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História A Gaiola de Ouro - Não precisa pensar...


Escrita por: numero13

Notas do Autor


Terceiro capítulo <3

Capítulo 3 - Não precisa pensar...


   A escuridão deixou de ser algo que incomodava a Aaron e passou a ser algo que o enfurecia. Ele não conseguia mais suportar olhar além das grades e encarar apenas o breu. Não depois do que ele viu. As palavras de Tales ainda giravam em sua mente. O que ele havia dito sobre Campbell...

O garoto estremeceu ao se lembrar das outras gaiolas, abandonadas, a pouca distância de onde estava, ocultas nas trevas. Haviam outros? Aqui?

As horas se arrastaram como de costume, cada vez mais torturantes. Aaron ansiava pela visita de Campbell naquele dia, queria confrontá-lo, mas o gigante não apareceu. Aquilo não era exatamente incomum, Campbell deixava de ver Aaron ás vezes e compensava aparecendo duas vezes no dia seguinte.

O rapaz olhava pacientemente para o maciço relógio de madeira ao lado de sua estante, imaginando a hipótese, mesmo que improvável, de Campbell estar atrasado. Ele desistiu depois de um tempo.

Decidindo que precisava de um tempo para esvaziar a mente, o garoto começou a preparar a água para um relaxante banho quente.

A bacia de prata com entalhes requintados tinha o tamanho de uma cama e se enchia de água quente quando Aaron acariciava suas laterais, depois esvaziava com a repetição do processo. Ela havia sido um presente quando o garoto se desligou da infância.

Aaron despiu-se e mergulhou até o pescoço na água perfumada pelo aroma suave dos sais de banho. Um suspiro de prazer deixou seus lábios quando o rapaz fechou os olhos.

O balanço do pêndulo no relógio era o único som na gaiola. Aaron não sentia nada além da água quente tocando sua pele. Ele abriu os olhos e observou por um segundo o lustre brilhante no teto, depois tornou a fechá-los. Inspirou o perfume dos sais de banho, um aroma suave e gostoso. Ele tornou abrir e fechar os olhos lentamente. Por um instante, até mesmo a confusão em sua mente pareceu se acalmar. Ele abriu os olhos mais uma vez... e um rosto feminino sorriu para ele, a centímetros do seu...

- Olá! – disse a garota.

Aaron pulou para fora da banheira com um grito, agarrando desesperadamente sua camisa e colocando em frente ao corpo.

- Só pode ser brincadeira! – ralhou ele – vocês poderiam começar a avisar antes de aparecerem assim!

- Me desculpa! – disse a garota, mas sua expressão transparecia divertimento. Aaron a analisou. Era bem mais baixa que ele apesar de aparentar a mesma idade. Seus cabelos curtos e cacheados eram de um tom cor-de-rosa suavemente arroxeado que emolduravam um rosto delicado em forma de coração, onde se destacavam seus brilhantes olhos violeta. Cada peça de suas roupas, desde a camisa de tecido fino á saia rodada e leve, e até mesmo as sapatilhas enfeitadas, eram de tons vivos de rosa e lilás. – não quis assustar você. Eu deveria ter vindo mais cedo, acho. Ou mais tarde. Mas acredito que não teria feito muita diferença, eu iria te assustar de qualquer jeito, então não escolhi um horário específico, agora vejo que deveria...

Ela parou de falar de repente e olhou ao redor, como se reparasse em tudo pela primeira vez. Seu queixo caiu.

- Uau! – exclamou – os meninos tinham razão, esse lugar é enorme, bem maior que todas a gaiolas que já visitamos, e bem mais bonita também. Mas uma prisão é sempre uma prisão, não é mesmo? Mesmo parecendo tão confortável...

Ela continuou a falar, rápida e efusivamente, sua voz suave era levemente infantilizada, mas Aaron não lhe deu mais atenção, se concentrando em apanhar discretamente mais algumas peças de roupa do chão e cobrir-se com elas.

A garota parou de falar outra vez e se virou para Aaron. Ela o encarou por um instante antes de dizer:

- Acho melhor você pôr uma roupa – ela se virou e caminhou para o centro do cômodo, mas continuou a se dirigir a ele – confie em mim, vai ser bem mais confortável para você, a menos que você prefira assim é claro, existem algumas pessoas que não se importam, mas eu particularmente...

Aaron aproveitou a distração momentânea da garota para se vestir rapidamente. A sensação de estar totalmente encharcado por baixo das roupas era terrivelmente incômoda.

- Se não se importa que eu pergunte... – o rapaz se aproximou de sua visitante, cauteloso. Ela interrompeu seu animado monólogo, virando-se para ele – posso saber seu nome?

- Prazer, sou Magenta. – ela estendeu a mão, mas quando o garoto levantou a dele para apertá-la, ela agarrou sua bochecha e sacudiu de leve – e você é o Aaron, certo? Me falaram sobre você. Garoto esperto, muito potencial, meio cabeça dura...

- Te falaram sobre mim...? – o garoto franziu a testa.

- Tales e Elliott é claro! – exclamou a garota, logo depois mergulhou outra vez em seu tom de voz distraído – é claro que eles te mencionaram de maneiras diferentes. Elliott pareceu particularmente interessando em te ajudar, ele foi bastante insistente – o coração de Aaron deu um salto, nesse momento e ele corou levemente, mas Magenta não pareceu notar – Tales disse que você não tinha nada de especial e que talvez estivéssemos perdendo tempo, ainda assim eu fiquei curiosa...

Aaron cerrou os punhos.

- “Nada de especial” – ele cuspiu entredentes. Magenta piscou e o encarou, surpresa – eu não me lembro de pedir para nenhum de vocês aparecer aqui, afinal.

Magenta levantou as mãos, seu sorriso vacilou.

- Não... por favor, não brigue comigo. Quer saber, eu não deveria mesmo ter dito essas coisas, eu sou uma idiota com uma boca enorme. Às vezes eu falo demais, sabe? Não me controlo. Mas não tive a intenção de te ofender ou...

Magenta não apenas falava demais, Aaron notou, ela também falava depressa e raramente fazia um pausa, mesmo que para respirar.

- Está tudo bem. – o garoto a interrompeu – não estou ofendido. - O sorriso de Magenta voltou a brotar no mesmo instante. Mas antes que ela pudesse falar Aaron prosseguiu – Aliás, eu agradeço pela visita e tudo, mas... tem algum motivo especial?

Não parecia a coisa mais educada a se dizer mas Magenta não pareceu se importar.

- Um motivo especial? – ela fez uma pausa, pensativa – acho que eu só queria te conhecer.

Aaron franziu a testa, desconfiado. Ela não vai tentar me pressionar a fugir?

- Podemos conversar então...

Magenta se animou com a ideia. Um minuto depois os dois estavam sentados sobre o carpete macio, de frente um para o outro. A garota falou a maior parte do tempo, dando pulinhos de animação enquanto contava sobre como viajava com os amigos pelo mundo devastado pelos Teneprhius, encontrando humanos perdidos e os levando para lugares seguros. Contou sobre como adorava dias de sol, conhecer pessoas novas e deixar o tempo voar enquanto dançava. Aaron quase não falou, ele não tinha muito do que falar na verdade.

Enquanto a garota agitava as mãos amplamente para ilustrar o que dizia, Aaron se distraiu ao notar algo que ele não havia percebido antes. No braço esquerdo de Magenta, presa a um bracelete lilás, uma pedrinha brilhante emanava uma luz tênue da cor dos olhos da garota. Aaron ficou surpreso por não ter notado aquilo antes, não apenas a pedra, o próprio bracelete que se dividia em pontas longas e curvas que lembravam raízes e se entrelaçavam ao redor de todo o braço da garota até quase ombro, já era um detalhe peculiar.

Aaron só se deu conta que encarava intensamente a pedra no bracelete quando notou que Magenta havia parado de falar. Ele levantou a cabeça, ela o encarava com a testa franzida e um sorriso vacilante.

- É uma pedra bonita – comentou ele.

Magenta acariciou a joia no bracelete.

- Ela é sim... e muito útil também. – ela olhou para ele de repente e sorriu como se tivesse acabado de ter uma ideia ousada – quer ver como ela funciona?

Aaron piscou, em dúvida.

- C- claro.

A garota fechou os olhos e acariciou a pedra mais uma vez, o tênue brilho da joia se expandiu percorrendo o bracelete enfeitado e em um segundo envolveu Magenta por completo. Quando o brilho se extinguiu, a garota havia sumido. Aaron estava sozinho.

O rapaz arregalou os olhos chocado. Sentiu algo tocar seu ombro de leve, e quando se virou Magenta o encarava com um sorriso empolgado.

- Surpresa! – exclamou ela com uma gargalhada.

- Incrível! – Aaron olhava para o bracelete – posso experimentar?

Magenta balançou a cabeça.

- Sinto muito, não posso deixar ninguém mais usá-lo. Além disso, não acho que funcionaria com qualquer outra pessoa.

Aaron suspirou, decepcionado.

- Entendo...

- Bem, mas acho que já falamos o suficiente sobre mim! – Magenta elevou o tom de voz, animada, batendo palmas – agora quero saber sobre você!

O que mais surpreendeu a Aaron foi que ela realmente se calou, com o rosto apoiado nas mãos a garota o encarava ansiosamente.

- Bom, acho que não tem muito o que falar... – o rapaz desviou o olhar – eu passei a minha vida toda em uma gaiola, não sou tão interessante...

Magenta soltou uma risadinha.

- Não sei se concordo. Provavelmente lá fora você faria sucesso com as garotas.

O lábio de Aaron tremeu de irritação, involuntariamente.

- Como assim?

Magenta arregalou os olhos, se levantando.

- “Como assim”? Olha pra você!

Ela agarrou a camisa de Aaron e o arrastou até a frente do grande espelho com moldura dourada, encostado no canto. Aquele não era um acessório muito usado pelo garoto.

- Olhar o que? – disse Aaron, encarando seu reflexo no espelho. Um rapaz magro, de ombros largos e rosto quadrado. A pele branca, pálida como porcelana, por nunca ter visto a luz do sol. Seus cabelos escuros e desgrenhados lhe caiam até o pescoço e cobriam boa parte de seus olhos castanhos. – nada demais.

Magenta fez um muxoxo.

- Talvez o cabelo seja meio... – ela completou a frase com uma careta – mas até que é bonitinho... ao menos é o que a maioria das pessoas achariam.

De súbito um pensamento ocorreu a Aaron, algo que fez seu coração acelerar.

- Bonito como... – ele hesitou, sem coragem de concluir a pergunta.

- Como quem? – inquiriu a garota, curiosa.

- Nada... ninguém – as bochechas de Aaron coraram e ele tentou mudar de assunto – mas quando eu disse que não era interessante, não estava falando da minha aparência.

Magenta inclinou a cabeça, pensativa.

- Bem, de onde eu venho as pessoas são julgadas interessantes ou não, principalmente por seus gostos, como leitura, música...

- Eu não ouço música aqui. – Aaron a cortou.

A garota o encarou como se ele tivesse acabado de dizer um absurdo descomunal.

- Como assim não ouve música?! Música é essencial, é indispensável, vital e... – ela fez uma pausa e franziu a testa para Aaron – espera um segundo.

A joia no bracelete da garota emitiu seu brilho com mais força, envolvendo-a e fazendo-a sumir. Um segundo depois ela surgiu outra vez segurando com as duas mãos uma pequena caixa marrom enfeitada com desenhos de notas musicais e pessoas dançando.

Magenta deu duas batidinhas na lateral da caixa e, de repente, todo o ambiente foi preenchido por uma melodia animada e envolvente.

A garota colocou a caixa no chão e começou a girar ao redor de si mesma, pulando para todos os lados. Aaron apenas observava, mas logo notou que a música começou a produzir algum efeito nele, era como se tivesse que se esforçar para permanecer parado.

- Tenta, Aaron, é divertido!

- Eu não sei dançar!

- E você acha que eu sei? É só se soltar. – apesar do que disse, Magenta movia-se delicadamente enquanto acompanhava com destreza o ritmo da música. – se deixe ser livre, é pra isso que serve a música... se deixe ser livre, Aaron.

O garoto resolveu arriscar, não tinha porque ter vergonha ou medo, Magenta era a única pessoa ali. E ela acabou de me ver na banheira, afinal.

Um passo de cada vez. Um salto. Um giro. No ritmo da melodia. A cada movimento tudo ficava mais fácil.

- Isso! – Magenta girava ao redor do rapaz, gargalhando de prazer – Se solta!

Aaron sentia a música penetrar seu ser, era uma situação libertadora. Em questão de minutos, ele já acompanhava os passos animados de Magenta, girando ao redor do cômodo e rindo de empolgação.

- Você é bom nisso! – elogiou a garota.

- Obrigado. – Aaron se deixou levar pela melodia. A música o preencheu por inteiro.

- Ei! Eu adoro o canto dos pássaros pela manhã! – gritou Magenta de repente.

Aaron a encarou, confuso.

- O que?!

- Ah, eu gosto de confessar pequenas coisas sobre mim mesma enquanto danço, sabe? – ela não parou de se mover nem por um segundo. – é libertador! Experimenta!

- Eu não sei... – Aaron coçou a nuca, seu corpo seguia a música inconscientemente.

- Não precisa pensar, é só dizer a primeira coisa que vier à cabeça.

Algo surgiu na mente do rapaz assim que ouviu a última frase. Ele sorriu e gritou.

- Eu adoro dançar!

Foi como uma injeção de euforia. Aaron deu um salto ainda mais alto.

Magenta gargalhou gostosamente.

- Perfeito! Minha vez. Eu amo coisas coloridas!

Ela rodopiou no ar, como um furacão lilás.

Aaron riu e não precisou pensar muito para gritar desta vez.

- Quando leio um livro, é como se viajasse para longe! – uma pequena parte da atenção do rapaz captou um brilho tremeluzente iluminar os símbolos das grades douradas.

- Ás vezes eu queria ser mais alta! – Magenta riu do que disse.

- Eu sempre quis ver um lago!

- Eu amo abraços!

A música continuava e parecia cada vez mais alta. Aaron pensou que nunca havia se sentido tão vivo.

- Eu gosto de ter alguém com quem conversar além de Campbell – as palavras vinham instintivamente. O brilho nas grades aumentava ainda mais.

- Eu amo o cheiro das plantas silvestres.

Uma onda de euforia correu pela língua de Aaron e, antes que pudesse evitar, se ouviu gritando:

- As asas de Elliott são a coisa mais linda que já vi!

O garoto paralisou, surpreso com o que disse, mas Magenta continuava a dançar, dando risadinhas e batendo palmas ao ritmo da música.

Aaron voltou a se mexer e logo a melodia voltou a arrebatá-lo. Mas algo martelava em sua cabeça, algo que parecia entalado em sua garganta à anos esperando para sair, e naquele momento ele decidiu colocá-lo em palavras. Sem segundo pensamento, ele inchou os pulmões:

- Eu... eu quero ser livre!

As grades da gaiola vibraram e retiniram, o brilho dourado nos símbolos se tornou ofuscante.

- O que está havendo? – Aaron perguntou assustado

Magenta não respondeu mas sua risada de contentamento preencheu todo o ambiente.

Quando a luz se extinguiu, tudo ficou em silêncio.

Aaron encarava sua visitante, perplexo. A garota também o olhava, com um sorriso maior do que parecia possível, as mãos tremendo de empolgação.

- Eu sabia! – exclamou ela – eu sabia que você era capaz disso!

- Disso o quê...?

Mas Magenta não teve a chance de responder, pois naquele momento um suave tremor sacudiu levemente a gaiola, seguido de outro, e outro... Aaron sabia exatamente o que aquilo significava.

- Campbell...

Magenta arquejou.

- Tenho que ir! – disse a garota, levando a mão à pedra em seu bracelete.

Aaron estendeu a mão em direção à sua visitante.

- Mas...

- Não se preocupe – disse ela, o brilho violeta já começando a envolvê-la – eu tenho certeza de que nos veremos de novo.

Um segundo depois, Aaron estava sozinho outra vez. E por algum motivo, daquela vez pareceu um tanto... doloroso.

O garoto se sobressaltou ao perceber os tremores se tornando cada vez mais fortes. Ele está se aproximando.

O rapaz correu para a cama, e mesmo com o corpo molhado se enrolou nos cobertores macios, cobrindo a cabeça.

O som contido da respiração pesada de Campbell chegou aos ouvidos do garoto. Ele não sabia exatamente o porquê, mas confrontar já não era mais sua intenção, agora ele queria evitá-lo ao máximo.

Aaron esforçou-se para se manter imóvel. Um longo momento de silêncio se seguiu antes que a voz profunda de Campbell sussurrasse.

- Eu disse que ele estaria dormindo a esse horário.

E para o espanto de Aaron, uma outra voz respondeu com o mesmo tom sussurrado:

- Ele está todo enrolado. Não consigo vê-lo.

A segunda voz era tão grave e profunda quanto a de Campbell mas tinha uma nota de rouquidão que fez os pelos da nuca do rapaz se eriçarem.

- Você não precisa vê-lo, já lhe dei a descrição.

Uma terceira voz sussurrou, parecida com as demais, porém o timbre mais agudo indicava que se tratava de uma voz feminina.

- Ainda assim é melhor vermos por nós mesmos. Não seria justo pagar por algo incerto ou...

- Estão duvidando de minha palavra? – Campbell interrompeu, sua voz parecia calma mas a outra transbordava irritação.

- Claro que não, mas...

- Então aguardem o momento certo.

- Estamos ansiosos – disse a voz masculina que não pertencia a Campbell.

- Não se preocupem, valerá a pena.

- Esperamos que sim – retrucou a voz feminina.

Os tremores retornaram quando as três vozes começaram a se afastar, trocando sussurros.

Aaron estava paralisado, o suor frio escorria por suas costas. Gigantes! Ele tinha certeza, haviam mais dois com Campbell, e pensar naquilo era quase tão assustador quando pensar no significado da conversa que acabara de ouvir. Não pode ser...

O rapaz descobriu a cabeça com cautela. Havia um nó incômodo em sua garganta, que apertou ainda mais quando seus olhos pousaram sobre o pequeno objeto solitário no chão da gaiola. Uma caixinha de cor escura com desenhos musicais.

   Eu quero ser livre.



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