História A Sereia- CAMREN - Capítulo 44

Meu coração pulava no meu peito, agredia com força nas suas batidas intensas. Era ela.

Dois olhos atentos surgem pela água e logo vejo seu corpo emergir, sinto a instantânea vontade de sair correndo.

Ela se levanta, nua, com as pernas formadas só que cheias de escamas esverdeadas. Em sua pele clara o brilho do sol se reflete, olho ao redor com medo de que qualquer um a veja aqui, mas não há ninguém essa hora aqui no porto.

- Não fuja.- ela diz em seu tom melódico e eu a encaro nos olhos, sentindo meu corpo vibrar.

- Eu não vou.- respondo em um tom firme, mesmo que eu esteja fraca.

- Eu preciso conversar com você.- ela faz uma pausa, sua voz é tão suave, me faz querer fechar os olhos e só ouvir o som de suas palavras.- Você pode me ouvir?

- Lauren...- eu suspiro. A sereia dá mais um passo para frente e toca no meu braço, fazendo meus pelos ali se arrepiarem por sua pele estar tão gelada.

- Eu sei, eu sei que você ainda sente raiva e não é para menos.- ela diz de uma vez sem pausas para eu não interrompe-la.- Eu não estou pedindo o seu perdão, eu só quero te ajudar, dessa vez de uma forma diferente das outras que eu tentei.

Dou um passo para trás hesitante, ela continua ali parada, nosso toque se desconecta.

- O que você quer?

- Quero te contar a verdade e depois prometo ir embora, dessa vez para sempre.- ela diz com naturalidade, meu coração erra a batida, eu engulo em seco.

- Que verdade?- questiono e ela dá mais um passo para frente, as escamas diminuindo de quantidade.

- Sobre o seu pai.- sinto meu sangue gelar e começo a ficar nervosa.

- O que você sabe sobre o meu pai?- Lauren se mantém séria.

- Se você me emprestar o casaco posso te mostrar uma coisa.- ela aponta para os braços nus e eu retiro meu casaco longo no mesmo instante.

Olho ao redor mais uma vez para ter certeza de que não há ninguém por perto, Lauren vira de costas eu coloco o casaco em seus ombros, ela estende os braços e veste o casaco, abotoando logo em seguida.

- Vamos?- ela pergunta indicando o navio com o olhar, eu concordo com a cabeça e sigo ela. Nós damos passos lentos, ela ainda pisando com os pés descalços na água.

Ao chegar na escada de madeira que leva ao navio eu hesito.

- Vá na frente.- ela diz apontando para o degrau.

Eu suspiro olhando para o pedaço de madeira, encaro Lauren que tem seus belos e vibrantes olhos verdes esperando por mim.

Talvez eu finalmente possa entender o porquê dela ter feito tudo o que fez, talvez eu possa perdoar. Mas tudo isso tem a ver com o meu pai?

Tomo impulso e subo de uma vez, sem olhar para baixo, pensei que demoraria um tempo para retornar ao navio, mas quando coloco o pé no convés eu percebo que é aqui que me sinto em casa.

Não em terra, mas no meu navio, sempre soube que ele um dia seria meu.

Lauren sobe o último degrau e chega ao convés ao meu lado, eu a encaro de frente e ela começa a falar, seus cabelos molhados estão com pequenas folhinhas verdes presas entre os fios, o que dá a um aspecto ainda maior de sereia, já que as escamas desapareceram.

- Seu pai era um homem bom Camila.- ela começa, as palavras me atingem com uma intensidade absurda e eu preciso de um tempo para processa-las.

- O-o q-que?- gaguejo.

- Ele não era a melhor pessoa do mundo, e tirando sua atitude egoísta no final de sua vida, ele era um homem bom. Sei que havia muita maldade em seu coração.

- Ele não era bom, como alguém com maldade no coração pode ser bom?!- cruzo os braços e balanço a cabeça, não acredito no que ela está me dizendo.

- Vai ser difícil para você entender, não se culpe pelo que aconteceu, ele não foi um bom pai para você. Alejandro era egoísta, como eu disse, mas em seu coração tinha um anseio muito grande, uma vontade que eu jamais vi em outra pessoa, só em você.

Ela faz uma pausa e ajeita o cabelo para trás, o casaco está molhado em seus ombros.

- Vejo essa vontade em seu coração e é por isso que sempre tentei te guiar pelo caminho certo, eu juro que sempre tentei te proteger e só voltei agora porque eu consegui. Nenhuma sereia vai tocar em você, jamais.

Eu a encaro sem entender, abro a boca para questionar, mas ela me interrompe.

- Como líder das sereias eu perdoei você e sua tripulação por tudo o que aconteceu. A prisão na caverna é um símbolo, a pessoa, ou pessoas, só podem sair de lá se forem dignas de sair, e como todas foram, vocês estão livres.- eu tinha me esquecido de toda essa história de "as sereias vão se vingar", de verdade eu já estava cansada disso, nunca fiz nada para que elas precisassem se vingar de mim.

- É isso?- pergunto- Estou perdoada sem ter feito nada?

- Camila, você matou a Rachel.- ela diz sensata.

- E ela tentou me matar.- cruzo os braços irritada.- E Jasmine e Alexa que queriam se vingar de algo que não fiz?

- Elas ainda cumprem pena, será eterno, jamais serão perdoadas. Elas só fizeram isso porque seu pai fez uma sereia se apaixonar e esse é um dos piores crimes.

Ela olha para baixo.

- Um que eu também cometi.

- O que...?- fico sem palavras e tento absorver a quantidade de informações.

- Esqueça,- ela balança a cabeça e revira os olhos- lidarei com isso mais tarde. Como você sabe, seu pai não veio esconder um tesouro na ilha, ele roubou o nosso.

- Que vocês roubaram de outros piratas...- analiso minha frase.- Ah! Não é roubo se estão mortos por culpa de vocês.- exalo ironia em minha frase.

- Camila, eu já disse que não podemos mudar nossa natureza e espero que um dia você compreenda isso.- seu tom é calmo, ela parece não se alterar tendo essa conversa séria comigo, como se tudo estivesse em paz.

- Seu pai sobreviveu então era dele, nós temos um trato, se o pirata sobreviver a ilha e encontrar o tesouro, ele pode ir.- ela distribui o peso de um pé para o outro, eu pego uma corda no chão e começo a fazer nós nela enquanto ouço a sereia falar.- Nós não podíamos matá-lo, nem impedir de ir com o tesouro. Mas Jasmine se apaixonou por ele e ao se ver traída ela desejou sua morte, o que era errado e Rachel sabia, mesmo assim, a líder nunca deixou claro que não aprovava, ela quase que motivou a vingança. Quando eu descobri tudo eu precisava proteger o Alejandro, foi ai que eu descobri o que aconteceu.- eu a encaro.

- E você me acha uma pessoa horrível?

- Seria o sujo falando do mau lavado.- eu abro um sorriso e ela também, é claro, é uma sereia, querendo ou não Lauren já matou alguns piratas, só não gosto de imaginar isso com ela assim tão perto de mim.

- De qualquer forma o plano delas mudou, elas queriam se vingar e iriam até o final, descobri o que elas iriam fazer quando você já estava no navio ao mar, elas como sua tripulação. Usei a desculpa de seduzir Verônica como se eu não soubesse que o navio era só de mulheres, na verdade eu não imaginava que uma mulher poderia se encantar pelo canto de uma sereia, mas eu queria chamar atenção.

Lauren se recosta na lateral do navio e eu me recosto ao lado dela, por um momento nossos corpos se encontram e eu a encaro nos olhos, vendo minha imagem refletida em seu tom verde, ela desvia o olhar.

- Nós tivemos aquela rivalidade, nunca entendi o real motivo, acho que nem você entende.- ela olha para o lado, para mim.

- Conflito entre líderes.- Lauren sorri, um belo sorriso.

- Pode ser, mesmo assim eu queria te proteger.- ela olha para baixo e para os lados, franze as sobrancelhas.- Tentei me distanciar de Alexa e Jasmine que não gostaram nada da minha atitude, eu não podia continuar no seu navio por muito tempo, por isso fui embora.

Concordo com a cabeça, finalmente entendendo tudo o que se passou. Agora eu poderia olhar para trás de uma outra forma.

- Eu sabia que muitas delas iam se machucar se continuassem no navio, por isso as levei, eu não poderia levar todas, mas as faria retornar. Como o meu plano de comandar seu navio não deu certo, e Jasmine tinha o navio na palma da mão, Eu já imaginava onde isso tudo daria.

- Um navio fantasma e uma ilha maldita.- digo e Lauren concorda com a cabeça.

- Era importante você ter reforços e foi por isso que eu retornei com os botes, nunca queria colocar a vida delas em risco, mas precisava te ajudar e para isso precisava delas. Tentei trazer confiança a elas, mostrei minha verdadeira forma sem me importar, precisava proteger você.- ela começa a mexer na ponta dos cabelos, e continuo a fazer nós na corda.- Quando vi Normani se afogando não hesitei em salva-la primeiro, eu sabia que ela poderia ajudar muito e sabia que ela já suspeitava de eu ser uma sereia.

- Ela estava naquele dia com a Vero...- digo e Lauren assente.

- Sim, estava. Retornei a ponto de te salvar de Jasmine, nós brigávamos dentro d'água até as sereias protetoras nos separarem. Por dentro eu sentia uma raiva descomunal de Jasmine, eu não podia acreditar que ela queria se vingar de você, você não tinha nenhuma relação com o fato de seu pai ter feito o que fez com ela.

- Sangue do meu sangue.

- Isso não justifica para mim.- Lauren parece séria sobre esse assunto e decido não argumentar, só deixar ela falar.- Eu sempre soube que seria líder se acontecesse qualquer coisa com Rachel, é claro que eu não desejava que ela morresse, mas ninguém gostava dela. - Lauren me encara com intensidade.- Ela nunca cumpriu as leis da forma certa. Era injusta.

Concordo com a cabeça e deixo a corda de lado ao ter feito o quanto de nós eu podia.

- Ao me tornar líder eu não podia me mostrar contraditória à Rachel, afinal eu teria que cura-la, essa é a lei, eu e ela somos as únicas que possuem esse poder e se ela se machucasse eu teria a responsabilidade de curar cada machucado. Eu tentei, mas não consegui.

Ela olha mais uma vez para mim.

- A ninfa me escolheu como líder e levou Rachel. Ao receber os poderes eu deveria punir quem fez isso com a antiga líder, mas a lei das sereias é que se alguém se livra de uma punição é porque não a merece e então deve ser perdoado.

Ficamos um tempo em silêncio, eu ingerindo pouco a pouco cada palavra dela. O sol já estava subindo no céu, o tempo se passando e por fim eu respondo.

- Eu te perdoo.- minhas palavras se rastejam pelo ar, disparando do meu coração.

Lauren demora um tempo para virar o rosto e me encarar, quando faz já estou de frente para ela.

Seus olhos me analisam com cuidado, eu me aproximo, um passo para frente e nosso corpos estão quase que se encostando.

- Eu te perdoo Lauren.- minha mão toca em seu rosto, ela fecha os olhos e eu aproveito para beijar os seus lábios.

Sinto borboletas no meu estômago, meu corpo se aquece, seus lábios são macios e sua língua abre espaço para o beijo, eu cedo suspirando ao me sentir flutuando.

Suas mãos tocam minhas costas, fazendo eu me aproximar dela.

Foi o beijo perfeito e neste momento eu percebi que eu precisava dela. Que eu gostava dela. E que nada mais me impediria de estar ao lado dela.

Quando nossos lábios se desconectam minha respiração está ofegante, levo um tempo para abrir os olhos, ao vê-la me deparo com sua imensidão verde e abro um sorriso.

- Eu gosto muito de você Camz.- ela diz e depois olha para baixo.- Mas eu preciso ir.

- O que?!- grito de olhos arregalados não acreditando no que ela está dizendo.- Como você pode fazer isso comigo?

- Eu disse que iria embora.

- Não.- seguro na mão dela.- Você não vai, eu não vou deixar.

Lauren olha para baixo, vejo uma lágrima escorrer do seu rosto e no mesmo instante eu uso a minha mão para limpa-la e ergo o seu queixo para que ela me olhe nos olhos.

- Você não pode ir...

- Camila, eu sou uma sereia, meu lugar não é a terra...

- Deixa eu ir com você.- digo de uma vez- O meu lugar é o mar, eu nasci para isso.

A sereia nega com a cabeça e eu retiro a mão de seu rosto fazendo ela me encarar de forma triste.

- Você...vai me deixar?- sinto o nó já se formando na minha garganta.

- Eu preciso.- ela não consegue me encarar.- Não podemos ficar juntas.

- Ótimo.- grito de uma vez fazendo ela levantar o olhar.- Suma daqui então Lauren, suma daqui. Agora!

Ela estremece e arregala os olhos.

- Camila...

- Não quero mais ouvir suas desculpas, eu faria tudo para ficar com você, mas eu vejo que você não faria o mesmo por mim.

- Não é assim, você não entende, você é humana...

- E você é uma maldita sereia.- uma lágrima escorre pelo meu rosto, vejo una deslizar pela bochecha dela.

- Não podemos, não agora, não antes de...

- Antes de o quê Lauren?

- Todos devem aceitar a própria natureza ou cumprir com o seu destino.

- Do que você está falando?- vejo as lágrimas escorerem incessantemente pelo seu rosto.

- Você vai entender, mas eu não posso te contar.- ela faz uma pausa e eu fico quieta enquanto a vejo desabotoar o casaco.

Ela me encara mais uma vez, vejo seus olhos escurecerem, ela retira o casaco e o tecido desliza até o chão.

- Eu espero que não demore muito...

- O que...?- tento dizer, mas é tarde demais, quando tento a impedir ela já pulou do navio, se transformando no ar e nadando na água, sinto meu coração se partir por completo.