Aurora choramingava baixinho encolhida no canto da prisão, o cansaço do sono a envolvia e mesmo assim ela não conseguia dormir, se sentia tão vulnerável como nunca antes ficara, suas juntas doíam como se tivessem sido forçadas todo o dia, mas era apenas o efeito de uma noite de sono perdida. Ela não conseguia entender como o Duarte, um homem rico e provavelmente acostumado com o luxo conseguia relaxar e dormir naquela cela, naquele chão duro e esburacado sem nem ao menos ser limpo, mas o olhando de outro ângulo, olhando para aquele homem e tentando esquecer o seu nome de peso, tudo o que ela via era um cara relaxado e de vida mansa, ele não parecia ser alguém com muitos problemas e nem de longe aparentava ser um homem de negócios. Ele poderia ser comparado à um roqueiro, à um surfista, um hippie, um nômade, a qualquer coisa menos a um empresário e isso a fazia ter certeza de apenas uma coisa sobre ele: Era estranho!
A essa hora sua mãe já estava lhe procurando, já havia ligado para a casa de todas as suas colegas e não demoraria para descobrir o paradeiro da filha, sendo que os primeiros raios de sol começaram a aparecer entre as nuvens ainda escuras, ah, sua mãe deveria estar louca sem saber notícias da filha! Mas logo o delegado iria bater na porta de sua casa e comunicar que sua primogênita estava retida por furto a uma joalheria, e não uma joalheria qualquer, mas a joalheria em que ela trabalha. Inicialmente Gabriela iria duvidar de todas essas palavras e repetir várias vezes “Minha filha, não”, então iriam mostrar a ela as filmagens e aí toda a ideia sobre uma filha exemplar que ela tem de Aury iria cair como uma cortina puxada com agressividade por alguém com muita raiva. Certamente a inocente Gabriela seria apontada como uma das suspeitas por cumplicidade, perderia o emprego por “justa causa” e a culpa seria toda da sua querida filha presidiária.
“Será que ela já ligou para o papai? Ele deve estar maluco” sua mente confusa não conseguia pensar em nada positivo naquele momento. Ela roía as unhas e mantinha os olhos vermelhos escancarados, eles ardiam, mas ela não se importava com isso naquele momento.
As horas demoravam passar naquele ambiente fechado, úmido e escuro. Ela só queria ir para casa e deitar na sua cama acolchoada, apoiar a cabeça no seu travesseiro de penas, mas naquele momento, isso parecia ser “querer demais”. Entre uns pensamentos e outros enxugava as lagrimas que escorriam medrosas sobre sua pele rosada e abatida. Não tinha mais nada a fazer a não ser ficar ali, esperar o dia amanhecer por completo para ser atendida pelo delegado, pai de sua amiga Maria e receber sua sentença. Uma vez ela ouviu que a pena para furto é entre um à oito anos.
Estava perdida!
As horas passaram como se fossem pedras destruídas pelo vento, mas em fim o sol ficou alto no céu sem nuvens. Bernardo bocejou e esticou os braços para o alto despertando, Aury olhou pelo canto dos olhos para ele, sentia uma raiva inexplicável por aquele homem naquele momento. Ele poderia ser a solução de todos os problemas dela naquele momento, ela devolveria todo o dinheiro roubado da loja dele, mas tudo o que ele parecia querer (No ponto de vista dela) era o sofrimento dela.
Ele sentou-se no chão e esticou o corpo em direção a ponta dos pés se alongando, em seguida pôs os braços para trás para ficar melhor apoiado, olhou para os lados como que procurando algo que o distraísse enquanto estralava a língua, então finalmente notou a presença da garota na cela em frente a sua, ela continuava encolhida no canto da parede e com o rosto escondido embaixo dos braços e do cabelo espesso.
-Bom dia! –Cumprimentou o homem inclinando levemente a cabeça.
Não se ouviu resposta então ele tentou outra vez:
-Bom dia, moça –Falou mais alto, pensou inocentemente que ela não havia respondido porque não havia o ouvido, o que era um engano.
-Bom dia, só se for para você! –Resmungou com a voz rouca por causa do tempo que passou em silêncio –Você vai sair daqui dentro de algumas horas, vai para o seu hotelzinho de luxo, assistir um programa de comedia e rir com os amigos...-Ela levantou os olhos, mantendo escondido apenas o nariz e os lábios abaixo do braço –Eu vou sair daqui, mas para um presídio de verdade onde vou ficar por alguns anos –A voz dela começara a pesar –Por causa de um maldito dinheiro seu que eu quero devolver de bom grado e você não quer aceitar!
-Você roubou! Não fale como se houvesse pedido emprestado –Ele tinha um leve tom de sarcasmo na voz.
-Eu estou arrependida –Gritou ajeitando-se de modo que deixou seu rosto em evidência.
-Meu Deus! –Ele tinha uma leve abertura entre os lábios, seu cenho leve e toda a sua feição demonstrava o tamanho espanto que ele sentia no momento –Como isso é possível?
Ele engoliu seco fazendo o nó da sua garganta subir e descer rapidamente antes de entreabrir novamente sem perceber os lábios pequenos, ele parecia analisar cada detalhe do rosto da garota através das grades que o impediam de se aproximar, exatamente como na noite anterior.
-Você é tão parecida com ela. É muito estranho! –Ele apontava o dedo para o nada e o mexia como se tivesse desenhando o contorno de seu rosto no ar –Os mesmos olhos, sabe? –Ele inclinou a cabeça para o lado e piscou rápido os olhos antes de continuar a descrevê-la –Até a voz é parecida. Como isso é possível?
-De que me importa tanta semelhança se em nada me serve? –Ela enrugou o nariz como se tivesse nojo de algo.
-Eu ainda não consigo entender. Olhar para você, moça, é como voltar no tempo. -Ele sorriu encantado –Voltar para o tempo bom, onde eu gostaria de viver para sempre.
Aquelas palavras fizeram Aury entrar em devaneio por um tempo, imaginando o quão importante essa garota havia sido na vida do Bernardo Duarte. Pensara por um momento que a tal Lady Laura com a qual ele a confundira poderia ter sido a sua noiva, mas isso não importava, Lady Laura não a ajudava.
-Dane-se! –Respondeu com rebeldia na tentativa de atingir o homem que ela julgava ser cruel por não querer acobertar o erro dela e dos amigos.
-Você é mal-educada assim mesmo, ou só está com raiva? –Indagou o homem com a voz calma de sempre, esquecendo por um momento a semelhança entre a mulher que ele amava e a garota ladra.
Aury virou-se para a parede e entronchou os lábios como se nada que o homem dissesse fosse importante para ela e realmente não era por enquanto, não se importava se ele achava que ela não tinha modos ou nada disso, haviam problemas maiores rondando sua mente.
-Senhor Duarte? –Um policial com porte atlético caminhava em direção a cela do Duarte, enfiou a chave na fechadura do cadeado e girou duas vezes –O seu advogado já resolveu tudo, o senhor está liberado.
Bernardo levantou-se desajeitado batendo inutilmente em sua calça jeans folgada para retirar a poeira, curvou-se para pegar a touca que havia caído enquanto dormia no chão, passou os dedos entre o cabelo desgrenhado e enfiou a touca na cabeça novamente. Olhou uma última vez para a adolescente pequena que o olhava de baixo e levou a mão rapidamente até a altura do cenho se despedindo em silêncio. O policial o guiou pelo corredor, Aury levantou-se rapidamente e empurrou seu rosto contra a grade para ver o Duarte ganhar a liberdade enquanto ela continuava ali. Ele não olhou para trás e ela se sentiu mais sozinha do que antes.
Antes que Bernardo atravessasse a porta que o tiraria do corredor da cela, ele pôde ouvir a voz (que parecia muito com a de sua falecida L.Laura) chamar por ele:
-Bernardo! –Ele demorou alguns segundos para virar-se e encarar de longe a moça que amassava o rosto fino contra as grades. Aurora o chamou mais por impulso do que por que realmente queria dizer algo, na verdade, ela não queria dizer nada, queria, mas não tinha nada a dizer –Nada não –Ela sorriu fino sem mostrar os dentes, quando ele a encarou com as mãos soltas e com os olhos caídos. Ele sorriu sem formar som com as palavras da garota e virou as costas para ela novamente –Adeus! –Gritou convencida de que essa era última palavra que iria trocar com aquele homem e ele voltou a olhar para ela novamente.
Bernardo não sabia o porquê exatamente, mas deixar Aurora para trás, deixa-la naquela cela imunda e escura sozinha parecia errado. Aquilo estava pesando sobre ele, como se ele estivesse a abandonando, mas mesmo se fosse porque pesaria tanto? Era porque ela era o reflexo de Lady Laura! Ele podia ver nela a mulher da sua vida... mesmo sabendo que Aurora não era ela, ficar na presença da garota o fez se sentir bem (mesmo a garota estando de mau humor e chorosa).
Ele passou a língua sobre os lábios ressecados e ficou em silêncio por um momento observando aquele rostinho bonito trancafiado, ah, era um pecado deixa-la ali. Ele ficou calado por um tempo cuidadoso enquanto escolhia as palavras certas para se despedir dela.
-Até logo, moça.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.