História A Força do Amor - Reconciliação

Legolas entrou no quarto carregando uma grande bandeja, com o desjejum para os dois, enquanto Kyara dormia. Ele depositou a bandeja na mesa da lareira e foi sentar-se a beira da cama.

Admirava a esposa repousando serena em meio das cobertas, mas seu semblante ainda estava abatido. Ele contornou seu rosto com a ponta dos dedos e deslizou a mão pelos cabelos negros em desalinho espalhados pelo travesseiro. Ela abriu os olhos piscando sonolenta e se deparou com um Legolas sorridente.

- Você tem uma beleza que supera qualquer outra nesse mundo e a boca mais perfeita que eu já vi... Mas ainda está um pouco abatida.

- Eu deveria estar de repouso e acabei passando a madrugada me esforçando.

- Então fizemos muito mal.

- Negativo! Fizemos muito bem. Estou cansada... Kyara espreguiçou-se e sorriu... – Mas imensamente feliz. E se visse sua cara de felicidade, também... Quero sempre acordar pela manhã aquecida pelo seu corpo, recebendo seus carinhos, ouvindo coisas lindas enquanto admiro seu sorriso contagiante... Disse ela beijando-lhe a mão.

- Será um prazer atender a sua vontade. Venha, vamos comer alguma coisa. Trouxe um pouco de tudo. Galwen preparou um suco de maçã para você, mas mandou seu chá, também.

- Legolas, não tenho apetite. Não quero comer nada agora.

- Pelo que sei nem agora nem em hora nenhuma, mas precisa se alimentar. Coma alguma coisa, um pouco que seja.

- Realmente não quero.

- Deixei um recado com Rumir pedindo ao meu pai para acompanhar os preparativos para a nossa partida, porque quero passar o máximo do tempo que ainda tenho com você. Então, trate de se animar.

- Não quero que deixe suas atribuições por minha causa. Já me sinto bastante mal por ontem e nem sei se terei coragem para encarar aqueles comandantes, principalmente seu pai... Disse ela se encostando-se na cabeceira da cama enrolada nas cobertas.

- Não podemos culpa-la por defender sua posição... Já que tocou nesse assunto precisamos conversar.

- Sei que agi muito mal por arriscar nosso casamento como fiz. Você tinha razão em ficar furioso comigo. Sou realmente feliz com a vida que tenho aqui, só que agora estamos passando por tempos difíceis e posso ser muito mais e fazer muito mais... Ontem me senti mais humilhada do que jamais fui em toda a minha vida. Entendo que seja difícil verem uma mulher querer se igualar a vocês como fiz, mas nada do que disse foi falso ou fantasioso.

Kyara suspirou para tomar fôlego porque disse tudo num atropelo só.

- Legolas! Nosso amor não está somente nos nossos momentos de entrega, mas em tudo o que temos e em tudo o que somos e que devemos compartilhar um com o outro. Assim como você, também preciso da sua confiança, do seu apoio, da sua compreensão, da sua lealdade.

Kyara calou-se de súbito percebendo-o sério e ficou apreensiva imaginando que começariam nova discussão.

- Você está certa e peço desculpas por tudo que lhe fizemos passar, principalmente eu. E pensar que eu mandei Narthan trancá-la numa cela, com grilhões nos pés se fosse preciso.

Kyara fechou o semblante não acreditando que o marido fora capaz de dar tal ordem.

- Perdão! Perdão! Perdão!... Disse ele distribuindo beijos pelo rosto da amada... – Para você vê o quão desesperado estava. No fim das contas, nós dois erramos. Jamais poderia ter colocado em dúvida sua capacidade. Peço apenas que compreenda que todas as vezes que a magoei foi por medo de perdê-la. Medo de vê-la morta ou ferida. Nunca duvidei da sua competência e até mesmo meu pai admitiu admirá-la pelo que é. Sua recusa em aceitá-la entre nós nessa batalha acabou sendo pelos mesmos motivos que eu. Ele a ama e teme por você também.

- Seu pai disse isso?

- Sim. Depois que você saiu ainda discutimos sobre nossas estratégias, mas minha cabeça somente conseguia pensar na sua imagem parada a porta dizendo que partiria. Foi inevitável que o assunto viesse à tona e ele acabou confessando o amor e a admiração que lhe tem. Imagine o poderoso rei Thranduil chegar a esse ponto? No fim de tudo todos acabaram concordando que sua participação já era de se esperar.

- Eu não sei o que dizer.

- Não diga nada, apenas ouça. Você tem toda a razão sobre suas reclamações. Penso que eu também tenho razão quanto às minhas porque você é impossível e se arrisca sem a menor preocupação com o que poderá lhe acontecer. Agora não está mais sozinha, moça. Precisa pensar em mim, assim como eu penso em você... Legolas suspirou... – Temos que chegar a um consenso. Não vou dizer que meu medo passou. Isso é uma coisa que vai sempre me acompanhar e espero que seja capaz de entender e aceitar. Entretanto, eu a respeito pelo que é e reconheço seu valor. Já está mais do que provado do que é capaz. O problema é que essa guerra será muito sangrenta e nosso povo precisará da sua ajuda mais do que nunca. Seus poderes de cura e seus conhecimentos serão valorosos demais para salvar a vida dos soldados. Por isso peço que fique e ajude na casa de cura... O que me preocupa é sua fraqueza. Se concordar terá que encontrar uma forma de ajudar sem se matar, como vinha fazendo.

Ele segurou em seu queixo e levantou seu rosto para encará-la.

- O pedido que lhe faço é pensando no bem estar do nosso povo. Como esposa do herdeiro do reino tem que pensar coletivamente... Poderemos contar com sua ajuda?

Kyara ficou em silêncio ponderando sobre tudo que ouvira. Sabia que Legolas não mentiria, mas estava claro que o pedido tão especial não passava de uma forma para mantê-la a salvo na cidade. Se ela levasse seus planos adiante certamente o número de vítimas nessa guerra seria bem reduzido, porque sua proposta seria dar-lhes uma chance para vencerem esperando poucas perdas. Contudo, naquele momento o que mais importava era que finalmente chegavam a um entendimento e não discutiria mais sobre o assunto. Estava feliz demais para isso. O melhor seria agir em segredo.

- Está certo. Já me deixa muito feliz poder ajudar na casa de cura.

- Então quero que se alimente bem e descanse para que se recupere logo. Vou ficar com você o dia todo para me certificar de que está se cuidando.

- Legolas! Vamos passar juntos o máximo de tempo possível, mas não quero que deixe suas obrigações de lado. Como ainda está muito cedo poderemos ficar aqui na cama um pouco mais, mas, assim como você tem coisas a tratar, eu vou ir à casa de cura ver como estão meus pacientes e quero preparar uma coisa especial para o rei e nossos convidados. Se não para o almoço, com certeza para o jantar. Seria uma forma de me desculpar pelo meu escândalo.

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Era quase a hora do almoço quando Legolas apareceu no gabinete do pai, que ficou aliviado por saber que finalmente haviam se entendido e que ela daria atenção aos feridos na casa de cura, mas não deixou de alertá-lo sobre a saúde dela.

- Onde Kyara está agora?

- Foi à Casa de Cura fazer uma visita aos homens da Cidade do Lago... Ainda está bastante abalada com a discussão que tivemos e sente-se muito envergonhada por tudo. Peço que releve... Não lhe tiro a razão quanto a sua mágoa pela forma como a tratamos. Pode estranhar o fato de ver uma mulher envolvida com assuntos estritamente masculinos, mas a vida dela era assim. E se pedi para que fique na casa de cura não foi somente para mantê-la a salvo, mas porque a ajuda dela será de suma importância. Caso contrário eu a levaria comigo, mesmo não sendo do seu agrado.

O rei suspirou... – Muito bem, não vou mais opinar a respeito. Disse que aceitaria a decisão que tomassem. Já me dou por satisfeito saber que superaram a discussão de ontem... Só espero que não a deixe lhe dominar.

- Não, Ada¹. A questão aqui é justamente o contrário. Agora estou respeitando a pessoa com quem me casei. Ela já provou a toda a Terra Média quem é e do que é capaz.

Legolas deixou escapar um suspiro de resignação.

- Tarde da noite tivemos outra discussão aqui mesmo no seu gabinete e quase nos separamos. Por pouco ela não partiu para Tanusia... Não vou correr o risco de perder o amor dela por vaidade.

- Quase se separaram?... O rei espantou-se com a revelação... – Esta foi à coisa mais absurda que ouvi. Vocês dois separados?... Disse o rei indignado... – Esta palavra não existe para um elfo. É bom que os dois tomem consciência disto... Fazem pirraça como duas crianças... Bem que ouvi um barulho dos meus aposentos e imaginei que estivessem discutindo no quarto de vocês. O que foi aquilo, então?... Você a agrediu?... Perguntou o rei preocupado.

- Evidente que não. Cansou de dizer que não me comporto mais como um elfo por conviver tempo demais com os homens, mas isto já seria absurdo. No meio da discussão ela me disse que voltaria para Tanusia e subiu para o quarto. Fui atrás dela possesso e acabei abrindo a porta com muita força.

- Da forma como estava nervoso e o jeito como falou na reunião não seria de todo impossível... Já parou para pensar nas suas reações e sua falta de controle quando o assunto é sua esposa? Digo isto sob todos os aspectos.

- Perdoe-nos, Ada. De fato nosso comportamento a noite passada não condiz com o modo de vida dos elfos.

- Não mesmo e, sinceramente, não creio que na maioria das casas dos mortais as famílias vivam aos berros e sob essa total falta de respeito. Que fique claro: não tolerarei mais o que aconteceu aqui neste gabinete e espero que se controlem da próxima vez que discutirem... Ou melhor, esta recomendação é válida para todas as vezes que estiverem no quarto, também. Lembre-se que o corredor é um caminho livre. Sejam discretos ao menos para não constranger as pessoas que transitam por ele... Tenho que providenciar algumas coisas aqui no gabinete. Acompanhe os preparativos para nossa partida amanhã. Glorfindel, Elrohir e Haldir estão com Narthan no alojamento. Recebemos uma mensagem de Bain informando que já está tudo preparado esperando a nossa chegada.

- Sim, majestade... Com sua licença... Mais uma vez peço perdão pela nossa exaltação. Isso não se repetirá.

Disse Legolas reverenciando o pai, com visível constrangimento.

- Não precisa se constranger comigo, meu filho. Já fui casado, lembra-se?... Não podem esperar que as coisas sejam perfeitas, sempre. Desentendimentos são esperados. No entanto, precisam aprender a resolvê-los com parcimônia e prudência... E o rei sorriu... – E se tratando de casamento, discussões servem para as reconciliações... Para vocês dois, com muita temperança. Por si só já são inflamados em demasia.   

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Legolas tratou de todos os preparativos com seus comandantes: provisões, armamento, tudo o que fossem precisar. Num dado momento Narthan veio ter uma parte com o príncipe.

 - Senhor! Venho em nome de todo o exército expressar nossa alegria por sabermos que a princesa Kyara já se recuperou.

Legolas se surpreendeu com o gesto do capitão.

- Ora! Agradeço a preocupação... Como pôde ver ontem na reunião, ela está bem melhor, sim... Realmente não esperava por isso.

- Meu amigo! Sua esposa é venerada por todos neste reino. O cuidado e a dedicação dela salvaram muitas vidas e os soldados querem que lhe transmita seus agradecimentos. O rei a levou carregada da casa de cura da última vez que desmaiou e todo o reino ficou muito preocupado com o estado de saúde dela... Você pode achar até loucura, mas muitos acreditam que ela é uma Maia e que a história de amor de Thingol e Melian está se repetindo.

- Meu pai havia mencionado uma loucura dessas, mas não levei em consideração. Agora vejo que a coisa é séria.

- Você não imagina o quanto. A luz que ela irradia curou a mim e aos nossos guerreiros, e sua beleza e alegria são admiradas por onde passa, sem contar à magia que invadiu o reino e salvou nossas lavouras. Eu estava na floresta e vi com meus próprios olhos o seu poder... Também estava naquela batalha nos Campos de Lis e a vi lutar e destruir um gigante de pedra.

- Da forma como fala parece que também acredita nas coisas que o reino está dizendo.

- Não acredito que ela seja uma Maia, mas sei que você foi abençoado e todo o reino.

- Sinto-me envaidecido por isso. Depois do que aconteceu no gabinete do rei não nego que tenha me preocupado com a imagem negativa que poderiam fazer de nós dois.

- Quanto a isso fizemos exatamente como a princesa nos pediu. Muito melhor esquecer o assunto... Tenha consciência de que ela é diferente de tudo o que diz respeito aos nossos costumes e, no entanto, é como se tivesse nascido aqui. Não podemos mais imaginar o reino sem a princesa, por mais rebelde que seja... Se me permite a ousadia, meu amigo, ela encanta todos que a cercam e qualquer um sente sua força.

- Obrigado pela compreensão... Estamos mais uma vez vivendo momentos difíceis, mas desta vez nossa partida será definitiva, para o bem ou para o mal... Ele suspirou... – Tratar dessas questões com a Kyara é muito complicado. Elrohir disse muito bem, não posso ignorar quem ela é e a amo justamente por ser assim. Não posso agora esperar que se comporte como uma de nossas damas do reino. O problema é que buscar esse entendimento quando se ama às vezes é difícil.

Legolas, subitamente, lembrou-se de um assunto importante.

- Vou aproveitar que estamos aqui conversando a sós para tocar num assunto delicado. Saiba que me vejo na obrigação de alertá-lo e peço desculpas por minha indiscrição, mas você está correndo um sério risco de perder o amor de Mirhaniel.

- O quê?

- É isso mesmo o que você ouviu. Vi o quanto foi afetado com a visita de Glorfindel e digo que ele somente não a desposou porque sabe que vocês se amam. Ele mesmo me pediu para intervir. Ela sofre por você e não entendo o que espera.

Narthan ficou transtornado com a notícia.

- Eu... Nem sei o que dizer. Quando vi os dois juntos ontem à noite me senti derrotado imaginando que a havia perdido para sempre.

- Não, você não a perdeu... ainda... Se realmente a ama torne-a sua esposa, mas faça isso já. Caso contrário não poderá reclamar se outro o fizer. Glorfindel tem muita estima por ela e deixou claro que não pretende ficar entre vocês dois, mas se você não é capaz de assumir seu amor, como têm acontecido todos esses anos, então não posso garantir que ele não mude de ideia.

Narthan riu... – A que ponto cheguei. Até mesmo a princesa já me questionou sobre isso.

- Kyara?

- Sim. Quando cheguei ferido na cidade, não havia um leito disponível na casa de cura, mas no lugar de me levar para o alojamento a princesa me levou para o talan de Mirhaniel e fiquei lá sob seus cuidados. Foi como se a luz do sol me banhasse todos os dias.

Ele calou-se por um instante lembrando-se do passado.

- Eu deixei Mirhaniel na ocasião em que assumi a responsabilidade de comandar as patrulhas quando você esteve ausente fazendo parte da Sociedade do Anel. Vivíamos em constante perigo, você sabe muito bem e fiquei muito tempo fora. Além de não lhe dar o amor e a atenção que merecia temi a qualquer momento morrer na floresta. Não queria que ela ficasse atrelada a um morto para a eternidade.

- Então achou melhor deixá-la sofrendo por um vivo? Meu amigo o que o fez pensar que ela simplesmente o esqueceria? O que provocou foram anos de sofrimento para os dois. Agora está mais do que na hora de reparar isso. Estava estampada em seus olhos a dor que sentiu quando viu os dois juntos.

- Vocês estão certos. Chega de esperar. Resolverei isso o quanto antes.