Lizzy passou dias trancada no quarto. Sua tristeza era profunda. Passou a pintar constantemente. As paisagens eram tristes: anjos irados compunham os quadros e um quadro ela se pintou, estava morta sobre o leito de um rio. Liv tentava conversar com a garota, mas a princesa fingia não escutar, estava em uma profunda apatia.
- Lizzy, você consegue abrir a porta, por que não usa seus poderes? - perguntou Liv, certa tarde.
- Não quero, Liv. Por favor, vá embora.
Liv não desistia. Ficava ao seu lado e depois voltava à mansão de Damian, para relatar o que estava acontecendo com a princesa. Ele não sabia o que fazer a respeito e não desejava interferir na educação que Elliot dava a sua filha, apesar de não concordar. Mas não poderia fazer nada.
- Já disse a ela que pode abrir a porta? - Damian perguntou, parando de escrever com sua pena.
- Sim, ela não parece considerar usar seus poderes. Estou querendo matar Elliot, causar um susto nele. Esse homem não deveria estar vivo.
Damian passa a mão pelos cabelos castanhos, irritado.
- Liv, não interfira. Você sabe que já fiz isso no passado, tentando fazer o que achava certo e tomei uma mulher à força. E também houve o que fiz no passado com você, quando lhe tirei o direito de escolha, destruindo sua vida.
Ela respira fundo, pairando em frente a ele. Não sente mais raiva do feiticeiro por seu infortúnio. Os dois desenvolveram uma camaradagem depois de anos. Eles adoram Lizzy e isso os uniu. Liv desejava ajudar Damian a se livrar da culpa e esquecer tudo. Porém, era uma tarefa difícil. Ele era tão teimoso como ela, que não perdoou o seu marido e ainda o atormenta quando pode. Então seria hipocrisia pedir que ele esquecesse o aconteceu anos atrás.
- Escute, Damian, o que aconteceu já passou - ela diz, com voz mansa. Ele a olha com expressão de dor - Você poderia trazer Lizzy para cá – ela diz, exultante - É perfeito! Tenho certeza que Flavian não se importaria.
Damian franze o cenho, irritado.
- Não, de maneira nenhuma. Não vou roubar a filha de Ivy. Chega desse assunto, Liv.
Ela balança a cabeça, atordoada. Atravessa a parede, deixando Damian com seus pensamentos atormentados. Vai até o jardim e observa as plantas que o feiticeiro cuida com tanto amor.
- Tentando fazer o impossível, Olivia? - pergunta Flavian, atrás dela.
Liv se sobressalta ao ouvir a voz dele. Sente seu coração, que na verdade não bate mais, acelerar. Apesar de ter morrido e ser um espírito, sente tudo que um humano pode sentir. Inclusive amor por alguém que não pode ter.
- Eu tento, Flavian - ela diz, com pesar - Sua sobrinha está trancada por ordens de Elliot. Aquele tirano. Como o odeio. Ivy está tentando fazer algo ao favor da filha, mas esse homem é impossível. Como pode ser assim, tão horrível? Como vocês dois podem ser irmãos?
Flavian ri. Sua risada é música aos ouvidos de Liv.
- É o que me pergunto todos os dias, Olivia - ele responde. Duas covinhas se formam em seu belo rosto - Mas espere mais um pouco. Quando Elizabeth completar dezessete anos, eu a levarei comigo. Ela ficará aqui e aprenderá tudo que precisava para ser uma grande feiticeira. Claro que poderá escolher o que irá ser no futuro. Mas quero dar a chance a ela, para que possa conhecer suas origens, que Elliot insiste em apagar.
Liv fica exultante ao ouvir essa notícia. Mas logo pensa em Damian.
- Damian não vai gostar disso - ela murmura.
Flavian assente. Ele sabe do ódio que Damian carrega em seu coração contra Ivy e Elliot. Mas é justamente por isso que irá trazer sua sobrinha para Dublin. Ele sabe que a menina toca o coração do feiticeiro e isso pode ajudar a quebrar a maldição que o mesmo jogou sobre a vida de Ivy e passou para a Lizzy.
- Dê tempo ao tempo, é o mais sábio. Damian não irá se opor a um desejo meu - ele diz, com um sorriso maroto.
Os dois se olham, com ar cúmplice. Flavian se aproxima de Liv, levanta sua mão, para afastar os cabelos do rosto dela, mas lembra de que não pode toca-la. Sente seu coração doer ao ver Liv e não poder senti-la. Às vezes o destino é irônico e afasta aquilo que mais amamos, ele pensa consigo mesmo.
Enquanto isso, no palácio, Ivy esbraveja com o marido, tentando faze-lo voltar à razão.
- Não pode deixar sua filha trancada para sempre! - ela exclama, perdendo a paciência.
Elliot, que está sentando em uma poltrona, lendo o jornal, finge não escuta-la. Ivy, com os sentimentos a flor da pele, pega uma estatua miniatura de um querubim, em cima de uma estante e a atira, tentando atingir o marido. O objeto voa e erra por milímetros seu alvo, passando de raspão na orelha de Elliot e atingindo a parede, quebrando em pedacinhos pequenos. Ivy respira fundo, parecendo um animal perigoso. Elliot a olha com espanto.
- Está louca? - ele exclama - Quer me machucar? Por Deus!
Ele se levanta, segurando a esposa pelos ombros. Está tentando controlar sua raiva, pois não desejava levantar a mão para ela. Mas já está muito cansado da sua desobediência.
- Ivy, é minha esposa. Deve-me respeito e lealdade - ele diz, sério. Ela o olha com desdém - Droga, Ivy! - ele a solta e aperta os punhos, até os nós das suas mãos ficarem brancos - Não vai me questionar dessa vez. Não importa o que faça ou diga. Ensinarei nossa filha a ter modos. Ela está nos envergonhando. Nem que ela fique trancada em seu quarto, até eu achar um pretende que se case com ela. Elizabeth vai me obedecer e não importa o que tenha que fazer.
Ivy sente a raiva borbulhar sobre sua pele. Avança sobre Elliot, socando suas costas. Ele vira e a segura pelos punhos, imobilizando ela.
- Eu o odeio, com todas as minhas forças! - ela grita e cospe em seu rosto.
Ele sente a humilhação daquele ato, mas não se abala. Seus olhos verdes transmitem toda irá contida, no entanto.
- Não me importo mais com seu ódio, Ivy - ele diz, com sarcasmo - Eu não serei mais o esposo bom e condescendente. Você e Elizabeth vão me obedecer e respeitar.
Ele aperta os punhos dela, com um pouco mais de força e solta. Ela sente a dor do aperto e se afasta dele.
- Esteja pronta essa noite. Iremos jantar com o conde Devon. Seu filho está em idade de se casar e acertarei o casamento para nossa filha com ele - ele diz - E não ouse me desobedecer.
Ele sai do cômodo, sem olhar para trás. Sempre elegante, retira seu lenço do bolso interno, limpa a sua bochecha. Ivy fica sozinha na sala e chora de raiva. Em estado de cólera, ela quebra todos os objetos a sua volta, sem se importar.
No quarto, Lizzy termina uma pintura. Sente-se calma, pois aquele rosto lhe traz alegria. É Damian, com a mesma semelhança da tarde em que o vira em Hide Park. Sente algo estanho em seu peito ao lembrar-se dele. Não o vê mais como o professor e amigo. Mas como algo a mais, alguém que faz seu coração disparar. Ela ri, consigo mesma. Como ama Damian. Lizzy pensa que quando for livre, poderá ver os olhos gentis do feiticeiro mais uma vez. Desejava vê-lo, assim poderá acalmar seu coração. Um barulho em sua janela chama sua atenção, a tirando de seus devaneios. Já estava escuro, era noite. Liv não havia voltado para uma visita. Estava sozinha apenas com a companhia da chama das velas. Ela vai até o parapeito da janela e vê Bash. Ela abre a janela.
- O que faz aqui? - ela pergunta.
- Queria ver como está princesa - ele diz - Permite que eu entre?
- Sim, mas como...
Ele desaparece no ar e aparece atrás dela. Lizzy se assusta, quase caindo da sua janela. O rapaz a segura pela cintura, a afastando do parapeito.
- Bash, não deveria estar aqui - ela sussurra, o encarando.
Os cabelos do rapaz estão arrepiados e azuis. Ela olha com curiosidade a mudança. Até uns dias atrás eram vermelhos.
- Eu sei que está enclausurada - ele diz - Mas sou esperto e sei me esgueirar.
Ele pisca para ela, maliciosamente, arrancando um sorriso dela. Bash anda por seu quarto, observando tudo. Ele vê a tela com o rosto de Damian. Fica impressionado pelo talento da garota.
- Você fez isso? - ele pergunta. Ela apenas assente - Princesa possui um dom divino em suas mãos.
Seu tom é brincalhão, mas realmente está impressionado.
- O que faz aqui, Bash? - ela pergunta, impaciente - Não veio aqui para uma visita, com certeza.
Ele coloca a mão no coração.
- Eu vim sim, senti sua falta - ele diz, brincalhão - Realmente não vim só para ver sua beleza real, mas porque Lia queria saber de você. E o vampirão também.
Lizzy se lembra de Lysander e da sua gentileza.
- Lysander perguntou de mim?
Ele assente.
- Sim, aquele sanguessuga perguntou - Bash responde com sarcasmo - Enfim, vim fazer um convite em nome de Lia. Ela quer saber se você gostaria de fazer parte do nosso grupo. Não é nada demais, você teria que fazer parte de um ritual. Coisa simples.
Lizzy sente desconfiança pelo pedido.
- E como isso funciona? - ela pergunta.
Bash deita na cama da princesa e cruza suas pernas.
- Bem, vai ser na próxima lua cheia. Você precisa evitar carne e nos iremos cantar a deusa da lua, pedindo a permissão dela para você fazer parte do nosso clã e que você possa receber suas proteções.
- É só isso? - Lizzy pergunta, ainda desconfiada.
- Sim, princesa - ele responde, sentando na cama - O que quero saber é: está disposta a fazer isso?
Lizzy pensa consigo mesma, não sabe se é uma decisão sabia.
- O que vou ganhar com isso?
Um sorriso se forma no rosto delicado de Bash.
- Uma ótima pergunta - ele diz, malicioso - Você vai ter poder, princesa. E proteção, é tudo que importa.
Lizzy pensa. Fica em silêncio por um momento. Ter poder pode a ajudar a sair do palácio mais rápido. Ainda faltava um tempo para seu aniversário e tinha medo que tio Flavian esquece sua promessa.
- Eu aceito - ela responde, por fim.
Bash se levanta de um salto, com um sorriso no rosto.
- Perfeito, princesa. Passarei para buscá-la na próxima lua - faz uma reverência e desaparece no ar.
Lizzy sente a ansiedade percorrer seu corpo. Não vê a hora em que esse dia chegar.
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