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História A Filha do Coringa: a Origem - Tricorner Yards


Escrita por: silvacomsifrao

Capítulo 4 - Tricorner Yards


- Essa é a ponte Trigate, Cecy – Papai disse ao entrar na tal ponte. – Ela liga a Ilha Norte, a Ilha Sul e a ilha de Narrows.

A ponte era linda, mas não era nada parecida com as pontes de NY. Era toda de concreto e havia essas duas colunas paralelas a cada alguns quilômetros, também tinha um ar sombrio e velho.

- Qual ilha que nós vamos? – perguntei.

- Ilha Sul. É a ilha de ocupação mais recente, pense na Ilha Sul como Manhattan para Nova York, praticamente toda a área comercial de Gotham fica lá, além das áreas residenciais mais ricas e luxuosas – Papai respondeu.

-  Nós vamos morar em Tricorner Yards, - mamãe continuou – é uma ilha nos arredores da Ilha Sul. Não é a parte mais luxuosa de Gotham, mas abriga grande parte da classe média alta e alguns ricos.

Meus pais eram médicos psiquiatras bem-sucedidos, os dois se formaram em psiquiatria em Stanford e se conheceram lá mesmo, só que como eles tinham alguns anos de diferença, meu pai se formou e foi trabalhar no Asilo Arkham enquanto mamãe ainda cursava a universidade; e assim os dois perderam contato. Foram se reencontrar quando mamãe também foi trabalhar no Asilo Arkham, então eles começaram a namorar e se casaram uns 2 anos depois.

Eu achava a vida meio bizarra, pense bem, meus pais já estavam predestinados a ficarem juntos desde a faculdade. Eu acreditava em destino. Muitos falam que são as escolhas que definem nosso destino, eu já penso o contrário, é o destino que define nossas escolhas.

 Meu raciocínio é esse: tal bebê era destinado para nascer na tal família e ele iria crescer e se tornar tal pessoa por conta das influências que sofreu durante sua vida. Todas essas influências encontraram essa tal pessoa já estavam predestinadas de acordo com a família dela, a escola em que ela estudou, as pessoas que ela conheceu, as histórias que ela ouviu. Eu sei que não faz muito sentido, mas aplicando em minha vida faz todo o sentido do mundo.

Olhe bem, nasci de uma mãe esquizofrênica que nem sabia direito o que ela estava carregando na barriga. Quando ela tentou se matar, minha mãe adotiva fez a cesariana de emergência, se apaixonou por mim e quis me adotar. Detalhe: eu surgi em um momento muito propício, pois mamãe estava tentando engravidar e não conseguia. Não podia ser mera coincidência, era o destino.

Outra coisa que já estava destinada era minha dupla personalidade, o destino predeterminou precisamente aquele trauma que me fez ser quem eu sou. Também tinha o fato da loucura ser genética, já que minha mãe biológica tinha problemas mentais, e eu também acreditava que meu pai biológico também tinha problemas mentais à ponto de engravidar uma mulher que nem sabia cuidar da própria vida direito. Foi o destino que me fez tropeçar nesse problema e fazer as escolhas que eu fiz em relação à ele.

Era como se o destino colocasse as cartas na mesa em minha frente e eu tivesse que escolher entre elas.

Depois de terminar meus devaneios sobre o destino, percebi que estávamos à apenas alguns metros do nosso carro pisar sobre Gotham, oficialmente. Era possível ver as 3 ilhas que a rodovia da ponte ligava, mas uma me chamou a atenção imediatamente. Era a menor ilha, mas que tinha uma enorme mansão que mesmo em plena luz do dia, tinha um aspecto sombrio, ela era rodeada por uma cerca enorme com arame farpado e também aparentava ser elétrica. Parecia... familiar de alguma maneira. Quando estava abrindo a boca para perguntar sobre o assunto, meu pai me interrompeu:

- Essa menor ilha é a Ilha de Narrows, e está vendo aquela mansão? – ele apontou para a mesma mansão que estava vendo anteriormente. – Aquele é o Asilo Arkham, onde vamos trabalhar e... onde você nasceu, Cecy.

- Nem parece que o reformaram – mamãe observou. – É o mesmo sanatório que me recordo.

- Você está com toda razão, mas acho que as mudanças foram mais internas do que externas.

- Tomara que sim. Mas pelo menos, esse lugar me faz recordar de uma coisa boa.

- Eu também – meu pai completou e eu os vi se entreolhando e rindo silenciosamente.

- O quê? – perguntei aos dois.

- Você, sua bobinha – mamãe respondeu rindo.

Um pequeno sorriso envergonhado surgiu no canto de minha boca, mas ainda estava concentrada na Ilha de Narrows.

Foi difícil parar de olhar para o Asilo Arkham, sentia uma certa atração por ele, mas me obriguei a olhar para as outras duas ilhas maiores, cada uma de um lado da ponte. Imediatamente percebi uma enorme diferença entre as Ilhas Sul e Norte. A Ilha Sul era bem parecida com Manhattan como papai disse,  mas a Ilha Norte parecia um bolsão de pobreza. Mesmo de longe podia ver os prédios e construções abandonados e se desintegrando com o tempo. Não havia tantos prédios como na ilha rival e algumas estavam caindo aos pedaços, as moradias que consegui ver eram um pouco precárias e precisavam de uma pintura urgente, pois parecia que as paredes estavam descascando à muito tempo.

Entretanto imaginei que havia algumas partes bonitas na Ilha Norte, a arquitetura parecia mais antiga e especulei que haviam alguns pontos turísticos lá, mesmo sendo a parte mais empobrecida da cidade . Acreditava que a beleza interna importava mais do que a externa.

- Cecy, escute por favor – papai chamou minha atenção e voltei meus olhos para ele imediatamente. – Gotham é a cidade mais criminalística dos EUA, para o seu bem não quero que fique andando pela cidade sozinha à noite, é muito perigoso, ainda mais se estiver na Ilha Norte – uma pausa. - Na verdade, você está proibida de ir à Ilha Norte desacompanhada mesmo durante o dia, entendeu? É a parte mais perigosa da cidade, é lá que os piores tipos de gente vivem.

Suspirei lentamente. Sempre haviam esses discursos genéricos de pais super protetores e na realidade eu nem gostava tanto de passear sozinha por aí. Embora eu achasse que “passear sozinha por aí” seria uma atividade rotineira para não morrer de tédio trancada dentro de casa por mais uma eternidade.

No subúrbio onde morava não havia nada para se fazer a não ser ir para uma sorveteria cara e passear em um parque minúsculo com um bosque ainda mais minúsculo. Era uma rotina muito monótona, eu e meu amigo saíamos da escola e íamos direto para a sorveteria, e sentávamos sempre no mesmo banco naquele parque. Mas eu tinha parado de fazer tudo isso nos últimos meses, por que tinha sido expulsa do colégio e também acabar completamente com a única amizade que tinha. E é claro, fiz o que sempre fazia: me isolei de tudo e de todos. Era raro o dia em que eu saía de casa para tomar um pouco de sol.

Mas eu estava acreditando nessa minha nova meta de passear pela cidade enquanto meus pais trabalhavam. Queria que meus pais me levassem para conhecê-la à princípio, ou pelo menos ter um guia para não me perder, o que sabia que iria acontecer, eu era péssima com nomes de rua e de me localizar em uma cidade.

Mas o que fazer em uma cidade que não conhecia? Não gostava muito de ir ao shopping, era muito movimentado, não conhecia nenhum café ou restaurante, também queria ficar longe de parques durante muito tempo. Um lugar silencioso e sem muitas pessoas seria ideal... Que tal a biblioteca da cidade? Ninguém vai à biblioteca. Perfeito!

Eu gostava de criar e seguir rotinas, na verdade isso me ajudava com o problema da “outra eu”. Rotina é sinônimo de controle, e o fato de eu segui-las me auxiliava à controlar minha vida e evitar que a minha “outra eu” ressurgisse das cinzas que eu à transformava – ou tentava  - todos os dias.

Agora, tínhamos acabado de sair da rodovia da ponte Trigate e estávamos atravessando a Ilha Sul. Fiquei olhando pela janela, admirando e absorvendo cada detalhe do panorama interno de Gotham. Meus pais conversavam baixinho ao fundo, mas eu nem estava prestando atenção neles, pois a conversa parecia insignificante.

Eu tinha a sensação de que Gotham tinha um aspecto muito sombrio, acho que essa era a característica evidente e irrefutável da cidade, aquela que define a cidade de Gotham como Gotham. Enquanto em Nova York essa característica era a busca constante pelo sucesso, em Gotham era o constante medo dos moradores em relação aos criminosos – os piores e mais psicopatas do mundo.

Pude perceber tudo isso em menos de 15 minutos na cidade. Haviam propagandas de dispositivos e equipamentos de segurança por toda a cidade, o que significava que tudo relacionado com o serviço de segurança estava lucrando bastante nos últimos tempos. Além disso, notei que haviam câmeras em todos os postes e telefones de emergência quase em todas as quadras. Não duvidava que os estabelecimentos e as moradias tivessem muitos mais aparatos.

Os habitantes de Gotham tornaram-se completamente obsessivos por segurança e proteção. Mas quem era eu para culpá-los? Afinal, essa era a cidade mais perigosa dos Estados Unidos.

Haviam muros pichados, alguns estabelecimentos abandonados e percebi que para uma cidade com a dimensão que tinha, haviam poucas pessoas andando pelas ruas do principal centro econômico da cidade. Acho que os moradores daqui estavam tão acostumados com o caos na cidade, que nem tinham mais vontade de sair de casa e passear.

Não iria me espantar o fato de uma parte da população de Gotham ter migrado para outra cidade em virtude de todos os acontecimentos e desastres pelo qual a cidade passou.

Continuamos dirigindo por mais meia hora até chegar em Tricorner Yards, a pequena ilha que seria meu novo lar. Não vi muita coisa durante o trajeto pois estávamos em uma via expressa, mas foi difícil não notar a grandiosidade da Torre Wayne.

- Está vendo ali, Cecy? – minha mãe apontou para o maior prédio entre vários outros. Era um prédio espelhado maravilhoso, brilhava tanto que achei que ficaria cega se olhasse para ele durante muito tempo. – Aquela é a Torre Wayne, o próprio edifício do homem mais rico de Gotham, Bruce Wayne.

- Que humilde – comentei sarcástica, mas maravilhada ao mesmo tempo. Se eu já achava que tinha mais dinheiro do que realmente precisava, aquele cara estava nadando em dinheiro, literalmente.

Aquele edifício ficou me perseguindo durante o trajeto inteiro até chegarmos em Tricorner. Ele ocasionalmente atingia minha visão periférica e me obrigava à admirá-lo. Imaginei-me perto do prédio, eu era uma minúscula formiga aos pés de uma árvore grande.

 Sabe, sempre achei engraçado e bizarro a sensação que temos de vez em quando que somos apenas uma pequena partícula de poeira no meio de um universo infinito. Nossa ausência não faria nenhuma diferença para o universo.

Era estranho, por que na maior parte do tempo o mundo gira em torno de nós, somos egoístas e a única coisa que importa é a nossa própria vida. Então, vez ou outra, o tsunami da realidade destrói a nossa fantasia por um breve período de tempo, varrendo todo o egoísmo e nos induzindo a perceber o quão insignificantes e pequenos somos em relação ao universo, o quão breve é a nossa vida comparado com a vida do universo. A cada uma piscada de olho do universo uma vida começa e acaba simultaneamente.

Essa sensação é tão incrível e tão melancólica, porque por um instante nos desprendemos da nossa vida confortável e pensamos: “Ei, eu sou tão fútil como qualquer outra pessoa”. E então, tão rápido como veio, esquecemos toda essa reflexão e nos fechamos dentro do casulo utópico que é a nossa vida.

Tínhamos acabado de atravessar a ponte para Tricorner Yards, mal via a hora de pisar os pés na minha nova casa. Meus pais tinham me mostrado algumas fotos dela e eu a achei maravilhosa, talvez até mais bonita que a nossa outra casa no subúrbio.

Senti uma pontada profunda em minha mente, fiz uma careta e gemi um pouquinho, mas acho que meus pais não notaram. Desde quando chegamos em Gotham, minha cabeça começou a latejar um pouquinho, e foi aumentando, aumentando e aumentando. Isso era a minha “outra eu” se contorcendo e lutando a qualquer custo para sair da prisão que eu à prendi... ou tentava prender.

Esse era um fenômeno que acontecia todo dia, meu alter ego martelava minha cabeça constantemente e ia aumentando a intensidade. Mas alguns dias eram piores que os outros. Eu tinha três classificações para eles: os Dias Bons, os Dias Normais e os Dias Ruins.

Os Dias Bons eram aqueles dias em que a dor de cabeça era suportável e me esquecia dela, pois geralmente encontrava algo para ocupar minha mente e que me dava certo prazer. Nem era necessário tomar remédios nesses dias. Entretanto, Dias Bons eram raros.

Os Dias Normais eram os dias mais freqüentes. A dor era constante e mais intensa a cada hora, suportável até um limite. Mas eles tinham um defeito, pois dependendo da época, eles oscilavam. Por exemplo, se estivesse passando por uma situação difícil, meus Dias Normais podiam se tornar Dias Ruins. E eu precisava tomar os remédios de qualquer modo.

Os Dias Ruins eram quase insuportáveis, minha cabeça doía tanto, que os remédios nem adiantavam muito. Geralmente nesses dias, trancava-me em meu quarto e ficava deitada até a dor passar ou até ter uma crise; eis aí o maior problema dos Dias Ruins: as crises. Por isso me trancava em meu quarto, para não machucar ninguém. Normalmente, destruía todo quarto e me machucava até alguém aplicar um anestésico em mim, caso contrário Deus sabe lá quanto tempo minha crise iria perdurar e quantas pessoas iria ferir...

Esse era o dilema de ter um alter ego psicopata, nunca se sabe o quê ele vai fazer e com quem. Podia matar meus pais durante a noite, enquanto eles estivessem dormindo e acordar no dia seguinte sem saber o que aconteceu. Sabia que minha “outra eu” tinha capacidade para fazer uma proeza dessas.

Meus Dias Ruins já foram mais freqüentes, mas atualmente eles diminuíram significativamente e eram quase tão raros quantos meus Dias Bons. Em contrapartida, minhas crises não aconteciam em apenas dias aleatórios, também aconteciam nos dias em que estava estressada ou que me sentia de alguma forma vulnerável, pois então minha “outra eu” escapava pela pequena rachadura que surgia em minha mente. E ela não pensava duas vezes, agarrava essa chance o mais forte que conseguia.

Para acabar com a dor que estava sentindo, engoli em seco 2 pílulas e torci para que ela cessasse logo. Vi o olhar de meu pai em mim, através do espelho retrovisor, enquanto tomava os remédios - ele deve ter escutado o barulho das pílulas na garrafinha - e deu um sorriso encorajador, misturado com pesar.

Também era difícil para eles...

Por fim, depois de passar por alguns condomínios fechados, prédios pequenos e casas bonitas, finalmente chegamos em nossa casa. Nosso mais novo, lar.


Notas Finais




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