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História A Espada do Destino - Sentimentos Verdadeiros


Escrita por: Areque e Biana_v

Notas do Autor


Esperamos que estejam gostando da história até aqui.
E chegamos ao capítulo onde como o próprio título já diz, sentimentos serão admitidos. Será que a Ellin finalmente vai deixar de marra e vai cair em si que está apaixonada pelo Dore tanto quanto ele está por ela? Será que Dorellin finalmente se tornará oficial ou teremos mais empecilhos entre esses dois?

Como sempre, comentários são sempre bem vindos ☺️ Tenham uma boa leitura e até as notas finais 😉

Capítulo 28 - Sentimentos Verdadeiros


Fanfic / Fanfiction A Espada do Destino - Sentimentos Verdadeiros

Somos donos dos nossos atos, mas não donos dos nossos sentimentos.

Somos culpados pelo que fazemos, mas não pelo que sentimos.

Podemos prometer atos, mas não podemos prometer sentimentos.

Atos são pássaros engaiolados, sentimentos são pássaros em voo.

“Rubem Alves”

 

Ellinfirwen deitada em sua cama, abriu os olhos e fitou o teto reflexivamente por considerável período. Desde todo o alvoroço com os boatos infundados que quase arruinaram o noivado de sua amiga, passava boa parte dos dias reclusa em seus aposentos no tempo vago, em estado de profunda meditação acerca de Doretarf. Deveria repudiá-lo, pois tratava-se de um humano, o que já era motivo suficiente para desprezá-lo, ainda que estivesse mais suscetível atualmente aos ideais de Filavandrel a respeito da reconstrução da paz entre as raças. Porém, por mais que tentasse não conseguia, pelo contrário, no lugar da discriminação crescia a cada dia inexplicavelmente uma grande curiosidade e afeiçoamento por aquele indivíduo em seu ser.

Não entendia o porquê. Tentava inutilmente compreender esta estranha sensação que habitava em seu peito acerca do príncipe estrangeiro, pois sempre que estava perto dele sentia suas emoções aflorarem além de seu controle, o que, ao mesmo tempo que a intrigava, também a fazia recear já que nunca havia experimentado este turbilhão de sentimentos indescritíveis em seu quase um século de vida. Necessitava afastar-se o máximo possível do humano, temendo perder a razão em detrimento destas estranhas sensações que se apossavam sorrateiramente falando mais alto, entretanto não conseguia seguir suas próprias restrições por muito tempo. Quase se entregou a ele duas vezes, não poderia estar mais frustrada consigo mesma por acreditar que tais ações impensadas eram um sinal de fraqueza de sua parte. E o estava evitando por um tempo, ocupando-se arduamente com os preparativos do festival de Birke que estava próximo, para que assim pudesse reorganizar sua mente e principalmente seu emocional.

Apesar de a presença do príncipe ainda ser indesejada entre alguns dos Aen Seidhe, ele se prontificou a auxiliar com o que pudesse, afinal era o mínimo que poderia fazer após ter sido livrado do feitiço que fora acometido, ter sua vida poupada após tentar sequestrar os filhos do rei e ser acolhido entre o povo élfico pelo mesmo com benevolência. Doretarf ajudava no carregamento de mantimentos e na coleta de madeira com alguns outros elfos para a grande fogueira que seria montada para o festival e não conseguia evitar seus olhares sobre a princesa sempre que a avistava, apesar de fazer o possível em disfarçar para não parecer desrespeitoso ou inconveniente. Ellinfirwen sabia estar sendo observada, ainda que fingisse não perceber evitando contato visual com o moreno, embora em certos momentos quando tentava fitá-lo discretamente, seus olhares acabavam por se cruzarem e ela logo desviava para qualquer outra direção encabulada, fazendo um sorriso singelo de satisfação brotar na extremidade dos lábios do koviriano.

Por mais que soubesse através das histórias que leu nos livros e as que sua mãe lhe contava quando criança que os elfos eram seres considerados quase místicos quando os primeiros humanos chegaram ao Continente, donos de uma beleza imensurável, ainda assim sabia no âmago de seu ser que esta conexão indescritível e totalmente inexplicável que o dominava por Ellin não se tratava apenas de atração física por conta de sua imensa beleza, uma vez que estava rodeado de lindas elfas quase a todo momento. Desde que fitou a princesa pela primeira vez, a sensação que teve era de estar mergulhando profundamente, perdendo-se por completo naquele mar esmeralda, refletido nas exuberantes irises dela. Era um sentimento genuinamente puro ao qual mesmo na companhia de belas mulheres ao longo da vida nunca havia sentido antes, tornando-o quase um escravo da necessidade de estar perto dela a todo momento. Apesar da maneira arredia que o tratou no início, a presença da Aen Seidhe o fazia sentir-se estranhamente bem, como se todos seus problemas desaparecessem quando estava na companhia dela.

Ficou um tanto incomodado quando observou Neldor abraçá-la por trás, girando-a, dando-lhe um beijo no dorso da mão e entregando-lhe uma flor de camélia que colocou na orelha da mesma. Ellinfirwen sorriu singelamente em agradecimento, a medida que Doretarf quase deixou cair algumas sacas de suprimentos que carregava, com o ciúme se apossando de seu íntimo ao vê-los conversando com tanta intimidade. Por sorte seus reflexos foram mais rápidos, conseguindo impedir o desastre quase inevitável. A dupla élfica rumou para uma parte mais afastada dos preparativos do festival, em direção da floresta. A princesa sentou-se sob um tronco caído e convidou-o a fazer o mesmo. O koviriano curioso, decidiu por segui-los e aproximou-se o suficiente para ouvir a conversa, mas precavidamente seguro para que não notassem sua presença.

— Eu demorei alguns dias, me decidindo se deveria devolver isto a você — revelou a filha de Filavandrel retirando do bolso da calça o colar dourado que recuperara do Esquilo e entregou-o nas mãos de Neldor. — No entanto, por mais dolorosa que seja a verdade, ainda assim é seu direito saber.

Ele espantou-se e piscou algumas vezes em direção do objeto, ainda um tanto incrédulo e sem entender ao certo a que exatamente a loira se referia.

— Onde? Como...

— Por favor, acalme-se, o que tenho a lhe dizer é muito delicado... — suspirou ela longamente. — Eu o recuperei de alguns Scoia’tael desertores do Sul semana passada. Eles mantinham a Tanira como sua escrava concubina, mas peço-lhe que não revele isto a ninguém, pois ela merece seguir com a vida dela e parece que está recuperando aos poucos a alegria e autoconfiança — lhe afagou as mãos tentando confortá-lo, porém o mesmo permanecia em silêncio com o assombro estampado no olhar fixado sobre o pingente. — Neldor... — chamou-o fazendo-o erguer a cabeça para fitá-la, que por sua vez reunia forças em seu interior para dar-lhe a trágica notícia. — O Esquilo que estava em posse do colar de sua mãe disse-me que ela faleceu... — fez uma breve pausa, engolindo em seco tentando dissipar o nó que se formava em sua garganta. — Fora vítima de um monstro e o bruxo incumbido de dar cabo da criatura não conseguiu chegar a tempo de salvá-la. Essa tragédia ocorreu nos pântanos de Ysgith, há mais de um ano...

O meio-elfo permaneceu em silêncio por um instante tentando digerir tais informações que lhe foram despejadas inesperadamente até cair em prantos de súbito como uma criança aos braços de Ellinfirwen, que abraçou-o fortemente compadecida com sua dor. Doretarf não tinha o direito de ouvir aquela conversa, então afastou-se discretamente voltando a seus afazeres.

Por quase o restante do dia o príncipe de Kovir e Poviss ficou a vista dos elfos e principalmente de sua amada que o observava constantemente ao longe após ter separado-se de Neldor, que rumou a sua morada querendo ficar recluso com seu luto. A certo momento, quando o entardecer já se fazia presente no horizonte, a princesa rumou ao estábulo para ver Aark, seu corcel branco que havia resgatado de ser devorado por lobos selvagens e que vinha sendo seu fiel companheiro durante os anos. A elfa escovava o pelo do animal despreocupadamente quando notou uma silhueta familiar passar do lado de fora indo na direção oposta das edificações.

Movida por sua curiosidade, resolveu segui-lo discretamente e após alguns poucos minutos de caminhada avistou-o parar perto da nascente do rio Pontar, ainda no perímetro das torres de vigila, onde boa extensão do solo estava coberto por belas violetas de variadas cores, com a baixa exponencial do rio que voltou a sua margem. Doretarf deitou-se sendo rodeado pelas inúmeras flores, enquanto Ellin aproximava-se mais sorrateiramente tomando o máximo de cuidado onde pisava para não fazer qualquer barulho que a denunciasse e escondeu-se atrás de uma árvore de extensa largura. O koviriano fitou por certo tempo o céu em tons alaranjados anunciando a chegada do anoitecer com a lua crescente já se fazendo presente entre as nuvens. Ela o observou pegar em seguida uma das violetas e notou uma verdadeira tristeza surgir em seu olhar enquanto admirava a flor.

A Aen Seidhe perguntava-se o que estaria se passando na mente dele, apesar de já ter uma hipótese. Inicialmente não teve interesse em saber como o mesmo veio parar em Kaedwen, mas no dia em que fora liberto do feitiço que o dominava, inevitavelmente acabou escutando atrás da lona da tenda parte da conversa entre Triss Merigold e Chireadan onde a mesma o explicava tal fato, que após averiguar as lembranças recentes de Doretarf descobriu que o mesmo teve o pai assassinado e o trono usurpado pelo próprio conselheiro e mago de confiança, Terorah de Nazair, quase sendo bem-sucedido em livrar-se dele também. E após a curta conversa que tiveram na volta para casa no dia em que foram atrás de Ellando’r teve a certeza que ele faria de tudo para recuperar seu trono, pois provavelmente era a única coisa que lhe restava.

E naquele momento, observando a angústia estampada no semblante do moreno, um forte sentimento de condescendência preencheu o peito da princesa tentando imaginar o inferno que ele havia passado até aquele momento, colocando-se em seu lugar, o que a fez repensar seu julgamento injusto e atitudes grosseiras para com o mesmo quando de fato se conheceram e que agora lhe pesavam duramente na consciência. Foi então que finalmente se deu conta que o sentimento que aflorou inexplicavelmente pelo koviriano em seu coração não era somente uma imensa afeição ou apreço, estava realmente apaixonada por ele de uma forma que nem ela mesma sabia como aquilo seria possível e como jamais esteve por qualquer outro.

No entanto, parte do solo cedeu subitamente onde Ellinfirwen pisava fazendo-a quase cair, por sorte conseguiu segurar-se no tronco evitando a queda, porém o ocorrido acabou causando um forte ruído o que fez Doretarf levantar-se de sobressalto tentando averiguar o que se passava. Ela rapidamente recolheu-se atrás da árvore novamente, petrificada com receio de ser descoberta, o coração palpitando aceleradamente em nervosismo.

— Quem está aí? — indagou o príncipe.

Ellin fechou os olhos e levantou-se ainda escondida atrás do tronco.

Infernos… — praguejou consigo mesma em seu íntimo.

— Se não sair agora, eu irei até você — ameaçou o koviriano já pronto a dar o primeiro passo.

Ela suspirou já tentando imaginar em sua mente a desculpa que teria que dar para justificar o fato de estar espionando-o, pois não via outra saída. No entanto, para sua salvação ouviu o farfalhar de folhas há poucos metros a frente de onde havia se escondido.

— Perdoe-me, não queria ser intrometido, nem atrapalhá-lo — pronunciou-se Elden surgindo detrás da vegetação.

— Ah é apenas você, Elden — suspirou o príncipe em alívio. — O que está fazendo aqui?

— Nada de mais, apenas queria saber como estava já que anda tão ocupado esses últimos dias ajudando nas preparações para o festival de Birke...

Ellinfirwen assim que respirou profundamente acalmando seus batimentos, tratou de aproveitar a distração criada por seu irmão mais novo e retirou-se dali cautelosamente antes que a notassem.
 

(...)

 

Doretarf continuou a carregar as toras de madeira junto a outro elfo de cabelos ruivos, longos e trançados nas laterais. Sentou sobre um cepo próximo bebendo um pouco de água de um velho odre que lhe foi oferecido pelo companheiro de trabalho. Não avistou a princesa desde que saíra para observar o pôr do sol. Tinha quase certeza que tal afastamento por parte dela se deu por conta de todo o transtorno gerado pelas ações e mentiras irresponsáveis de ambos que quase arruinaram a vida de Medina e Ellando’r. Não podia fazer mais nada, a não ser respeitar o espaço de sua amada.

Os ombros estavam vermelhos e latejavam pelo peso das toras, provocando feridas na pele pelos inúmeros carregamentos. Os trajes encontravam-se sujos, pois haviam percorrido um longo caminho floresta adentro para recolher a madeira. E apesar de certa resistência de Dalran a aceitar sua ajuda, Ellinfirwen convenceu o elfo de que ele poderia auxiliar se trabalhasse mais do que os outros. Era uma forma de castigo para o koviriano para pagar pelo desentendimento de Medina e seu noivo.

O Aen Seidhe de madeixas ruivas aproximou-se com dois canecos de cerveja, oferecendo uma ao humano. Doretarf ficou surpreso de início, mas aceitou de bom grado.

— A noite está a nosso favor — pronunciou-se o elfo a fim de iniciar uma conversa após bebericar sua bebida. — Mais um pouco e teremos terminado nossa parte, assim poderá descansar.

— Tomara, não vejo a hora de terminarmos — comentou o príncipe de Kovir e tossiu. — Merda — resmungou e tossiu novamente. — Essa não é lá das boas.

O outro sorriu em ironia.

— Podemos ser habilidosos construtores e termos aprendido a dominar a arte da agricultura, mas nunca fomos bons fermentadores. Nossa cerveja é a pior, mas dá para beber — descontraiu e bebericou sua cerveja sem esboçar uma careta sequer.

Doretarf por sua vez engoliu o conteúdo de uma só vez e não foi capaz de conter as caretas horrendas, que fez o elfo gargalhar divertidamente.

— É uma cerveja de merda — concluiu o ruivo, deixando o caneco já vazio de lado. — As melhores são da Redânia, sem sombra de dúvidas — opinou despreocupadamente retirando um besouro das botas.

— Eu discordo, as melhores são as kovirianas — argumentou Doretarf orgulhosamente a respeito de sua terra natal. — Meus conterrâneos fazem um destilado de primeiríssima qualidade.

— Não pude deixar de ouvir a conversa — intrometeu-se Dalran segurando um caneco de cerveja na mão. — Porém, as melhores são as de Skellige — virou-se em direção de Cerys que ajudava a carregar algumas sacas de suprimentos. — skelligana, venha aqui e diga a estes amadores que a cerveja de seu povo é a melhor do Continente.

A ruiva aproximou-se cruzando os braços.

— As melhores, caro elfo, são as redanianas — rebateu ela sentando-se ao lado de Doretarf.

— Aha! Eu não disse? Quem é o amador agora, Dalran? — alegrou-se o Aen Seidhe de cabelos ruivos. — Não há nada melhor que os destilados da Redânia, apenas dois copos e já estará vendo estrelas.

— É verdade — confirmou Cerys. — Há anos visitei a cidade de Novigrad e lá bastou dois canecos para eu me perder de meus confrades. Por sorte acordei em uma estalagem debaixo do balcão após ter dado uma surra em três ladrões que queriam roubar-me — revelou com orgulho e gargalhou depois sendo acompanhada pelos demais.

— Como eu disse, o elixir dos deuses — vangloriou-se o ruivo. — Ei Toruviel, a fofoqueira, aproxime-se, venha discutir conosco acerca das bebidas do Continente — chamou-a ao avistá-la aproximando-se do grupo.

A elfa ignorou a provocação, apenas fitou a todos e voltou-se a Doretarf. Após toda a confusão ter sido esclarecida, Ellinfirwen levou um sermão de Filavandrel sobre como uma princesa deveria se portar diante de seu povo. Toruviel por sua vez, ficou reclusa alguns dias e pouco falava, sentindo-se culpada por disseminar tais boatos e prejudicar sua princesa. Pediu perdão a Ellin posteriormente, que a perdoou, mas não havia se desculpado ao homem sentado ali que havia julgado erroneamente.

— Quero uma palavra com você, estrangeiro — pediu a Aen Seidhe o mais cortês possível.

O koviriano levantou-se prontamente e despediu-se dos demais para acompanhá-la.

— O que deseja? — questionou ele parando em frente ao estábulo, pronto a receber prováveis novos insultos.

— Eu errei... — admitiu Toruviel suspirando. — Minhas conclusões equivocadas fizeram a princesa perder a credibilidade com o povo. Não sabia ser com ela que estava envolvido e peço desculpas pela minha atitude impensada. Apesar de que isto não significa que acredito que você seja o melhor para Ellin, mas não cabe a mim decidir o que é o melhor para o coração dela.

Doretarf finalmente pôde relaxar na presença da morena que sempre deixava-o tenso.

— O passado está no passado — apaziguou o humano. — E agradeço por respeitar meus sentimentos por Ellin, mesmo que não concorde. Mas se deseja um conforto, está perdoada. Não há rancor de minha parte, apesar de que a princesa se afastou um pouco de mim estes últimos dias.

— Desculpe-me por isso também, não era minha intenção prejudicar de nenhuma forma.

— Isto está fora do meu e do seu controle, não se preocupe — tranquilizou ele. — Agora, se me der licença, preciso voltar ao trabalho, pois não vejo a hora do devido descanso — sorriu singelamente e acenou com uma das mãos para a elfa.

Toruviel riu discretamente, vendo-o afastar-se de costas.
 

(...)

 

Doretarf saiu da tina, as gotículas de água escorriam por seu corpo robusto, balançou os cabelos e subitamente ouviu passos atrás de si seguido de um arfar de surpresa por parte de quem o fitava.

— Ah... Desculpe-me... eu deveria ter batido antes de entrar... — pronunciou-se a voz nitidamente envergonhada.

O príncipe reconheceu imediatamente a voz metálica que pertencia a sua amada, mas agora soava mais melodiosa.

— Ellin... — murmurou ele com certa surpresa.

— Sim... — confirmou a Aen Seidhe, deslumbrando as costas largas do homem, os músculos esculpidos, então não conseguiu impedir seus olhos de seguirem para baixo até as nádegas. Não podia negar, o corpo dele era bem trabalhado e havia poucas cicatrizes em sua tez. Observou brevemente a que tinha deixado em seu flanco direito, que era nítida. — Eu... — pigarreou desviando o olhar. — Vim lhe avisar que a ceia será servida mais tarde hoje, aparentemente houve um pequeno desastre na cozinha.

O koviriano sorriu ainda de costas a medida que alcançou a toalha, tratou de amarrá-la sobre a cintura e virou-se por fim, fazendo-a voltar-se a ele novamente.

— Obrigado por me avisar. Confesso que é uma surpresa vê-la por aqui, geralmente é Medina ou Nimra que vem me informar sobre qualquer coisa.

— Não se preocupe, elas apenas estão atarefadas com outras demandas — mentiu Ellinfirwen, pois, na verdade, inventou uma desculpa elaborada para ambas com a intenção de ter um pretexto para vê-lo.

Filavandrel ficara furioso com as atitudes imprudentes de ambos e acabou expulsando Doretarf de sua morada, fazendo-o morar em um casebre ao fundo da edificação próximo ao chiqueiro onde estavam criando porcos como uma forma de punição aos dois. Havia ali também uma granja e um viveiro de aves. O príncipe de Kovir e Poviss não reclamou, afinal era totalmente plausível tal atitude por parte de um pai que zela pela segurança e integridade de sua filha. Teve uma longa conversa com o rei a fim de esclarecer as coisas, mas ainda que Filavandrel tivesse plena ciência de seus sentimentos por Ellin, parecia um tanto irredutível quanto ao relacionamento de ambos após este ocorrido.

A princesa pôde apreciar o peitoral do moreno novamente, a água escorria minuciosamente, engoliu em seco tentando arduamente dissipar de sua mente os pensamentos impuros que não conseguia evitar ter toda vez que se deparava com aquele belo corpo vigoroso, enquanto o mesmo lentamente aproximava-se. Doretarf jogou os cabelos para trás, as madeixas negras desgrenhadas o deixavam ainda mais charmoso perante os olhos da elfa.

— São para mim? — indagou ele, naturalmente estendendo uma das mãos em direção da pilha de vestes que ela segurava, trazendo-a de volta de seu estado de torpor.

— Ah, sim... Sim. São roupas novas — afirmou a princesa enrubescendo de leve e estendendo os trajes ao moreno, esforçando-se para não fitar as íris azuis-celestes diretamente. — Imagino que esteja acostumado com trajes mais suntuosos, mas foi o melhor que conseguimos neste momento...

Ele pegou as vestes e roçou gentilmente seus dedos nas mãos da Aen Seidhe, provocando-a um leve arrepio em seu ser.

— São mais do que o suficiente. Obrigado, novamente.

Ellinfirwen apenas assentiu com a cabeça e soltou um sorriso singelo, colocando detrás da orelha uma mecha de seus cabelos loiros. Observou então o ombro dele que estava visivelmente maltratado e imaginou que seria por conta do excessivo trabalho que o havia imposto, o que pesou-lhe na consciência brevemente. Sem pestanejar, aproximou-se e verificou a ferida aberta.

— Não é nada grave — assegurou o koviriano a fim de não preocupá-la. — Somente esforço do meu trabalho.

— Ainda assim, peça para Chireadan tratar esse ferimento, caso contrário pode agravar e provocar uma infecção. Eu cuidaria disto, mas a verdade é que eu nem deveria estar aqui... Tive que arranjar um pretexto para vir, pois, precisava lhe ver...

— Farei isto — ele soltou um sorriso tranquilizador. — Se veio ver-me, suponho que seja algo relacionado a todo o ocorrido entre nós.

Houve um minuto de silêncio até a elfa quebrar a tensão no ar:

— Sim, eu vim, pois, precisamos conversar... E também queria ver como você estava depois daquele famigerado dia, já que não nos falamos mais depois disto...

— Bem, você decidiu por não nos falarmos mais, mas não a julgo, sei que teve suas motivações para tal. Apenas irei vestir-me, assim poderemos conversar apropriadamente.

— Se importa se eu apenas me virar? É que já foi um tanto árduo vir aqui sem ser notada por olhos inconvenientes e se eu esperar do lado de fora alguém pode ver-me, o que certamente acabaria caindo aos ouvidos do rei e não quero dá-lo mais motivos para quebrar sua confiança em mim... — explicou-se a princesa visto que no aposento não havia qualquer biombo ou outro local que Doretarf pudesse vestir-se privadamente. Apesar de a pouco ter presenciado mais do que esperava, ainda assim não se incomodaria se tivesse visto suas atribuições por completo, porém tinha completo senso de decoro.

— Não se preocupe — declarou o koviriano com indulgência.

Ela então virou-se na direção oposta, enquanto o mesmo vestia-se sem perda de tempo. Já devidamente trajado, o koviriano convidou-a a sentar-se com ele na beirada da cama precária.

— Eu realmente peço desculpas pelo desentendimento com o noivo de Medina e por todos os transtornos que minhas atitudes insensatas trouxeram-na e aos demais envolvidos — adiantou-se ele, supondo que já sabia qual seria o assunto da conversa. — Eu deveria ter negado no primeiro instante quando Toruviel tirou suas conclusões precipitadas, mas houve um turbilhão de receios que se passou por minha cabeça e...

— Não se preocupe quanto a isso — interrompeu a elfa. — Não pense que afastei-me de você por causa disso, apesar de ter causado muitas tribulações com o meu povo e principalmente com meu pai. No final, as consequências não foram somente por suas ações, também tive minha parcela de culpa em toda esta história. Meu pai disse-me que me apoiaria independente de qual fosse a escolha do meu coração, mas... creio que a notícia de nosso envolvimento as escondidas pegou-o inesperadamente. Felizmente as coisas foram esclarecidas de uma vez por todas, já não suportava mais mentir e esconder este fato.

— Então, por que afastou-se?

— Precisava de um tempo para refletir sobre tudo — ela não o fitou, apenas ficou com o olhar fixo em uma das mãos dele que estavam com cortes superficiais, provavelmente de tanto cortar e carregar as toras de madeira. — E cheguei a uma conclusão...

— Antes de prosseguir com sua conclusão, quero lhe fazer uma pergunta e preciso que me responda com sinceridade — pediu Doretarf interrompendo-a e Ellinfirwen apenas meneou a cabeça em sinal de concordância. — O que Neldor é para você?

— Neldor e eu temos apenas uma boa amizade — respondeu Ellin sem precisar pensar muito sobre.

— Está nítido para todos que ele não pensa da mesma forma.

— Eu sei... — suspirou ela longamente. — A questão é que meu pai tem conhecimento do sentimento que Neldor nutre por mim e apoia nossa união por conta dele ser um bom elfo e filho de um amigo de longa data. Mas não sou a favor de tal compromisso, pois assim como você e Cerys não existe nada entre nós além de amizade e apreço de minha parte.

— Duvido muito que ele entenda isso, pois praticamente declarou guerra contra mim quando voltei com Elden da outra extremidade das montanhas no dia do aniversário de vosso pai. E deixou claro que não desistiria de você — o príncipe fitou-a profundamente e repousou uma das mãos sobre a dela entrelaçando seus dedos. — Eu também não pretendo desistir de você.

Ellinfirwen engoliu em seco, sentindo um repentino formigamento na mão e no estômago, com o coração a acelerar as batidas descompassadamente, a medida que reunia todas suas forças para criar coragem e confessar seus verdadeiros sentimentos por Doretarf que a encarava como se necessitasse ouvir isso de seus lábios.

— Ele provavelmente jamais entenderá — declarou a loira após longos segundos de silêncio —, mas ainda assim terá de respeitar minha decisão. Você pediu que eu lhe dissesse quando me libertasse das incertezas em meu coração...

— Sou todo ouvidos — declarou aprumando-se ainda mais próximo a ela.

— Lembra-se de quando lhe neguei que houvesse qualquer tipo de conexão entre nós algumas semanas atrás?

— Sim, lembro-me.

Ela desviou o olhar por um momento, nitidamente envergonhada.

— Bem, eu... — Ellin fez uma pausa novamente com a mão livre a apertar nervosamente a calça na região do colo, a medida que sentia a mão que estava sendo segurada suar frio enquanto procurava em sua mente a melhor forma de verbalizar seus sentimentos.

No entanto, antes que pudesse terminar a frase, fora interrompida por uma batida na porta.

— Doretarf, sou eu Nimra. Posso entrar?

— Eu... estou me vestindo. Pode esperar um momento? — mentiu ele a fim de não serem mais interrompidos, com a princesa a permanecer em silêncio para que sua presença não fosse descoberta ali.

— Bem, preciso me apressar, pois, hoje o dia está sendo muito atarefado. Só vim ver se precisa de algo. — insistiu a elfa do outro lado da porta.

— Não preciso de nada, mas obrigado por se preocupar.

— Tudo bem. Ah, outra coisa. Por acaso sabe onde Ellin está? Ela me ajudou vindo aqui lhe entregar suas vestimentas novas e disse-me que após isto iria ao encontro de Chireadan, mas ele já está aguardando-a a certo tempo.

Ellinfirwen o encarou com certa apreensão e meneou a cabeça em negativa, pedindo com tal gesto que ele não delatasse que a mesma estava ali. Afinal, apesar de ter ciência que seu envolvimento com o koviriano já havia caído na boca da grande maioria, não queria dar munição para mais semeação de fofocas a seu respeito, pois sabia que Neldor estava sedento para acabar com a raça de Doretarf. A conversa que teve com o Aen Seidhe após o descobrimento do príncipe em seus aposentos não fora nada agradável, fazendo-o sentir-se traído por Ellin, deixando-o extremamente angustiado em relação a ela e possesso em relação ao humano. Embora obviamente este ocorrido não faria Neldor desistir dos sentimentos que nutria por ela tão facilmente apesar de tudo. Conversaram novamente hoje sobre o colar de sua falecida mãe, mas nada, além disso. E também não insistiu mais, pois sentiu que ele não queria mais tocar em tal assunto, embora já lhe parecesse mais conformado com toda a situação.

Por mais que confiasse na discrição de suas amigas, não queria provocar mais atritos do que já havia ocorrido com a presença do príncipe estrangeiro entre seu povo, pois sabia que cedo ou tarde Neldor e Doretarf acabariam enfrentando-se por sua causa e sua visita ao koviriano só provocaria ainda mais o adiantamento deste embate caso chegasse aos ouvidos do meio-elfo por alguém que pudesse deixar tal informação escapar-lhe entre os dentes.

Entretanto, não estava arrependida em fazer com que a verdade viesse a tona, apesar das novas fofocas de que havia se desvirtuado entregando-se a um humano, podia suportar as injúrias a seu respeito, pois ainda que fossem verdade a esta altura já possuía plena convicção de seus sentimentos pelo príncipe de Kovir e Poviss. Apesar da atitude intolerante de seu pai quando tomou conhecimento de real relacionamento, após um longo período de conversa com Triss e Chireadan, o rei repensou em suas atitudes, ainda que estas fossem visando a proteção de sua filha. Conversou novamente com Ellin e ao invés de recriminá-la acabou por compreendê-la, sabendo que não poderia controlar o coração dela por mais que acreditasse que o melhor caminho para a filha não fosse este.

Ellinfirwen no fundo, já sabia estar perdidamente apaixonada pelo humano, mas só admitiu tal fato para si após este longo período de reflexão. E apesar de todos os esclarecimentos, decidiu que o melhor seria que o povo não os vissem juntos por enquanto, pois assim acalmaria os ânimos de todos. Doretarf compreendeu a razão por trás de tal pedido um tanto quanto desesperado que refletia através das belas irises suplicantes dela.

— Não... não faço ideia de onde ela possa estar. Apenas me entregou as vestimentas e retirou-se.

— Obrigada — agradeceu Nimra.

Logo pôde-se ouvir os passos da mesma se distanciarem com rapidez.

— Tenho que ir — adiantou-se Ellinfirwen, levantando-se em um rompante e já fazendo menção de se retirar.

— Espere... — Doretarf levantou-se em seguida segurando-a pela mão, impedindo-a. — E quanto ao que iria dizer-me?

— Terminaremos a conversa em um momento mais oportuno — explicou-se e então o koviriano a soltou.

— Ellin... — chamou-a fazendo-a cessar os passos e voltar-se a ele novamente. — Partirei em dois dias... — revelou pegando a elfa desprevenida com tal notícia. — Preciso reunir os aliados de Kovir e Poviss para retomar meu lugar de direito.

Era nítido a expressão de surpresa e certa incredulidade no semblante da mesma que permaneceu em silêncio por uma fração de minuto, tentando processar o que acabara de ouvir. Possuía plena ciência que em algum momento teria de vê-lo partir, mas não esperava que fosse tão repentinamente.

— Bem... — pronunciou-se ela quebrando o próprio silêncio após voltar a si. — Sabes que o festival de Birke é em três dias. Costumamos celebrar com um grande festejo, apesar das inúmeras perdas que tivemos ainda estamos aqui e devemos valorizar as vidas que puderam ter um novo recomeço. Não ficará para o festival?

— Elden já havia me convidado para o festival e eu gostaria muito de participar, no entanto, não sei se seria uma boa ideia já que minha presença não é bem-vinda entre todos. Ainda mais com tudo o que aconteceu... Além de que já abusei da hospitalidade de seu povo e realmente preciso tomar medidas urgentes referente ao meu retorno a Kovir agora que estou completamente recuperado de meus ferimentos... Não posso permitir que um usurpador permaneça na regência de meu reino.

— Entendo... — sibilou Ellin com certo desapontamento na voz, fazendo uma breve pausa. Não desejava que partisse, não agora que havia finalmente assimilado seus verdadeiros sentimentos em relação a ele. Precisava contar-lhe antes que não tivesse mais chance de fazê-lo. Foi quando subitamente ocorreu-lhe uma ideia em mente. — Ainda assim insisto para ficar, se não pelo convite de meu irmão, pelo meu. Fique ao menos até o festival como uma despedida, garanto que irá gostar. Ninguém lhe fará mal algum — Doretarf entreabriu os lábios para dizer algo, porém, fora interrompido antes mesmo que pudesse verbalizar. — Não precisa responder nada agora, pense com calma sobre meu convite — concluiu por fim torcendo para ele decidir aceitar.

— Não preciso de tempo para decidir algo que já está decidido, ficarei até o festival então.

Ellinfirwen não podia negar a si mesma que uma verdadeira felicidade brotou em seu peito ao ouvir tais palavras, entretanto, ao mesmo tempo, certa melancolia dividia espaço por saber que ele precisaria deixá-la. Despediu-se com um singelo sorriso para o koviriano que retribuiu-lhe da mesma maneira.

— Ainda tenho tempo para ouvir o que tem a me dizer — disse por fim para a mesma, que acenou-lhe em afirmativa com um meneio de cabeça antes de fechar a porta atrás de si. — Já não tenho mais dúvidas, apenas certezas, Ellin. — murmurou consigo mesmo e sorriu, sentindo uma felicidade imensurável invadir-lhe o peito.


Notas Finais


Obrigada por acompanharem até aqui e nos vemos no próximo capítulo ✌️


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