Sete
Acordo já sem Adelina no meu quarto. É incrível como ela tem tido dificuldades para se adaptar a essa vida luxuosa que estamos tendo aqui; se não fosse minha preocupação com Ella eu estaria acordando muito mais tarde do que agora.
Tenho que ser sincera, no princípio eu senti um pouco de inveja de Nove por Sandor ter decidido que era mais prático eles terem essa vida de conforto. Só no meu quarto que divido com Adelina nós conseguiríamos alocar metade das meninas órfãs do convento com conforto. Acho que minha Cêpan deve estar sentindo isso também, porque logo que acordo ela está fora da cama, geralmente está fazendo alguma coisa para diminuir os danos que causamos ao apartamento limpando nossa bagunça (o que não é pouco, se levar em consideração que temos 12 adolescentes aqui).
Me espreguiço na cama até quase sentir meus braços estalarem até que finalmente tomo coragem para me levantar da cama e ir no banheiro me arrumar um pouco antes de sair para tomar café e falar com os outros. Para falar a verdade, estou preocupada com Ella, minha amiga ainda está em coma e eu não sei mais o que fazer para acordá-la.
Nós tentamos os chás de Oito. Ele havia colocado algumas ervas especiais na sua arca que havia escondido na cabana ao longo da sua vida de reclusão, segundo ele, elas tinham propriedades de cura. Só que nenhuma delas parecia surtir muito efeito. Eu aceitei sua ideia a princípio porque queria também ficar mais perto dele e também que ele pensasse menos nos seus amigos que abandonamos para fugir daquela nave mogadoriana.
Cato algumas roupas aleatórias no guarda-roupas que temos ali e enquanto me visto no banheiro fico pensando em como as coisas poderiam ter sido diferentes. Eu queria ter ficado para lutar, mas Adelina estava ferida e não podia arriscar de perde-la naquela batalha. Por mais que o sacrifício de Sharma possa ter sido doloroso para Oito, nós não perdemos ninguém nesse confronto. E conseguimos nos reunir – tenho a ligeira impressão que essa possa ter sido nossa última vitória sem baixas. Estamos ficando fortes demais e com pessoas demais para protegermos.
Penso em Héctor nessa hora, eu sei que ele foi morto pelo acesso de fúria de Três. Só que agora eu vejo como essa guerra pode ser cruel para todos nós, quando eu vi a Ella do futuro e soube que fiquei viva até o final. Junto com John fico pensando que tipo de pessoa me tornei para ter chegado até lá. Será que eu fiz as mesmas coisas que Três fez para sobreviver? Eu posso muito bem ter matado pessoas em acessos de fúria, se eu fiquei viva até o final quer dizer que vi a morte de Oito e de Adelina. Quem aquela Marina se transformou.
Sinto meu Legado de Criocinese começar a perder o controle e o frio começar a dispersar ao redor do meu corpo para todo o lado. Bem na hora que estava escovando o dente. Quando vou perceber, as cerdas da minha escova simplesmente se esfarelam com um frio e eu não consigo controlar meu Legado. Todos esses pensamentos estão começando a tomar conta de mim de maneira tão rápida e intensa que fico atarantada. Queria perguntar tantas coisas sobre aquela Sete para a Ella do futuro, eu quero saber sobre quem eu posso acabar me tornando.
Sinto os ladrilhos do banheiro de Nove começarem, como se o sistema tivesse sendo acionado porque eu acabei de sair do banho. Só que na verdade é por causa do frio que estou deixando irradiar para fora do meu corpo. De repente eu paro meus devaneios quando ouço um baque dentro do armário do meu quarto. Eu praticamente do um pulo dentro do banheiro nessa e quase grito colocando a mão na minha boca par abafar o som. Por um louco momento imagino serem os mogadorianos que estão aqui, mas logo penso que estou louca em imaginar que eles iriam entrar onde toda a Garde está sem nenhum barulho.
Termino de me vestir no banheiro e saio do quarto imaginando quem poderia ser que está no meu quarto. O som veio do armário então vou direto para ele e já preparo me preparo para arremessar um travesseiro na direção do que estiver lá dentro – imagino que seja Seis. De alguma forma ela tenha adquirido senso de humor nesses dias, ou Três em mais um dos seus pedidos de desculpas bizarros.
Quando abro a porta do armário eu ouço um grito e tenho que me desviar para o lado para não ser atingida por um vulto que sai dele assim que o abro.
- Uou, por essa não esperava! – Oito fala quase caindo de cara no chão, mas freando sua queda.
Sinto muita vontade de rir disso.
- Oito, o que você estava fazendo no meu armário? – pergunto tentando esconder meu sorriso de boba.
Ele se vira para mim e se apoiando com o cotovelo no armário com um jeito meio teatral antes de abrir um sorriso sedutor para mim.
- Não é óbvio? Eu estava te esperando me tirar dele?
- Jura? Estava esse tempo todo ai dentro? – é ótimo vê-lo de bom humor, nos últimos dias Oito estava tão triste que me doía vê-lo daquele jeito e ainda mais comigo.
Ele faz uma careta para mim e então se afasta do armário para falar:
- Ta bom, a verdade é que eu tentei me teleportar para dentro do seu quarto só que eu não sabia direito como ele era. Então eu tentei a sorte e não deu certo. – ele completa fazendo uma cara de cachorrinho triste.
- Claro, porque bater na porta é muito difícil. – digo rindo dessa vez.
- Bater na porta é para os fracos. – ele fala revirando os olhos.
Só então que me dou conta que estamos sozinhos num quarto, pode não ser muito para a maioria da Garde. Só que eu tenho noção que se Adelina entrasse agora provavelmente me mataria e também mataria a Oito, ela não tem ficado nada alegre quando vê John e Seis indo dormir juntos. Uma das vezes ela até ameaçou de falar com Henry sobre isso, mas depois desistiu quando notou que os dois não se falavam mais. Enquanto a Um e Adam, os dois já são maiores de idade, e bem, a Um é meio desbocada demais para alguém tentar falar qualquer coisa com ela.
Minha mente começa a pensar em um milhão de possibilidades e tento não pensar no nosso beijo no lago. Antes do mundo inteiro começar a explodir e fugirmos para cá, tento começar a pensar em alguma coisa inteligente para dizer e não falar sobre isso quando Oito acaba falando.
- Sabe, eu ainda não te agradeci devidamente... por ter salvado minha vida e coisa e tal.
Tento me recordar do que ele está falando e então lembro da hora em que o soldado traidor iria disparar uma arma na direção de Oito e me pus na frente. Foi tudo tão rápido que nem me recordava direito da minha atitude – essa deve ter sido a coisa mais corajosa e louca que já fiz na minha vida. O tiro pegou de raspão e meu braço, mas eu acabei caindo no lago. Isso acabou fazendo com que encontrássemos a arca dele, por mais louco que pareça, é uma daqueles momentos que imaginamos o destino se movimentando para fazer tudo dar certo para nos ajudar.
- A aquilo não foi nada... – digo rindo meio sem graça e torcendo para não corar.
- Aquilo foi bastante coisa para mim Marina. – Oito fala de maneira mais séria. – Sabe, antes de vocês aparecerem eu achei que fosse morrer porque meu rosto estava gravado naquelas rochas, além de Um, Dois e Três. Só que depois que os vi vivos eu comecei a ter esperanças que não precise morrer de verdade, mas...
Sinto um nó na garganta quando penso nisso. Se de alguma forma os eventos que a pedra previu estiverem relacionados com a morte de Oito além da dos outros então o que Adamus fez com os três primeiros Gardes possa ter que fazer com ele também. Ou então Oito pode acabar morrendo nessa linha do tempo também.
- Não acho isso provável Oito. – digo tentando acalmá-lo. – Quer dizer, o Cêpan de Maggie está vivo. Ele iria morrer no mesmo dia que ela e o de Três só morreu anos depois da data que eles iriam morrer, tentando me ajudar a sair de Santa Teresa, talvez isso não seja algo fixo. Nós já quebramos o destino pré-estabelecido, as coisas não são mais as mesmas.
A expressão de Oito parece começar a suavizar novamente agora e ele volta a sorrir da maneira habitual que eu tanto amo. Ele se aproxima um pouco mais de mim como se estivesse pensando em algo engraçado.
- A pessoa que fez todas aquelas pinturas deve estar muito irritada com a gente então. Todo aquele trabalho para prever um futuro e nós voltamos no tempo e alteramos tudo, se eu descobrisse isso no lugar dela iria ficar bem irritado.
- Quem manda prever um futuro ruim dos outros. – comento rindo, mas depois começo a me lembrar da outra Ella morrendo na sala. Ainda nem fui ver como está a minha amiga hoje. – Temos que ir ver a Ella, quem sabe ela ainda não acordou?
Oito parece concordar comigo de modo taciturno, além de Crayton e a gente. Cinco é uma das pessoas que mais tem se preocupado com a menina, tenho achado isso engraçado e ainda tem algo que está nos preocupando. O fato de Ella estar crescendo de maneira muito rápido enquanto dorme. Ela literalmente está envelhecendo enquanto dorme e isso está me fazendo ficar de cabelos em pé. Estamos até evitando falar disso com os outros. Oito segura minha mão de maneira firme sinto uma breve sensação de vertigem e o chão de repente some debaixo dos meus pés.
Quando volto a tocar no chão não estamos mais no meu quarto, reconheço o cômodo de Ella na mesma hora. Tenho estado mais nele do que no meu, sei que deveria estar na Sala de Aula treinando com os outros, já que sou uma das Gardes com menos treinamento se não for a com menor. Só que não posso ignorar minha melhor amiga assim.
A primeira coisa que vejo é Cinco perto da cama conversando aos sussurros com Ella. Olho para Oito e pensamos que talvez ele esteja falando com a garota em seus sonhos pedindo para ela acordar, mas quando vejo quase grito de emoção. Minha amiga está com os olhos abertos, Ella está falando com Cinco de volta, eles parecem entretidos numa conversa sobre alguma coisa e então encontro algo brilhando de maneira peculiar no pescoço dela.
- Ella! – falo sem conseguir mais conter minha emoção.
Ella e Cinco parecem só terem notado a nossa presença agora. Os dois se viram na mesma hora e nos observam, vejo Oito dar um sorriso para eles e acena com a mão.
- A bela adormecida acordou, e espichou.
- Oito... – Ella fala emocionada ao olhá-lo, o modo como ela lhe olha parece diferente de alguma maneira. Parece que eles não se veem tem bastante tempo, mas só faz 4 dias.
Tem mais alguma coisa. No olhar de Ella se esconde mais coisas que eu possa querer admitir, há uma sabedoria que antes eu não conseguia identificar, de repente ela parece saber mais coisas sobre nós.
- Oi baixinha, não tão mais baixinha. – Oito fala rindo e olha para Cinco, posso ver que está se contendo para não fazer nenhuma brincadeira a respeito dos dois.
- Que bom te ver bem, obrigada pelo chá que vocês fizeram para mim. – Ella fala sorrindo de maneira jovial e então se volta para mim. – Para você também Marina, Cinco me contou que não saiu do meu lado esse tempo todo.
- Claro que não, somo um time lembra?
- Nunca vou esquecer disso. – Ella fala sorrindo e pega o pingente lórico com o número Dez que a outra Ella deixou quando morreu. – Jamais esquecerei disso...
- Todos nós somos um time, não vão querer se isolar de nós. – Oito fala segurando a minha mão e a de Ella e então se volta para Cinco. – Certo meu chapa? Agora estamos reunidos, estamos prontos.
Cinco dá um sorriso tímido para a gente. Ele está sem jeito desde que percebeu que não estava sozinho no quarto só com Ella, mas agora parece estar começando a se sentir mais à vontade conosco. É estranho pensarmos que eu e ele nem temos muita intimidade sendo que tive que salvar a vida dele e a missão que trouxe todos para me ajudar foi para ajudá-lo. Nós temos um elo praticamente de que nos conectou.
- Não sei como Nove ainda não surtou para fazer a gente atacar Setrákus Ra. - ele comenta. – Se não fosse Ella e a nave nós já estaríamos em West Virgínia de novo ou em alguma base lutando.
Oito parece querer rir com a ideia, mesmo com todos os amigos que ele perdeu. É bom ver que sua mente está voltada para a guerra, mesmo com tudo isso que lhe ocorreu. Consigo olhar para ele discretamente e sorrio feliz.
- Acho que deveríamos treinar antes, e pensar num plano mais inteligente. De preferência que não seja algo bolado por Nove. – Oito comenta. – Se bem que Nove não é tão ruim assim nas batalhas, o cara é meio que um gênio das estratégias.
Ouvimos o barulho da porta bater e então todos nos voltamos para ver quem poderia ser. Não me surpreendo quando encontro Crayton de pé olhando para Ella boquiaberto e emocionado da mesma maneira que eu estava quando a vi, só que ele se aproxima tão rápido da menina que mal consigo perceber. Logo o homem se ajoelha ao lado da cama e fica próximo de Ella segurando a mão da menina com as duas mãos enormes dele.
- Graças a Pittacus e todos os Anciões você está bem. – ele murmura. – Não iria me perdoar se acontecesse algo, nunca deveria ter deixado você ter feito uma coisa tão perigosa.
- Eu estou bem papai... – Ella fala de um jeito tão carinhoso com Crayton que nem parece a menina da idade que ela aparenta ter agora. Está mais para uma criança da idade que eu a conheci quando estávamos no convento em Santa Teresa. O modo como Ella fala também me remete como se houvesse bastante tempo que não visse seu Cêpan, assim como Oito, estou cada vez mais nervosa com tudo que está acontecendo e as revelações que a garota deve ter tido em sua cabeça. – Eu sei papai, eu sei de tudo agora.
Não consigo compreender o que Ella quer dizer com isso, mas Crayton parece entender. Ele se afasta pálido e olha para a garota, quando parece que vai falar algo se lembra que estamos ali parados os observando e então se volta para nós.
O Cêpan não precisa falar nada, eu olho para Oito e ele em seguida olha para Cinco. Nós três concordamos ao mesmo tempo que precisamos dar espaço para Ella conversar com seu Cêpan em particular, só espero que eles consigam se entender o mais rápido possível e o que seja que Ella saiba agora, não prejudique a relação dos dois.
Quando começamos a caminhar para fora da sala eu ouço a voz da minha dela me chamando.
- Marina, fique por favor.
Nesse momento Oito e Cinco já estão na frente da porta. Eu hesito por um momento e sinto medo por um instante, eu sei que havia algo de errado desde o princípio. Só que não imaginava que Ella iria querer me contar sobre o que era. Oito e eu nos olhamos e eu formo as palavras “vai ficar tudo bem” com os lábios para que ele entenda que pode ir. Acho que ele entendeu porque na mesma hora sorri para mim e pega Cinco pelo braço e o puxa para longe do quarto dando uma piscadela conspiratória para mim.
Fecho a porta e volto até a cama de Ella onde ela já está me esperando se endireitando ao lado de Crayton. O homem parece extremamente nervoso e envergonhado quando me olha, seja o que for que a garota deseja falar. Ele parece que não queria que ninguém soubesse, isso é extremamente estranho, sempre achei Crayton um dos homens mais valorosos e honrados que conheço e mesmo que não seja o Cêpan o oficial de Ella, é perceptível o amor que ele sente pela menina.
Quando ela se ajeita na cama eu posso ver que ela está realmente maior e mais velha. Sinto um calafrio na espinha e quase acho que é meu Legado perdendo o controle novamente, Ella está igualzinha à sua versão do futuro que morreu. Só que sem a camada de pedra que cobria seu corpo a envenenando que a matou.
- Ella eu... – Crayton começa a falar, mas Ella coloca a mão em seu rosto e sorri.
- Tudo bem, eu não estou com raiva. – Ella fala e lágrimas escorrem de seus olhos. Para minha surpresa ela abraça o Cêpan, Crayton fica parado atônito e então a abraça também. – Você é o homem mais honrado que eu conheço, não é um covarde e eu sei que falou tudo aqui para o meu bem.
Vejo que lágrimas começam a brotar dos olhos de Crayton. Ele parece estar cedendo numa mistura de remorso e gratidão para um perdão que eu ainda não consigo entender direito.
- O que está acontecendo? – pergunto finalmente, praticamente exigindo saber alguma coisa.
- Ella, não é uma de você Marina. – Crayton murmura em meio aos prantos. – Eu menti para vocês, para protege-la, a verdade é que ela veio numa nave que foi custeada pelo pai dela... Eu era apenas um mordomo, o pai de Ella me fez vir com para protege-la, mas a verdade é que nós nunca fizemos parte do plano dos Anciões.
O modo que ele despejou todas essas informações bem diante de mim me faz ficar trêmula. De repente eu não queria que Oito tivesse ido, ele com certeza poderia ter feito alguma piada para amenizar as coisas e eu iria olhar de cara feia para ele por ter feito isso, mas seria muito melhor do que todos os pensamentos que estou tendo agora.
- Tem mais uma coisa. – Ella fala com uma expressão sombria olha para mim e Crayton. – Algo que só meu pai sabia, mas ele nunca contou para ninguém provavelmente. Só os Anciões sabiam, era sobre a minha linhagem, e por esse motivo ele se isolou do mundo e quis fugir e sempre pareceu estar um passo à frente com toda essa loucura da invasão de Lorien.
Crayton arregala os olhos quando a menina fala, eu fico paralisada demais só com a primeira parte das informações e imagino que a segunda parte já seja algo muito mais pesado. Lembro algo que os outros nos contaram sobre Setrákus Ra, ele foi o Décimo Ancião de Lorien. Nós nunca havíamos parado para pensar muito nisso, com toda essa coisa de nos juntarmos e depois de fugirmos, mas agora que estamos juntos.
- Ella! – Crayton adverte a garota olhando para mim totalmente pálido.
- Eu sou bisneta de Setrákus Ra. – a garota revela.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.