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História A Princesa do Sul - O Céu Amarelo


Escrita por: freir

Notas do Autor


oneshotzinha pra @cassie do amigo secreto interno que tivemos desse natal
coisa mais boiola que ja escrevi
boa leitura sz

Capítulo 1 - O Céu Amarelo


Seus olhos fixaram-se na imagem refletida de sua pupila contra o espelho suspenso na penteadeira de madeira maciça branca. O silêncio do ambiente taciturno se rompia com a miscelânea de seus pensamentos penosos e raivosos. Suas divagações tornaram-se barulhentas em demasia já fazia algum tempo, e suas irises antes castanhas reluzentes agora apresentavam-se opacas e densas.

Usando de seus finos e longos dedos, penteou as madeixas soltas dos longos cabelos morenos presos num coque alto da peruca que se ajustava sobre seu couro cabeludo com perfeição, conseguiam ser ainda mais macios que os seus próprios. Mais macios, mais brilhosos, mais atrativos. No seu profundo interior, agradecia seus progenitores por, desde seu nascimento, não terem obrigado-no a deixar suas madeixas naturais alongarem-se. Assim, uma característica de seu real caráter ainda restava, não se esquecia completamente de sua identidade.

Com a ponta dos dedos, alcançou um maço de algodão de um pequeno recipiente de vidro sobre o móvel de madeira, mergulhou-no em óleo de coco e então passou gentilmente sobre seu rosto, retirando o pigmento de seus olhos que também coloria suas bochechas e pintava seus lábios, além do pó-de-arroz que clareava sua pele. Sentia-se completamente mascarado usando de maquiagem, então, consequentemente, o peso em seu peito aliviava gradualmente conforme finalmente conseguia enxergar sua face natural no espelho. Sentia-se mais leve, a raiva amenizava e esvaia-se aos poucos de seu coração, dando espaço para sua melancolia.

Abrindo as presilhas que agarravam em seus reais cabelos, livrou-se de sua peruca. Os fios castanhos escuros caíram sobre sua testa, alguns se enroscaram em seus longos cílios, sua nuca por fim tendo permissão para respirar.

Levantou-se brevemente, desamarrando a fita nas costas de seu vestido que o ajustava contra seu corpo. Retirou o material de cetim envolvido por longas rendas e rodeado de babados com delicadeza, em seguida denodou os paniers e culs, sendo capaz de respirar fundo pela primeira vez no dia ao livrar-se do espartilho que até então sufocava-no. Quando encontrou-se trajando apenas sua chemise, sentou-se novamente na penteadeira e voltou a observar-se no espelho.

Estudou sua epiderme lisa, seus olhos alongados, seus lábios grossos. Suas mandíbulas marcadas e sobrancelhas grossas lembravam-no de sua masculinidade. Encarou por vez seu peito reto sob o linho de suas vestes, e direcionando suas vistas para baixo, pôde apreciar sua genital adormecida também por baixo dos panos. Notou-se, por um momento, prestes a chorar.

— Vossa alteza, perdoe-me pela demora. Sua serva aceitará a punição adequada que propor, vossa alteza. Todavia, de antemão, deixe-me auxiliá-la com suas vestimentas e maquiagem.

A criada afobada batendo em sua porta retirou-lhe de suas tortuosas divagações. Suspirando, respondeu à voz abafada:

— Não há necessidade para preocupações, por favor, permito que se retire.

Sentiu uma linha úmida riscar uma de suas bochechas, tentando normalizar a voz embargada e falha emitida por sua garganta trancada pela agonia.

— Certo, vossa alteza.

Franziu as sobrancelhas, cerrou os dentes, trancou sua garganta, tudo numa tentativa desesperada de se livrar do desconforto crescente que subia pelas paredes de seu estômago e marejava seus olhos. Era uma dor aguda em seu peito, uma dor que não se orgulhava de sentir. Soava patético demais, seu desespero era a prova materializada de sua falta de maturidade. Não queria ceder a sua angústia, sua relutância estava fazendo-no sentir miserável. Entretanto, a razão ainda andava consigo, certo? Não era sua culpa, seus ombros não carregavam tal martírio, era apenas um efeito colateral. No fim, não passava de uma criança rumando perdida em trilhas que não era capaz de ladrilhar.

Questionava-se sobre o horário. Já era meia-noite? O amanhã já havia começado? O futuro não parecia tangível, mas não era como se desejasse apalpá-lo. A partir do momento em que o sino do relógio badalasse, completaria seus 20 anos e, em sequência, obrigado seria a, finalmente, oficializar seu casamento.

Seu noivado com o príncipe do Norte já estava consumado anos antes de seu nascimento, a herdeira primogênita do rei do Sul casar-se-ia com o herdeiro do povo Huan, para que então a paz se estabelecesse entre os reinos e a prosperidade regesse a política do povo. Uma pena seria se a herdeira dos Qinghe não nascesse mulher. O símbolo de concórdia e remanso, o fruto do amor e da trégua entre as nações, o filho da aliança política, Taehyung não poderia gerar. Nasceu homem. Não tinha posse de um ventre materno para que fosse capaz de dar à luz, e não tinha posse de um corpo apto de saciar os desejos de outro homem. O poder colocado pelos seus pais em suas mãos não pertencia-lhe. Então, no fim, por que acabou sendo obrigado a agir como a princesa do reino se cairia de seus saltos e tropeçaria na barra de seus vestidos uma hora ou outra?

Definitivamente, não entendia seus pais. Talvez estes quisessem aproveitar mais 20 anos de calmaria no mundo obrigando-no a fingir ser a legítima herdeira do trono, a jovem meiga de longos cabelos castanhos que desfilava nas passarelas das vilas contagiando o povo com amor e gozo, talvez estes apenas estivessem tão perdidos quanto sua própria alma. Quando os sinos do relógio badalassem seis vezes, um passo em diante estava dado para a circunstância que derrubaria sua máscara. Quando eles tiverem descoberto a verdade, quando não fosse mais a futura esposa do príncipe do norte, quem seria? Sua trilha estreita, a que não era capaz de ladrilhar, feita de pedras quebradiças de extremos afiados do qual pecava ao caminhar descalço, ela chegaria a um fim? Ou seria capaz de encontrar sua passagem por entre a mata desconhecida, sem medo de sujar seus pés de terra?

Eram tantas incertezas que sufocavam seus pulmões e sugavam a vitalidade de seus músculos. Tinha medo que, a partir do instante que não pudesse mais ser a persona do qual havia nascido para ser, deixasse de existir.

Naquela noite, deitou-se sobre seu leito com um gosto amargo em sua língua, seu corpo pesado demais afundando no algodão macio que preenchia seu colchão. Sofreu sozinho afogado em seus pensamentos temendo o amanhã, e caiu num sono cansado relutando sobre o tipo de mulher que desejava ser para seu reino.






O sol do dia seguinte nasceu imponente e sem misericórdia. Os raios que passavam pelos altos vitrais de seus aposentos e importunavam seus olhos nunca pareceram tão raivosos. A manhã começou pesada com seu corpo não querendo deixar os lençóis cheirosos que envolviam seu colchão macio. Foi poucos os minutos que teve em paz para lamentar sobre sua indisposição e desânimo, visto que um bando de criadas, acompanhadas de sua progenitora, arrombaram a porta de seu quarto tagarelando para que então arrastassem-no para que começasse a se aprontar.

Desde o começo da manhã, estendendo-se até o fim da tarde, havia passado praticamente o dia todo trancafiado em seu quarto, obrigado a escutar o burburinho de comentários empolgados de sua mãe, que imaginava seu então encontro com o príncipe do norte, e das criadas animadas, murmurando sobre a tão promissora festa daquele ano enquanto ajeitavam-no para que, mais tarde, pudesse apresentar-se como a mais bela e perfeita herdeira real.

O dia de seu aniversário certamente não era apenas um evento pessoal ou político, o dia havia tornado-se como um feriado para o povo do reino, onde se organizavam grandes festas em meio às vilas, com música, dança e bebida para que pudessem comemorar a abastança e a fartura.

Em um de seus aniversários, quando era ainda criança, seu pai levou-lhe para visitar a comemoração numa póvoa próxima. Naquele dia foi capaz de contemplar os sorrisos puros do sofrido povaréu ao que cantavam ao redor duma grande fogueira clamando e agradecendo aos deuses no céu. Em consequência daquela experiência, foi obrigado a começar a gostar do dia de seu aniversário.

Era comum manter um sorriso despretensioso nos lábios em seu dia natalício, todavia, não foi capaz de fazê-lo naquela ocasião.

Sua sessão de beleza pareceu durar uma eternidade — seu vestido tecido sob medida especialmente para aquele dia certamente estava sob medida demais — entretanto, não se importaria se as criadas tivessem acabado por demorar mais alguns dias para vestir-lhe, visto que agora, presente no meio do salão infestados de representantes da elite política de sua nação, uma náusea apossava sua barriga e um desconforto descomunal descia por sua espinha.

Se sentia um tanto sufocado com o colarinho de seu vestido apertando sua garganta, todavia forçava-se a sorrir com uma expressão simpática em seu rosto ao que patinava pelo porcelanato do cômodo e cumprimentava os não tão desejados convidados.

O clima estava agradável naquela noite, o champanhe era o de mais alta qualidade e a comida feita pelos cozinheiros mais cobiçados do reino. Aquela seria uma festa agradável se não contasse o fato de que não havia uma única alma presente que olhasse por si ali. E, na verdade, não esperava que seus súditos se importassem consigo, seus feitos nunca beneficiaram os tais de alguma forma, com exceção de sua obrigação em renunciar a seu viver em prol do bem comum. Nada que fosse por sua escolha.

Tinha certeza de que almas ruins ali não estavam presentes, ninguém era capaz de ignorar o fardo da responsabilidade social e acabavam por ser fadados a organizar eventos como aquele, regados de sorrisos falsos, conversações rasas e joalherias em excesso. Martirizava-se por não ser capaz de odiar tudo aquilo. Odiava ser demasiado compreensivo, odiava entender a natureza humana designada fraca. Desejava sentir raiva sobre todos aqueles ali presentes naquele lugar, que elogiavam suas vestes, cobiçavam-no felicidade, ciciavam sobre o quão aprazível seria seu futuro casamento sem ao menos se importarem em fazer de suas palavras mais credíveis. Porém, no fim, conseguia apenas odiar a si mesmo por sua inaptidão de se aborrecer. Seria mais fácil se pudesse ser consumido pelo ódio.

Num momento da festa, sua garganta secou. Seu tão esperado convidado, seu benquisto noivo, parecia ter perdido o horário, ainda não havia chegado. Aquela seria a primeira vez que botaria os olhos sobre o dito cujo e o tal não continha a decência de preocupar-se em ser pontual. Suspirou descontente num instante. Esquivando-se na pista cheia e alcançando uma taça de champanhe da bandeja de algum dos garçons, encontrou seu lugar no lado de fora das portas do castelo, inspirando o ar puro e perfumado vindo das flores do jardim real ao que se apoiava num dos pilares de gesso numa das saídas para criados.

Era fim da primavera, o aroma intenso que circulava das magnólias florescendo acalmava as batidas de seu coração. Sentiu vontade de fugir, todavia a fragrância doce abrandava as vozes em sua cabeça. Mesmo encontrando-se cansado, devia aproveitar aquela noite e as poucas que teria antes de seu casamento, tinha total certeza de que se arrependeria mais tarde quando sua liberdade fosse tomada de si.

Alguns minutos se passaram ao que bebericava o champanhe da taça e descansava os olhos maquiados das intensas luzes dos lustres do salão. Sua respiração já estava estável novamente e o peso dos babados de seu vestido um pouco mais leves, até um toque desconhecido sobre seu ombro fazer seu corpo reagir com um sobressalto assustado.

— Oh! Vossa alteza, não era de minhas intenções assustar-te. — A voz mansa tão familiar aos seus ouvidos fez seu corpo arrepiar. — Importuno-te agora?

Seu tronco se virou para que suas irises conseguissem capturar o mar das pupilas alheias. Um sorriso espontâneo tomou seus lábios ao agraciar os traços delicados da face de Jung Hoseok.

— Sua presença é sempre de júbilo, Vossa Excelência. — Em troca de suas palavras, recebeu um doce sorriso moldado pelas covinhas das bochechas do Jung.

— Peço-lhe, alteza, não comece.

— Como desejar, Excelência.

Seus olhos contemplaram o homem alto mais uma vez. Mesmo tendo completado praticamente um ano desde que parou de frequentar as aulas das artes com a espada, ainda se sentia estranho ao vê-lo sem seu equipamento ou armadura. Entretanto, não se incomodava, Hoseok apresentava-se belo tanto em seus metais pesados, quanto nas roupas de gala, as que este usava no momento. Repreendeu-se para que não elogiasse o quão atraente este se encontrava naquele terno bem recortado.

— Arrisco dizer sentir sua falta na arena, alteza. Nenhum de meus alunos comparam-se a ti.

— Um dia imaginei-me num futuro junto de minha espada, excelência, todavia julgo-me mais útil sobre os saltos em palanques na frente do povo.

— Definitivamente é uma pena, alteza. Inclusive, por favor, chama-me pelo meu nome.

— Como desejar, excelência. Digo, Hoseok.

Foi ao completar seus 14 anos de idade que conheceu Jung Hoseok, um professor que, ainda tão jovem, dedicava sua vida a ensinar a arte do kenjutsu para os recém-soldados do exército imperial. Em todo seu tempo de existência, não havia sequer uma vez contemplado um homem mais habilidoso que o tal com uma katana.

Lembrava na época de encontrar-se receoso com a situação deparada, era de conhecimento popular de que aqueles na realeza deveriam saber empunhar suas armas, todavia não esperava que seu professor seria o homem que, com apenas 20 anos na época, carregava uma postura despojada e bem humorada fora da arena, e dentro dela seus olhos eram preenchidos com determinação ao que seu corpo bem doutrinado exalava imponência. Seu eu criança sentiu-se intimidado com a figura. Contudo, temeu o suficiente para que começasse a admirar o mais velho.

As palavras ditas pelo Jung na primeira vez ao encontrarem-se, permaneciam cravadas em sua memória. Este havia encarado-lhe nos olhos e afirmado que não o trataria diferente por ser da realeza, e muito menos por ser mulher.

"Perdoe-me, vossa alteza, entretanto concordei em orientar-te com a condição de ter a autorização de poder tratar-te como todos do qual ensino. Tratarei-te como um de meus homens, vossa alteza".

Hoseok foi o primeiro, e muito provavelmente o único, a tratar-lhe como um homem. Possivelmente era esta a razão de ter apaixonado-se pelo tal.

Mais algumas palavras foram trocadas entre os dois antes que fosse obrigado a retirar-se. Conversar com o Jung alegrava-no, porém, naquele dia, sentiu uma dor atenazada no fundo de seu peito ao encará-lo. Teria coragem de fantasiar sobre Hoseok quando se encontrasse pertencente a outro homem? Como este reagiria ao descobrir a verdade? Todavia não era como se um dia tivesse cultivado esperança em relação a ele, seu amor inocente e iludido pelas doces palavras do mais velho, as que tanto sempre desejou ouvir, era um tanto raso e tíbio. A realidade nunca havia o permitido sonhar.

O tempo se arrastou atado a brisa morna e leve da noite iluminada. Os convidados iam deixando o pátio aos poucos, a noite se estendia e seus pés começavam a latejar sobre os saltos finos. A música dirigida pela orquestra real já soava muito lenta e entediante, e alguns convidados corriam para os cantos, bocejando em segredo. Foi quando então um comunicante real adentrou o salão, trazendo consigo a notícia que o príncipe do norte não conseguiria marcar presença naquela noite devido questões pessoais.

Suspirou. Uma, duas, até três vezes. Sem que se despedisse de alguém, marchou o caminho até seus aposentos. Quando se sentou sobre sua cama, percebeu seus olhos marejados. Um alívio crescente tomava seu peito e se mesclava com um ódio palpitante. Não, não era ódio. Era... decepção? Não estava entendendo exatamente o porquê, apenas entendia estar sentindo-se miserável. Sentiu-se insignificante, deplorável, desolado. Definitivamente, não conseguia compreender a ansiedade consumindo seus pulmões, sentia como se pudesse chorar pelo resto da noite.

Entretanto, não teve tempo o suficiente para sentir os próprios sentimentos, pois bateram em sua porta. Ao enxugar os olhos com as costas das mãos, levantou-se e atendeu a visita.

— Hoseok?

O jeito que sua voz soou embargada fez com que franzisse as sobrancelhas, segurando-se para não desabar.

— Desculpe a interrupção, alteza, porém era de desejo de meu coração entregar-te este presente pessoalmente.

Ele sorria. Sorria de um jeito que fez com que sorrisse junto. Sua expressão era reconfortante, seus olhos pareciam conter as soluções de todos os seus problemas, eles diziam conhecer seus sentimentos e que não havia problemas em chorar.

— Espero que seja de vosso agrado, alteza.

Então ele estendeu uma caixa para si. Com os olhos reluzentes, abriu o presente e os traços mais confusos apareceram em sua face. Um casaco, calças retas, um colete e até uma camiseta branca acompanhada de sapatos lustrados, todas as peças do mesmo tecido. Era um terno que preenchia a caixa. Este era o presente que Hoseok queria entregar-lhe pessoalmente.

Com uma das mãos segurava a caixa, e a outra se pôs em frente aos seus olhos no momento que desabou. Arfava e tremia ao que suas lágrimas molhavam seus dedos. A raiva, o desespero, a humilhação, a decepção, seja lá o sentimento que barrava seu alívio foi-se embora. Sentiu-se tão leve, a dor acumulada esvaindo-se entre seus soluços audíveis. O Jung abraçou-lhe. Envolveu seu corpo com seus braços firmes e ofereceu seu ombro para seu pranto.

— Eu estou aqui agora, Taehyung, não se preocupe.

Um sorriso largo moldou seus lábios enquanto ainda lamuriava. Não se recordava da última vez que lhe chamaram pelo seu nome. Sentiu-se tão vivo.

— Há... Quanto tempo — tentava questionar em meio aos gemidos — você sabe?

— Desde que me tornei teu professor, Tae.

Seu choro se intensificou. Não chorava por dor, como costumava. Chorava pela libertação que a frase alheia entregava. Naquele momento, sentiu o alijamento que tanto ansiou por toda sua vida.

— Vais continuar a chorar quando podes botar tuas roupas para irmos comemorar teu aniversário?

Hoseok sorriu, dessa vez cessando seu choro.

— Certo.

Esquivando-se pelos corredores escuros do castelo, o Jung guiou-lhe para sua saída a partir do momento em que estava trajado com as peças presenteadas. Sentia-se tão cheio de energia, porém seus passos titubeavam visto ser a primeira vez que vestia calças, parecia estar aprendendo a andar novamente. Não estava acostumado com a liberdade que elas traziam. Ao que corriam por entre as trilhas em meio às árvores em direção à vila mais próxima, conseguia sentir o vento gelado contra suas pernas, o algodão roçando entre suas coxas. Sentia-se tão leve. Sem todas aquelas camadas diferentes de tecido e espartilhos sob si, sentia-se limpo. Puro outra vez.

Suas bochechas quentes e rosadas sentiam a brisa da noite gelada com alegria, seus dedos seguravam com firmeza a mão alheia que o puxava e guiava-no entre o canto dos grilos e o murmurar das cigarras. O coração dentro de seu peito batia forte e imponente, a perda de fôlego e suas pernas cansadas não apaziguaram seu sorriso.

As luzes das lanternas que flutuavam pelo céu, deixadas como oferendas para os deuses, iluminaram seus olhos num formoso espetáculo ao chegar na praça principal do vilarejo Yue. A luz alaranjada do fogo ardente que elevava o papel clareava um pouco o céu escuro, e pintava a multidão dançante com tons quentes. Escutou os sorrisos, encarou a atmosfera calorosa. Sua mente estava solitária de melancolia e seu corpo gemia em comodidade.

— Fuja comigo, Taehyung — a voz de Hoseok despertou seu espírito antes de entrarem na multidão. — Vamos para algum vilarejo na fronteira, ou melhor, fugir para o leste ou oeste. Podemos trabalhar como mercadores, construir um pequeno chalé nas montanhas, acenderemos velas e lanternas para os deuses todas as noites e observaremos as estrelas antes de dormir. Se preferir, podemos viajar, compramos um cavalo e migramos de povo em povo passando pelos mais belos rios, os mais altos dos picos, os mais verdes campos, sentindo a fragrância das mais magníficas flores. Seja feliz comigo, Taehyung, eu prometo ensinar-lhe como é viver de verdade.

Os olhos do Jung cintilavam tanto ao ponto de poder enxergar o próprio reflexo nas irises deste. Seu sorriso era calmo, acolhedor e compreensivo. Seus dedos entrelaçados faziam parecer como se fossem nascidos um para o outro, se encaixavam de uma forma tão perfeita que Taehyung questionou-se como fora capaz de viver até então sem tal toque. Sentiu-se tão feliz que o medo abalou seu peito, uma dor forte em reação ao sentimento tão desconhecido travou seu diafragma. Todavia, do que precisava temer? Nada havia a perder. Apenas tinha o que ganhar. Viver a vida, conhecer o mundo, andar com suas próprias pernas e finalmente o seu caminho ladrilhar, como seria isso? Encarou aquela como a oportunidade para que começasse a descobrir sua verdadeira identidade. Seus próprios gostos, suas próprias manias, tecer seus próprios laços como Kim Taehyung.

— Eu... — começou a falar, encarando a expressão esperançosa de Hoseok, — nunca ansiei tanto o lugar ao lado de alguém, Hoseok. Apenas o teu falar sobre tais planos me traz uma imensa ansiedade e uma feliz curiosidade. Contudo, temo que percas a paciência comigo temporalmente. Tudo é uma primeira vez para mim e duvido da minha capacidade em... — o mais velho interrompeu-lhe.

O Jung cortou suas palavras com seus lábios, e seus olhos se arregalaram em reação. O toque quente incendiou sua boca, deixando um formigar sobre a pele sensível e arrepiou-lhe a espinha. Abraçou-lhe com delicadeza, uma de suas mãos sobre a curva de sua cintura e a outra apoiando seu queixo com ternura. O mínimo movimento da carne macia fez seu corpo todo despertar numa onda de calor. A pele sob o toque dos dedos firmes formigava, o fôlego contra a sua bochecha fez-lhe corar. Nunca havia estado tão próximo de alguém. Nunca havia sentido sua pele em contato com outra tão intimamente. Seu peito encostava no do mais velho e, mesmo envolvidos pelas roupas, conseguia sentir claramente o toque ardoroso. O joelho do tal também se encaixava entre suas pernas, roçando contra o algodão e drenando a força de suas pernas.

E aquela havia sido a primeira vez que apalpou desejo.

— Como falei anteriormente, será uma honra ensinar-te.

Hoseok sorriu, seus narizes ainda se encostando. Não havia como não sorrir de volta.

— Certo.

Com a afirmação, juntos correram para entre o aglomerado das mulheres que dançavam com seus longos vestidos brancos e os homens que bebiam tortos entre a pista. Crianças corriam por entre as casas roubando pão e cevada das mesas, casais se beijavam e oravam pedindo prosperidade com as lanternas nas mãos. Todos soavam tão felizes, uma áurea livre de preocupações. Decidiu juntar-se ao dilema e entregar sua alma e aquele momento para as mãos de Hoseok. Não tinha certeza se viriam atrás de si no dia de amanhã, se teria aonde ficar ou aonde comer, todavia tinha certeza que teria o Jung, e agora, também teria a si mesmo.

Independentemente do futuro que o aguardava, a partir daquele momento, teria certeza de viver sua própria vida.




Notas Finais


chorei escrevendo eh isto


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