Na segunda-feira imediatamente após a festa, Guto chegou ao galpão para ter aulas de Química com Benê. Mas ele não sabia exatamente como agir perto da garota. Tinha uma vontade muito grande de perguntar a ela sobre Juca, mas lhe faltava coragem.
Quando ele atravessou as cortinas da lanchonete, no entanto, ele não a viu.
- Ué. Cadê a Benê? Ela nunca se atrasa... Será que aconteceu alguma coisa?
- Guto.
O garoto se virou e viu Keyla parada atrás dele.
- Oi Keyla! Escuta, você sabe da Benê? Aconteceu alguma coisa? Ela nunca se atrasou antes...
- É, Guto. Aconteceu. Ela não tá se sentindo muito bem hoje. Pediu pra eu vir aqui e pedir desculpas por ela. Ela não vem.
O pianista desconfiou das palavras de Keyla. Alguma coisa dentro dele lhe dizia que aquilo não parecia ser verdade.
- Ela... tá doente?
- É sim. Ela pegou sereno voltando da festa, no sábado. Pegou uma gripe, tá com um pouco de febre. Nada muito grave, mas a mãe dela achou melhor ela ficar de repouso.
Um pouco mais convencido, Guto aproveitou o fato de estar sozinho com Keyla. Podia não ter coragem de falar com Benê, mas talvez...
- Keyla, eu queria te perguntar uma coisa.
- Diga, Guto. Se eu puder responder...
- Você sabe se a Benê... Quer dizer... Eu vi ela e o Juca conversando na festa. O que tá acontecendo entre os dois?
Keyla notou que, por mais que o menino tentasse enganar, o tom de sua voz demonstrava interesse. E preocupação. “Será que ele tá com... ciúmes?”
- Desculpa, Guto. Mas eu não posso discutir a vida da Benê com você.
- Eu sei que você é amiga dela, Keyla. Eu só estou perguntando porque... eu também sou amigo dela. Eu não quero que ela se machuque.
“Ah, claro! Troféu hipocrisia pra você, garoto!”, pensou Keyla.
- Olha Guto, eu acho melhor você conversar com ela. Eu não quero me meter nessa história.
Guto suspirou, contrariado. – Tudo bem, Keyla. Eu entendo. Eu vou falar com ela quando a vir, então.
Falando isso, o garoto ajeitou a mochila nas costas e saiu. Keyla o seguiu com os olhos.
- Ai, Guto. Se você soubesse da missa a metade... – e balançou a cabeça.
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Benê não foi ao galpão naquela segunda-feira para suas aulas de Química com Guto. Nem na terça, para assistir ao ensaio da banda. Ela ia de casa à escola, e de lá ela saía correndo pela cidade – pra clarear as ideias. A imagem de Guto beijando aquela menina não se apagava de sua mente. E todas as vezes que a corredora pensava naquilo, as lágrimas rolavam por seu rosto – mesmo contra sua vontade.
Na noite daquela terça-feira, a campainha da casa de Benê tocou. Josefina se apressou em abrir a porta.
- Oi Dona Josefina. Tudo bem? – cumprimentou Keyla.
- Oi Keyla. Oi Lica. Tudo sim e com vocês?
- Tudo ótimo, sim. Escuta, a Benê tá aí? A gente queria conversar com ela. – disse Lica.
- Tá sim. Ela tá lá no quarto. Podem entrar, meninas. O Julinho tá lá com ela, mas digam que eu chamei ele pra me ajudar. Assim vocês podem ter um pouco de privacidade.
- Obrigada, dona Josefina! – exclamou Keyla, entrando no apartamento junto com Lica e se dirigindo ao quarto de Benê. A porta estava aberta.
- Oi Benê! Tudo bem?
- Tudo sim, Lica. Entrem, fiquem à vontade.
- Hã... Julinho? A sua mãe está te chamando. – disse Lica.
- Sério?
- Sério. E feche a porta quando você sair, por favor.
A contragosto, Julinho saiu do quarto e fechou a porta atrás de si. As meninas olharam para Benê, que estava sentada em sua cama.
- Benê, a gente precisa conversar sobre o Guto.
- Eu não quero falar sobre isso, Key.
- Mas vai ter que falar. Sabe, você não vai poder fugir dele pra sempre.
- É, Benê. Ele foi ao galpão na segunda, e a Keyla disse que você não tava se sentindo bem. E ontem você também não apareceu na lanchonete. Ele perguntou por você, sabia? Ele tá preocupado com você.
- Eu não quero falar com ele.
- Benê, você dá aulas de Química pra ele. E ele te dá aulas de piano. Por quanto tempo você acha que ele vai acreditar que você tá gripada?
- Não sei, Lica. Eu só... não sei com que cara eu vou olhar pra ele.
- Linda, você tem que ser forte nessas horas. – disse Keyla, ajoelhando-se na frente da amiga. – Eu sei que é difícil, que a situação é... complicada. Mas não dá pra ficar adiando mais esse encontro.
Benê olhou para as amigas, e começou a chorar.
- Só que ainda dói. Eu... não esqueci.
- A gente sabe que não. – assentiu Lica, limpando as lágrimas de Benê. – Só que você vai ter que engolir essa dor e seguir em frente.
- Como... como a gente engole uma dor?
- Levantando a cabeça, Benê. Chega de ficar chorando aqui nesse quarto. Amanhã vocês têm aula de Química. Você vai dar essa aula, entendeu? E vai agir como se nada tivesse acontecido. A gente acredita em você, e sabe que você vai conseguir. – e Keyla sorriu.
- O-obrigada, meninas. Eu... vou tentar. – pausou por um instante. – Eu não sei o que eu faria sem vocês.
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Quarta-feira.
Benê estava sentada em uma das poltronas do galpão, relendo suas anotações de Química pela terceira vez, quando ouviu passos vindo em sua direção. Ela levantou a cabeça e viu Guto chegando. A imagem dele na festa, abraçado àquela menina, voltou à tona. Mas ela abaixou a cabeça, engolindo em seco. “Benedita, não aconteceu nada.”
- Oi Benê.
- Oi Guto. – ela respondeu, evitando olhar para o aluno.
- A Keyla me disse que você não estava se sentindo muito bem. Você melhorou?
- Hã? – Benê olhou para o garoto, mas logo se lembrou de que Keyla tinha dito a ele que ela estava com gripe. – Ah, melhorei sim.
- Eu tava preocupado com você. Se hoje você ainda estivesse doente eu ia passar na sua casa, pra te visitar.
Benê sentiu o coração pular. Mas forçou um sorriso.
- Não precisa se preocupar comigo, Guto.
- É que eu-
- Vamos começar a aula? – falou Benê, interrompendo o menino.
- T-tá, Benê. Vamos. – respondeu Guto, surpreso com a rispidez incomum da menina.
Guto se sentou na poltrona ao lado de Benê, e os dois começaram a estudar. A garota continuava sendo muito prestativa, explicando ao aluno a matéria quantas vezes fossem necessárias. Mas ela não estava agindo como de costume. Estava distante – e quase profissional demais. Guto teve a clara impressão de que Benê estivera tentando fugir dele a tarde toda.
Ele, por sua vez, afastara várias vezes a vontade de perguntar à sua tutora sobre a conversa que ela havia tido com Juca. O pianista queria muito saber o que estava acontecendo entre os dois – se é que estava acontecendo alguma coisa. No entanto, nas poucas vezes que tomou coragem para sequer cogitar perguntar qualquer coisa a esse respeito, Benê não o permitira tirar o foco dos estudos.
Abruptamente, e muito antes do horário de costume, Benê fechou os cadernos.
- Guto, vamos parar por hoje.
- Ué, mas já? Está cedo, Benê.
- Eu não quero chegar tarde em casa.
- Mas você sabe que não precisa se preocupar com isso. Eu te acompanho até a sua casa, depois.
- Não, Guto. Eu não quero que você me leve. Eu prefiro ir sozinha. Por isso a gente vai encerrar por aqui.
Guto encarava a menina, confuso.
- Benê... – ele a chamou, mas ela não parou de organizar suas coisas.
- Benê. Benê, para! – nisso, ele colocou uma de suas mãos em cima da mão direita da menina. Ela sentiu um arrepio na espinha, que a fez parar para fitá-lo.
- O que foi, Guto?
- Por que você não quer que eu te leve pra casa? Aconteceu alguma coisa?
Guto a encarava, esperando uma resposta. Benê retribuía o olhar do garoto, se esforçando para se manter o mais natural possível.
- Não. Não aconteceu nada. Eu só quero ir embora. Me deixa ir embora, Guto. – disse Benê, em certo tom de súplica.
Hesitante, o garoto assentiu e tirou sua mão da de Benê. Ela terminou de arrumar as suas coisas. – Tchau, Guto. A gente se vê na sexta.
O pianista ficou sentado na poltrona, acompanhando com os olhos a corredora sair do galpão. Ele não tinha entendido o que havia acontecido ali. Ela não era a pessoa mais calorosa do mundo, mas nunca o tinha tratado com tanta frieza. “O que será que aconteceu pra Benê agir assim? Será que tem a ver... com aquela conversa com o Juca?”
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