Potter não tinha certeza sobre o que o incomodara tanto no comentário de Draco a respeito de Trelawaney e dos outros. Embora fossem realmente seus amigos, não podia negar o fato de serem mesmo estranhos e excêntricos. Mas também eram adoráveis, afetuosos e prestativos, e havia sido doloroso ouvir Draco referindo-se a eles com tanto desprezo. Ainda estava tentando entender o que sentia quando a campainha soou. Quem quer que fosse estava impaciente, porque o segundo toque ecoou quase que imediatamente depois do primeiro.
— Só um momento — gritou. Para sua surpresa, era o homem que não saia de seus pensamentos.
— Viu Scorpius? — ele perguntou sem sequer cumprimentá-lo.
— Não. Desde que nos despedimos no elevador, não voltei a vê-lo.
Draco respirou fundo e massageou a nuca.
— A mãe dele deixou um recado na secretária eletrônica. Ela não virá buscá-lo, conforme estava planejado — explicou.
Harry notou os músculos da mandíbula tensos, resultado do esforço que fazia para controlar-se.
— Scorpius estava esperando por esse encontro com Astória — ele prosseguiu. — Não falava em outra coisa.
Harry compreendia a situação. Passara muito tempo discutindo a roupa que o menino usaria para a ocasião tão especial. Scorpius chegara a dizer que tudo teria de ser perfeito, pois queria impressionar a mãe. Desejava demonstrar como havia crescido, como podia ser elegante e atraente, como era capaz de reproduzir o modelo de beleza tão admirado por Tori.
— Scorp deixou um bilhete dizendo precisar de algum tempo sozinho. — Malfoy checou o relógio, algo que devia estar fazendo a cada cinco minutos desde que encontrara o bilhete. — Isso foi há uma hora. Onde ele pode ter se metido?
— Não sei.
Mas imaginava a dor que o pobrezinho devia estar sentindo. Os poucos dias que passaria ao lado da mãe representavam muito em termos de expectativas e ansiedade. Scorpius passara a última semana falando no encontro.
— Pensei que ele pudesse ter vindo para cá, mas agora não sei mais onde procurar. Pense, Harry. Por favor, pense.
— Ele não deve estar preparado para encontrar ninguém — disse, tentando livrar a mente do medo e da preocupação a fim de ser útil.
— Acha que ele foi caminhar? Sozinho, e no escuro?
— Vamos sair para procurá-lo.
Os olhos que cravaram-se em seu rosto expressavam gratidão. Potter vestiu o casaco, apanhou a carteira, e os dois saíram do prédio apressados.
Pouco depois de ter concluído o segundo grau, por volta dos dezoito anos de idade, Harry decidira procurar o pai. Havia sido um engano. Ele comportara-se como se o filho esperasse algo dele, e agora compreendia que estivera certo. Queria amor, queria que ele manifestasse orgulho ao saber que tornara-se um homem de caráter. James agradeceu pela visita e falou que estava feliz por ele ter se formado e conseguido um bom emprego. No entanto não havia aquele brilho em seus olhos pelo reconhecimento da vitoria conquistada. Mas o que deixou Harry magoado foi que em momento algum ele perguntou como estava sua mãe. Era como se ela nunca tivesse existido para ele.
Quando fora questionado do motivo que o levará a sair de casa. Este simplesmente comentara que não a amava mais e que achava que Harry ficaria melhor com ela. Informou que ele sempre fora gay, no entanto tinha medo de se assumir perante a sociedade. Por isso casara-se com a mulher que aprendera a gostar e a valorizar. Todavia com o passar do tempo descobriu que não poderia mudar a sua natureza. Mas por Harry continuou no casamento, mesmo sentindo-se morrendo a cada dia. E iria continuar nesta mentira se não tivesse conhecido Sirius. Foi um amor tão forte, que por ele resolvera abandonar tudo. E pela primeira vez assumir a sua verdadeira identidade.
Harry sofrera ao descobrir que o pai biológico preferia viver afastado dele, mas depois de alguns meses conseguira aceitar sua decisão e até sentir-se grato por sua honestidade, por mais doloroso que houvesse sido. Graças ao seu padrasto aprendera a se valorizar e a compreender que amor fraternal não depende de uma tira de DNA.
Sem saber para onde iam, caminhavam pelas ruas geladas tentando imaginar que direção Scorpius havia seguido. Estavam apavorados, mas faziam um enorme esforço para aparentar calma e serenidade, preocupados em poupar um ao outro.
— Odeio pensar nele sozinho nessa noite escura e gelada, sofrendo — Draco murmurou, as mãos enterradas nos bolsos do casaco.
— Eu também. — O ar frio adormecia seu rosto.
— Podia odiar Astória por fazer meu filho sofrer tanto, mas me recuso a desperdiçar essa energia. Ela pode me tratar como quiser, mas Scorpius merece mais respeito.
Potter sabia que seria inútil lembrá-lo de que não exercia nenhum poder sobre a ex-esposa. Astória tinha o direito de fazer o que bem entendesse, inclusive no relacionamento com o filho.
— Talvez devesse ter dito algo a Scorp. Assim ele estaria prevenido, e não teria alimentado tantas expectativas com relação a esse encontro. Não disse nada porque... bem, não queria que meu filho pensasse que estava tentando interferir no que ele pensa sobre a mãe.
— Sua atitude foi honrada e inteligente.
— Pois não é o que sinto agora.
— Scorpius é esperto o bastante para descobrir sozinho que tipo de pessoa é a mãe. Ele não precisa de ninguém para ajudá-lo a abrir os olhos e enxergar a realidade.
— Espero que esteja certo.
Procuraram por todos os lugares que conseguiram imaginar, sem nenhum resultado. Quando voltaram ao edifício onde moravam já era quase meia-noite. O lugar tava escuro e silencioso, o que só alimentou os temores que os atormentavam.
— Não acha que ele seria capaz de fazer algo estúpido, acha? — Malfoy perguntou desesperado. Afinal,conhecia as ideias malucas do filho — Como ir procurar a mãe, por exemplo?
— Não sei.
Quando entraram no saguão, Harry notou que a porta que levava ao porão estava aberta. Ao aproximar-se, ouviu vozes lá embaixo.
— Vamos verificar — Malfoy decidiu.
Potter o seguiu pela escada. Enquanto desciam, as vozes tornaram-se mais distintas e ele pôde reconhecer a de Sibila, conversando com Hagrid. Deviam estar dando os últimos retoques na decoração para a festa de Natal.
Encontraram Scorpius ocupado e concentrado na tarefa de pendurar pequenas bandeiras de papel colorido no centro da sala. O adolescente não demonstrou surpresa ou espanto ao ver o pai e o amigo.
— Olá, papai. Olá, Harry — cumprimentou-os, descendo da cadeira.
— Por onde andou, mocinho? — Draco perguntou com tom sério.
Harry pousou a mão em seu braço num pedido silencioso de calma e compaixão. Sentiu que os músculos relaxavam sob seus dedos e fez uma prece rápida de agradecimento, especialmente ao vê-lo atravessar a sala para abraçar o filho.
— Desculpe, papai. Esqueci de avisar que estava aqui.
— Harry e eu estamos procurando por você há mais de uma hora.
— Desculpe.
— Você está bem? — o moreno perguntou. — Quero dizer, já conformou-se com a ideia de não passar as festas com sua mãe?
Scorp hesitou e seu lábio tremeu.
— Estou desapontado, mas, como disse Sibila, o tempo cura todas as feridas. — Rindo, ele passou o braço pelo nariz. — Mamãe tem de decidir sozinha que papel eu terei na vida dela. A mim só cabe esperar e dar a ela a liberdade necessária para que a decisão seja tomada. Além do mais, tenho meu pai e meus amigos. — Os olhos vagaram pela sala, demorando-se um pouco em cada pessoa presente.__ E se ela resolver que não me deseja mais na vida dela. Bem... azar o dela.__ Scorp empina o nariz__ Eu sou um Malfoy. Qualquer um deveria se sentir privilegiado de me ter por perto. Meus amigos nunca me abandonariam.
Hagrid estava lá exibindo seus músculos. Trelawaney carregava a inseparável bola de cristal e Minerva afagava um de seus gatos. E Harry também estava lá. Scorpius abraçou o pai e escondeu o rosto em seu peito por alguns instantes.
— Virei à festa — disse, fazendo um enorme esforço para ver o lado positivo da situação. — Se não quiser, não precisa vir, papai. Saberei entender e respeitar sua decisão.
— Eu quero vir — Draco respondeu, os olhos buscando os de Harry. Em seguida estendeu a mão para ele e os dedos entrelaçaram-se. — É preciso um momento como este para um homem perceber como é feliz por ter bons amigos.
Para surpresa de todos, Scorpius riu e virou-se para a vidente.
— O que foi que eu disse? — a sensitiva perguntou com um sorriso doce. — A bola de cristal não mente.
— Mas ela não me serviu de nada quando tive de decidir em que fundo devia investir meu dinheiro — Hagrid protestou. — E também não me ajudou a acertar os números da loteria. Se quer saber minha opinião, devia usar essa bola de cristal como lustre!
— Já expliquei que ela não serve para previsões voltadas para ganhos financeiros — Trelawaney respondeu com paciência.
— Então, de que serve essa coisa, se não pode usá-la para ajudar um amigo a progredir?
__ Para ajudar as pessoas a encontrarem a sua cara metade_ respondeu, Minerva.
— Vai à festa de Natal? — Harry indagou.
— Com toda a certeza. E pode estar certo de que me adaptarei ao grupo como se fizesse parte dele há anos. Bem, acho que já tivemos excitação demais por hoje, não, Scorpius?
— Tem razão. Boa noite para todos — o menino despediu-se.
— Boa noite, querido — Sibila respondeu enquanto Hagrid acena e voltava a arrumar as bebidas.
— Boa noite, Scorpius — disse Minerva — Pode ir me visitar quando quiser.
— Oh, eu irei.
Potter partiu com Draco e Scorp.
— Amanhã acordarei cedo para fazer as tortas de melaço para a festa — ele anunciou quando o elevador parou no segundo andar.
— Precisa de ajuda? — o menino ofereceu entusiasmado. — Dessa vez não terá de preocupar-se com cascas de ovos na massa.
— Adoraria poder contar com você.
Contente por tudo ter terminado bem, Harry entrou em casa, trancou a porta e preparou-se para dormir. Havia acabado de deitar-se quando o telefone tocou. Era Malfoy.
— Sei que estive com você há menos de dez minutos, mas queria agradecer.
— Por quê? Eu não fiz nada. — Apenas compartilhara de sua preocupação enquanto procuravam por Scorp.
— Ajudou-me a encontrar meu filho, e não estou falando apenas sobre o porão.
— Gostaria de poder aceitar os créditos por isso, mas não é verdade. Seu amor por ele pavimentou o caminho.
— Estava errado sobre seus amigos. São pessoas maravilhosas, como você. Não poder passar o Natal com a mãe foi um grande golpe para Scorp. Ele ficou devastado com mais essa decepção. Não sei o que Sibila disse, mas parece que foi exatamente o que meu filho precisava ouvir. Exatamente o que eu precisava, também.
— Parece que aprende depressa.
__ Tive a ajuda de uma bola de cristal para iluminar o meu caminho.
Seis meses mais tarde
— Esse é provavelmente o dia mais excitante de toda minha vida! — Scorpius declarou, dançando pela pequena sala da sacristia com seu terno Armani. — Você vai se tornar meu padrasto. Exatamente como a vidente previu!
— É um dia maravilhoso e excitante para mim, também. — Harry pousou as mãos sobre o estômago para acalmar os nervos tensos.
A igreja estava cheia de parentes e amigos, e todos esperavam pelo momento em que ele apareceria na nave. Snape, elegante em seu fraque, a acompanharia até o altar.
— Papai estava engraçadinho hoje de manhã — Scorp comentou com um sorriso amoroso. — Pensei que ele ia devolver o café. Estava tão ansioso para finalmente se unir ao homem por quem se apaixonou, que mal conseguiu comer. Francamente, tive medo de que ele tivesse um ataque cardíaco antes de chegar aqui. Isso sem contar que colocou a torradeira na geladeira e o leite no armário. Ele está maluquinho de tão nervoso. Se não fosse eu ele viria com uma meia verde e outra branca no pé.
Harry fechou os olhos num esforço para conter a euforia e o nervoso. Não havia nem tentado tomar o café da manhã, e tinha de admitir que Malfoy havia sido corajoso em sua tentativa. Quanto a estar apaixonado, era louco por ele e por Scorpius. Esse dia era um sonho que se realizava, um momento digno do mais delicado e encantador conto de fadas. O Príncipe Encantado e seu escolhido finalmente encontravam-se para tão esperado final feliz.
— Nott e a esposa estão lá fora, e há muita gente do escritório de papai — Scorp contou depois de ir espiar por uma fresta que dava para o interior da igreja. — Não sabia que ele tinha tantos conhecidos e amigos. Você será o noivo mais lindo que já se viu. Foi o que papai disse, e agora vejo que ele estava certo.
— Obrigado.
— E como se não bastasse tanta alegria, ainda me convidou para fazer parte do cortejo nupcial. Meu primeiro casamento — ele aplaudiu, fechando os olhos como se quisesse reter as imagens de um sonho bom.
— Você é um grande amigo, Scorp. Você foi o bruxinho que nos ajudou a estar aqui hoje.
— Ah, eu sei. Provavelmente, não estaria se casando com meu pai se eu não houvesse interferido. Mas Sibila me deu a ideia, e acho que ela merece todos os créditos.
— Não esqueça o que eu disse sobre Trelawaney e sua bola de cristal.
— Não vou esquecer. É que parece tudo tão conveniente! É como se você e papai houvessem mesmo nascidos um para o outro. Ela não podia saber disso.
— Fico feliz por saber que você pensa assim.
— Se tivesse de escolher alguém para estar no lugar de minha mãe, você seria o eleito. E para completar, é perfeito para o meu pai. Ele precisa de você quase tanto quanto eu. Também é perfeito para mim, sabe? Não há ninguém no mundo com quem prefira estar. Isto é, com exceção de Rick Martin. Mas ele nem sabe que estou vivo, certo?
— Não tenha tanta certeza disso. Milagres acontecem onde menos se espera.
— Estão prontos? — Snape perguntou do outro lado da porta.
Potter respirou fundo.
— Tanto quanto é possível — respondeu.
Potter ergueu os ombros antes de abrir a porta. Severus estava ajeitando a gravata borboleta e movia o pescoço de um lado para o outro na tentativa de amenizar o desconforto provocado pelo colarinho justo. Ao vê-lo, ele interrompeu a ação e arregalou os olhos. Harry estava lindo em um smoking banco de gravata vermelha.
— Acredito que Malfoy tirou a sorte grande! — sussurrou.
— Não precisa fingir que só descobriu agora — ele brincou.
Scorp ofereceu um sorriso ao noivo e correu para perto dos amigos de Harry, integrando-se ao grupo que o precederia no corredor central da igreja.
— Seja feliz — Snape desejou, a voz estranhamente baixa.
Ao virar-se para fitá-lo, Harry notou as lágrimas que tornavam seus olhos mais brilhantes mesmo Severus querendo não demonstrar.
— De alguma maneira, você sempre foi um filho para mim — ele murmurou, lutando contra o nó da gravata mais uma vez. — Não podia sentir orgulho maior do que o que experimento agora. Não tem ideia de como nos fez feliz. Sua mãe está explodindo de alegria e satisfação. Quando me casei com sua mãe eu sabia que aquela criança teimosa que tentara me comprar para sair com ela já tinha ganhado o meu coração.
— Obrigado, Severus. Você representou muito bem o pai que eu não tive. — Harry sussurrou com voz embargada.
Em silêncio, ficaram atrás das portas fechadas da igreja esperando o momento de entrarem. Quando o órgão começou a tocar a Marcha Nupcial, Harry respirou fundo e deu o primeiro passo à frente, em direção ao altar. Em direção a Draco, ao amor e ao futuro perfeito que viveriam juntos.
Para assumir a responsabilidade pelos filhos é necessário mais do que genética: é preciso amor.
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