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- É aqui. - Disse Aaron.
- Ok. - Respondi, estacionando o carro.
Depois de pegarmos comida em uma lanchonete genérica que, de acordo com o Aaron, tem o “Melhor Shawarma do Mundo"... o grisalho me guiou até aqui. Um imenso mirante, onde era possível ver a cidade inteira. Havia mais um carro estacionado, mas o lugar em si estava vazio.
Saímos do veículo, carregando nossos pacotes com o almoço. Aaron seguiu em frente, praticamente rindo na cara do perigo e se sentando no parapeito de pedras do mirante.
- É lindo, não é? - Ele suspirou.
- Gaia fez um bom trabalho. - Afirmei, me sentando ao lado do antigo Alpha.
Abrimos a embalagem de nossos lanches e começamos a almoçar, sem dizer uma única palavra, apenas admirando a vista.
- Começou. - Ele quebrou o silêncio, após terminar seu primeiro Shawarma.
- É. - Foi o que respondi, depois de tomar um gole do meu refrigerante. - Temos muito o que fazer.
- VOCÊS tem muito o que fazer. - Ele rebateu. - Eu já estou velho demais pra isso.
- E depois reclama quando te chamo de Vovô. - Eu ri.
- Aí! - Ele deu um soquinho em meu braço. - Eu posso me chamar de velho, você não!
Terminamos de almoçar, e ficamos simplesmente encarando a paisagem… até que Aaron se virou, colocando-se em pé novamente.
- Bom… - Ele suspirou, se alongando um pouco. - Acho que já é hora.
- É, tem razão. - Respondi, vendo em meu celular que já eram duas da tarde. - Vai querer que eu seja seu motorista de novo, “Vovô”?
Meu sorriso brincalhão se desfez, ao perceber que Aaron mantinha uma expressão serena, porém séria.
- O que foi?
O grisalho suspirou, direcionando seu olhar para mim.
- É aqui que nos despedimos, Garoto. - Ele suspirou.
- C-como assim? - Hesitei, agora em pânico.
- Você conhece a tradição. - Ele se aproximou. - O “Ancião” permanece junto do novo Alpha, até que ele esteja pronto para liderar sozinho. Quando não restar mais nada para ser ensinado…
- O Ancião tem que partir. - Completei. - Eu… vou sentir saudades.
- Eu também, Garoto. - Ele me puxou para um abraço apertado. - Eu também.
Ficamos abraçados por alguns minutos e, sinceramente… não queria deixá-lo ir. Senti como se estivesse perdendo um pai, pela segunda vez.
- Ok, chega de frescura. - Aaron se separou do abraço, e pude perceber algumas pequenas lágrimas em seu rosto. - Eu tenho muita estrada pela frente. E você…
Ele apontou para meu peito.
- Tem uma revolução para liderar… Alpha. - Ele fez uma reverência novamente, mas desta vez com seriedade.
- O que vai fazer, agora?
Aaron respirou fundo, encarando o horizonte… e esboçando um pequeno sorriso.
- Quando você surgiu… e decidi te treinar para ser o novo Alpha… - Ele me encarou. - … Você abriu meus olhos, Izuku. Sem nem mesmo perceber.
- O que eu fiz? - O encarei, fazendo uma careta um tanto confusa.
- Vendo você evoluir, não só como Loup-Garou mas também como líder, eu me lembrava do seu pai, e de todas as vezes em que eu o escutava falar de você. Aquele brilho no olhar dele… aquele orgulho…
Apenas o encarei, esperando que ele continuasse.
- Quando treinava você… tive a chance de experimentar o que Hisashi viveu. - Ele sorriu. - E pude perceber que, justamente por sempre estar tão focado no cargo de Alpha… Fui deixando isso pra trás.
Aaron encarou o céu, respirando fundo.
- Quero viver. - Ele afirmou. - Quero amar alguém de verdade, construir uma família. E conto com você, para poder criar meus futuros filhos em uma sociedade melhor.
- Boa sorte, então. - Eu sorri.
- Para você também, Izuku. - Ele se virou para mim, colocando a mão sobre o meu ombro. - Durante toda a minha vida como Alpha, eu carreguei o peso da alcateia sozinho. Não cometa o mesmo erro que esse Lobo velho.
Apenas assenti, sendo retribuído por mais um breve abraço de Aaron.
- Bom, eu vou indo.
- Espera! - Gritei. - E como eu vou voltar pra cidade?
- Nossa… - O grisalho disse, em tom de deboche. - E depois eu sou o velho…
Aaron retirou algo de seu bolso, que parecia ser um pequeno controle com uma chave pendurada no mesmo.
- Sério mesmo, que você vai embora, e me deixar a… qui…
Com o simples clique de um botão… as luzes do carro ao lado piscaram rapidamente.
- É seu. - Ele sorriu, colocando a chave em minha mão, enquanto eu fazia cara de bobo.
- Wow… - Foi tudo o que consegui dizer, enquanto meus olhos seguiam as curvas no design daquela obra-prima em forma de carro que estava na minha frente. - E-eu nem sei como agradecer…
- Termine o plano. - Ele respondeu. - Seja o líder que você nasceu para ser. Não se rebaixe perante ninguém… e mostre à Estrutura que ela criou seu pior inimigo.
- Farei isto. - Respondi, com firmeza em minha voz, enquanto meus olhos brilhavam em um vermelho ardente.
- Adeus, Izuku. - Disse, Aaron, antes de entrar no carro… e desaparecer na estrada.
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- Finalmente, casa… - Suspirei, enquanto subi as escadas que ligavam a garagem do prédio com o hall de entrada.
Entrei praticamente ao mesmo tempo em que uma figura de casaco vermelho saía, subindo em uma motocicleta e desaparecendo na rua.
- Yuki pediu comida? - Perguntei enquanto me aproximava de Tony, que quase teve um infarto ao me ver. - Foi mal pelo susto.
- Sem problemas, Sr. Midoriya. - Ele disse, um pouco ofegante. - Sim, a Srta. Takami havia me avisado, mas…
- Aconteceu algo?
- Não sei, Sr. Midoriya. - Ele disse, com um semblante tão preocupado quanto o meu. - Ela havia vindo aqui para esperar pela entrega, e logo vi que seu semblante não era dos melhores. Disse que não estava se sentindo bem e subiu novamente, deixando o dinheiro comigo para caso o entregador chegasse. Tentei chamá-la agora há pouco, mas não tive resposta alguma.
- Obrigado, Tony. - Respondi, pegando a caixa de pizza que estava em cima do balcão, e seguindo para o elevador.
Enquanto subia, concentrei minha audição… e não escutei nada anormal. Mas ao me concentrar um pouco mais:
- Os batimentos dela… - Comecei a suar frio.
Assim que a porta do elevador se abriu, coloquei a pizza em cima do balcão da cozinha e concentrei meu olfato para localizá-la, o que me levou até o seu quarto, cuja porta se encontrava escancarada.
- Yuki?
A garota estava deitada em sua cama, encolhida e tremendo. Usava shorts de pijama roxos, e uma camiseta folgada preta. Seus cabelos estavam presos, o que tornava mais fácil ver que seu rosto estava pálido, e a garota suava litros.
- Iz… - Ela olhou para mim. - Me aj…
Sem nem pensar direito, eu corri até a morena.
- O que houve? - A coloquei sentada na cama, enquanto apoiava sua cabeça em meu ombro. - YUKI!
A garota se contorceu novamente, arqueando seu corpo. Olhando suas costas, vi uma mancha úmida em sua camisa.
As memórias do teste começaram a passar novamente na minha cabeça.
- Será que…?
Coloquei a garota deitada novamente, correndo até o banheiro do meu quarto e pegando o meu estojo de primeiros socorros. Assim que voltei, coloquei Yuki sentada na cama mais uma vez, de modo que a marrenta ficasse de costas para mim.
- Yuki, tá me escutando? - Disse, logo vendo a garota assentir. - Ok… eu vou ter que tirar a sua camiseta.
Segurei a barra da sua blusa, e a garota simplesmente ergueu seus braços, facilitando meu trabalho. Por baixo, Yuki possuía bandagens enrolando seu torso, e cobrindo seus seios. Na parte das costas, o curativo estava encharcado em sangue, com um tom quase preto.
Remexi o estojo, pegando uma pequena tesoura e começando a cortar as bandagens com toda a delicadeza do mundo, assim que vi que sua sensibilidade à dor estava a mil.
- Ok… - Suspirei, enquanto retirava as bandagens completamente, revelando um corte que escorria sangue quase negro. - Escuta, Yuki... eu não vou mentir pra você. Vai doer.
- Eu… - Ela suspirou fracamente, enquanto olhava brevemente para mim. - Eu… eu confio… confio em você.
Hora da verdade.
Manifestei minhas garras… e as cravei no ferimento, enquanto minha outra mão segurava o ombro da garota, que soltou um grito de dor, cada vez mais alto a cada segundo que se passava.
Até que, finalmente…
- Achei você. - Disse, retirando minhas garras do ferimento, junto com um pequeno objeto.
A garota se curvou para a frente, ofegante.
- Como se sente, Marrenta?
- Um pouco… fraca, ainda. - Ela suspirou, ajeitando sua postura. - Ainda dói bastante.
- Um souvenir. - Brinquei, lhe alcançando o objeto que estava em seu ferimento. - Pra você não esquecer tão cedo do dia do teste.
- Isso é…? - Ela questionou, enquanto analisava.
- É. Prata. - Respondi. - Ainda tem um pouco, circulando no seu sangue. Vai demorar alguns dias pra você se recuperar. Agora se ajeita, que eu preciso limpar essa ferida e fazer um curativo decente.
Ainda fraca, Yuki se sentou mais perto de mim, puxando seus cabelos para a frente e usando as mãos para cobrir seus seios.
- Não vai regenerar? - Ela perguntou.
- Não tão rápido quanto deveria para um Loup-Garou. - Respondi, terminando de limpar o sangue. - Uns três ou quatro dias, no mínimo.
- E essa… - Ela suspirou, vacilando sua postura por alguns segundos. - ...E essa fraqueza?
- Vai continuar com você, até que toda a Prata no seu sangue seja eliminada. - Suspirei, enquanto separava o que iria precisar para fazer o curativo. - Então… Yuko Takami?
- Nunca… me chame… assim. - Ela rosnou, me encarando fixamente com os olhos brilhando. - Posso estar fraca, e você pode ser o Alpha, mas ainda te dou uma surra.
- Ok. - Respondi, erguendo as mãos em sinal de rendição. - Mas… por que a Hawks te chamou assim?
Ela abaixou a cabeça.
- Sabe o que Yuko significa?
- “Criança graciosa”, se não me engano. - Respondi, já começando a fazer o curativo.
- É uma forma de se traduzir. - Ela rebateu. - Mas a… Keiko… escolheu esse nome pra mim… por causa da sua outra tradução.
- Que seria…?
- “Criança útil”. - Yuki suspirou. - No orfanato, as meninas mais novas me chamavam de Yuki. No começo eu achei fofo, por elas não conseguirem pronunciar corretamente. Mas, quando pesquisei o significado dos dois nomes… decidi que me chamaria assim.
- Yuki é um belo nome. - Respondi, vendo o rosto da garota assumir um leve tom de vermelho, enquanto um pequeno sorriso surgia em seus lábios. - Significa "felicidade", se não me engano.
- Me… me desculpa. - Ela olhou para mim. - Quando o assunto é aquela vadia, eu não consigo me controlar.
- Sou eu que te devo desculpas. - Respondi. - Devia ter percebido que você não tava bem, e deixado o Aaron pra depois.
- O que ele queria?
- Só… se despedir. - Eu sorri. - Ele foi embora, como diz a tradição Garou. É por isso que eu te peço desculpas. Não era importante, ao ponto de te deixar sozinha e machucada por aqui.
- Tudo bem. - Ela sorriu para mim.
- E… pronto. - Suspirei, terminando de guardar as coisas de volta no estojo. - EU vou jogar essas bandagens velhas no lixo. Você… coloca uma camiseta limpa e se deita.
Segui até o banheiro do quarto dela, joguei os curativos velhos na lixeira e segui para a saída do quarto, encontrando a marrenta já vestida com uma camiseta larga azul-claro. A ajudei a se sentar, apoiando suas costas no travesseiro, e a cobri até a cintura.
- Vou trazer a pizza que você pediu, Marrenta. - Sussurrei.
- Você trouxe a minha pizza? - Ela questionou, um pouco cansada, e eu assenti. - Já te disse que você é meu herói?
Eu ri, saindo do quarto e deixando uma pequena fresta na porta.
Segui para o meu quarto, trocando rapidamente para uma roupa mais confortável. Coloquei uma camiseta verde, calça de pijama preta, e fiquei com os pés descalços mesmo. Desci até a cozinha e suspirei aliviado quando percebi que a pizza, por algum milagre, ainda não havia esfriado. Peguei um conjunto com seis latas de refrigerante, e levei junto.
Cheguei no andar de cima e segui para o quarto de Yuki, encontrando a marrenta do mesmo jeito que eu havia a acomodado, assistindo Power Rangers.
- Seu banquete, Marrenta. - Disse, enquanto colocava a pizza em seu colo e as latas de refrigerante no criado-mudo ao seu lado.
Quando ia deixá-la sozinha… ela segurou meu braço.
- Fica aqui comigo? - Ela fez cara de cachorrinho pidão. - Eu divido minha pizza com você.
- Tá… - Revirei os olhos, sabendo que não tinha escapatória.
Dei a volta na cama, e me sentei no outro lado.
- Qual é? O grande Alpha está com medo de mim? - Ela brincou, dando algumas batidinhas no colchão, bem ao seu lado, enquanto erguia o cobertor.
- Ok, Marrenta… - Suspirei, me aproximando da garota, que me cobriu assim que me acomodei ao seu lado.
- Obrigada por me aturar, Cabelo-de-Árvore. - Ela suspirou, colocando a cabeça sobre o meu ombro e continuando a assistir. - Não sei o que faria sem você.
Com um pouco de relutância por conta do ferimento em suas costas, a envolvi em meu braço, fazendo Yuki se aconchegar ainda mais.
- Família é para isto, Marrenta.
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