Potter era uma criatura peculiar. Por razões que preferia não analisar, Malfoy não havia notado o quanto o vizinho era atraente quando encontraram-se no elevador, horas antes. Seus olhos eram verdes como a mais bela das esmeraldas. Sua expressão era franca, aberta e amistosa. Vencida a surpresa inicial, ele lembrou o assunto que o levara até ali e recompôs-se.
— Preciso falar com você sobre meu filho — disse com voz incerta.
— Ele é um menino encantador. Espero não tê-lo retido em minha casa por muito tempo. — Harry ia falando enquanto apanhava o casaco.
— Quero discutir a conversa que tiveram hoje à tarde.
— Lamento, mas não posso conversar agora. Alimento os gatos de Minerva nas noites de quarta-feira, e já estou muito atrasado.
Podia ser apenas uma desculpa conveniente para fugir do assunto, mas estava determinado a esclarecer tudo.
— Importa-se se eu acompanhá-lo?
Harry parecia surpreso, mas concordou.
— De jeito nenhum.
— Talvez seja melhor ir buscar seu casaco — ele sugeriu.
— Casaco? — Se precisava agasalhar-se para visitar outro apartamento, talvez a mulher tivesse outros costumes estranhos, como desligar o aquecimento central e congelar os animais. — Está bem — resmungou, tentando não causar polêmicas.
Rápido, apanhou um saco de cinco quilos de ração para gatos e aproximou-se da porta. Cinco quilos? Draco sabia que a vizinha excêntrica mantinha um número ridículo de gatos abandonados.
— Eu o ajudo uma vez por semana e Hadrig e alguns outros revezam-se nos outros dias.
Toda essa conversa sobre gatos era até agradável, mas Malfoy tinha outra coisa em mente.
— Como já disse antes, quero falar sobre Scorpius.
— É claro. — Harry despediu-se dos amigos, levantou-se e caminhou para fora da alameda.
— Ele voltou de seu apartamento com algumas ideias ridículas sobre um possível namoro entre nós dois.
Harry ficou vermelho.
— Receio ter sido o responsável por essas tais ideias ridículas. Não imagina como estou constrangido com tudo isso,Malfoy. Tudo começou como uma conversa inocente sobre pais. Os meus também divorciaram-se e...
— Sim, eu sei, quando tinha cinco ou seis anos — ele completou, repetindo a história com espantosa riqueza de detalhes. Odiava admitir, mas divertia-se com o embaraço do vizinho. Conhecendo o próprio filho, podia imaginar que tipo de argumentos ele usara para manipular a conversa até chegar onde queria. O pobre homem jamais teria escapado. Seu filho era um manipulador nato. — Scorp também disse alguma coisa sobre ter subornado um homem para convencê-lo a sair com sua mãe.
— Por, Merlim! — Ele fechou os olhos, abrindo-os em seguida. — Entendo que tenha decidido me procurar. Severus foi honrado o bastante para recusar minha oferta.
— Mas fez o que você pediu.
— Não exatamente. Escute, sinto muito sobre tudo isso. Prometo ter outra conversa com seu filho e esclarecer tudo da melhor maneira possível. Temia que ele fizesse algo parecido. Na verdade, devia tê-lo prevenido assim que percebi as intenções de seu filho, mas não imaginei que ele correria de volta para casa e repetiria cada palavra do que havíamos conversado.
— Meu filho tem opinião própria. Ele simpatizou com você assim que o viu. — E por isso sentia-se grato. Scorpius precisava de um modelo positivo, de alguém que pudesse admirar e lhe dar a atenção que merecia. A mãe nunca demonstrara muito interesse por ele. Sempre sofri ao ouvir Scorp fabricando desculpas para o desinteresse de Tori. Como eu sempre vivia trabalhando ele se apegou muito a figura da mãe. Pena que ela não soube valorizar o amor que recebia. Vejo que você não estranhou o fato de meu filho desejar que formemos um casal. Logo posso deduzir que ele deve ter comentado que seu bissexual.__ Draco lembrou do bendito casaco__ Aguarde um pouco que vou buscar o casaco.
Harry o esperou enquanto subia o lance de escada até o terceiro andar, pulando os degraus para chegar logo em seu apartamento, vestir o casaco e retornar para a conversa com Potter.
Scorpius levantou-se de um salto ao vê-lo entrar.
— O que disse a ele? — perguntou.
— Nada, ainda. — Draco apanhou o casaco no cabide do hall. — Vou ajudá-lo a alimentar alguns gatos.
A preocupação desapareceu dos olhos do menino.
— É mesmo? Isso é quase um encontro, não?
— É claro que não!
— Harry me convidou para ir assar torta de melaço em sua casa no sábado. Os irmãos dele também virão. Posso ir?
— Falaremos sobre isso depois. — Potter já estava invadindo a vida de seu filho, e não gostava nada disso.
Scorpius não parecia satisfeito com a resposta, mas limitou-se a afirmar com a cabeça. A expressão preocupada retornou ao seu rosto quando viu o pai abrir a porta. Draco não sabia por que oferecera-se para acompanhá-lo. Julgava importante esclarecer a situação o mais depressa possível, mas não a ponto de segui-lo arrastando um saco de ração para gatos.
— Minerva tem um amor todo especial pelos animais — Harry explicou quando entraram no elevador e desceram ao piso térreo. — Não acho conveniente que ela saia sozinha todas as noites para alimentá-los.
Então era isso. Os gatos viviam nas ruas do bairro.
— Ela os chama de seus bebês abandonados.
Malfoy esperava que nenhum colega do escritório soubesse sobre esse episódio. Assim que saíram, o ar frio o atingiu com a violência de uma bofetada. O ar morno que expelia através da respiração formava pequenas nuvens brancas.
— Com que frequência ela cuida dos gatos? — perguntou, seguindo o vizinho pela rua mal iluminada.
— Diariamente.
Enquanto conversavam, Harry o levou a um beco deserto bem próximo ao prédio. Aprendera algumas coisas sobre ele nesses poucos momentos. Trabalhava para a Microsoft, a empresa de programas para computadores, tinha muitos parentes na área e adorava os dois irmãos.
No minuto em que entraram no beco, cerca de uma dúzia de gatos saíram das sombras. Era evidente que o esperavam com ansiedade. Falando com voz suave, dizendo palavras de conforto para acalmá-los, ele distribuiu a comida em alguns pratos de alumínio espalhados pelo chão.
— Vi muito de minha adolescência no comportamento de Scorpius — disse ao aproximar-se novamente, evitando encará-lo. — Não só pelo fato de meus pais terem se divorciado, porque lares desfeitos eram comuns naquela época, mas por não ter podido desfrutar do calor de uma família normal. Em alguns sentidos, também não tive mãe.
— Está insinuando que não sou um bom pai? — ele perguntou com tom seco.
— Oh, não! Francamente, acho melhor manter minha boca fechada. Peço desculpas pelo que aconteceu com seu filho. Fique certo, Malfoy, de que não tenho a menor intenção de usar seu filho para orquestrar um encontro amoroso.
— Ainda quer levá-lo para assar torta de melaço em sua casa? Scorp criaria um inferno se o convite fosse retirado.
— Não vai se importar, se ele for?
— Não, desde que tudo fique bem definido entre nós. Não estou interessado num relacionamento com você. Não se trata de nada pessoal. É um homem jovem, atraente, e tenho certeza de que um dia fará um homem muito feliz. Mas esse homem não sou eu.
— Eu não... Você não... — Potter parou de repente — Pode ficar tranquilo. De minha parte, não tem nada a temer.
— Ótimo. Vejo que estamos entendidos.
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