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História A Pura - Fraternidade


Escrita por: FireboltViolet0

Capítulo 34 - Fraternidade




 

“Uma oportunidade falhada pode reencontrar-se, ao passo que jamais recuperamos uma tentativa precipitada.”


- Pierre Laclos



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Sentia que todos os olhares estavam voltados - e sobressaltados - sobre nós.  

- Lulu… Lulu… está viva…  

Marcos soluçava contra mim, apertando-me em seus braços, como se temesse que eu me esvaísse caso deixasse qualquer brecha.  

- Estou aqui… maninho… estou aqui.. - ofeguei, também retribuindo avidamente aquele abraço inesperado.  

Ele ficou alguns segundos ali, prostrado contra mim, até finalmente me soltar. Vi-o lançar um olhar assombrado ao redor, fitando Aline com uma latente e maravilhada incredulidade.  

- Quando disse que sua amiga se chamava Lua… - minha amiga enrijeceu, igualmente pasma – eu não… pude acreditar que realmente podia ser ela…  

Branda sacudiu a cabeça,  

- Será que alguém pode me explicar o que infernos está havendo?  

Ainda segurando as mãos de Marcos, virei-me na direção de Brenda.  

- Ele é… o meu irmão - anunciei a todos, sentindo meu coração martelando dolorosamente dentro do peito, tamanha minha felicidade e choque.  

Aline recuou, como se tivesse acabado de levar uma coronhada invisível na cabeça.  

- Seu irmão? - piscou, perplexa – mas sua família…  

Miguel não estava menos aturdido, vincando a testa na direção de Marcos.  

- Sim… minha família… - fitei meu irmão novamente – Marcos… como…?  

- Eu sei… - seus olhos ficaram marejados – eu… estava atrás de você… e tudo escureceu… - baixou a cabeça de modo desolado – e quando acordei… v-você já não estava mais lá… e tinha sido levada pelo Açougueiro..!  

Me contraí, sentindo a lembrança me golpear com a crueldade de uma faca.  

- Achei que você tivesse… - choraminguei, aflita.  

Ele assentiu, pesaroso.  

- Eu estava desacordado… nãos e preocuparam em saber… se eu estava vivo – apertou suas mãos contra as minhas – eu sinto muito, Lua… eu devia… ter protegido você.  

Meneei a cabeça em negativa.  

- A culpa não foi sua.  

Seu olhar tornou-se repentinamente gélido.  

- Podia ter salvado… todos vocês.  

Um calafrio percorreu minha espinha, resvalando-se sobre meu corpo como um balde de água gelada.  

O medo. A angústia. O pavor. A aflição.  

As memórias me invadiram, apunhalando-me ferozmente, fazendo com que eu me dobrasse de agonia.  

Senti os braços de Miguel circundando-me, tentando dar um mínimo apoio àquele corpo cambaleante - o que me acalmou o suficiente para que eu conseguisse fitar Marcos outra vez.  

- M-Marcos… - sufoquei um soluço – o que aconteceu… com eles?  

As mãos dele se fecharam em punhos.  

Marcos resfolegou, cabisbaixo.  

- Papai e Pedro… - guinchou – tentaram lutar contra o comparsa do Açougueiro, e impedir que você fosse levada… enquanto eu estava ferido… - seus olhos brilharam de profunda tristeza – receberam dois tiros - acrescentou, atormentado – no peito… eles não resistiram, Lua.  

Meus joelhos cederam, e teria caído se Miguel não tivesse me segurado.  

Papai. Pedro.  

Estavam mortos.  

O Açougueiro e seu comparsa os haviam matado.  

Depois de tantos anos, havia me conformado com a perspectiva de toda minha família ter sido assassinada. E então, tolamente, agora que tinha reencontrado Marcos, havia tido uma mínima e infantil esperança.  

Ouvir a confirmação daquilo doía bem mais do que eu havia esperado.  

Túlio… meu pai, o homem batalhador e extraordinário, que havia criado cinco filhos sozinho. E Pedro, gentil e afável, que havia sido como um segundo pai para seus irmãos.  

Nunca mais iria vê-los outra vez.  

Meneei a cabeça em concordância, reprimindo um uivo de desolamento.  

- Você disse que tinha quatro irmãos… - observou Aline, penalizada, quase que aparentando se arrepender de me lembrar.  

- Juliano…. E Heitor – confirmei com um aceno, ainda aflita – eles…?  

Um sorriso triste surgiu no rosto de Marcos.  

- Saíram… pouco depois… mas você já tinha sido levada. Não se feriram.  

Juntamente do pesar, um alívio imenso borbulhou dentro de meu coração.  

Heitor e Juliano estavam vivos.  

- Estão…?  

Marcos finalmente permitiu-se dar uma risada fraca.  

- Sim… nós ficamos juntos… depois de tudo que havia acontecido. Demos… um fim digno para papai, Pedro… e Bango.. que também tinha sido atingido – era perceptível que ele não queria se demorar nos detalhes, a fim de me poupar mais sofrimento – saímos de casa… procurando por você. Ficamos semanas tentando te encontrar…  

“Nossa busca de prolongou. Porém, já estávamos ficando sem qualquer esperança. Heitor mal conseguia encontrar comida e abrigo para nós dois durante a viagem. Quase formos interceptados por outros caçadores de carne. E mais de uma vez tive recaídas de febre, devido á infecção do ferimento que recebi na cabeça.  

Depois de um mês sem qualquer pista, nossa esperança finalmente desapareceu. E achamos… que tivessem te matado.”  

Ele engoliu em seco.  

- Bango… - Aline se pronunciou, visivelmente perturbada – se tivesse me contado sobre isso… eu realmente…  

- Tudo bem, Prisma – Marcos a olhou – não… foi culpa de ninguém.  

- E como vocês vieram parar na Força Rebelde? - indaguei.  

- Talvez – Brenda deu de ombros, enfim se manifestando - da mesma forma que eu? A organização os acolheu…. Certo, Comandante?  

- Sim – meu irmão concordou – quando desistimos de tudo… a Força Rebelde ofereceu-nos esta oportunidade… uma oportunidade que jamais teríamos recusado. Era a nossa segunda chance… nossa nova oportunidade de fazer a coisa certa… e tentar salvar outras vidas… já que havíamos falhado na primeira vez.  

Um silêncio incômodo invadiu o quarto.  

Percebi que Marcos observava Miguel – que, até então, não havia dito quase nada.  

- Ah… - decidi quebrar aquela pequena tensão – Marcos… este é Miguel… - sorri – foi ele que salvou a mim e minha amiga da margem…. há quase dois anos.  

Miguel adiantou-se, apertando a mão de meu irmão.  

- E um prazer, Marcos. 

Marcos lhe devolveu um sorriso cauteloso. 

- Então... foi você que cuidou da minha irmã todo esse tempo? 

Penalizada, vi a empatia no rosto de Miguel esmaecer. 

- Na verdade... não - ele baixou o olhar. 

Aline retraiu-se em seu canto, lançando um olhar exasperado e significativo para Marcos. Ele aparentou compreender o gesto, meneando a cabeça lentamente. 

- Lua... - sua voz ressoou com um quase imperceptível tom de súplica - por que você não vai... encontrar seus irmãos no grupo da divisão de Távora? Enquanto isso, eu e Miguel podemos colocar Bango à par de tudo o que aconteceu.... nestes últimos anos. 

Quis contestar, mas Miguel me lançou o mesmo olhar implorante, como numa exortação que eu atendesse o pedido de Aline. 

Temi deixá-los á sós. Tinha medo do que Miguel contaria - e de como Marcos reagiria. 

- Tudo bem, Lua – ele me tranquilizou, enquanto Marcos nos observava - só vamos conversar... vou atrás de você daqui a pouco. 

Ele beijou minha testa carinhosamente, apertando de leve meu ombro para enfatizar. 

Contra minha vontade, ainda temerosa, virei-me na direção da porta, retirando-me de dentro do quarto.  

A última coisa que vi foi o olhar irrequieto de Aline, antes de finalmente tomar o corredor, e perder seus olhos assustadiços de vista. 

 




 

 

- Espera, Lua! 

Um pouco de meu estresse pareceu esvair-se, assim que ouvi a voz de Brenda atrás de mim. Refreei a vontade de revirar o olhar, segurando o riso. 

- Oi. 

- Deus do céu - sua euforia era tanta que eu temia levar uma coronhada do rifle que ainda carregava – seus irmãos estão vivos... - ofegou, arregalando seu olhar em minha direção - deve estar completamente... chocada. 

- Sim – concordei distraidamente, ainda tentando absorver mais aquela descoberta assombrosa – eu... ainda não acredito. Depois de tanto tempo... 

Não andamos muito depois disso. Por que, logo à frente, entre os pequenos grupos que conversavam e bebiam no saguão do quartel, dois jovens entretinham os demais, virando copos e mais copos de cerveja na boca, num típico desafio de bebida Tenebri.  

As pessoas riam e batiam palmas, parecendo se aproveitar da distração para perderem um pouco de toda a sua formalidade militar. 

Para meu absoluto espanto, Brenda engatilhou uma das armas mais leves que trazia junto ao corpo, apontando o revólver para o alto e dando um tiro ensurdecedor contra o teto. 

A barulheira cessou no mesmo momento. Alguns – provavelmente toda a comissão de Távora - olharam escandalizados para Brenda, e outros tinham uma expressão de total tédio - como se uma garota de quinze anos interromper uma bebedeira atirando para cima fosse a coisa mais banal do mundo. 

Eu estava seriamente dividida entre rir e esconder o rosto nas mãos de vergonha, agora que todos haviam voltado seus olhares para mim. 

- Muito bem, cambada – como se não bastasse bancar a pistoleira alucinada, ela ainda assoprou o cano do revólver, fazendo alguns rirem – o negócio é o seguinte... nossa convidada Lua quer saber se os irmãos dela se encontram presentes aqui neste exato momento. Então ajudem a moça, por favor. 

Um dos Tenebris que bebiam – o mais velho, provavelmente perto dos trinta anos - deixou cair seu copo, fazendo com que se estilhaçasse violentamente contra o chão. 

O outro, pouco mais velho que Marcos, interrompeu sua cerveja no meio do caminho, derramando o líquido ao redor da barba que começava a despontar em seu rosto. 

Ambos se viraram, levantando imediatamente, com os olhares arregalados em nossa direção. Pisquei, lacrimejante, reconhecendo aqueles rostos sobressaltados. 

- Heitor... - ofeguei, sorrindo em meio as lágrimas - Juliano...? 

Vi Heitor recuar, quase tropeçando no caixote que, até então, haviam usado como mesa. 

- Impossível. 

Juliano, por outro lado, não pareceu ter qualquer dúvida. 

- L-Lua... é você...! 

Ambos se aproximaram ao mesmo tempo, arquejantes, engolfando-me num abraço absolutamente apertado a emocionado. 

Por trás do ombro de Heitor, vi Brenda cobrir a boca com as mãos, como quem se esforçava para reprimir o choro.  

Os demais militantes não estavam menos comovidos – o que só me fazia imaginar que cada um ali também já havia perdido algum membro da família. 

Assim que os soltei, eles sorriram largamente para mim, trêmulos de tanta alegria. 

- Mas como..? - Heitor estava perplexo, afagando meu rosto com extremo carinho e delicadeza, como se tivesse reencontrado uma relíquia há muito perdida. 

- Bem... pelo que pude ver, é uma longa história - comentou Brenda em voz alta, para que todos ouvissem – o Comandante Bango dará mais detalhes em breve. 

- Quem se importa, Heitor? - Juliano gargalhou, voltando a me içar nos braços, e me rodopiando no ar – nossa irmãzinha está viva! É um milagre! - ele me devolveu ao chão, entusiasmado – ah, Lua... achamos que nunca mais... veríamos você...! 

- Eu também... - admiti, com um nó na garganta – eu... pensei que o Açougueiro tivesse... 

Vi-os se entreolharem. 

- Chegamos tarde demais naquele dia – todo o contentamento no rosto de Juliano havia desaparecido - não... conseguimos evitar que você fosse... 

- Não. Por favor - não ia suportar relembrar mais nada naquele dia – outra hora... eu só... - forcei uma risada - só estou feliz... por estarem aqui – pigarreei, tentando mudar de assunto. Precisava desviar minha mente de todas as surpresas que haviam me atacado até então - então... soldados da divisão de Távora? 

- Sim – Heitor estufou o peito orgulhosamente, ao que Juliano revirou o olhar. A banalidade do assunto bastou para que os demais desviassem sua atenção de nós, retornando rapidamente ao falatório anterior – Sou o vice-comandante, Cobra. 

- Apelido meio presunçoso - observou Juliano, num tom brincalhão - aqui na Força Rebelde, substituímos nossos nomes por títulos... sabe... para nos tornarmos mais anônimos... principalmente quando estamos em combate  - eu preferi algo mais modesto... - acotovelou Heitor, risonho – sou Argos.  

- Por que ele vê tudo, ouve tudo... e come tudo – ouvi uma voz nova se aproximar. Uma jovem mulher, de tez parda e longos cabelos negros, que me cumprimentou com o gesto formal dos demais combatentes da Força Rebelde – prazer, Lua. Sou Jessica... braço-direito de Prisma – ergueu uma sobrancelha humorada na direção de Heitor – mas, já que estamos falando de códigos... me chame de Pandora. 

- O prazer é meu - sorri, meio sem graça. 

- Bem... - Heitor interferiu - já que nossa maninha finalmente se juntou à família... acho que ela precisa de um código também, não é? 

- Ah, parem. Depois vemos isso – Brenda apanhou alguns copos, distribuindo-os entre nós, erguendo uma garrafa de cerveja em nossa direção - um brinde á Lua! 

Todos ergueram seus copos ainda vazios, enquanto Brenda os enchia. Jessica assentiu, encarando-me com um curioso esgar de satisfação. 

- À uma nova esperança. 

Também levantei meu copo, sem conseguir conter uma contração de alegria, dando um longo, profundo e maravilhoso suspiro. 

Pela primeira vez em quase dez anos, finalmente me sentia em casa. 

 

 

 



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