fizera seus membros voltarem a funcionar; Illai Zandev Marlock nem de longe era um visitante comum, mas talvez para preencher algumas lacunas, seria preciso dar-lhe um voto de confiança.

            - Espere, me explique o que pretende fazer aqui. – Voltou atrás, como não era de costume, ao por um momento desviar seus olhos dos do feiticeiro, relutante em aceitar que talvez estivesse mordendo aquela isca.

            - Ótimo! – Se exaltou. – Tinha certeza de que entenderia, amigo. – Sorriu ele, ao retornar ao seu lado e bater em seu ombro. – Bem, o que eu pretendo fazer aqui pode ser complicado em teoria, mas garanto que é ainda mais ainda na prática, e é por isso que talvez eu precise de alguma ajuda, vê este símbolo. – O estrangeiro indicou, passando a mão no ar acima da ilustração como se sentisse algum tipo de energia emanando da mesma. – Chama-se Astárium, é uma arte desenvolvida a quase um milênio pelo antigo alto inquisidor; ele dizia que em uma época na qual criaturas mais horrendas do que aquelas da tal “ilha prisão” de Orfílea andavam pelo mundo, ter algum jeito de identificar composições, origens e fraquezas, era mais importante do que qualquer arma. Ele era um velho paranoico na minha opinião. – Percebeu uma alteração de voz no zankariano por um instante, alguma relutância tão ínfima que questionou ser coisa de sua cabeça desconfiada. – Mas a verdade é que eu estaria mentindo na cara dura se te falasse que não são uteis no dia a dia, não é qualquer um que consegue fazer algo assim.

            Pegou-se imaginando na história já esquecida da origem da magia, sua chegada através do tal elo que mudou o rumo da sociedade, e como alguns excluídos pela mesma diziam, que foi também a chegada do “devorador de mundos” que quase devastou todas as planícies, vales e montanhas, e os que nestes viviam. Imaginava que o tal inquisidor deveria ser um simpatizante desta lenda e por isso fez feitiços como aquele, somente poderia imaginar o que ele deveria ter visto para acreditar em loucuras como aquela. Viviam em um mundo hostil, sim, mas as batalhas contra as criaturas que antes vagavam pelos três grandes reinos e seus menores protegidos já haviam sido vencidas, e como citou o próprio emissário de Ellia, quase todos esses perigos, ainda jaziam em uma isolada ilha do reino oculto, sob vigília eterna.

            - Como você mesmo disse, eu não entendo nada de magia, poucos em Ravius entendem, na verdade. – Admitiu, ainda observando a marca de cor azul celeste. – Mas sei que fazer algo que consiga informações a partir das cinzas de um monstro, não deve ser nada fácil.

            O estrangeiro riu de escárnio por um instante, um pouco nervoso como conseguiu perceber, ao levar dois dedos a testa e massageá-la como se estivesse com alguma enxaqueca, entendeu que não iria ser agradável o que viria em seguida.

            - Bem, ela não foi feita exatamente para funcionar com seres mortos, ainda mais, incinerados. – O olhar que Illai lhe lançou não era exatamente otimista. – Mas estou confiante que vou conseguir potencializar o glifo com minha própria magia, e é aí que entra a parte perigosa. – Avisou ele, fitando o general com um sorriso. – Magia é uma aliada poderosa, mas abuse dela, e ela te derruba para valer, e levando em conta que exagerei nos feitiços na madruga anterior, por segurança, é claro...

            Entendeu o recado, mesmo não estando convencido de que a exibição mágica na noite passada tenha sido apenas por segurança, ainda mais porque o emissário definitivamente não era uma pessoa de resguardar suas habilidades, entretanto, quando deu sua resposta, fez questão de demonstrar alguma seriedade:

            - Você me quer como medida de segurança, caso algo de errado.

            - É um jeito de se colocar, principalmente porque eu não sei bem o que “dar errado” quer dizer nesse cenário. – Esclareceu, fazendo uma pequena pausa antes de continuar. – Enfim, quando estiver pronto, general.

            Olhou-o de escárnio enquanto o mesmo parecia arrumar as vestes, quase como se estivesse para atender alguém a porta, e por um instante questionou a si mesmo sobre tudo aquilo, sobre como suas últimas horas tinham começado a parecer algum tipo de correnteza que o levava a diante, em forma de reencontros, encontros e oportunidades.

            - Não se preocupe comigo, até mesmo porque não sou eu quem sabe feitiçaria, milorde. – Retrucou, endireitando a postura.

            - Ah, é claro. – O homem deu um passo à frente, tirando de um bolso em suas vestes um pergaminho enrolado. – E pelos deuses, pare com essa história de “milorde”. – Ele então estendeu o braço, como se fosse entregar o material para alguém invisível a sua frente, e ao soltá-lo, este flutuou no ar, ficando entre as cinzas acima de suas cabeças e o símbolo quase abaixo de seus pés, observou-o se abrir sozinho como se tivesse vida própria, por fim, viu, ouviu, e de alguma maneira, sentiu, aquela marca pulsar. – Estamos quase prontos.

            Se juntou ao cidadão de Zankar, enquanto este voltava a enfiar as mãos em suas roupas a procura de mais alguma coisa, busca essa que demorou um pouco mais que a última, até que finalmente ele revelou um amuleto, um o qual se lembrou imediatamente como o mesmo de pouco tempo atrás, o item que de algum jeito absorveu as cinzas e os fragmentos do crânio daquela coisa; e dessa vez não para sua surpresa, foi exatamente estes pedaços que foram liberados do tal acessório, logo se juntando as cinzas em sua orbita em volta da ilustração.

            - Agora sim, estamos prontos. – O estrangeiro esfregou uma mão na outra, e estralou o pescoço; e foi ao vê-lo as estender que Logan se deu conta que as pontas dos dedos de Illai brilhavam, a luz que parecia emanar das extremidades de suas mãos parecia deixar um rastro por onde passava. – Bom, vamos começar.

            O bruxo girou suas palmas para cima, estas agora também totalmente envolvidas na energia mística que emanava de dentro para fora, e como se virasse uma chave em uma fechadura, sua ação fez com que o desenho ao chão ganhasse vida própria, fazendo as asas, as estrelas e a meia lua, antes inertes, começarem a girar no próprio eixo, ao mesmo tempo em que uma estranha e translúcida poeira azul e dourada se ergueu, envolvendo uma pequena área em volta deles; jamais havia presenciado demonstrações de feitiços como aquele, logo, falhou miseravelmente em se impedir de tocar naquelas partículas fantásticas dançando lentamente ao seu redor, observou-as contornarem seu toque enquanto seguiam uma corrente de ar fantasma que girava a sua volta.

            - É impressionante, não? – Disse o feiticeiro, olhando por cima dos ombros. – Eu também fiquei boquiaberto a primeira vez que vi isso. – Surpreendido, se resumiu a fechar a boca rapidamente, mesmo que ainda maravilhado com a beleza que poderia estar escondida na feitiçaria, por trás de toda a instabilidade e perigo que os magos de Zankar insistiam em investigar.

            Houve um novo movimento do emissário, e todas aquelas cinzas se moveram disformemente, assim como faria um enxame de insetos, ao lentamente ter seu tom esbranquiçado escurecido, e sua forma seca modificada, até que finalmente percebeu estar encarando uma forma liquida e negra; foi neste momento em que percebeu o homem ao seu lado estremecer, como se resistisse a alguma força que o quisesse derrubar.

            - Você está bem? – Perguntou, colocando a mão em seu ombro.

            O ouviu arfar discretamente, assim como se obrigar a tomar fôlego antes de responder, sem desviar os olhos das antes cinzas que flutuavam acima:

            - Estou bem, mas sinto que tem algo resistindo ao feitiço. – Percebeu uma linha de sangue descer do nariz de Illai, talvez tivesse subestimado sua força de vontade, afinal, poucos estariam dispostos a passar por aquilo, provavelmente os magos tinham conhecimentos de seus limites. – É como se estivesse fazendo algum tipo de força contrária à minha.

            Aquela massa disforme e oleosa então começou a descer em direção ao pergaminho, porém, percebia que de tempos em tempos pequenas gotas e partículas de seu inteiro pareciam se rebelar ao resto, o que sem dúvidas o estrangeiro sentia, pois a cada um desses momentos, o observava estremecer por inteiro, assim como sua pele ficar mais pálida e mais sangue escorrer por seu nariz e boca; talvez faltasse um pouco de noção na cabeça do zankariano para continuar até aquele ponto, mas naquele momento, não tinha certeza de que havia alguma volta. No entanto, quando o liquido feito dos restos daquele monstro chegaram perto o suficiente do pergaminho, viu menores partículas se separarem do todo e tomarem formas distintas em pleno ar, instantes antes de colidirem com o material em branco. Era como se a própria criatura fosse forçada a contar sua história.

            Mesmo entretido com o show de tão improváveis possibilidades do ritual, prestava atenção constante no feiticeiro, que tinha suas mãos tremendo, e em seu rosto feições claras de exaustão, logo, foi ao observar seus joelhos estremecerem que se preparou para prestar auxílio, apenas não contava com mais uma investida do líquido escuro contra a poeira dourada e azul da feitiçaria, dessa vez, bem-sucedida.

            - Droga... – Murmurou ele, claramente sem fôlego para completar sua frase ou mesmo dá-la a entonação necessária. Logan foi incapaz de qualquer ação ao ter que resistir ao pulso fantasmagórico que explodiu de onde antes estavam as cinzas, o que o estrangeiro infelizmente foi incapaz de fazer, caindo ao chão como um saco de batatas.

            Ouviu algo como sussurros não discerníveis enquanto a massa negra se libertou do símbolo se dispersando lentamente pelo grande dormitório, não fosse o bastante, no instante em que abriu os olhos, presenciou uma gota daquilo encontrar a madeira de uma das camas, e em questão de segundos a viu apodrecer e dali brotar uma forma semelhante a um musgo escuro, que crescendo de maneira irreal, tomou grande parte do móvel. Não esperou mais ao correr até o bruxo e tentar ajudá-lo a se levantar.

            - Levanta, rápido, temos que sair daqui! – Falou, estendendo a mão para ele, que mesmo consciente e o encarando com as sobrancelhas erguidas, não se moveu para pegá-la, ou mesmo para se levantar por si só. – Qual é o seu problema, temos que correr!

            - Bem que eu queria, companheiro, não consigo me mexer. – Revelou entre dentes, e notou que mesmo que suas palavras não transmitissem desespero, estava longe de estar calmo. – É o preço que se paga por exagerar... olha para trás!

            Quando olhou por cima dos ombros, viu-se a centímetros de gotas daquela podridão liquida, já tão próxima que desviar não era mais uma opção, tendo tempo apenas de novamente dar as costas a aquilo antes de a sentir molhar o sobretudo em suas costas, e como se realmente alguém ou algo estivesse debruçado sobre seus ombros, ouviu aqueles sussurros em línguas que nunca havia conhecido antes e dessa vez mais claros e altos do que a primeira vez; não pensou, ou fez qualquer tipo de cálculo de tempo, foi a mais pura e instintiva inconsequência que o fez arrancar aquela camada de roupa e jogá-la longe, bem a tempo de observar aquele mesmo musgo crescer por todo couro de pano, por fim, a peça quase não podia ser vista; mas ao menos, a voz aterrorizante havia se dissipado, não mais chegante até seus ouvidos.

            - Deuses, o que é essa coisa? – Questionou Illai, fitando a massa que ainda flutuava pelo alojamento, por sorte, indo no sentido contrário ao deles.

            Logan não esperou mais ao pegar a parte de trás do colarinho do feiticeiro e arrastá-lo em direção a parede mais longe possível de onde o tal musgo misterioso havia crescido, dando sua resposta a ele dentre risadas sarcásticas, esquecendo cordialidades e qualquer outro tipo de educação:

            - Acho engraçado essa pergunta, sabe, sendo você quem fez questão de mexer com o que não entende, e me envolvendo ainda por cima, mas sabe que não fico surpreso, já sei o quão superiores vocês magos se acham. – Desabafou, como nunca achou que teria coragem de fazer, e tinha de admitir, foi uma experiência libertadora.

            Quando finalmente encostou o zankariano nas pedras que formavam a parede daquele grande cômodo, e descansou as costas na mesma, ainda retomando o ar perdido no desespero de arrancar seu sobretudo, verificou se havia mais alguma daquela estranha matéria vindo ao seu encontro, por sorte, não havia mais partículas sobrevoando o local, mas também para seu azar, percebeu que grande parte das camas aos cantos foram destruídas e o centro também havia sido completamente tomada pelas estranhas formações. Finalmente, fitou o homem enquanto o mesmo nitidamente ponderava sobre o que acabara de ouvir do general; na verdade, por tempo o suficiente para fazer Logan levar a mão ao rosto em questionamento e vergonha, já que a razão começara a dar o ar da graça novamente.

            - Olha, me desculpe, eu não devia ter falado aquilo... – Já começava a se desculpar, entretanto, sendo subitamente interrompido pelo emissário, que aparentemente conseguiu virar a cabeça para encará-lo de baixo para cima.

            - Não, não. Não se desculpe. – Começou ele, dizendo algo que realmente não esperaria ouvir tão cedo. – É bom finalmente escutar algumas palavras verdadeiras suas, general, e... – Esperou-o também tomar o fôlego que faltava para continuar. – Você está certo em dizer que fui imprudente, mas você sabe, as vezes alguns sacrifícios têm que ser feitos para conseguirmos respostas. – Alegou, mesmo naquele estado deplorável, sorrindo de maneira sarcástica, o que drenou toda a culpa que a um instante sentia pelas palavras ásperas.

            - De que respostas você está falando? – Questionou ao indicar o símbolo, agora negro como se tivesse queimado. – Pelo o que eu estou vendo, as coisas não deram muito certo.

            - É tudo uma questão de ponto de vista, eu acho, olhe mais atentamente. – Teve de o ouvir incitar.

            Bufando discretamente, se deu ao trabalho de dar um passo à frente enquanto analisava melhor aquela cena de destruição, e quando prestes a se virar de volta ao bruxo para lhe conceder novos sermões, viu o pergaminho, agora já enrolado e praticamente escondido no meio de toda a podridão em forma de musgo; quando voltou a si, já estava meneando negativamente com a cabeça, provavelmente já a par de sua próxima tarefa.

            - Ótimo, você o encontrou, ótimo. – Ouviu-o dizer, este ao contrário dele, meneando a cabeça positivamente. – Eu não estava conseguindo encontrar daqui de baixo, acho que essas coisas estão tampando a visão um pouco, bom, vá lá pegá-lo!

            Encarou o nada por um segundo em indignação, porém, não questionou mais ao simplesmente começar a caminhar com seus passos pesados de volta até a concentração daquele estranho e inexplicável líquido escuro; sua mão estava pronta ao sobre Nahash, mesmo que na verdade não tivesse ideia de que maneiras aquelas coisas poderiam lhe causar mal, por outro lado, lembrando-se da madrugada anterior e vendo seu sobretudo preferido jogado e destruído ao chão a poucos passos, se considerava bem avisado.

            - Merda. – Murmurou para ele mesmo em sua caminhada tortuosa até a marca, desviando dos crescimentos cor de nanquim em diversos tamanhos e formas que de alguma maneira pareciam vivos, e bem em sua maior concentração, era onde o pergaminho esperava.

            Ao finalmente alcançar a ilustração antes em uma viva cor azul celeste, viu de perto e nitidamente o que estava procurando, e mesmo que sua vontade fosse a de deixar tudo ali e simplesmente esquecer o que fizeram naquele alojamento destruído, havia algo em Logan que havia simpatizado ao menos um pouco com a determinação do estrangeiro, além do mais, não poderia negar que foi após sua chegada que tivera êxito em vencer seu algoz, assim como se manter vivo. E foi apenas com esse pensamento na cabeça, que teve coragem de se abaixar e estender a mão para finalmente pegar o pergaminho.

            - E então, alguma dor insuportável? – Percebeu-o perguntar de longe, ainda inerte encostado na parede. – Alguma parte do corpo se movendo sozinha, ou vê alguma alucinação?!

            Suspirou de alívio quando finalmente envolveu suas mãos no item e se levantou, escolheu por simplesmente não responder ao outro, se resumindo simplesmente a se virar, e com o que precisavam em mãos, começar seu caminho de volta; entretanto, quando já se afastava, sentiu calafrios em sua nuca, o que por algum motivo o fez se virar por instinto.

- Ei, alguma coisa errada? – O zankariano chamou, e mesmo que tivesse o escutado, não se moveu, pois como se uma brisa levemente beijasse seus ouvidos, aquela mesma voz baixa e indistinguível voltou a lhe cochichar coisas que não entendia, mas desta vez, de alguma forma, notou que seja quais fossem suas palavras, elas o persuadiam a fazer algo, algo ruim.

Se endireitou uma última vez, e ainda que com um tipo de medo primal que achava nunca ter conhecido, voltou a passos calmos até estar novamente ao lado do emissário, jogando o pergaminho em seu colo assim que chegou perto.

- Aí está, faça bom uso. – Foi tudo o que teve a vontade de falar, antes de novamente se recostar na parede e cruzar os braços, sua mente ainda irritantemente presa a aquela estranha voz que pareceu cravar aqueles murmúrios em seu cérebro.

- Bom, acho que neste momento estou meio... incapacitado para abrir essa coisa. – Ele brincou, um discreto sorriso no canto da boca, mas Logan não percebeu, ainda divagando sobre coisas que ainda não entendia. – Você está bem? – Insistiu, dessa vez conseguindo chama sua atenção, e pela cara estranha de seriedade do feiticeiro, entendia que não era algum outro tipo de pergunta irônica.

            Respirou fundo ao massagear a testa, tentando afastar aqueles novos tormentos de sua mente, fitou por um segundo o resto do dormitório, toda aquela coisa crescendo e sentia como se alguma coisa estivesse se escondendo por trás delas, e sem conseguir parar de observar com temor aquelas formações, respondeu:

            - Estou bem, eu só... – Começou sua sentença, entretanto a pausando no meio, o que temia ter deixado o bruxo perceber, mas aparentemente não foi o caso, levando em consideração que ele o teria interrompido um segundo depois.

            - Me desculpe. – Ele pediu, dessa vez o pegando de surpresa. – Eu sei que não foi certo te envolver nisso; e também por ser um cretino as vezes, mas entenda, é um estilo de vida de onde eu venho.

            Novamente boquiaberto, recostou a cabeça na pedra fria da parede, e depois de algum tempo em silêncio, para digerir as desculpas, deslizou pela mesma até estar sentado ao lado do estrangeiro, apoiando os braços nos joelhos.

            - Não é só sua culpa, os últimos dias tem sido estranhos, eu acho que acabei me acostumando demais com a rotina. – Desabafou, o que acabou por ser inesperado até mesmo para si próprio.

            - Sabe, eu já estive onde você está, me consumindo por coisas que não valiam a pena; eu melhorei, hoje eu me consumo de outro jeito, mas agora eu sei que é por algo que vai fazer alguma diferença. – Contou o representante, realmente viu sabedoria naquelas palavras, no fim, talvez houvessem coisas que Zankar poderia lhe ensinar. – Bom, o importante mesmo é que você não esqueça que me deve uma cerveja.

            Se pegou rindo de escárnio, mas ao contrário das outras vezes, junto ao excêntrico feiticeiro, quem sabe aquele voto de confiança não fosse uma aposta vazia no fim das contas, afinal, o que ele disse era uma verdade profunda que Logan não costumava se aventurar, uma faceta do general que tinha conhecimento de que estava se afundando aos poucos, na verdade se sentia assim já fazia mais tempo do que gostaria de admitir, desde quando viu seu dever e sua honra serem colocados do lado oposto de seu coração e sua felicidade, foi uma escolha a qual manteve até hoje, e intacta, até ontem, mas as coisas estavam diferentes agora, pois sentia mudanças a caminho, na forma de uma reunião juntando os três reinos, um ser sobrenatural aterrorizando uma cidade, e uma assassina profissional voltando de seu exílio.

            - De qualquer modo, acho que você não vai me deixar esquecer, principalmente o porquê eu te devo essa cerveja. – Retrucou, e o zankariano logo concordou com cabeça, tinha certeza que se pudesse, ele estaria dando de ombros. Foi então que o pergaminho no colo deste chamou sua atenção, e se pegou questionando o que estaria escrito nele, quais informações e revelações poderia estar trazendo depois tudo o que viu, sentia um impulso de curiosidade, do mesmo tipo daquele que o fez bisbilhotar um beco escuro na madrugada anterior. – Que se dane, vamos acabar com isso de uma vez. – Cedeu, ao pegar subitamente o pergaminho enrolado do estrangeiro, que obviamente, não poderia o impedir, mesmo que quisesse.

            Foi um pouco decepcionante que ao desenrolar o material de escrita, se percebeu encarando formas que nunca havia visto antes, e assim, não as conseguia decifrar, e muito menos entender.

            - Há, não achou que estariam na língua padrão, não é? – O outro caçoou. – Eu poderia ter avisando antes, mas você parecia tão determinado. – Ele fez questão de ressaltar, rindo baixinho. – É muita sorte sua que você tem um convidado que aprendeu a língua morta de antigamente, não acha?

            Poderia ter retrucado, ou mesmo levantando de uma vez e ido até a biblioteca onde sem dúvidas encontraria um dicionário para uma tradução, mas se resumiu a torcer o nariz e abrir o pergaminho na frente de Illai, segurando-o na altura de sua cabeça, o que na verdade era uma das últimas coisas que achou que teria de fazer para alguém.

            Esperou enquanto o feiticeiro lia, relia e lia uma vez mais o que havia sido escrito com a mesma substância escura que consumiu aquele dormitório, em pouco tempo notou em seu rosto uma expressão cuja só poderia ser de grande concentração, então, não fez comentários ou mesmo apressou o homem, como poderia se ele mesmo não sabia por onde começar traduções, contudo, quando seus braços já começavam a doer de ter que sustentar o pergaminho, não viu opção, a não ser a de perguntar:

            - Está tendo algum problema para traduzir?

            - Na verdade, não. – Começou o bruxo, meneando negativamente sua cabeça, o que parecia ainda ser a única coisa que se movimentava em seu corpo. – É só que nunca vi um resultado como este na minha vida, e te garanto que sou mais velho do que aparento. – Ele argumentou, virando-se para Logan com um olhar um tanto confuso e o cenho franzido.

            - De qualquer forma, o que está escrito ? – Indagou indicando as inscrições estranhas com o rosto.

            - Está escrito: “Corrupção em sua forma mais primal. Como presenciado durante a queda do Etéreo, e a chegada da grande aniquilação pela praga, e seu mestre. ”

            - O que? Achei que tinha dito que isso tudo iria trazer respostas! – Desacreditou, ao descansar os braços nos joelhos de uma maneira um tanto derrotada, afinal, o que deveria ter sido algum tipo de esclarecimento, só serviu para jogá-los ainda mais na escuridão. – Você já ouviu falar de alguma coisa chamada “corrupção”?

            Foi a vez de Illai recostar sua cabeça na parede ao olhar para teto, enquanto sorria de escárnio, porém, também de um jeito que exalava o descontentamento e cansaço; ele fechou os olhos, tomando um tempo para pensar antes de voltar a abrir a boca:

            - Bem, de onde eu venho posso garantir que já vi muito disso, mas não necessariamente da maneira que estamos procurando. – Mais uma vez o homem brincou, entretanto, fazendo mais uma pausa para respirar fundo algumas vezes, sua exaustão em alguns momentos ainda era evidente, mesmo encoberta por toda a ironia e bom humor irritantes, algo que nas próximas semanas, como já havia bem se conformado, teria de apreender a conviver. – Mas por outro lado... – O estrangeiro chamou sua atenção, ao desencostar sua cabeça das pedras e abrir os olhos, já diretamente olhando para o restando do alojamento, mais da metade dele, apodrecido. – Quem sabe não estamos olhando para ela.

            Logan então seguiu seu olhar, e uma vez mais se encontrou encarando todas aquelas estranhas formas pretas, os semelhantes de musgos chamavam sua atenção mais do que deveriam, mas sabia bem que seu temor era o de algo ainda por se revelar que parecia ser ocultado pelas formações, entendeu então, que assumir que aquelas coisas eram a “corrupção” referenciada na frase, não era um conceito a se descartar, com certeza não tão cedo; mesmo porque, apesar de jamais ter visto muitos exemplos de magia de perto, se lembra nitidamente de uma ocasião em que presenciou e precisou lidar com algo provavelmente mais antigo do que a feitiçaria, uma noite que precisou jurar para si mesmo não esquecer, tal momento o fez entender que existem algumas coisas neste mundo que não possuem boas explicações, talvez nem mesmo para um milenar ritual mágico.

            - O Etéreo. – Falou, após segundos de silêncio enquanto ambos ponderavam sobre aquela teoria. – Era assim que chamavam o outro lado a muito tempo, de onde veio a magia após o elo, eu quero dizer.

            - Essa é apenas uma das versões da história. – Comentou o visitante, que aparentemente, estava encarando uma de suas mãos de uma maneira curiosa. – Nunca conseguimos descobrir com toda a certeza os eventos que antecederam a chegada das forças mágicas e afins, e sinceramente, acho que aquele símbolo acabou de provar que não é tão preciso quanto eu pensava. – Concluiu, ainda fixado em sua mão, parada no chão ao lado de sua perna, foi quando notou um leve movimento nos dedos do zankariano, movimento esse que aos poucos se intensificou.

            - Ao menos uma boa notícia. – Disse Logan, notando a mão em movimento do outro. – Só sei que aqueles soldados não vão poder dormir aqui hoje; agora, onde vou colocar mais de cinquenta homens. – Perguntou, para ninguém em especial, ao cobrir o rosto com a mão.

            - Relaxe, general, tenho certeza que vai conseguir encontrar uma resposta para seu dilema. – Lhe confortou, mesmo que não parecesse realmente interessado no assunto. – Ótimo, pelos meus cálculos, vou estar de volta a ação em uma hora. – Constatou o emissário, bem-humorado, realmente pelo que percebia, ele já tinha experiência com esgotamentos mágicos.

            Ao ouvir as palavras do homem, suspirou ao se levantar do chão e bater a mão nas roupas, passa-las pelo cabelo castanho e por fim, as estralando, percebeu que o outro o encarava de baixo com as sobrancelhas erguidas em um questionamento silencioso, então, respondeu-o:

            - É uma pena que eu tenha uma reunião com a guarda em trinta minutos. – Revelou, agora alongando os ombros. – Só que saiba que se não tivesse insistido tanto em que eu parasse com minhas cordialidades, eu não faria isso. – Avisou ao novamente pegar o bruxo pela parte de trás do colarinho e arrastá-lo em direção a porta.

            - Você está brincando, não é? – Escutou o bruxo desacreditar. – São mais de dez minutos de caminhada até o palácio!

            - Do que você está reclamando, milorde? – Brincou ao escancarar a porta de madeira e ferro, e sentir a bem-vinda luz do sol vespertino lhe fazer cócegas no rosto. – Você nem mesmo vai ter que caminhar!


Notas Finais


Só tenho que tomar cuidado para não começar a ir longe demais. ;-;


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