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História A Era Mais Escura - Na Teia Dela


Escrita por: MarleyMAlves

Notas do Autor


Olá! Este capítulo é sem dúvidas o meu preferido até agora, isso porque acabei achando ele uma aventura muito divertida e descontraída, bem mais leve do que resto! Foi muito bom de escrever, espero que também seja de ler...

Capítulo 13 - Na Teia Dela


Fanfic / Fanfiction A Era Mais Escura - Na Teia Dela

- Pula logo Otho! – Esbravejou Daluin para o aprendiz, que jazia inerte de tamanho nervoso; um espaço vazio separava os dois que ainda subiam a Mandíbula Negra, a caminho do “Selo do Antigo Terror”. – Usa essas suas pernas para alguma coisa útil uma vez na vida!

            O garoto engoliu em seco antes de mais uma vez olhar para a infinita queda abaixo. Uma semana de subida para uma descida tão rápida quanto dolorosa.

            - Porque eu não posso usar um feitiço de flutuação? – Ele perguntou com o rosto branco como a neve, sua expressão estava um tanto quanto apavorada.

            O ancião apoiou as mãos na cintura ao fazer uma careta de desaprovação e responder:

            - Eu já falei, menino! Não podemos abusar da magia aqui, não é uma montanha qualquer. Agora pula imprestável!

            Repetindo as ações anteriores, o garoto voltou a observar o espaço vazio que os separava, e chacoalhou a cabeça rapidamente como se tentasse apagar a imagem da paisagem tão longínqua a baixo.

            - Não é justo! O senhor usou magia para chegar aí. – Acusou-o com a expressão de pavor ainda estampada, agora apontando um dedo ao mestre, dedo o qual tremia assim como todo o resto do corpo.

            - Ora, garoto insolente! Eu sou tão velho que conheci as macacas que você chama de ancestrais, e você é tão jovem que ainda nem pelos no rosto tem. Francamente!

            Ventos fortes assobiaram aos ouvidos dos dois, fizeram cabelos e barba esvoaçarem. Daluin segurou seu chapéu pontudo com a mão para que o acessório não fosse levado pela ventania; com a outra mão ainda na cintura, esperava o jovem tomar coragem de saltar a distância entre as pedras.

            - Mestre... eu tenho medo de altura! – Otho admitiu o óbvio, agarrado às pedras da montanha como se lhe provessem algum tipo de segurança.

            - E eu lá perguntei? Pula para cá de uma vez, ou essa quedinha não vai ser nada comparado com o safanão que eu vou te dar! – Disse Daluin, chacoalhando a mão aberta no ar enquanto fitava o aprendiz com os olhos semicerrados.

            O estímulo ao menos parecia ter surtido algum efeito, porque logo o jovem deu um passo para trás e respirou fundo umas sete vezes, até que finalmente se projetou por entre as superfícies, mesmo que com seus olhos fortemente fechados e seus dentes serrados.

            Quando aterrissou são e salvo do outro lado, o mago ainda o observava inerte e com ambas mãos a cintura, em seu rosto predominava a tão comum face de reprovação enquanto também mantinha uma das brancas sobrancelhas levantadas.

            - Eu consegui? – Questionou-se o jovem ao finalmente abrir os olhos. – Eu consegui! – O garoto deu um salto de felicidade e alívio sem nem mesmo perceber a face de seu mentor.

            Como resposta a comemoração do aprendiz, Daluin meteu-lhe um tapa na cabeça castanha, e logo virou-se enquanto vociferava aos céus com indignação:

            - Por que não me ouviram quando pedi para me mandarem uma couve-flor invés disso?!

 

 

 

            O ermitão e seu aluno já subiam a montanha haviam muitos dias e noites, com poucas e curtas paradas, Daluin não fez esforço até ali para esconder a irritação de estar tendo de mais uma vez escalar a montanha obsidiana, assim como fizera uma era atrás. Agora já estavam perto de atingir o nível das nuvens, infelizmente, isso não queria dizer que estavam próximos de atingir o topo.

            Não demorou para que se vissem em meio ao que poderia muito bem ser uma incrivelmente densa neblina cinzenta, no entanto, os clarões azulados que repentinamente começaram a brotar a sua volta revelavam que em verdade, andavam sobre uma tempestade em formação. Outra coisa que não tardou em dá-los as boas-vindas foram as rápidas e furiosas gotas que precipitavam das nuvens em direção a floresta que habitava o chão quilômetros abaixo.

            - Acho melhor pararmos, mestre! – Otho foi obrigado a gritar, porque trovões e vento os circundavam.

            Poucos passos à frente, o ancião resmungou em resposta, o rosto um tanto quanto irritado com o tempo inconveniente, sua face, porém, permanecia pela maior parte seca, protegida pela grande aba de seu pontudo chapéu.

O ancião não falava muito nisso, mas tinha um certo temor de tempestades, no entanto, não era como se seus medos não tivessem fundamentos, o velho tinha uma má sorte incomum quando o assunto era estar ao ar livre no meio de tormentas de eletricidade, talvez isso tivesse alguma relação com um velho desentendimento que tivera com a entidade dos raios e trovões, mas fielmente acreditava que não era o caso, pois, por que um ser tão evoluído seria tão rancoroso apenas por ter seu nome confundido.

                A caminhada pelas beiradas íngremes da Mandíbula Negra ainda se estenderia por pouco mais de meia hora, até que encontrassem algum lugar favorável para se protegerem da chuva implacável, assim como dos relâmpagos. Este lugar, entretanto, poderia parecer para alguns, muito pior do que enfrentar a tormenta sobre e sob suas cabeças, por outro lado, Daluin não poderia estar mais feliz com o achado.

            - Ah, que lugar perfeito. – Se animou, ao observar a entrada do que parecia ser uma caverna escavada na rocha negra da montanha; em sua entrada, inúmeras teias de aranha enfeitavam as beiradas das pedras, os próprios aracnídeos se faziam presentes em diversos tamanhos e cores, ossos amarelados eram um toque final para a obra de horror.

            O rosto de Otho apenas replicou o medo que passara ao pular o espaço entre as pedras algum tempo atrás, e o garoto então virou-se para seu professor, dizendo com a voz um pouco alterada:

            - Mestre, não tenho certeza que esse é o melhor lugar para esperarmos a tempestade passar, tenho certeza que um pouco para frente tem um lugar menos...

            - Bobagem! Ouça o que estou dizendo, é mil vezes melhor dormir com algumas perninhas peludas te abraçando do que ter os miolos fritos. – Interrompeu-o o sábio, que já andava em direção a entrada da caverna, mas antes que a atravessasse, se virou para o aprendiz e deu batidinhas leves no pontudo e colorido chapéu. – Experiência própria moleque, trinta e poucos já encontraram o papai aqui, e não vai ser hoje que a contagem vai aumentar.

            Não mais questionando, Otho seguiu seu mestre pela passagem tenebrosa da formação que não parecia tão natural assim; lá dentro, perceberam que as pedras (as quais pareciam ter sido rusticamente escavadas) formavam um pequeno ambiente redondo.

            - Hm, falta uma fogueirinha em. – Constatou o mago, esfregando uma mão na outra; ele logo elevou uma sobrancelha para o garoto, uma ordem silenciosa, este um tanto contrariado se levantou para pegar alguns gravetos e pedaços menores de teias; as aranhas se colocavam a correr somente com a aproximação das mãos de Otho, logo, um pequeno montinho esperava bem no meio do chão escuro.

            O aluno se preparava para se sentar quando de supetão Daluin, já confortavelmente deitado sobre diversas camadas de panos grossos e multicoloridos, levantou a mão em sua direção, seu rosto indecifrável enquanto fitava o aprendiz com rispidez.

            - O que? – Questionou o menino confuso e com os olhos um tanto arregalados ao observar seu mentor.

            A mão aberta então se fechou, e somente com o dedo indicador esticado, o velho indicou o amontoado de galhinhos e teias.

            - Vamos ver se aprendeu alguma coisa, meu jovem, acenda o fogo. – Pediu em tom um tanto quanto irônico.

            Otho olhou repetidas vezes de seu mestre para a fogueira apagada e vice-versa, até que finalmente respondeu, desacreditado:

            - É sério?

            O mago começou a limpar as unhas enquanto observava seu aluno pelo canto do olho.

            - Se quiser, eu mesmo posso acender sem problema nem um. – Propôs, com um tanto de exibicionismo na voz.

            - Não! Não, deixa comigo. Deixa comigo, eu consigo. – Replicou o menino com uma grande animação contida.

            Finalmente sentando-se, esticou as mãos pálidas em direção ao amontoado de madeira e teias, Otho se concentrou com determinação exemplar.

- Pulvis Cinis – Disse o menino, e não demorou nada para que suas palmas começassem a irradiar pequenas partículas em direção ao material inflamável.

            Um feitiço simples, mas não menos difícil foi realizado pelo aprendiz com maestria; e como se vaga-lumes dançassem envolta das chamas, as fagulhas mágicas começaram a colidir com a madeira, e aos poucos, se a fez chama, esta que iluminou e aqueceu, mas também revelou.

            Daluin se viu hipnotizado pelas partículas que seu aprendiz manipulava, sem dúvidas ele progredira, mas sabia bem, não era nem perto de ser o suficiente. Ele se fechou tão profundamente em seus pensamentos que nem mesmo percebeu os olhos um tanto amedrontados de Otho que passavam direto por ele e observavam a escuridão recém iluminada a suas costas.

            - Mestre, aquilo estava lá o tempo todo? – Questionou o aluno, sem mover um músculo.

            Daluin voltou a si, mas não a tempo de ouvir o que jovem havia dito, mesmo assim, captou a mensagem pela face do garoto; e quando olhou por cima dos ombros, observou uma abertura que entrava ainda mais fundo na montanha, não havia dúvidas agora, aquela caverna não era de modo algum uma construção natural; pois crânios enfeitados com peças de ouro e velas apagadas estavam despostos como um portal adornando a entrada, e isso sem dúvida extinguia tal opção.

            - Hm, interessante. – Disse apenas, e voltou-se novamente para Otho com um olhar intrigado, mesmo que um frio percorresse sua espinha de uma maneira um tanto incomum. – Bem diferentona a decoração, não acha?

            O jovem apenas o encarou, e amedrontado como sempre, cochichou ao mago ancião:

            - O senhor acha que alguém vive nessa caverna? Porque tenho certeza de que não deve ser muito educado entrar e acender uma fogueira no meio da sala de alguém que vive na Mandíbula Negra.

            Acariciando a longa barba branca, o ermitão ponderou por alguns segundos, mas sua resposta não tardou, mesmo que estivesse forçando um pouco sua despreocupação.

            - Nah, não se preocupe! Nada vive nessa montanha, quem seria o louco de morar na prisão de um eminente?!

            - É, o senhor tem razão, ninguém seria louco de morar aqui, não é?

            - Claro que não, aqui é tão frio, e úmido e sujo e precário! – Reclamou o mago, olhando envolta com desaprovação estampada no rosto.

            O aprendiz também logo se exaltou, e também olhando envolta, falou:

            - Sim! Não teria como alguém morar aqui, é nojento, e parece... parece...

            - Parece lá em casa. – Completou Daluin, ainda observando a caverna horripilante, com um rosto agora um pouco decepcionado.

            Ficaram em silêncio por um bom tempo depois desse último comentário, ambos olhando a fogueira crepitante, ambos um tanto pensativos e se sentindo culpados por não terem adjetivos melhores para descrever seu lar.

            Otho foi o primeiro a se erguer contra os sons da chuva e dos trovões que ecoavam lá de fora, procurou por qualquer assunto que não os fizessem se sentir tão negligentes quanto a higienização de sua casa, por sorte, não demorou para achar um tema de seu interesse.

            - Mestre, quando estávamos subindo pela encosta a algum tempo, lembro de ter visto uma grande cidade ao pé da montanha, não consegui ver muita coisa, a sombra da montanha a cobria por inteiro, aquela é...

            - Hm, infelizmente. – Replicou com desagrado. – Losran, a força... o punho, dos três reinos, ouça o que estou te dizendo Otho. – Alertou seu aprendiz, apontando para ele com seu dedo. – Nada de bom vai vir daquela cidade, está escrito... nada puro brota de quem faz riqueza em cima dos outros.

            O rosto do aluno estava completamente confuso perante o discurso do professor, do que estaria falando? Otho sem dúvidas não conseguiu entender.

            - Não tenho certeza se entendi mestre...

            - E nem tente, garoto, são apenas reclamações de um velho que não suporta mais a idiotice dos jovens. – Enquanto permitia que sua mente viajasse para outra era, uma era de descobertas e escuridão, observava um pequeno aracnídeo ser morto pelas chamas brilhantes da fogueira. ‘Males vem para bem, e vice-versa’, pensou, e logo se viu de volta à aquela caverna úmida no meio da tempestade. – Bom, para não dizer que aquela cidade é de toda ruim, soube que por lá tem uma taverna que tem um frango assado que não é deste mundo! Qual era o nome mesmo? Acho que era “Prima Velha”, ou “Prima Nova”.

            O jovem parecia prestes a fazer algum comentário (provavelmente sobre o frango assado) quando um som tenebroso ecoou de dentro da profunda passagem dentro da caverna, o som que lembrava em alguns aspectos o sibilar de uma cobra circundou-os antes de se dissipar. Daluin e Otho se perceberam observando boquiabertos a abertura na montanha, provavelmente pela primeira vez eles compartilhavam a mesma expressão.

            - Mestre, o que foi isso?! – Perguntou o jovem já exaltado.

            - O vento, sem dúvidas foi o vento! – Respondeu prontamente o mago, mesmo que interiormente não acreditasse muito nisso.

            Otho também parecia não ter comprado a ideia, porque não parava de encarar a tão sinistra parte profunda da caverna, seu rosto pintado de sardas transparecia seu medo do que poderia estar os observando do escuro.

            - Acho que é melhor nós procurarmos outro lugar para esperar a chuva passar... por favor?

            O mago olhou para o tempo lá fora, e exatamente no momento em que um relâmpago brilhou no céu escuro e caótico, seguido por um forte trovão; ele se pôs a ponderar com muito afinco se realmente estava afim de arriscar levar outra discarga elétrica no topo da cabeça, até por que, da última vez que aconteceu, seu neto aproveitou a chance para roubar toda sua coleção sobre translocação autografada. Um menino muito malcriado, sem dúvidas!

            - Larga disso garoto, não foi nada! – Acalmou-o, enquanto gesticulava com a mão. – Se está tão preocupado assim, pode deixar que eu faço a vigia noturna.

            Por alguns segundos observou seu aluno ponderar a ideia, rezava para toda e qualquer entidade (menos para a das tempestades, por via das dúvidas), para que não o fizessem ter de sair naquele temporal apenas pelo medo (mesmo que muito justificado) de seu aprendiz.

            - Bom, então tudo bem. Acho que se o senhor ficar de vigia, não vai acontecer nada, não é? – Parecia muito que o jovem queria fazer com que aquilo soasse como uma afirmação, mas falhara miseravelmente.

            - É claro que não menino! Eu já... – Sendo interrompido por um longo bocejo involuntário, Daluin viu seu momento de engrandecimento ir montanha abaixo. – Fiquei de guarda por mais de quatro noites seguidas...

            - Certo... acho que vou me preparar para dormir. – Avisou o aprendiz, com muito pouca confiança na voz.

            Logo, Otho já havia ido dormir, e Daluin estava deitado de bruços olhando diretamente para a fissura na montanha. Em seus pensamentos, desafiava seja o que for que talvez, vivesse ali: ‘Vamos lá amiguinho, vamos ver quem é o inquisidor mais velho que essa espelunca de mundo já viu; vamos ver quem ajudou a chutar a bunda do pior monstro que a humanidade já enfrentou, vamos, saia e vamos brin...’.

            - Boa noite, mestre. – Disse Otho subitamente, fazendo com que os braços do sábio falhassem, levando seu rosto ao chão pedregoso, tudo isso enquanto ele soltava um alto e ridículo gemido.

            - Que praga garoto! Vai dormir! – Esbravejou com uma voz anasalada, pois segurava o nariz agora dolorido pela pancada contra a rocha.

            O encarando com aqueles olhos arregalados, o jovem não disse mais nada, e apenas virou-se de costas para Daluin enquanto puxava mais o cobertor.

            Voltando a encarar a escuridão que adentrava a montanha com uma expressão de puro tédio, o mago se pôs a ouvir a chuva e os trovões que ainda ecoavam com força lá fora, e não tendo mais o aluno para conversar, ou reclamar, ou culpar; murmurou para ninguém a não ser ele mesmo:

            - Como eu odeio ficar de vigia.

 

 

 

            O mago foi acordado repentinamente por um trovão ecoando ao longe, adormecera minutos depois de seu aprendiz; afinal, dissera que ficaria de vigia, mas isso não queria dizer a noite toda.

            Ainda sonolento, levantou o chapéu de seu rosto e arrumou sua barba que de alguma forma havia ido parar inteiramente na sua cara; logo, se sentou em sua pilha de panos grossos, e assim como suas vestes, multicoloridos. E observou o céu afora.

            Não poderia ter ficado mais confuso do que quando ao observar o lado de fora, vislumbrou a grande lua e suas milhões de estrelas, brilhando incessantes no céu límpido da madrugada. Por reflexo, franziu as sobrancelhas e coçou a cabeleira alva enquanto se perguntava como poderia um trovão ecoar em uma noite limpa.

            Foi quando se virou para Otho, exatamente para pergunta a mesma coisa, que percebeu a ausência do aluno; e como se o destino tivesse forjado aquele momento inoportuno, ouviu logo em seguida um eco vindo daquele mesmo buraco escuro e tenebroso a poucos metros de distância:

            - Ah! Mestre, socorro! – Os gritos do jovem estavam longínquos, mas Daluin reconheceria aquela voz esganiçada em qualquer lugar.

            O ermitão se deu tempo apenas de dizer uma frase antes de se levantar em um pulo:

            - Mas que droga, era tão obvio! – Foi o que esbravejou com indignação ao ficar de pé e estalar os dedos já embebidos em magia, o que fez com que as chamas da fogueira dançassem de forma anormal até se tornarem uma pequena bola de fogo incandescente, esta que voou até próximo de sua cabeça para iluminar o caminho adiante.

            Sem pensar duas vezes, o sábio levantou suas longas vestes com as mãos, assim revelando suas meias arco-íris, e invadiu o lar do que quer que tivesse levado aquele fedelho desatento.

            Correndo por dentro do que parecia um túnel antigo e mofado, passou por centenas de teias de aranha e suas moradoras (as quais quase sempre acabavam dando de encontro com seus olhos ou boca), também teve a nítida impressão de ter pisado em ossos suficientes para constituir vinte ou mais pessoas, essas que também provavelmente acharam aquele um bom lugar para se esconder dos raios inconvenientes de uma tempestade. As coisas, entretanto, só ficaram tenebrosas um pouco depois, quando Daluin percebeu não estar mais pisando em ossos, mas sim em algo metálico.

            - Mas o que?! – Surpreendeu-se, pois viu que agora o chão pedregoso estava repleto de moedas e outros itens de ouro; estes, porém, cobertos de mofo enquanto outros estavam totalmente corroídos por alguma substancia estranha. – Como isso tudo veio parar aqui?

            - Mestre! – Berrou Otho novamente, e o sábio percebeu que ele estava próximo agora.

            Um pouco mais adiante, as chamas próximas ao seu ombro revelaram uma câmara semelhante à onde estavam a alguns minutos, esta porém, completamente tomada por teias de aranha, e itens dourados sem dúvidas valiosos; mas a pequena bola incandescente também revelou outra coisa, seu aprendiz, totalmente preso a parede rochosa da caverna, mas ele não estava só, outros oito esqueletos o faziam companhia, exatamente um ao lado do outro, eles circulavam todo o recinto. Havia uma coisa em comum entre os coitados ali, estavam todos presos por teias de aranha.

            - Ah, Mestre! Graças aos deuses! – Se exaltou o garoto, já se agitando nas teias que o grudavam a pedra negra.

            - Quieto moleque! Seja lá o que for que teve o mal gosto de te escolher, ainda esta aqui em algum lugar... – Avisou, se aproximando muito vagarosamente, um passo de cada vez.

            Com muita cautela e concentração, Daluin atravessou o lugar em direção ao seu discípulo, que esperava do lado oposto da caverna e ainda se debatendo de nervoso, havia acabado de atingir a metade do caminho, quando subitamente, Otho berrou:

            - Rápido!

            O mago sentiu todos os cantos do seu corpo se arrepiarem enquanto ele saltitou de susto até estar diante do aprendiz. Com partes do corpo que ele até já havia se esquecido da existência tremendo, afundou o indicador no nariz do jovem, ao dizer:

            - Escuta aqui seu infeliz, da próxima vez que você me assustar assim, eu não só te deixo aqui, eu também te corto em pedacinhos para facilitar a digestão dessa coisa, seja lá o que ela for! – Ameaçou, e era uma ameaça real.

            Não esperando o aluno responder, começou a arrebentar as teias para libertá-lo, o que levou mais tempo do que ambos queriam esperar; quando finalmente Daluin havia tirado o suficiente, agarrou o jovem pelos ombros e o puxou com o máximo de força que podia, por fim, Otho se viu livre, mesmo que sujo e coberto de pequenos aracnídeos.

            - Obrigado... – Murmurou ele, provavelmente apavorado demais para reagir melhor a aquela situação.

            - Falar menos, correr mais! – Foi só o que disse antes de agarrar o menino pelo colarinho e o puxar para fora daquela câmara, ou ao menos essa era a intenção; pois ao se aproximarem da saída, a chama da ainda brilhante bola de fogo, iluminou parcialmente uma figura que os esperavam na entrada do túnel que levava a liberdade. Uma mulher esguia, com pele cinza coberta com joias e seda os esperavam; suas mãos, as quais exibiam longas e afiadas unhas escarlates, estavam apoiadas dos lados da passagem, bloqueando o caminho, seu rosto, porém, não conseguiam ver, estava totalmente oculto por seus cabelos cor de fogo, esta então disse, recepcionando-os:

            - Ora, ora, ora... estes aqui estão tentando sair, mas esta aqui não pode permitir. – Havia algo sobrenatural sobre a voz daquela donzela tenebrosa, algo que fez Daluin lembrar de coisas que viu a muito, muito tempo.

            - Não é possível! – Exclamou o eremita, com seu braço tentando prover alguma proteção ao jovem ao seu lado, este que parecia ter perdido a voz completamente agora.

            - Não, não, não... esta aqui não pode deixar que partam, não depois de tantos anos com fome, não depois de tantos anos sem sorte. – A figura moveu-se um pouco, e algo pareceu se mover junto as suas costas, algo grande. – Afinal, “o escuro” finalmente voltou, junto com nossa tão tardia hora. – E por fim ela veio ao encontro da luz.

            O mago deu um passo para trás, Otho fez o mesmo, só que com o rosto congelado em uma face de horror. O que o brilho do fogo revelou em seguida era algo que hoje em dia habitava somente os pesadelos de criancinhas depois de uma história de ninar macabra.

            Enquanto a parte de cima se mostrava uma mulher, a parte de baixo se revelou uma gigantesca aranha negra com manchas vermelhas, aquilo, como ele bem sabia, era uma Knidia, uma rara raça de aberrações que lutou ao lado do Devorador uma era atrás, e atualmente, não era mais que uma lenda.

            - Não fujam pequenos, esta aqui jura que será gentil, não haverá dor ou pânico... só o sono, tens minha palavra. – Falou o monstro em um tom apaziguador, pois Daluin e seu aluno se afastavam mais e mais.

            Quando finalmente atingiram a parede da qual haviam acabado de sair, não podiam fazer nada além de observar a criatura encurtar suas distancias cada vez mais. A face da Knidia estava agora a centímetros de distância da de Daluin, tanto que ele pode ouvir ela lambendo os lábios, mas mesmo fazendo uma careta de nojo, o velho ainda não estava pronto para desistir de sair vivo daquela caverna.

            Fazendo um curto e rápido movimento de mão, Daluin comandou sua esfera flamejante, e esta investiu contra a face oculta da aberração, desaparecendo por dentro dos cabelos vermelhos da meio-aracnídeo.

            - Corre, imprestável! – Vociferou o mago, e nem um segundo depois, já ia em direção ao túnel que os levaria a salvação, e por sorte, Otho veio logo atrás.

            A criatura gritava enquanto tentava de todas as formas repelir a pequena esfera que como um inseto inquieto, atacava seu rosto; quando finalmente atingiu a saída da pequena câmara, o sábio deu passagem ao seu discípulo e em seguida, com outro movimento curto e preciso, chamou sua fiel esfera de fogo de volta a sua mão.

            De imediato, o monstro virou-se enfurecido para o ermitão, e com aquele corpo quitinoso imenso, investiu em sua direção; mas ele já a esperava com a magia salpicando nas pontas de seus dedos, e pela primeira vez em muito tempo, ele se sentiu como nos velhos tempos, ao esbravejar:

            - Ignis Straverunt! – E instantaneamente sua brilhante esfera explodiu em chamas que cobriram toda a entrada do túnel, isolando a Knidia em sua sala do tesouro.

            Daluin, sem porque esperar, correu mais rápido do que um soldado bem treinado conseguira, passando novamente por aranhas e suas teias, mortos e seus ossos; e em menos tempo do que esperava, se viu de volta a aquela pequena caverna onde tudo começou, Otho logo a frente, caiu ao chão como um saco de batatas assim que saiu da fissura na montanha.

            - Levanta menino! Aquela desgraça vai chegar aqui a qualquer momento! – Avisou, levantando o jovem a força e o empurrando caverna afora, onde o céu já esclarecia, retomando seus tons azulados.

            - O... o que vamos fazer, mestre?! – Questionou Otho, ainda claramente apavorado.

            Foi então que ouviram, aquele mesmo sibilar da noite passada, juntamente com sons de pedras quebrando contra a força imensa da criatura anciã.

            - Não tem jeito, moleque. Temos que matar a maldita, ou ela vai pegar os próximos que passarem por aqui. – Decidiu, esfregando uma mão na outra.

            - Ninguém vem aqui, mestre! – Gritou o garoto a plenos pulmões, sem dúvidas, pronto para fugir e deixar tudo aquilo para trás. Mas Daluin não poderia fazer aquilo, não depois de tudo o que passara para salvar o mundo daquela escória.

            - E eu perguntei alguma coisa para você?! Agora, se afasta ou vai acabar torrando junto com a desgraçada.

            Otho não teve tempo de se afastar, pois a aberração invadiu a caverna, berrando com ira:

            - Inferiores! Ácido corre nas veias desta aqui! E esta casca é mais dura que a própria rocha da montanha negra! Suas lâminas não cortam e seu fogo não queima!

            O ermitão endireitou-se e respirou fundo, pois sabia, era verdade, não existia lâmina ou magia capaz de matar uma Knidia, por outro lado, sim, havia um modo; era hora, depois de tantos anos, de cobrar um antigo favor aos Eminentes.

            - Sunimod singi, te sinic, Mutibed tu tse muticaf te supo muut oidalg,             ! – Conjurou o antigo inquisidor, e a resposta não tardou.

            O chão tremeu, e diante de seus pés a rocha derreteu e se tornou vermelha, liquida e borbulhante, e dela emergiu uma espada longa e escura, a lâmina, que era negra na base, se tornava cada vez mais incandescente quanto mais próximo do gume, seu brilho, porém, não era como a de uma chama comum; era escurecida, quase cor de vinho, e era isso que sinalizava que aquela era a espada de um ser ascendido. Para muitos, um deus, o fogo encarnado.

            Com relutância, Daluin puxou o punho da espada lendária, e o chão voltou ao normal no instante seguinte; a Knidia então sibilou:

            - Escória, como ousa conjurar a chama de Infernus contra esta aqui! – As oito patas começaram a se mover. – O fogo de teu deus não me toca, a fé desta aqui no “escuro”, protege de qualquer mal! – Foi a última coisa que o monstro disse antes de saltar com suas presas poderosas prontas para destroçar.

            Daluin então brandiu a lâmina de Infernus; e toda a caverna se iluminou por um instante.

            Quando a luz se extinguiu, o velho e seu aprendiz se viram diante da destruição de uma migalha do poder de um dos sete Eminentes; tudo diante deles havia derretido, obsídio escorria pelas paredes, a forma exata do corte estava marcada em toda a extensão do lugar, brilhando em vermelho vivo. E por fim, a parte de cima da Knidia estava próxima aos seus pés, enquanto a outra fora jogada do lado oposto da caverna, e agora era engolida pela lava negra da montanha.

            A espada de Infernus se desintegrou na mão de Daluin alguns instantes depois de seu ataque, pois este fora seu acordo, e a dívida estava paga, nem uma ajuda mais viria do eminente das chamas.

            Agora, parte do rosto da aberração estava amostra, e o mago pode ver uma delicada boca feminina por baixo daqueles longos cabelos vermelhos como sangue, e ainda viva, ela dizia:

            - Irmã... irmã... – Sussurrava a criatura agonizante. – Irmã... cumpra vossa promessa. – Estas foram suas últimas palavras.

            Às suas costas, o sol finalmente nascia, não havia tempestade no céu neste momento, talvez por que agora, ela habitasse Daluin, que se via perdido em uma tormenta de imagens ruins que passavam por sua cabeça; o pior de tudo? É que todas elas foram reais, e poderiam ser novamente.


Notas Finais


Não esqueçam de me falarem se gostaram do que leram aqui! Muito obrigado e até logo!


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