Evitar o perigo não é, a longo prazo, tão seguro quanto expor-se ao perigo.
A vida é uma aventura ousada ou, então, não é nada.
Um pouco de aventura liberta a alma cativa do algoz cotidiano.
“Trecho do diário de um andarilho anônimo”
Doretarf foi acordado logo que o sol raiou no horizonte quando ouviu uma batida na porta. Preguiçosamente se desenrolou do cobertor, vestiu sua calça e camisa sem muita pressa e foi bocejando em direção a porta que continuava recebendo batidas.
— Bom dia — saldou o pequeno elfo de cabelos aloirados.
— Elden... O que faz aqui a essa hora da manhã? — questionou passando a mão pelo rosto com intuito de despertar completamente.
— Preciso de sua ajuda, Doretarf. Arrume-se e encontre-me nos portões sem demora.
Sem que o príncipe de Kovir pudesse responder, o jovem Aen Seidhe pôs-se a correr para fora dali apressadamente. Doretarf sem entender, fechou a porta e bocejou fortemente outra vez. Tratou de trocar as vestimentas sem perda de tempo, pois as instruções foram claras e foi encontrar-se com o garoto na entrada do forte. Cruzou com alguns elfos pelo caminho cumprimentando-os, sendo ignorado certas vezes.
— Espero que esteja pronto — disse o pequeno príncipe com uma bolsa de couro sobre os ombros ao avistá-lo.
— O quê está aprontando, Elden? Sabes que se cruzar esses portões todos ficarão preocupados com seu desaparecimento e certamente virão em busca atrás de você.
O menino cessou sua caminhada fazendo Doretarf brecar também.
— Hoje é o aniversário do papai. Quero dar a ele uma gema forjada das estrelas, fica ao Norte mais adentro da cordilheira, dizem que é a pedra mais preciosa que um elfo pode herdar e significa um desejo de vida longa de quem dá para quem recebe — apertou de leve a alça da bolsa. — Me ajudará?
— Com uma condição — determinou o koviriano.
— Qual?
— Avise seu pai ou sua irmã que sairá em uma jornada. Não quero depois que ambos venham querer arrancar minhas vísceras.
Elden não conseguiu conter um riso.
— Então minha intuição estava certa, desconfiei que teria um preço a pagar. Mas não se preocupe, pois, deixei um bilhete. Quando a Ellin acordar saberá que estamos mais ao Norte nas montanhas, ela entenderá que é por uma boa causa.
— Então vamos — concordou Doretarf com a barriga roncar quase como um urro.
O jovem príncipe argumentou com sua típica lábia com os sentinelas alegando que fariam um passeio pelos arredores para coletar materiais para a fabricação do presente de aniversário de Filavandrel. Ainda que um tanto relutantes de início pela segurança do pequeno por conta da presença de Doretarf, acabaram por permitirem que cruzassem os portões após Elden informar que tanto o rei como a princesa estavam cientes.
O menino repentinamente jogou uma maçã em direção de Doretarf que por pouco não a deixou cair.
— Eu trouxe suprimentos já que nossa busca provavelmente dure o dia todo e você não teve tempo de tomar o desjejum.
— Para uma criança às vezes me assusto com sua perspicácia e planejamento — declarou mordendo a maçã. — Estou desarmado, se soubesse antes que seria uma jornada montanhas adentro teria arranjado um jeito de conseguir uma espada ou pelo menos um arco. Nunca se sabe dos perigos que podem habitar estas terras.
— Você é muito medroso, Doretarf — zombou o pequeno Aen Seidhe com um riso mordendo a própria maçã. — Nada irá nos acontecer.
— Não sou medroso, sou cauteloso, é diferente — rebateu descontraidamente, gargalhando igualmente, enquanto terminava de comer a fruta. — Então diga-me Elden. Onde ouviu essa história de gema forjada das estrelas?
— Foi do velho Azyeel, na verdade, vi em um de seus livros sobre geologia do Continente. Eu perguntei sobre e ele respondeu que pode ser verídico, mas que já estaria muito velho para aventurar-se desta forma. Então procurei alguém de minha confiança e que não negasse o meu pedido.
— Não negasse o seu pedido? — indagou o homem elevando a sobrancelha sem entender.
O menino não conseguiu conter outro riso.
— Você é meu amigo. Não negaria um pedido de um amigo — explicou enquanto adentravam na densa floresta. — Ah! E é um bom pretendente para minha irmã. Se você é quase da família devemos nos dar bem. Cá entre nós, os pretendentes anteriores da Ellin não eram lá grande coisa.
— Pensei que vossa irmã estivesse solteira por escolher lutar em prol dos mais vulneráveis... É uma árdua decisão optar por sacrificar o próprio futuro por uma vida de guerras em detrimento do bem de outrem...
— Bem, isso sim. Por isso quero ser tão corajoso e guerreiro como ela e o papai, assim também poderei proteger aqueles que amo. Mas as aias também dizem que a Ellin ainda não encontrou o amor verdadeiro. Você acredita nisso, Doretarf? Mulheres gostam de inventar fantasias.
O príncipe de Kovir e Poviss ficou pensativo por um milésimo de minuto a medida que avançavam pela mata.
— Não sei bem se existe o tal amor verdadeiro, mas se quer saber o que sinto por sua irmã é totalmente diferente do que senti por qualquer outra mulher que já cruzou o meu caminho.
Elden observou-o curiosamente por um instante enquanto cruzavam um matagal de urtigas.
— Se quer conquistá-la, precisa saber o que ela gosta — declarou o rapazote de repente.
— E estaria disposto a me ajudar com ela?
— Claro. Por que não faria? Afinal, somos amigos e amigos se ajudam. Não é mesmo?
Doretarf sorriu puramente.
— Sim, tem toda razão. Mas e quanto a Neldor?
— O que tem ele?
— Pensei que fossem amigos também. Além disso, é claro que ele nutre um forte sentimento por sua irmã também.
— E somos. Mas a Ellin não gosta dele da mesma forma que ele gosta dela. Mas ela gosta de você como você gosta dela, principalmente depois do dia do aniversário de falecimento da mamãe... Ela te olha de um jeito totalmente diferente agora.
— Se até você notou isto, então fico mais aliviado em saber que não é somente algum delírio de minha mente.
— Não só eu, mas muitos também, inclusive Neldor...
— Pois é... Certamente isso dificultará muito as coisas... — constatou Doretarf massageando a própria nuca.
— Não se preocupe, eu já disse que vou te ajudar com a Ellin. Agora serei sua fonte oficial de informações sobre a minha irmã.
— Então diga-me todos os gostos dela — pediu desviando de um extenso galho no caminho.
— Bem, a Ellin não gosta de ser uma guerreira como pode pensar, apesar de ter sido escolha dela se tornar uma, ela sempre diz que não foi de fato uma questão querer, mas sim de necessidade, pois não suportaria ficar de braços cruzados sem poder defender aqueles a quem ama — o pequeno príncipe fez uma pausa. — Humm deixe-me pensar. Ah! Ela gosta muito de ajudar com seus conhecimentos na arte da cura. E ela adora flores, as preferidas dela são Camélias. Ela gosta de todos os tipos de bebidas, mas a favorita dela é hidromel. E ela adora dançar, principalmente nos festivais.
— Interessante, são informações valiosas.
— Mas não pense que será tão fácil assim, não se esqueça que Neldor está na jogada. E ele não desistirá de Ellin, a menos que...
— A menos que...
— Você a peça em casamento. Certamente o papai não seria contra.
Doretarf gargalhou e passou a mão desgrenhando os cabelos loiros do elfo.
— Nem sei se a Ellin realmente nutre o mesmo sentimento que tenho por ela, quem dirá casar comigo — declarou sem cessar o riso.
— Mesmo assim, não seria nada mal você se casar com a minha irmã. Teríamos um lugar seguro para chamar de lar — alegou o garoto.
Chegaram ao sopé da montanha e observaram as ruínas de Loc Muinne a certa distância quando cessaram a caminhada.
— Eu sei exatamente como se sente, Elden — o moreno sentiu o vento um pouco gélido e forte atingir-lhe o rosto em uma rajada. — Entretanto, se me casasse com sua irmã agora, não teria nada para oferecer. Não passaria de um péssimo marido e não iria querer vê-la desamparada e nem a você. Por isso preciso pensar no melhor para todos nós no momento.
— Mas se vocês quisessem poderiam formar uma família aqui nas montanhas.
Doretarf agachou-se e acarinhou as bochechas rosadas do pequeno elfo.
— Certamente eu viveria pacificamente aqui pelo resto de minha vida ao lado de sua irmã, contudo há chamados em nossa vida que não podemos ignorar. E há um que me chama de volta para Kovir, em minha terra-natal. Não posso simplesmente abandonar o meu lar e deixar que outro tome o que é meu por direito — suspirou colocando ambas as mãos sobre os ombros do menino. — Eu gosto da Ellin, muito mais do que sequer poderia imaginar pelo pouco tempo de convivência e por este motivo é que eu não posso condicioná-la a uma vida de fuga e perigo, pois minha jornada de retomada do meu reino será árdua. Quero que ela viva tranquilamente a medida do possível por enquanto, aqui junto aos que ela mais preza e ama.
— Dirá isso a ela? Ouvi quando Medina comentou com Nimra que você iria embora muito em breve — Elden entristeceu-se. — É verdade?
O homem levantou-se.
— Infelizmente é sim, mas eu voltarei, não se preocupe, assim que eu recuperar o meu trono — garantiu guardando as mãos nos bolsos. — Eu só tenho que convencer sua irmã a me esperar, caso ela me queira — pigarreou. — Vamos seguir caminho?
— Vamos — assentiu o Aen Seidhe um pouco desanimado.
Doretarf o cutucou no braço.
— Ei, ainda estou aqui, não precisa fazer essa cara — pediu enquanto retomavam o caminho com o garoto permanecendo em silêncio por um longo período. — Há um lugar em Kovir — quebrou o silêncio —, que levá-lo-ei para conhecer assim que retornar.
— Que lugar é esse? — indagou o pequeno com curiosidade.
— As Baías de Prakseda — revelou o homem subindo por um caminho de pedregulhos quando escalaram rapidamente algumas rochas. — É um local esplendoroso com criaturas místicas, quero que conheça as sereias e tritões. Há histórias de pescadores que dizem que a baía é repleta delas, mas nunca tive tempo para de fato poder verificar a veracidade, por isso tenho que levar um companheiro que não me negue uma aventura — piscou em cumplicidade para o rapazote.
— Então estamos combinados — Elden estendeu a mão para o companheiro que apertou-a selando o acordo.
— Ainda falta muito? — indagou o koviriano fazendo uma parada e observando o horizonte em volta, não podia negar que a cadeia de montanhas proporcionava uma maravilhosa vista.
— Deixe-me verificar — o garoto abriu a bolsa de couro e de lá retirou um pequeno papiro amarelado indicando o quão desgastado estava. — Segundo o mapa, estamos perto da gruta em que está a gema. Se andarmos um pouco mais para a esquerda, veremos a entrada. Vamos Doretarf, não podemos perder tempo.
— Está certo — concordou desgrenhando as madeixas negras para retirar a poeira e pequenos pedregulhos.
E assim seguiram o trajeto, alguns metros a esquerda, desviando de alguns troncos de árvores caídos, localizaram a entrada da gruta oculta por diversos cipós e folhas de distintos tamanhos. Doretarf teve certa dificuldade para abrir o caminho mesmo usando muita de sua força, conseguiu apenas afastar o suficiente para poderem passar por entre a densa vegetação que voltou para o mesmo lugar deixando o caminho escuro quando adentraram. O jovem elfo, já preparado, retirou da bolsa duas lascas de pederneira e uma pequena tocha apagada umedecida em óleo. Riscou as pedras em direção do tecido envolvido na haste, que logo incendiou-se com as faíscas criadas.
— Trouxe duas — revelou Elden retirando a outra tocha e deu-a ao homem, que aproximou-a da que já estava em chamas para acender a sua.
— Está bem, imagino que não tenha um mapa desta gruta — supôs Doretarf observando os vários canais a frente deles, como uma espécie de labirinto composto por corredores.
— Infelizmente não — o pequeno ergueu a tocha para tentar averiguar o caminho. — Será mais difícil do que pensei...
O koviriano observou e checou a entrada de cada um dos corredores. Em um deles sentiu uma fraca corrente de ar.
— Vamos por este.
— Tem certeza?
— Não, é apenas um palpite — respondeu com um pouco de hesitação.
Doretarf pegou a mão de Elden e seguiram adiante. A poucos metros ouviram um ruído estridente, ficaram em alerta. O corredor ao final deu acesso a uma grandiosa parede com rochas amontoadas o suficiente para ser escalada e puderam avistar um clarão no topo.
— Vamos com cuidado — orientou e apagou a tocha, pois dificultaria a escalada. Elden concordou com um aceno de cabeça, fazendo o mesmo com a própria e guardou-as de volta na bolsa. — É muito estreito, Elden. Teremos que ir um de cada vez.
O Aen Seidhe foi mais rápido e começou a escalar habilmente, escolhendo o apoio certo a cada passada para não escorregar e quebrar alguma parte do corpo em uma queda fatal.
— Me espere quando...
— Desculpe Doretarf — interrompeu o menino —, mas um aventureiro sempre segue em frente. — chegou na fresta iluminada.
— Elden... Elden! — exasperou o príncipe, porém o pequeno já havia sumido de sua vista.
Doretarf apressou-se com preocupação, as botas de couro atrapalhavam um pouco sua locomoção e escorregou por certas vezes arranhando a camisa branca, agora suja e empoeirada. Ao final, teve que se agachar para passar pela íngreme passagem, ouvindo o tilintar ao longe. Levantou-se com certa dificuldade e sacudiu a poeira do corpo. Mais a frente observou que o jovem elfo não estava sozinho ao avistar duas criaturas enormes revestidas em couraças que pareciam rochas maciças.
— Elden, cuidado — alertou temeroso a medida que as orbes em tom carmesim dos trolls os observaram.
— Mas do que está a falar, Doretarf? — indagou o Aen Seidhe sem entender a expressão de receio do amigo. — Somos seres das montanhas e temos um parentesco distante. Todos somos derivados da conjunção das esferas. Não é verdade, meus companheiros de terra?
O koviriano estava incrédulo. Como o pequeno elfo poderia estar tão calmo em uma situação como aquela e falando como se estivesse entre amigos?
— Ele certo está — pronunciou-se o primeiro troll com uma voz rouca e profunda. — Os elfos são bonzinhos com a terra, já aquele... — apontou para Doretarf. — Não gostamos dele. Chu’z, quebra ele — ordenou com austeridade.
— Não há necessidade de violência, meus irmãos — intrometeu-se Elden colocando-se na frente do segundo troll, impedindo-o de avançar. — Afinal, viemos em busca de paz e ele... — apontou em direção do homem. — É meu amigo.
— Humanos paz não almejam, porque gananciosos são — retrucou o primeiro. — Aposto que em busca do nosso tesouro veio. E um elfo tão bonzinho não deveria ser amigo desses homens macaco.
O rapazote juntou-se a Doretarf, que finalmente deu-se conta que a caverna estava repleta de ouro e pedras preciosas.
— Che’z, seu amigo elfo com o humano está. Devemos quebrar ele também — declarou Chu’z cerrando os punhos.
— Preciso que distraia eles para eu pegar a gema das estrelas — murmurou Elden para Doretarf.
— O quê? Como saberá qual é a pedra? Há centenas delas aqui — sussurrou o príncipe de volta.
— Che’z disse-me que está em uma arca dourada perto da estátua de ouro — explicou meneando a cabeça em direção da grandiosa escultura que estava emaranhada de cipós e folhas. — Só preciso de uma distração. Então volte pelo caminho que veio, Che’z disse-me que todos os corredores dariam nessa caverna, então posso escapar por qualquer um deles.
Doretarf suspirou temendo o risco de tal plano, mas não tinha muita escolha, pois sabia que Elden se recusaria a sair dali sem a bendita gema.
— Está bem... Mas lembre-se, se eu morrer, a culpa será unicamente sua — concordou observando o ogróide de pedra vindo em direção de ambos. Correu para o lado oposto. — Ei, grandalhão! — assoviou chamando a atenção da criatura para criar a distração que o pequeno príncipe necessitava. — Que tal termos uma luta justa? Só eu e você.
— Chu’z diz sim!
O troll com os punhos cerrados acometeu para cima do koviriano desferindo dois socos seguidos, esquivados facilmente por ele deslizando por baixo das curtas pernas do grandalhão de pedra. Levantou-se e chutou-o na região da panturrilha, mas arrependeu-se, pois o pé doeu imensuravelmente. Chu’z agarrou-o pelo tornozelo, arrastou-o pelo caminho de terra batida com algumas moedas de ouro espalhadas e arremessou-o para longe, fazendo-o cair sobre uma pilha de ouro e pedras preciosas, batendo fortemente as costas, que gemeu de dor soltando um palavrão pela extrema dor do impacto.
Levou certo tempo para se recompor, mas assim que o fez logo avistou a criatura vindo velozmente em sua direção novamente, voltou-se em seguida para Elden que ainda escalava a estátua de ouro. Levantou apoiando-se em uma rocha próxima que estava revestida de esmeraldas e safiras. Analisou rapidamente a estrutura da caverna e notou que ali haviam alguns pilares que sustentavam o teto. Trolls podiam ser um poço de força bruta, mas não eram tão inteligentes. Doretarf esperou até o último momento ficando a frente de um dos pilares e quando o monstrengo estava prestes a esmagá-lo como uma rocha deslizando ladeira abaixo, atirou-se para o lado e rolou por cima das moedas de ouro. Chu’z colidiu fortemente com a cabeça sobre o pilar, fragmentando-o em questão de segundos, os pesados pedregulhos despencaram esmagando por fim o grandioso troll.
Che’z enfureceu-se observando tudo da outra extremidade e urrou em desespero pela perda. O grito ensurdecedor ecoou pelas montanhas, estremecendo a estrutura já comprometida da caverna. Doretarf não teve tempo de observar o avanço de Elden, pois o outro ogróide arremeteu sobre ele com grande ímpeto, derrubando todo o tesouro em direção do mesmo, que escondeu-se atrás de outro pilar para proteger-se da chuva dourada. Os objetos eram jogados com tremenda força que uma moeda pegou de raspão em uma de suas mãos, lhe rasgando a pele superficialmente.
— Você, meu irmão, matou! — bramiu o troll com dor e fúria.
O pilar rompeu-se com a colisão frenética dos projéteis que a criatura arremessava com extrema fúria e acabou cedendo lentamente, fazendo a nuvem de poeira subir. Doretarf correu em direção oposta, desviando dos socos de Che’z no ar que estava em seu encalço. A única saída era em direção de Elden, que por sua vez já estava com a arca dourada em mãos. Teria que escalar a escultura com agilidade, pois a nuvem de poeira se intensificava a medida que o outro limite da caverna ruía. Correu, agarrou-se a um dos cipós da estátua e com impulso rodopiou ao redor, alcançando mais rapidamente a cabeça do objeto, impulsionando o corpo para cima. Com grande dificuldade escalou o emaranhado de cipós e foi ao encontro do jovem elfo.
— Não há como voltar — alertou o príncipe de Kovir e Poviss ouvindo os berros estridentes do troll que estava sendo esmagado pelos rochedos e pedregulhos.
— Vamos por aqui — indicou o menino guardando a diminuta arca na bolsa.
— Certo. Vá, rápido.
Alcançaram um platô a altura da cabeça da escultura e deslizaram por uma estreita cavidade até a saída mais próxima. Correram pelo túnel o mais rápido que suas pernas aguentaram sem olhar para trás, enquanto ouviam os estrondos e sentiam os tremores sob seus pés da gruta vindo a baixo, até que o barulho ensurdecedor e as vibrações finalmente cessaram. Já fora da caverna, pararam quando avistaram que não teria como continuarem ao olharem para baixo e não avistarem nada além de névoa, impossibilitando de enxergarem o caminho.
— E agora? — questionou Elden vendo que já havia passado do meio-dia pela posição do sol.
— É perigoso, deixe que eu vá primeiro. Vamos dar a volta, venha atrás com cuidado.
— Está bem.
Desceram a encosta com cautela, mergulhando na densa névoa que cercava a montanha e logo abaixo havia um trajeto estreito.
— Cuidado onde pisa, Elden — alertou encostando-se na parede da escarpa e percebendo que no sopé havia apenas rochas e vegetação baixa. Uma queda seria fatal aquela altura.
Continuaram a descer cuidadosamente com Doretarf a alertar o rapazote constantemente, passaram longos minutos a caminharem até finalmente chegarem na base da montanha. O koviriano enfim conseguiu respirar sem maiores dificuldades, deixando-se despencar de costas na grama ao cair em si que poderiam ter morrido nesta aventura arriscada. O Aen Seidhe por sua vez, sentou-se sobre o tapete gramíneo e verificou o conteúdo da pequena arca dourada. Deparou-se com a pedra mais radiante que já vira na vida, do tamanho de um ovo de galinha e com a tonalidade a mudar toda vez que a luminosidade a irradiava por ângulos diferentes.
— Acredito que Filavandrel irá gostar do presente — declarou observando a gema na mão do garoto. — E também irá querer saber de onde veio. Saímos do território dos elfos para o território dos trolls e quase morremos...
— Mas não morremos — argumentou Elden. — O papai não precisa saber de tudo, não é mesmo? Caso contrário, ele me deixará de castigo pelo resto de minha vida...
O homem sentou-se e verificou a ferida na mão que sangrava, ainda que minimamente. Rasgou um pedaço da camisa e amarrou o retalhado ao redor do ferimento para estancar o sangramento.
— Não posso mentir para o rei, muito menos para sua irmã, se algum deles me pedir a verdade, eu a direi — respondeu o príncipe seriamente. — Agora vamos, se apressarmos o passo talvez consigamos chegar a tempo para os festejos.
O menino bufou devolvendo a pedra de volta a arca e guardando-a na bolsa novamente. Retomaram o trajeto caminhando apressadamente em direção a morada dos elfos.
(...)
O céu já anunciava a chegada do anoitecer com seus tons pastéis, quando adentraram no forte após um breve interrogatório por parte dos sentinelas que faziam a ronda daquele turno, por conta da demora do retorno de ambos. Observaram ao longe que os festejos não haviam dado início, pois a mesa de quitutes ainda estava terminando de ser montada no caramanchão de madeira adornado que havia sido erguido no jardim na lateral esquerda da edificação da família real, onde havia uma magnífica vista para o horizonte da cordilheira podendo ser admirado um indescritível por do sol a cada entardecer por entre as várias cadeias das montanhas.
— Por todos os deuses, onde estavam? — questionou Nimra largando o cesto de roupas que carregava ao encontrá-los próximos à entrada da morada. — Não houve comoção de todos desta vez, mas Neldor estava procurando-o — revelou agachando-se e verificando o estado do pequeno príncipe que continha arranhões em alguns lugares do rosto e mãos. — E logicamente que fiquei preocupada apesar de vossa irmã tranquilizar-me informando que estaria de volta em breve.
— Não foi nada Nimra — apaziguou o garoto com um sorriso amarelo —, apenas saímos para passear e chegamos a tempo para o festejo. Diga a Neldor para não se preocupar. Então, onde está o meu pai? Estão todos prontos?
A aia suspirou.
— Estão todos prontos e a celebração começará em breve, mas...
— Certo. Até mais, Nimra — despediu-se com pressa, retirando-se dali correndo.
— Mas... Elden... céus... Qualquer dia desses ainda me fará perder os cabelos de tanta preocupação...
Doretarf recolheu o cesto do chão e deu-se conta a quem pertenciam aquelas vestes, ao sentir o típico perfume de flores silvestres, ficou um tanto inebriado.
— O que realmente aconteceu? — indagou ela com grande curiosidade.
O koviriano saiu de seu transe e entregou-lhe o cesto.
— Foram tantas coisas Nimra que não acreditaria, quando eu tiver oportunidade lhe contarei com calma. Agora tudo o que preciso é de um bom banho.
— Está bem. Mas apresse-se, pois o festejo começará em breve. Também preciso me apressar e arrumar-me. Pedirei para alguém ir preparar-lhe a tina.
Doretarf sorriu assentindo com a cabeça em agradecimento. A elfa correu para dentro da morada sem perda de tempo, ele por sua vez tomou o mesmo caminho, porém como estava esgotado fisicamente caminhou a passos lentos. Subitamente sentiu uma mão agarrar-lhe o ombro, fazendo-o virar-se bruscamente antes de ter a chance de cruzar a entrada.
— Por que levou o jovem príncipe para longe de nossos territórios? — interrogou Neldor severamente com o arco na mão e a aljava forrada de flechas as costas. — Eu segui os rastros. Não me diga que desistiu no caminho de se livrar do herdeiro do rei?
O koviriano suspirou já prevendo onde tal discussão iria chegar.
— Está delirando, Neldor — rebateu-o cansado do tom condenatório do elfo. — Elden e eu estávamos apenas tendo uma aventura juntos. Se não acredita é simples, pergunte a ele.
O Aen Seidhe riu em escárnio.
— Achas que sou tolo? Sei bem que manipula a mente das pessoas e Elden não é exceção. Você é como uma erva daninha que contamina e destrói sorrateiramente os jardins onde se instala. Mas eu vejo claramente quem você é.
Doretarf coçou a nuca indiferente a acusação, não iria se deixar abalar pelas provocações do outro.
— Pense o que quiser, não lhe devo satisfação alguma. É livre para ter qualquer visão sobre mim, mas não distorça que minha amizade com Elden é manipulada, porque não é.
— Você é patético, pavienn (macaco). Sei bem o que está fazendo, conquistando Elden para chegar mais facilmente até Ellin, isso já ficou claro. E a maioria concorda comigo, que você só quer aproveitar-se dela e depois descartá-la, assim como fez com outras mulheres. Sim, o seu histórico sujo se espalhou pela boca do povo. Dizem inclusive que você troca gracejos com outras elfas, o que não duvido nem um pouco. Tenho certeza de que Ellin não tolerará um cafajeste imoral como você. Então deixe-a em paz, pois seus planos cairão por terra. Ela não irá querer alguém passageiro, mas sim alguém que sempre esteve ao lado dela, apoiando-a de todas as formas.
— Alguém como você? — indagou o príncipe cruzando os braços altivo. — É engraçado que mesmo com todas essas qualidades ainda não conseguiu avançar um passo sequer. Já conseguiu beijá-la? Por acaso sabe qual o gosto da boca dela? — elevou as sobrancelhas, vendo a indignação crescer no semblante do rival, com o mesmo a apertar o arco fortemente entre os dedos.
Doretarf sorriu ironicamente sem mostrar os dentes e deu-lhe as costas retomando seu caminho. Certamente tinha sido imprudente deixando subentendido seu envolvimento com a princesa, no entanto, naquele momento não conseguiu conter-se diante das acusações incabíveis do elfo e não arrependeu-se de ter-lhe despejado tal alegação, pois agora havia deixado claro que o interesse de sua parte por Ellinfirwen era real.
— Eu os protegerei de você — sentenciou Neldor com um rosnado.
— Boa sorte com isso — retrucou o humano sem se dar o trabalho de encará-lo.
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