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História A perdição dos deuses - Capítulo 3 - A Profecia


Escrita por: JSommer

Capítulo 4 - Capítulo 3 - A Profecia


O CASTELO SE ENCONTRAVA apenas com a movimentação de alguns funcionários específicos que cuidavam da limpeza e organização do prédio durante a noite. Os corredores estavam em sua maior parte vazios e o calor vinha diminuindo estranhamente do lado de fora da construção.

  A Rainha de Inferis, Katerina Roberts, se encontrava no Salão junto aos seus Protegidos — sete ao todo. Todos sentados em seus respectivos lugares para uma melhor acomodação. O cômodo grandemente espaçoso era feito de pedras, assim como todo o castelo. A fraca iluminação se dava apenas por algumas tochas fixadas às paredes em uma altura de pouco mais de dois metros do chão e a lareira que se encontrava acesa. O calor era algo ao qual os habitantes dos Reinos do Leste já estavam acostumados.

  A sala era decorada com objetos feitos em sua maioria de ouro, que refletiam as chamas do fogo que iluminava a mesma. Havia também alguns objetos de madeira, como a mesa onde Kate deixava seus papiros e escrituras burocráticas referentes ao reino, cadeiras com almofadas macias e ainda alguns objetos de decoração, como um suporte de espadas pendurado sobre a lareira.

  A rainha se encontrava sentada em uma poltrona vermelha ao lado da grande e quente lareira de pedras escuras, já seus Protegidos estavam sentados separadamente entre o sofá e o piso encarpetado do salão. Miguel estava sentado no centro do sofá vermelho-vivo de três lugares, com sua cortejada, Aleto, em seu colo. As outras duas gêmeas, Megera e Tisífone, estavam em ambos os lados do mortal; enquanto Héstia e Chris estavam sentados no carpete liso e desenhado, e Mack estava em uma das cadeiras ao lado do sofá.

  – Pedi que viessem aqui esta noite pois desejo contar uma história a vocês. – Informou Kate, com as mãos cruzadas sobre as pernas cobertas pelo longo vestido cor vinho.

  – Uma história, Kate? – indagou Tisí com certa descrença. Aquele alarde todo lhe parecia desnecessário e desinteressante. – Isto realmente me parece um tanto sem fundamento.

  Tisífone, a caçula das trigêmeas da Vingança, podia agir de forma adorável quando queria, mas também sabia cumprir muito bem o seu papel como uma deusa má. Sua beleza era invejável, com seus cabelos e olhos castanhos assim como os de suas irmãs; com sua pele clara e delicada e lábios rosados era encantadora a primeira vista, mas como típico das trigêmeas e diferentemente de Héstia ela não era uma pessoa tão boa assim.

  – Aquiete-se, Tisí. – Pediu Miguel. – Se Kate reuniu-nos com tanta urgência, decerto que é um assunto importante. – Tisífone calou-se.

  A autoridade que o mortal exercia sobre as trigêmeas, principalmente as duas mais novas, era impressionante. Os Filhos de Hades não costumavam ser subservientes a ninguém, muito menos a mortais, mas naquele caso em específicos era uma forma de submissão adquirida puramente por uma relação física estabelecida entre ele e o trio.

  – Agradeço, Miguel. – Disse a rainha, voltando ao ponto principal da reunião. – Bom, o que estou prestes a contar a vocês não é apenas uma história, é uma profecia. – Alguns daqueles presentes conteram-se por um instante ao ouvir aquela palavra.

  Mesmo algumas das criaturas mais poderosas de Først acreditavam em profecias e que elas eram algo predestinado a acontecer, fosse o que fosse e independente do que fosse necessário para ocorrer. Algo que os crentes em profecias tinham conhecimento era de que, indiferente do quanto os anti-proféticos tentassem impedi-la de acontecer, nada era capaz de evitá-la.

  — Uma profecia? — indagou Chris, receoso. Profecias não costumam favorecer os dois lados dos envolvidos, pensou consigo mesmo.

  — E a quê refere-se ela? — perguntou Héstia interessada. Estava sentada sobre o carpete, ao lado do irmão enquanto observava sua Protetora com atenção.

  Os Protetores e Protegidos eram algo exclusivo de Først, criado pelos próprios deuses assim que seus filhos foram separados de si. Como os deuses passariam a estar longe de sua prole composta pela Quarta Geração, Zeus decidiu que mesmo sendo deuses eles possivelmente precisariam de proteção durante um bom tempo de sua vida e alguém para lhes ensinar os possíveis caminhos a serem seguidos, o uso de seus poderes e ainda o seu lugar na hierarquia. Com isso, o Senhor dos deuses estabeleceu que os bruxos escolhidos pelos próprios deuses, além de se tornarem as rainhas e reis dos reinos dominados seriam responsáveis pela criação, educação e proteção de sua prole divina. Estes bruxos em específico foram denominados Protetores, sua função era, principalmente, zelar pela vida de seus Protegidos — como foram denominados os deuses da Quarta Geração que viviam entre os mortais — com sua própria vida. E Kate jurara dar a sua vida pelos seus Protegidos, e caso um dia isto fosse necessário... ela realmente o faria.

  A Rainha de Inferis suspirou.

  — Há  uma união que supostamente resultará na queda do império de uma Falsa Rainha. — Revelou Kate, parecendo hesitante.

  — E por qual motivo esta profecia seria de nosso interesse? — questionou Meg de forma indiferente.

   Megera, a trigêmea do meio, era igualmente bonita como as irmãs, mas diferente de Aleto — que era visivelmente cruel — e de Tisífone — que conseguia parecer simpática e amigável —, Megera parecia ter nascido para ser uma guerreira, e ainda assim conseguia se fazer passar por vítima para enganar as pessoas, quando na verdade estava sempre um passo a frente criando planos para obter vantagem sobre os outros. Elas eram gêmeas fraternas, portanto eram diferentes umas das outras; mas algo que fazia totalmente exclusiva entre as três eram seus olhos verdes.

  Kate lançou um olhar aflito internamente para todos eles e então disse:

  — Porque de acordo com a profecia... — fez uma pausa — ela terá seu início aqui, em Inferis. — Todos aqueles jovens da Família Real não conseguiram conter sua reação de surpresa e espanto.

  Algo realmente está por vir, Héstia e Miguel compartilharam esse pensamento sem nem ao menos saber que estavam certos.

* * *


  A brilhante lua que se encontrava no céu há algumas horas estava sendo substituída por grandes e impiedosas nuvens de chuva quando uma donzela desacompanhada se encontrou caminhando pelas ruas desertas de Altiorem. Uma capa negra cobria completamente seu corpo e um grande capuz escondia seu rosto do brilho prateado da lua, que logo desapareceria e seria tomada pela tempestade.

  Seus passos eram calmos e despreocupados enquanto virava em uma das ruas rudimentares de pedras não muito longe dos altos muros do castelo. Passando entre as casas, a moça chegou a uma perto da Floresta Enfeitiçada e bateu na simples porta de madeira. A moradia era constituída por pedras cinzentas medianas e tinha seu telhado feito de barro, para uma melhor proteção das tempestades que costumavam ocorrer com frequência naquele reino. Não haviam flores nem qualquer tipo de sinal que o morador daquela residência passasse tempo o suficiente em casa para cuidar do seu pedaço de terra.

  Não demorou muito para que a porta fosse aberta por um homem por volta dos 38 anos de idade, com cabelos encaracolados escuros já com alguns fios brancos pelo esforço estresse diário que passava há mais de vinte anos. Haviam músculos em seus braços e tronco, mas a sua feição era cansada e ranzinza.

  — Atrasou-se. — Stuart Sanders reclamou ao ver a princesa em sua porta.

  — Perdoe-me se não apareci mais cedo em um lugar que não gostaria de vir para fazer algo contra a minha vontade. — Disse a deusa de forma irônica, ainda cabisbaixa e com o capuz sobre o rosto.

  — Para uma princesa, tem a boca um tanto aberta, não é mesmo? — disse o plebeu com incômodo, segurando a porta com uma das mãos. — Ande, entre. — Ordenou dando espaço para a jovem passar. — Desejo obter logo o meu pagamento para manter a boca fechada.

  Em silêncio, a princesa dos Reinos do Norte entrou na simples casa do camponês, que fechou a porta atrás deles com um sorriso orgulhoso no rosto por ter conseguido o que tanto almejou por anos.

  Como um soldado e ainda por cima plebeu, Stuart tinha conhecimento de que se relacionar com uma princesa seria impossível devido ao sistema de divisão de classes que proibia o casamento de pessoas de castas ou até raças diferentes, no caso deuses e mortais; a menos, é claro, que o mortal fosse alguém influente em seu reino de domínio, como por exemplo um membro da Família Real.

  A família Sanders não descendia de nenhuma raça mágica ou divina, portanto nenhum de seus membros poderia um dia se relacionar com um deus. E no caso específico de Stuart, ele era solteiro e nunca se compromissara com nenhuma mulher por desejar alguém que julgava melhor: as deusas. Com a descoberta do segredo de Hela e Nicholas, Stuart teve a sua oportunidade.

  — E então, princesa — disse, sorrindo malicioso e caminhando em direção à jovem que observava o interior de sua casa. — Por onde deseja começar?

  — Não possuo escolha, possuo? — A voz de Hela saiu calma e passível.

  — Preste atenção, sua deusa insolente! — disse Stuart, agora furioso. Caminhou até a morena e pôs a mão em sua garganta, como que para enforcá-la, e apertando-a com força. — Não lhe trouxe aqui para bancar a rebelde. Vai fazer o que eu mandar sem dizer uma palavra sequer, entendido? — A jovem não se moveu, seu rosto ainda coberto pelo capuz. — Agora comece a tirar logo esta... — Sanders jogou o capuz da jovem para trás e puxou o barbante que o prendia ao seu pescoço, fazendo a capa negra cair no piso de pedra lisa.

  Stuart deparou-se com uma vestimenta completamente diferente da que as princesas costumavam usar. Hela estava usando calças de couro, botas de cano longo, uma blusa de mangas compridas com o decote coberto por um espartilho que pressionavam seus seios para cima, os deixando consideravelmente avantajados. Também estava usando luvas que deixavam seus dedos amostra, todos os itens na cor preta. Em dois dedos de cada mão haviam anéis com formatos diferentes: o que estava no dedo indicador esquerdo era prateado com o símbolo de uma lua crescente, o outro no dedo do meio da mesma mão possuía o formato de pequenas folhas na cor verde-escuro, na mão direita havia um anel fino na cor preta no dedo anelar e no dedo indicador havia um amarelo com o símbolo da Estrela-mãe. Uma espécie de adoradora da natureza, coisa que apenas bruxas adoravam.

  — Que vestes são estas? — questionou completamente confuso com o acontecido inesperado.

  — Sabe, Sr. Sanders? — disse ela tranquilamente. — Um soldado realmente bom no que faz há jamais baixaria sua guarda.

  — Perdão? — disse confuso e, de repente, uma dor espalhou-se pelo ligamento cruzado posterior de um de seus joelhos e Stuart caiu no chão com uma súbita onda de dor. Logo levantou seu rosto em direção à deusa e viu um sorriso convencido em seu rosto.

  — Pensei que não viesse mais. — Comentou Hela olhando acima do camponês, como se estivesse falando com uma pessoa atrás dele.

  Antes que Stuart pudesse se levantar, seus braços foram puxados para trás de suas costas com mãos firmes e ágeis e logo ele pôde sentir algo gélido encostar em seus pulsos. Eram algemas metálicas.

  — Eu não seria capaz de abandoná-la, Milady. — Uma voz masculina surgiu atrás do mortal.

  — Não minta para mim, Odinson. — A deusa da Morte ordenou com um sorriso no rosto e logo um homem passou pelo Sanders e foi até ela, retribuindo o sorriso. Ele era alto e tinha a pele pálida, olhos aparentemente verdes e cabelos negros.

  — Eu jamais o faria. — Disse o invasor e beijou a deusa. — Algo em ti me atrai. — Acrescentou como justificativa. — Talvez seja o fato de que consegue ser ainda menos confiável do que eu. Gosto disso em alguém. — Hela sorriu convencida, como se aquilo fosse algo do qual se orgulhar.

  — Q-quem é você? — perguntou Stuart em uma onda de fúria e temor. O rapaz olhou para ele e disse:

  — Eu sou Loki Odinson, deus da Mentira. — Sanders sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

  O deus da Mentira era um dos, se não o deus mais detestável de todos. Ouvia-se histórias perturbadoras de como ele traía e enganava aqueles que confiavam nele, e ainda por vezes mexia com a mente das pessoas. Tê-lo em sua casa, ao lado da deusa da Morte e ainda do que parecia ser uma forma tão próxima entre os dois não era uma boa coisa para um mortal.

  — Sabe, plebeu? — disse Loki, envolvendo o braço na cintura da deusa. — Pensei que sua espécie tivesse a inteligência mínima para a sua sobrevivência. Mas ameaçar a deusa da Morte... — sorriu presunçoso. — Penso eu que isto prove o contrário. — Hela sorriu com o comentário.

  — O que pretendem fazer comigo? – perguntou Stuart, tentando manter-se firme.

  Hela sorriu de forma macabra e o humano sentiu a coragem deixar seu corpo como uma alma o faz no processo de morte. A mais nova afastou-se do Odinson e deu dois passos lentos em direção ao soldado aprisionado.

  — Eu — enfatizou a morena, com seus cabelos castanho-escuros presos em uma trança que pendia sobre um de seus ombros — vou ensinar ao senhor que mortais não devem provocar a ira dos deuses com ameaças. – Stuart sentiu um frio repentino passar pelo piso. — Bom — acrescentou, ganhando um tom animado na voz —, lição essa que poderá levar para a sua próxima vida.

  Inclinada na direção do Sanders, a Filha de Zeus deslizou a mão pela perna direita e puxou de sua bota uma adaga prateada mediada com o cabo preto. Girou o objeto com agilidade e rapidez entre os dedos, de forma que Stuart não conseguiu evitar se surpreender. Como uma princesa consegue fazer isso?, se perguntou, embora essa não fosse sua maior preocupação.

  — Ah — exclamou Hela, como se lembrasse de algo importante. — Na sua próxima vida, se tiver a sorte de voltar depois de passar pelas minhas mãos, lembre-se de nunca dirigir-se a um ser divino usando o termo "você". A menos, é claro, que sejam amigos. Mas creio que nenhum deus seria amigo de um ser tão baixo quanto o senhor. — O corpo de Stuart tremeu com as palavras frias da jovem. — Não há necessidade de preocupar-se, Sr. Sanders. — Falou na intenção de acalmá-lo. Ou de assustá-lo mais, era difícil dizer quando o sorriso parecia ameaçador. — Terá muito tempo para despedir-se deste mundo antes de o amanhecer chegar. — O soldado preferia não ter entendido a referência à tortura. — A morte é uma arte, e deve ser apreciada em cada segundo.

  — Não pode fazer isso! — Protestou Stuart e a mais nova sorriu ainda mais, fazendo o medo do plebeu aumentar.

  — Eu não sou um monstro — disse Hela calmamente —, nem uma rainha. Sou a deusa da Morte. Filha de Zeus, descendente de Cronos e de Thanatos. Meu sangue é frio e a destruição me cerca. Deseja mesmo desafiar a própria Morte? — Olhou nos olhos castanhos do mortal e o viu estremecer, o que a fez sorrir. — Bom garoto. Agora — girou a adaga em sua mão e levantou a mesma, ficando ereta novamente; a luz de uma das velas na parede reluziu na lâmina afiada e escutou-se um assustador trovão vindo do céu noturno. A tempestade logo se iniciaria. — Viva a Pureza do Sangue! — E em um movimento tão rápido que mal pôde ser visto, a lâmina adquiriu um líquido vermelho sobre si.

* * *


 — "O fruto da Guerra e da Magia jaz vivo no Submundo, de onde só será resgatado pela própria Morte. Após sua libertação, a Magia das Trevas irá atacar sobre seu reinado e a Morte e o Fogo do próprio inferno se libertarão em uma união de salvação para derrotar a Falsa Rainha."

  — É uma profecia um tanto grande, não? — pronunciou-se Mack após Kate revelar a profecia.

  — E um tanto exagerada também. — Comentou Ale, indiferente.

  — Decerto que sim. — Concordou Meg. — Parece até que os profetas querem tratar disso apenas para que todos dêem atenção ao seu trabalho.

  — Tenho de concordar, minhas irmãs. — Disse Tisí em meio à desdém.

  — Trigêmeas! — Repreendeu e as mesmas calaram-se imediatamente. — Os profetas não criam profecias para chamar a atenção das pessoas. Elas vêm até eles através de uma intervenção divina maior.

  — Quer dizer... — interveio Chris, impressionado como uma criança ao ouvir uma história nova. — O Criador? — Katerina assentiu.

  — Mas se esta profecia foi prevista pelo próprio Deus — observou Miguel, pela primeira vez naquela noite —, ela irá realmente acontecer. — A bruxa anuiu com a cabeça.

  — E não haverá nada que impeça. — Acrescentou Héstia, olhando para sua Protetora, que lhe criara como se fosse sua própria mãe.

  A rainha também concordou com isso.

  — Mas esta profecia não faz sentido algum! — Protestou Mack. 

  — Tenho de concordar. — Admitiu Kate com um tom quase melancólico. — Conheço ela há anos e até hoje não consegui compreendê-la. A única coisa que posso afirmar é que ela se inicia aqui e vocês devem estar preparados para quando isso acontecer.

  — Como sabe que se inicia aqui? — questionou Ale.

  — Ela menciona "O Submundo" — acrescentou Meg.

  — Aqui não é o Submundo. — Concluiu Tisí.

  — A Profecia diz que um fruto jaz vivo no Submundo — explicou Miguel, recebendo todos os olhares do salão. — Nada no Submundo é vivo. E o único lugar que assemelha-se a ele é...
 
  — Inferis. — Completou Héstia, sentindo-se atordoada.
  
  — Por onde devemos começar a preparar-nos? — perguntou Miguel olhando diretamente para Kate.

  — Bom — disse ela —, a Profecia diz que algo criado pela magia jaz em Inferis e será libertado quando morrer. Temos que descobrir o que é isso para estarmos cientes de quando morrer. — Eles anuiram com a cabeça, em silêncio. — Creio que possam ir agora — finalizou a morena, internamente preocupada. — Reflitam sobre o assunto.

  — Sim, senhora. — Disseram em uníssono e se levantaram de onde estavam, fazendo uma reverência formal perante a rainha e começando a se retirar do salão. 

  Após todos terem saído e terem seguido seus respectivos caminhos, Héstia permaneceu no Salão Particular da Rainha e contou sobre as estranhas sensações que vinha sentindo nos últimos dias; perguntou ainda se isto não poderia ter alguma relação com a profecia e Kate afirmou não saber. Tendo feito isso, a deusa do Fogo seguiu seu caminho para fora do salão e rumou para o corredor onde ficavam os quartos reais; não que os deuses precisassem dormir, não precisavam, mas os quartos eram um lugar particular onde possuíam sua tão almejada privacidade.

  No caminho para o corredor iluminado por tochas vigorosamente acesas, Héstia deparou-se com Miguel ao pé da janela no final da escadaria e início do corredor, observando o exterior do castelo.

  — Miguel — disse com certa surpresa. — Pensei que já estivesse em vosso quarto. — O loiro negou com a cabeça, em silêncio. A deusa o observou por um tempo e então tirou uma conclusão. — É ela, não é? Aquela sensação estranha, quero dizer. — Esclareceu rapidamente. — Está sentido também, não está? — O DeRan apenas olhou para Héstia e ela o compreendeu de imediato. Seus olhos azuis pareciam apreensivos. Ele realmente acredita na profecia, ela teve certeza. — O que acredita que seja? — questionou curiosa e se juntou a ele, parando ao seu lado frente à grande janela de vidro e observando a negritude tempestuosa que pairava sobre o reino.

  — Não faço idéia. — Miguel finalmente se pronunciou, sem desviar o olhar da janela. — Mas penso que está relacionado à Profecia. Acredito que, de alguma forma, estamos relacionados a ela.

  — Como poderíamos? — questionou Héstia em uma onda de choque. A Profecia era tão indireta, afinal, não havia sequer menção de Héstia nela. Não havia como existir possível relação.

  Miguel olhou para a melhor amiga com um ar inseguro e preocupado.

  — Não sei. — Ele admitiu. — Mas seja como for, devemos estar preparados, como Kate disse. — A deusa do Fogo concordou, em silêncio. Logo os dois voltaram a olhar para a janela e puderam ver um clarão e seu estrondo cortar o céu noturno, e então a coisa mais improvável aconteceu: neve começou a cair do céu.

  Fosse o que fosse, eles sabiam, era grande... e estava vindo até eles.

* * *


  Ainda era noite nos Reinos do Norte quando Hela voltou para o castelo após ter enterrado o corpo de Stuart Sanders na Floresta Enfeitiçada com a ajuda de Loki. Um estorvo a menos em meu caminho, pensou consigo mesma assim que o corpo desapareceu embaixo da terra, como se nunca tivesse existido.

  O corredor de pedras era iluminado pelas tochas medianas fixadas à parede, que tremeluziam conforme a deusa passava por elas. Não havia movimento nos corredores naquele horário, já que todos os funcionários do castelo estavam dormindo em seus respectivos quartos.

  Antes de chegar ao seu quarto, Hela pôde ouvir passos atrás de si. Sabia que não eram de Loki pois ele havia voltado para Asgard logo após se livrarem do corpo do soldado e também sabia que não era nenhum dos funcionários. A deusa girou os calcanhares rapidamente para trás, deparando-se com uma de suas irmãs. Seu corpo tenso relaxou ao ver que não havia perigo.

  — Lin! - exclamou Hela com falso entusiasmo. — Voltando de mais um passeio assustador para os mortais?

  — Talvez. — Disse Melinoe simplista. — E você, o que estava fazendo no vilarejo?

  Melinoe era filha de Zeus, assim como Atena e as Cárites. Seus cabelos negros e olhos azul-esverdeados davam um destaque de beleza frio em sua pele pálida. Era mais nova e mais baixa que Hela, mas isso não fazia dela temerosa à reputação da irmã. As pessoas costumavam a julgar tão ruim quanto, mas ela tinha algo de diferente: Melinoe não matava pessoas, apenas adquiria suas almas.

  — Como vão seus amiguinhos camarada? — perguntou Hela, mudando de assunto.

  — Pode tentar disfarçar o quanto quiser, mas eu sei as coisas que realmente faz. Elas a acompanham, querendo ou não. — Disse Mel calmamente.

  — Como poderia ter certeza? — perguntou q deusa da Morte apenas para confirmar.

  — Quando me aproximo de ti posso sentir todas as almas que a cercam, minha irmã. — Explicou a deusa dos Fantasmas. — E elas parecem acumular-se com o tempo. Isto não pesa para ti? — Hela permaneceu em silêncio. Não queria lidar com ter de responder àquela pergunta. De repente, escutaram passos vindos do outro lado do corredor.

  — O que estão fazendo fora dos quartos? — Era Aglaia.

  — Podemos fazer a mesma pergunta à vós. — Implicaram as duas em uníssono, olhando para a mais nova.

  Aglaia, uma das Cárites, deusas da Graça, era a mais velha das trigêmeas fraternas, que eram as filhas mais novas de Zeus. Ela, assim como as irmãs, possuía cabelos ondulados num tom de castanho-claro e olhos de mesma cor, agregando ainda uma presença delicada e agradável, principalmente aos mortais. Mas diferente das outras duas, Aglaia possuía sardas marcantes no rosto e uma personalidade um tanto forte.

  — As meninas e eu ficamos de nos encontrar na biblioteca. — A deusa da Graça disse simplista. Estava usando um vestido liso branco com detalhes em ouro, uma tiara fina no topo da cabeça e os cabelos presos em um coque alto.

  — Não, eu costumo ir à biblioteca. — Retorquiu Hela. — Vocês são as bonitas e populares que parecem santas, mas não são.

  — Aonde realmente vão? — perguntou Mel com um olhar prepotente. Aglaia pareceu incomodada por ter sido descoberta por suas irmãs.

  Bufou frustrada.

  — Vamos nos encontrar com três soldados mais jovens no vilarejo. — Cedeu Aglaia e cruzou os braços, fazendo cara feia.

  Hela soltou um riso.

  — Não compreendo como conseguem relacionar-se com mortais. — Comentou olhando para a irmã.

  — Decerto que deve ser melhor relacionar-se com o deus da Mentira. — Rebateu a deusa da Graça de forma desafiadora.

  — Na verdade, é sim. — Retorquiu a deusa da Morte e sorriu convencida, fazendo a irmã mais nova ficar frustrada.

  — Como consegue conviver consigo mesma sendo alguém tão ruim, Hela? — questionou Aglaia retoricamente.

  Por mais que não se relacionassem muito bem entre si, as irmãs que ali conviviam sabiam os segredos umas das outras, mesmo que contra a sua vontade, e estavam cientes de que nenhuma delas revelaria esses segredos a ninguém; afinal, todas queriam manter os seus próprios nas sombras. Estavam desagradavelmente umas nas mãos das outras.

  — Acredita mesmo que Queen não irá descobrir sobre eles? — questionou Hela.

  — E você acredita mesmo que ela não sabe sobre Loki? — rebateu Aglaia firmemente.

  — Independente se sabe ou não — a deusa da Morte disse, passando pela irmã mais nova e andando virada para ela —, não fará nada quanto a isso.

  — Como pode ter certeza? — Questionou Mel ao fundo.

  — Em 10 anos Queen não tentou matar-me — explicou a mais velha de forma tranquila, ainda andando de costas para o fim do corredor. — Ainda. Não será agora que irá fazê-lo.

  — Isso é terrível! — exclamou a deusa da Graça horrorizada.

  — Queen não poderia fazer isso. — Mel disse receosa.

  — Como pode ter certeza? — Hela tripudiou com um sorriso, já se aproximando da porta de seu quarto.

  — Ela é nossa Protetora. — Justificou Aglaia. — É sua obrigação nos proteger.

  — Não se não temer nosso pai — rebateu a deusa da Morte —, ou a morte. — Sorriu e as irmãs de calaram, pasmas. — Queen não tentou nada contra mim durante todo este tempo. E acreditem em mim, eu sei o quanto ela o deseja. Deve ter algum motivo muito importante para me manter viva. Seja lá qual for — parou de andar ao chegar na porta do quarto —, é uma vantagem para mim. — Sorriu ao ver a feição horrorizada das irmãs. — Bom, tenham uma boa madrugada, Miladys! — fez um sinal de soldado com os dedos à testa e abriu a porta do cômodo, entrando no mesmo e se isolando do resto das pessoas que residiam no castelo.

  Ao fechar a porta atrás de si, Hela livrou-se da capa preta que carregava em um dos antebraços, jogando-a sobre um pequeno banco de madeira ao lado de um grande espelho vertical moldurado a ouro.
 
  Antes que pudesse aproximar-se de sua cama e jogar-se na mesma para um merecido descanso, a deusa escutou algo, como um sussurro. Estacou onde estava e atentou a audição. A voz voltou novamente, mas Hela se surpreendeu ao perceber que não estava vindo de fora do cômodo ou mesmo no quarto. Estava vindo de sua cabeça.

  Hela, disse a voz. Era masculina e parecia familiar. Hela, minha filha. Eu tenho uma missão para ti. Não demorou muito para que a deusa reconhecesse seu detentor.

  — Pai? — sussurrou surpresa.

  Quero que faça algo importante para mim, disse Zeus pela comunicação telepática. Ele já havia feito isso antes, mas Hela achava desagradável quando ouvia a voz em sua cabeça ao invés de falar na cabeça dos outros como costumava fazer anos antes. Quero que vá a Inferis e sequestre Héstia. Leve-a para Altiorem e a prenda em um feitiço. Mantenha-na sobre controle e não permita que fuja. O destino de Først está em suas mãos. E então a voz desapareceu.

  Hela caminhou lentamente até sua cama, atônita. Sentou-se na mesma e jogou-se para trás, podendo observar o teto de seu quarto. Nele haviam vários vasos de barro com flores, pendurados por finas correntes de ferro. Pequenas Fadas Luminosas eram responsáveis pela vida e bem estar das plantas.

  As Fadas Luminosas, também conhecidas como Ninfas, eram uma das duas espécies existentes de fadas em Først. Elas eram pequenas, medindo aproximadamente 10 centímetros e tendo o corpo (que possuía formato humano) coberto por uma luz incandescente feita de pura energia mágica. Viviam nuas, o que não era um problema já que não era possível ver seu corpo devido ao brilho, e suas vozes não podiam ser entendidas pois soavam como sinos. Suas habilidades eram totalmente voltadas a natureza vegetal e animal, por isso apenas eram encontradas em florestas. Mas aquelas presentes no quarto de Hela estavam ali por vontade própria, pois identificaram a magia da jovem ainda aos seus 10 anos de idade, quando as encontrou na Floresta Enfeitiçada pela primeira vez.

  Mesmo depois que Hela perdera os poderes, elas não voltaram para a floresta. Pareciam satisfeitas em estar ali e, de forma impressionante, não pareciam se incomodar por ficarem sem compartilhar da magia de Hela na última dela.

  Zeus precisa da minha ajuda para fazer alguma coisa?, perguntou-se, ainda deitada na cama. Vejam só, que conveniente.

  De repente escutou-se um estalo no vidro da janela do quarto e Hela se sobressaltou, sentando-se na cama e ficando alerta. Depois o som voltou a se repetir e a jovem pôde ver que eram apenas pedras sendo jogadas contra a janela. Mas o que...?, perguntou-se ela, e quando mais uma pedra atingiu o vidro ela se lembrou.

  — Nick! — disse para si mesma e levantou-se apressada da cama, indo em direção à janela e a abrindo. Uma outra pedrinha surgiu e antes que atingisse sua testa a morena desviou, fazendo a mesma cair no piso de seu quarto. — Ei! — repreendeu com a cabeça fora da janela. — Quase me acertou! — reclamou em um murmúrio audível para o homem no jardim.

  — Perdoe-me! — murmurou ele de volta e a deusa revirou os olhos.

  Hela então colocou os pés sob o suporte de pedras da janela e se jogou do quarto andar, a 70 metros do chão. Virou um mortal no ar enquanto caía, para posicionar seu corpo corretamente para a queda. E então atingiu o gramado com um baque, os pés firmes e pesados, e usando a mão como suporte. O gramado afundou levente onde a princesa aterrissou, mas ela estava intacta.

  A deusa se levantou, frente à frente com o líder do Exército Real, e limpou as mãos para tirar o pó da terra. Ainda usava a calça de couro preta e a blusa de mangas coberta pelo espartilho. Henderson olhou sem perceber para os seios realçados da jovem e quando percebeu o que estava fazendo enrusbeceu e desviou o olhar rapidamente.

  Nick limpou a garganta e falou:

  — Estou aguardando-lhe há horas e nem se indignou a aparecer!

  — Perdoe-me. — Hela disse simplista, colocando as mãos na cintura. — Estive ocupada durante as últimas horas.

  — Ocupada com algo mais importante do que nosso treino? — questionou irritadiço. — Sabe que tenho de voltar amanhã de manhã para ensinar os soldados, não sabe? Vou estar exausto!

  — Estava livrando-me de seu coleguinha chantagista que descobriu o nosso segredo sobre o estúpido filho do Rei de Tellus, lembra-se? — Explicou a morena aos sussurros, aproximando-se do mortal de forma que seus rostos ficaram a centímetros um do outro.

  Nick podia sentir o calor emanando do corpo da deusa devido à proximidade e sentiu-se nervoso. Podia sentir suas bochechas arderem levemente com aquilo, então cedeu rapidamente; não por ela ter razão pelo atraso, mas por mero nervosismo.

  — Tudo bem, muito justo. — Disse ao se afastar da princesa.

  Os cabelos louro-escuros despontados de Nick estavam bagunçados como de costume e os olhos verdes com as pupilas dilatadas. Vestia seu uniforme de combate e estava esperando pelo seu treinamento com Hela desde a ascensão da lua no céu, que fora coberta pelas nuvens pesadas. Eles costumavam treinar três horas por dia, três dias na semana, apenas para que a princesa se mantivesse em forma.

  Hela e Nick se conheciam desde crianças. A mãe dele, Layla Henderson, se tornara mãe solteira quando seu pai, Ronald, veio a falecer em campo de batalha no início da Era dos Deuses. Nick tinha apenas três anos de idade quando isso aconteceu. A partir desse ocorrido, Layla se viu obrigada a levar seu pequeno filho para o trabalho. A matriarca era a cozinheira real do Castelo de Altiorem, portanto costumava passar praticamente todo o seu tempo lá, o que fez com que Nick crescesse entre os deuses que ali viviam.

  Hela, já aos 5 anos, era uma criança esperta e costumava brincar com Nicholas e seu outro amigo mais próximo, que dez anos depois viria a falecer. Eles cresceram juntos, brincando e se metendo em encrencas. Quando Nicholas completou 15 anos, entrou para o treinamento no exército e não demorou muito para que Hela, com apenas 10, pedisse para que ele a ensinasse o que aprendia todos os dias nos treinos. O tempo que passavam juntos diminuira, mas a intensidade de sua amizade, não. Eles eram melhores amigos, quase como irmãos. Essa foi a relação mais próxima que Hela já teve com um mortal.

  Aos 20 anos, após cortejar algumas jovens donzelas do vilarejo — o que não era difícil, já que ele considerando um belíssimo homem pela maior parte das mulheres do reino — e não se interessar verdadeiramente por nenhuma delas, Nick compreendeu que o problema não eram as garotas. Ele descobriu um sentimento dentro de si mesmo que não sabia existir, que desconhecia e que acreditava não ser real: era apaixonado por Hela. Mesmo sendo um mero mortal e ainda por cima plebeu, acreditava que haviam esperanças para poder relacionar-se com a princesa, que o amor que sentia por ela seria o suficiente. Mas então ele começou a reparar no olhar dela para o seu outro amigo mortal, Miguel, e viu que suas esperanças eram inúteis perante aquilo.

  Porém, naquele mesmo ano, o tão especial amigo deles faleceu em um incidente jamais resolvido por completo. Hela se viu afundar em tristeza inicialmente, isolando-se de todos e sendo condenada por muitos como a assassina do pobre garoto. Nick, é claro, sabia que a jovem era inocente. Apoiou ela durante todo o tempo, todo o transtorno, toda a dor... Ele estava lá para protegê-la e amá-la.

  Quando se recuperou, Hela voltou-se intensamente para os treinos e se tornou a melhor guerreira de todo o exército, mesmo não podendo mostrar suas habilidades a ninguém por ser uma princesa. Conforme o tempo foi passando, o sentimento de Nick foi se agravando e ele pensou que finalmente teria a chance de mostrar para a deusa que eles podiam ficar juntos. Mas ela conheceu o tal Loki em uma visita a Asgard e tudo foi por água abaixo. Mas os sentimentos do Henderson não desapareceriam tão facilmente, e ficar tão perto dela as vezes o deixava nervoso.

  — Por que não me chamou? — perguntou após se acalmar. — Disse que iríamos nos livrar do Sanders juntos, quero dizer.

  — Bom — disse Hela rapidamente. — Ocorreram alguns imprevistos e acabou que não precisei contatá-lo. — O Henderson olhou nos olhos castanhos dela com atenção e então perguntou:

  — Que imprevistos? — A deusa permaneceu calada, com ar desconfortável. — Hell, que imprevistos?

  — Loki surgiu e ajudou-me. — Revelou a deusa desviando o olhar. Desta vez quem ficou incomodado foi Nicholas.

  — É claro, o Loki. — Disse com decepção.

  Nick parecia não perceber, mas Hela sabia dos sentimentos dele mesmo sem seu poder de Telepatia. Ela era observadora desde jovem e sabia muito bem interpretar os sinais mais sutis utilizando uma excelente habilidade natural sua chamada de Aptidão Intuitiva, ou mesmo Intuição, que lhe permitia aprender e entender instantaneamente a complexidade e a exatidão de qualquer assunto, campo, poder, organismo, objeto, entre outras coisas.

  O soldado não percebeu, mas Hela estava tentando evitar falar sobre o suposto "imprevisto" para não deixá-lo desconfortável, incomodado ou desgostoso de qualquer forma. Mas ele insistiu.

  — Não tinha conhecimento de que ele viria hoje. — Argumentou a deusa na defensiva.

  — Nunca sabe quando ele virá, não é mesmo? — Rebateu o loiro, inconformado.

  — Esqueça isso. — Pediu ela. — Este não é o ponto alto da noite.

  — Imagino que tenha tido outro ponto alto esta noite. — Comentou com irritação e Hela bufou.

  — Meu pai falou comigo. — Revelou a princesa e neste instante um trovão se ouviu sobre eles. O temporal de tempestade ainda estava pairando sobre o reino.

  Nick pareceu surpreso com a informação.

  — Seu pai... Zeus? — indagou ainda descrente.

  — Ele é meu pai, certo?

  — Decerto que sim, claro. — Concordou rapidamente. — Mas falou do tipo...

  — Do tipo telepático, é claro. — Esclareceu ela. — Deuses das gerações anteriores a minha não pisam em Først.

  — E o que ele queria? — Henderson perguntou com curiosidade.

  — Ele entregou-me uma missão.

  — Uma missão? Que tipo de missão? — questionou Nick, interessado.

  De repente, ouviu-se um barulho acima deles e os dois olharam para cima, vendo uma das janelas do segundo andar sendo abertas. Hela instintivamente recuou em direção à parede e puxou Nicholas pelo colete de couro junto consigo. Quando encostou suas costas na parede fria de pedras atrás de si, sentiu seus pés pisando sobre as flores do Jardim e então olhou para cima, diretamente para os olhos verdes do Henderson. Ele estava praticamente colado a ela, com o rosto inclinado para baixo olhando em seus olhos castanhos enquanto suas mãos estavam tocando a parede, que ele usou como apoio para não cair quando foi puxado de surpresa.

  Hela desviou os olhos dele e olhou para cima, em direção à janela que havia sido aberta. Uma das funcionárias do castelo havia acordado com o trovão e estava observando o tempo. Quando olhou para baixo, por pensar que também tinha escutado vozes, viu apenas a escuridão da noite que cobria o Jardim. Após identificar apenas uma possível tempestade eminente, a funcionária fechou as janelas e voltou para a sua cama.

  — A missão — respondeu Hela, quebrando o silêncio e voltando a olhar para o loiro — requer que eu vá aos Reinos do Leste e sequestre uma das princesas.

* * *


  — Pela última vez: não. Você não irá aos Reinos do Leste, Hela.

  Queen DeRan, a Rainha de Altiorem, estava sentada em uma cadeira estofada de madeira, observando impaciente sua Protegida. Sendo a bruxa mais poderosa do reino, e desconhecidamente não só daquele, mas de todos os outros, Queen possuía um poder mágico inimaginável e era venerada por muitos mortais por ter sido escolhida pelo próprio Zeus para governar.

  Ela aparentava ter por volta de 47 anos, mas possuía uma postura elegante inabalável e um tom firme. Queen vivia para governar. Seus cabelos ondulados louros estavam caídos sobre os ombros, os olhos verdes expressando irritação, a pele branca tão lisa quanto porcelana e uma feição inflexível. O corpo esbelto coberto por um vestido liso em tons de rosa-claro e dourado e os pés agasalhados por saltos dourados.

  Naquela manhã ela tinha uma reunião importante de negócios com Trevor Maximillian, o Rei de Naturallis, os Reinos do Sudoeste. A reunião era sobre a importação e exportação de alimentos e matéria prima de ambos os reinos, mas por conta da intromissão repentina de Hela a mesma teve de ser adiada e Trevor estava esperando ao lado de fora do Salão de Reuniões.

  — É importante, eu garanto, Vossa Majestade. — Garantiu Hela, frente à mesa do salão onde Queen realizava as reuniões de negócios. — Acredito que possamos expandir a nossa comercialização se acrescentarmos Inferis a lista dos reinos para onde exportamos nossos produtos. Pense no lucro que isso renderia!

  — Não negociamos com os Reinos do Leste, Hela. — Reclamou Queen com um tom irritado. — Sabe melhor do que qualquer um da intriga entre o líder de Inferis e vosso pai. Altiorinos não pisam nos Reinos do Leste!

  — Garanto que não hei de arranjar confusão! — insistiu a deusa da Morte. — Os outros reinos nem saberão que estive lá. Afinal, seu mensageiro não está no reino e até onde eu soube irá demorar a voltar. Quanto mais cedo aprumarmos os negócios, mais lucro teremos nas comercializações externas.

  — Interessante. - Falou a bruxa com um tom intrigado proposital. — Nosso mensageiro foi enviado para uma longa viagem justo agora que deseja tanto fazer esta. — Mas Hela não permitiu se abalar por isso.

  — O que me diz, Vossa Majestade? — Insistiu a morena.

  — Já disse duas vezes antes e repetir-lhe-ei apenas mais uma — falou a DeRan com um tom sério. — Você não irá para Inferis.

  A princesa de Altiorem ficou séria, como uma criança mimada que não consegue o que quer mesmo após fazer birra.

  — Que fique sem os seus malditos lucros então, Majestade! — Disse com rispidez e retirou-se do salão em passos pesados.

  — Hela — a loira chamou. — Hela! Não pode sair sem me fazer uma reverência. — Mas já era tarde.

  * * *

  Ao sair do salão, Hela sorriu orgulhosa de seu plano. Após ter irritado Queen, ela seria proibida de participar da aula na Academia Real por alguns dias, algo que a rainha sabia que ela realmente gostava. Com isso, Hela estaria livre para fazer a viagem durante a reunião da DeRan com o Rei de Naturallis. Neste meio tempo, ela conseguiria convencer seus irmãos a irem consigo na viagem e Nick seguiria o plano de acobertá-la, expulsando os deuses do treinamento por uma infração forjada por ele e afirmando que não sabia do plano da princesa.

  Quando descobrisse que Hela havia feito a viagem, Queen ficaria enfurecida, mas não mandaria ninguém atrás deles para evitar chamar a atenção e não iria interferir na insistência de sua Protegida. A bronca maior seria quando voltasse, mas tendo cumprido seu propósito, Hela não se importaria.

  — Salve, Rei Trevor — cumprimentou ao ver o homem sentado em uma cadeira confortável ao lado de fora do Salão de Reuniões. Ela lhe fez uma reverência cordial e ele se levantou e fez o mesmo.

  — Milady Hela. — Cumprimentou ele. — O que fazia no Salão de Reuniões de Sua Majestade?

  — Assuntos triviais, apenas, Majestade. — Respondeu com um tom tranquilo, quase persuasivo. — Peço perdão por interromper vossa reunião com a Rainha.

  — Não há de preocupar-se, minha cara. — Maximillian segurou delicadamente a mão da mais nova. — Não há problema algum. — E então depositou um beijo na mesma, lançando um olhar específico para a jovem donzela. Hela sorriu carismática quando ele se afastou devagar.

  Trevor Maximillian, o Rei de Naturallis, devia ter por volta dos 60 anos de idade, sendo o mais velho de todos os governantes de Først, e governava os Reinos do Sudoeste com sabedoria desde os seus 20 anos. Seus cabelos negros já estavam grisalhos e haviam algumas poucas rugas em seu rosto. Por ser um bruxo, sua aparência era o que ele fazia dela. Se importava muito com a própria aparência, mas algo que lhe agradava ainda mais era a aparência de jovens donzelas, como as princesas de Altiorem.

  — Bom — falou Hela assim que ele soltou sua mão —, boa reunião, Majestade. — Fez uma reverência novamente e o moreno fez o mesmo.

  — Espero vê-la novamente, Milady. — Comentou o bruxo e a deusa sorriu.

  — Mal posso esperar. — Disse com um tom quase sórdido e se retirou. O vestido com renda preta arrastando-se no piso de madeira e o som dos saltos ecoando pelo corredor.

  Creio que Trevor já tenha passado tempo o suficiente como rei, pensou consigo mesma enquanto caminhava pelo corredor. Está na hora de seu primogênito assumir o trono, parou de andar e olhou para trás, vendo o rei parado na porta do salão e olhando diretamente para ela. A deusa sorriu ao notar o olhar do bruxo e ele fez o mesmo. Da próxima vez que nos virmos, Majestade, eu garantirei um novo rei para o vosso reino. E então ela continuou seu caminho. 


Notas Finais


E então, o que acham que a Hela vai fazer agora com esse pedido do papai?
Vai orquestrar, vai fazer o oposto?
Contem-me suas idéias!
A gente se vê amanhã, meus deuses.
Beijinhos ♡


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