– Ai! – reclamei – Mamãe, cuidado com isso!
– Desculpe, meu bem – ela consertou a posição do tecido – Melhorou?
Assenti com a cabeça. Não havia dado nem seis da manhã, e, eu já estava acordado. Faltavam dois dias para o natal e nós estávamos no quarto do hospital. Mamãe me ajudava a vestir a camisa, enquanto o meu pai resolvia as ultimas pendencias burocráticas para a minha alta. Embora os meus ferimentos tivessem já quase todos sarados, algumas partes ainda doíam bastante quando tensionadas.
– Me dá tanta agonia te ver assim, tão magrinho...
Ela se lamentou. Eu sorri.
– Já, já, isso passa, mãe – a acalentei – Prometo comer o suficiente pra te deixar feliz, tudo bem?
– Como se pra você isso fosse muito difícil.
– Faço tudo pelo bem maior.
Agora era mamãe que ria do meu cinismo. Ela afagou os meus cabelos antes de se afastar, até um pequeno armário, ao longe.
– Tem certeza que não vai te sobrecarregar sairmos direto daqui para o aeroporto? – indaguei, analisando a quantidade imensa de sacolas e malas ao lado da porta.
– Não, creio que não – mamãe negou, entretida em arrumar algumas coisas – O Gui ligou. Ele me disse que ele e os seus irmãos já ajeitaram bastante as coisas na Toca. Por isso eles foram mais cedo. Seu pai e eu não vamos precisar nos preocupar com isso quando chegarmos.
– Quem já está lá?
– Seus irmãos, menos o Carlinhos, que chega de viagem hoje à tarde. A Fleur com a Vic, a Gabrielle e a Audrey. O Quim e a esposa vão chegar à noite. O resto das pessoas só chegará amanhã mesmo.
Resto das pessoas?
– Que pessoas? – questionei, curioso.
– Ah, querido... – mamãe se virou na minha direção – Uns amigos do seu pai, recentes. Os convidamos para passar o natal conosco.
Arqueei a sobrancelha e assenti com a cabeça, concordante. Logo em seguida a porta do cômodo fora aberta e o Dr. Davis e Liza, uma das enfermeiras, entraram no quarto. Papai, Ginny, Harry e Miguel vieram em seu encalço. Os dois últimos, assim como a Angel, que viajaria no dia seguinte, também iriam passar o natal na toca conosco. O médico sorriu para mim. Ele estava com o meu prontuário na mão.
– Bom dia, Ron... – ele me cumprimentou – Como você está se sentindo?
– Ótimo... – respondi – Melhor impossível – ressaltei – Já posso ir embora daqui?
– Calma, rapaz... – o médico riu – Eu tenho que conferir algumas coisas antes.
Rolei os olhos. Eu já não aguentava mais ficar naquele lugar.
– Eu juro que não acho que estamos em 1920 e eu sou um viajante do futuro, ou, muito menos acho que estamos perdidos em outra dimensão do universo – brinquei – E eu também posso afirmar que lembro o nome da minha família toda de cor e de inúmeros acontecimentos da minha infância – garanti, impaciente – Tipo o dia que a Ginny caiu de cara na lama, no colégio, na frente de todo mundo, e ficou com uma aparência horrível.
– Ron! – a minha irmã protestou, inconformada.
As pessoas que estavam no quarto riram da sua reação.
– Mas é a verdade! Seu cabelo ficou todo grudado e eu tive que carregar sua mochila, que também tava nojenta, porque você ficou com raiva quando aquele menino idiota que você gostava... como era o nome dele mesmo? – estalei os dedos e franzi a testa, forçando a minha memória – Drew! Drew Anthony! Lembrei... enfim, depois que ele ficou rindo da sua cara toda suja.
– Ele era um imbecil! – ela torceu o nariz, desdenhosa.
– Era mesmo... – concordei, pensativo.
– E você também.
– Eu?!
Os espectadores assistiam a nossa discussão idiota, interessados.
– Caso você tenha esquecido, Ronald, você também foi o caminho todo de volta rindo de mim!
– Rir da sua cara era o meu papel de irmão mais velho – objetei – E nem vem, você se vingou colocando aquela aranha horrorosa no meu quarto no dia seguinte!
Harry encarou a minha irmã, assustado, com um quê de interrogação no olhar. Ela riu, maléfica.
– Ah, não foi vingança, querido Ronald... – Ginny retrucou, dissimulada – Foi apenas uma retaliação...
– Ah, claro... – acabei rindo também.
Papai nos interrompeu.
– Tá bom, crianças. Vocês já lavaram a roupa suja de vocês. Agora deixem o Dr. Davis falar, antes que eu coloque os dois de castigo.
Fizemos cara de anjinhos, exatamente como na nossa infância. O médico balançou a cabeça, sorridente, antes de prosseguir.
– Eu acredito na sua recuperação cerebral, Ron. Até porque a sua ressonância já me confirmou isso – ele me olhou por cima dos óculos, maroto – Eu vim aqui para conversar sobre o seu braço.
Franzi a testa, sem entender. Ele continuou.
– Como eu já te expliquei, você rompeu boa parte do ligamento que une o seu pulso ao seu antebraço. Isso interfere diretamente no movimento da sua mão.
O Dr. Davis se sentou na beirada da cama, ao meu lado.
– Eu vou ser o mais sincero que eu posso ser, Ron. Mesmo quando você retirar a tala fundida, daqui a quatro semanas, é possível que você permaneça com a dificuldade em locomover essas articulações.
– Mas vocês não fizeram uma cirurgia, no dia do acidente, pra poder corrigir isso?
– Fizemos... – ele confirmou – Mas essa área, apesar de ser muito flexível, ela é muito sensível também – ele explicou – O impacto que ela recebeu foi muito forte.
Umidifiquei os lábios, sem reação. Demorei um pouco até voltar a fazer outra pergunta. Inclusive, me senti a pessoa mais boba da face da terra ao dizê-la em voz alta.
– E agora?
– Bom, tudo isso é apenas uma possibilidade. Assim que você retornar, para a revisão, se os ligamentos já estiverem recuperados, vamos iniciar a fisioterapia e alguns outros procedimentos auxiliares. Mas, pela forma que o seu se regenerou rapidamente dos outros agraves, eu acredito que o seu pulso também irá pelo mesmo caminho.
Me senti um pouco melhor com a observação. O médico deu batidinhas de leve no meu ombro.
– Você vai ficar bem, rapaz. Considere a sua luta. Você é forte. Mesmo inconsciente, você não desistiu em momento nenhum.
Sorri de canto. O Dr. Davis passou a palavra para a enfermeira e ela nos entregou uma chuva torrencial de instruções de repouso, precauções e higiene, que mamãe prestou atenção com o maior afinco do mundo. Assim que a aula acabou, o Dr. Davis oficializou a minha alta. Meu pai, minha mãe seguiram com o médico. Harry e Miguel se adiantaram até o estacionamento, com quase toda a bagagem que estava atrás da porta, me deixando a sós com Ginny.
– Você não parece muito feliz... – a minha irmã comentou, me observando.
– Não é muito legal saber que eu posso ficar aleijado pra vida toda – rebati.
– Não fala assim, Ron. É feio e ofensivo – ela ralhou – Além do mais, o Dr. Davis disse que isso era apenas uma possibilidade. É o papel dele de médico te avisar...
Concordei , sem dizer nada.
– Então... qual o problema? – Ginny insistiu – Não vai me dizer que você ainda tá chateado com a história da aranha...? – ela sorriu, tentando fazer graça – Já faz quase dez anos isso...
Neguei levemente com a cabeça. Fixei o meu olhar na janela aberta. Apesar do horário, a lua crescente ainda marcava sua existência no céu. Suspirei
– Ela não tá aqui...
O meu problema era bem óbvio.
– Mas ela me prometeu que ficaria...
Ginny se sentou do meu lado. Por causa do seu tamanho, seus pés ficaram suspensos no ar. Continuei a falar, enquanto ela os sacodia para frente e para trás.
– Eu pensei que depois daquele dia... que... – soltei o ar dos pulmões novamente, dessa vez mais forte – É tão complicado entender a Hermione...
Bufei, frustrado. A minha irmã me chamou, prendendo a minha atenção.
– Ron, não teve um dia sequer, durante o seu coma, que eu não vi a Mione nesse quarto, debruçada sobre essa cama, esperando alguma reação sua – ela disse, paciente – E durante esses dias também, ela veio várias vezes. Você sabe disso...
– Do que adianta ela vir quando eu tô dormindo? Ou fazendo algum exame?! É a mesma coisa de não ter vindo...
Passei a mão pelos cabelos, irritado.
– Ela me deixa perdido, Ginny. Eu nunca sei o que fazer. Eu nunca sei como agir. Hermione bagunça a minha cabeça de uma forma absurda que chega a me deixar com raiva. Com raiva dela e, principalmente, com raiva de mim mesmo.
– Por quê?
– Porque ainda sim eu não quero me afastar. E eu não quero que ela vá embora. Eu sinto a falta dela desde quando eu acordei desse maldito coma. Deveria estar sentindo também quando estava inconsciente. E já sentia antes do acidente, muito.
– Você sabe que parte dessa culpa é sua, não é, Ron? – a minha irmã salientou, dura – Você mentiu pra Mione. Você confirmou que tinha ficado com a Angel e não voltou atrás nisso.
– Eu tava com raiva, Ginny! – me defendi, mesmo sabendo que eu estava muito errado – E não é como se a Hermione não soubesse que era mentira. Eu nunca faria isso... – não faria mesmo – Só que quando ela falou do Krum eu perdi a cabeça. Eu fico maluco só de imaginar ele chegando perto dela...
– Mas independente de qualquer coisa, Ron, você quis magoa-la. E foi isso que doeu mais na Mione.
– Eu sei. Quando eu percebi que tinha feito merda eu fui falar com ela, mesmo sem admitir algo, de fato. Mas aí já era tarde demais...
– Tem certeza que era mesmo tarde demais?
– Não era...?!
Franzi o cenho, confuso. A minha irmã sorriu anasalado e negou com a cabeça. Eu a encarei, sem entender.
– Quando ninguém mais tinha esperanças, Ron, foi a Hermione que ainda sim persistiu. Ela pôs tudo de lado, tudo, só pra se dedicar a você. E não, não foi por pena, ou culpa, porque ela fazia isso com gosto e dedicação – Ginny pôs as mãos de cada lado do corpo, se impulsionando no colchão antes de me fitar – A Mione sente sua falta da mesma forma que você sente a dela. Eu sei que ela é capaz de fazer qualquer coisa pra te ver bem, e sem ter que ganhar nada em troca. A maior prova disso tudo é que, se você tá aqui vivo hoje, do meu lado, foi somente porque ela não desistiu de você.
Me senti a pior pessoa da terra depois do que eu escutara. Merecidamente, por sinal.
– Eu sou um idiota.
– Sim, você é.
O maior de todos.
– Obrigado... – agradeci, sincero.
– Por te chamar de idiota?! – Ginny sorriu.
– Não, por me mostrar isso.
– Te mostrar o quanto você é idiota é o meu papel de irmã mais nova.
Touché.
Trocamos um abraço meio desajeitado por causa da tala, mas carregado de cumplicidade fraternal. Demorou alguns anos até que a gente conseguisse trabalhar nisso.
– Ah, trouxe uma coisa pra você...
Ginny se afastou de mim e desceu da cama. A observei andar até a mala roxa que estava no canto do quarto e retirar de lá algo extenso e maleável.
– Pra você voltar cheio de estilo à civilização. Assim como no dia que você chegou de Londres.
Ela estendeu a minha jaqueta marrom no ar e eu ri, satisfeito. Ginny me ajudou a vesti-la. Acabei me tocando sobre uma coisa. Pus a mão livre nos bolsos, procurando a carta que eu havia pegado na mansão dos Potters. Não a encontrei.
– Você por acaso viu um papel que estava nesse bolso aqui? – questionei, preocupado.
– Papel...? – Ginny fez uma careta, desentendida – Que papel?
Estranhei.
– Uma carta – expliquei ainda sim – O envelope tava fechado.
– Uma carta? Interessante, Roniquinho... – a minha irmã levantou as sobrancelhas, com um semblante que eu diria ser de surpresa – Mas não, eu não vi...
Por um segundo nossos olhares se cruzaram, o suficiente para eu perceber um brilho diferente. E eu conhecia bem aquela expressão. Ginny havia aprontado alguma coisa. Me levantei da cama e semicerrei os olhos.
– Você por acaso tem algo a ver com o sumiço misterioso desse papel, Ginny?
A minha irmã deu de ombros, dissimulada, enquanto puxava para cima o pino da mala.
– Não faço a mínima ideia sobre o que você esteja falando.
Ela saiu, cômodo a fora, arrastando a sua bagagem pela rodinha. Permaneci parado, rindo, sem acreditar, até que ela colocou a cabeça pela fresta da porta.
– E é melhor você adiantar o lado – ela avisou – Papai e mamãe já estão nos esperando lá embaixo.
Ginny sumiu novamente, antes que eu dissesse algo. Fui atrás dela, deixando de uma vez aquele quarto, depois de todas aquelas semanas.
A viagem foi bem tranquila. Chegamos a Toca no início da tarde, logo após o horário do almoço. Assim que papai estacionou o carro no jardim, de frente a varanda, uma manchinha loira e descalça saiu de dentro da construção, agitada.
– Vovô! Vovô! – ela pulou nos braços do meu pai, que a segurou, com um pouco de dificuldade.
– Nossa, que menina gigante! – papai brincou com a neta, que riu – Ou eu estou ficando velho...
– Eu tô enorme, vovô. Cresci três centímetros!
– Meu Deus, realmente, isso é muito!
Ele a pôs no chão e o sorriso da minha sobrinha se iluminou, encantado. Ri da forma como as crianças enxergavam o mundo. A menina se deu conta da minha presença logo depois.
– Tio Ron!
Assim como fizera com o meu pai, ela também pulara na minha direção. A amparei, cambaleante, com uma mão só, em meio a risos. A última vez que vira a menina, ela era muito mais leve que agora.
– Você tá melhor?
Seus olhos azuis me encararam, esperando uma resposta.
– Tô sim...– garanti – Minha sobrinha favorita...
Encostei minha testa na de Victoire. Ela riu.
– Mamãe me disse que você sofreu um acidente, e, estava dormindo por muito tempo, sonhando com muitas coisas boas pra sarar logo.
– Pois é, eu sonhei com muitas e muitas coisas mesmo, sabia?
– Que coisas...? – ela sussurrou, curiosa.
– Não posso contar... – respondi, no mesmo tom baixo – São segredos muito importantes...
Vic abriu a boca, deslumbrada.
– O que importa é que agora eu acordei. Tô novinho em folha e pronto pra outra.
Minhas costelas, ainda em recuperação, me diziam ao contrário.
– Nem brinca com isso, Ronald – mamãe ralhou comigo, me lançando um olhar mortífero.
Ela passou por trás de mim, apressada, e se virou na direção da neta.
– E da vovó, você não estava com saudades?
A menina sorriu, animada.
– Claro que sim, vovó!
– Então vem pra cá, vem. O seu tio Ron tá se recuperando, não pode carregar peso não.
Victoire foi para o colo da avó sem reclamar. Vi, mais adiante, outra loira aparecer momentaneamente na lateral da casa. Essa, porém, era alta e de longos cabelos prateados. Sua expressão estava preocupada.
– Vic?! – ela chamou, irritada.
Fleur voltou a reaparecer após alguns segundos, dessa vez na varanda. Tomei um susto ao ver com clareza a barriga proeminente de grávida que ela exibia.
Por que ninguém me conta nada?
– Victoire?!
Ela voltou a chamar em tom de reclamação, mas se deu conta que a menina não estava sozinha.
– Mon Die! Vocês já chegaram! – Fleur desceu os degraus, vindo em nossa direção.
Ela abraçou cada um de nós, enquanto falava inúmeras coisas, rapidamente. Percebi que ela já dominava o nosso idioma com bastante fluidez.
– Gui acabou de sair com Gabrielle e os gêmeos. Percy está lá nos fundos, com a Audrey. Estávamos arrumando algumas coisas.
Ela se deteve por mais tempo quando chegou a mim.
– Fico tão feliz que tenha se recuperado, Ron.
– Eu também.
Brinquei. Ela riu, graciosa como sempre.
– Bienvenue, outra vez...
Agradeci e Fleur me deu dois beijos com gosto, um em cada bochecha. Bem ao costume francês.
– É menino ou menina? – perguntei, interessado em saber sobre meu novo sobrinho ou nova sobrinha.
– Menina... – ela respondeu, sorridente, acariciando a barriga levemente – Dominique.
– É um nome muito bonito – elogiei, sincero.
– É, eu sei... – a loira confirmou, alegre – O seu irmão que escolheu.
Sorri mais uma vez, feliz por ver a nossa família crescer. Fui desperto pelo barulho do carro do Harry atravessando a lama. O automóvel avançou até perto. Ele, Ginny e Miguel desceram.
– Ficamos presos lá no fundo... – Harry se justificou.
– Esse pântano é horrível mesmo – Mamãe confirmou, ainda com Victoire no colo – Mas venham, entrem. Vocês devem estar morrendo de fome.
Seguimos para dentro da casa. Analisei todo o espaço, sentindo uma falta imensa daquela bagunça.
Mamãe serviu o almoço atrasado com a ajuda dos que já estavam na casa. Logo após o descanso e uma roda de conversas, o espaço de cada um foi dividido. Mamãe, seguindo a risca os velhos costumes, fez questão de separar tudo ela mesma. Ginny iria dividir o quarto com Gabrielle e Angelina, quando esta chegasse. Miguel dormiria com os gêmeos, no quarto dos dois. E, como era de se esperar, Harry e eu ficaríamos no meu antigo quarto. Após o jantar, nós subimos para o último andar, debaixo do sótão. Abri a porta e sorri, ao perceber que tudo estava exatamente da mesma forma que eu deixei, há mais de dez anos. Até o pôster antigo, e laranja berrante, do Cannons continuava colado na parede.
– Seu gosto para decoração era um tanto peculiar... – Harry comentou, logo atrás de mim, assim que entrou no quarto.
– Porque com 13 anos você era formado em design de interiores, não é mesmo? – ironizei.
Ele riu.
– Snape nunca me deixou colar nem uma figurinha na parede.
– Por quê?
– Segundo ele, isso estragava o ambiente e era coisa de pessoas sem disciplina.
– Bem vindo à família Weasley.
Abri os braços, antes de me jogar na minha antiga cama.
– Eu gostei daqui... – Harry ainda admirava ao seu redor – É, sei lá... aconchegante.
Sorri de canto, entendendo o que ele dissera.
– Mas e aí?! – ela indagou, se sentando na cama dobrável, preparada para ele – Como você tá?
– Bem... – respondi, incerto – Eu acho...
– A gente quase não teve oportunidade de conversar nesses últimos dias. Você estava sendo muito requisitado.
– Tá com ciúmes, Potter?
– Um pouco... – Harry piscou um dos olhos verdes pra mim, por baixo dos óculos.
Joguei uma almofada nele, que tentou se esquivar, sem sucesso.
– Sua sorte é que você ainda está em recuperação, Weasley.
– Que agressivo...
Harry riu. Ele se aproximou.
– Não faça mais isso não, cara.
– Isso o quê?
– Isso de quase morrer.
Apesar de ter soado cômico, Harry estava sério.
– Estávamos todos preocupados, Ron. Foi um período horrível. A forma como aconteceu mais ainda.
– Algum avanço da polícia nas investigações? – perguntei, interessado.
Harry negou com a cabeça.
– Longe disso... – ele disse – A placa do carro era fria e nenhuma das testemunhas chegou a ver o rosto da pessoa que estava dentro do veiculo.
– Tudo isso é muito estranho...
– É... mas nós sabemos muito bem quem foi o mandante.
Desde quando eu acordei, eu me perguntava todos os dias sobre quem teria o responsável pelo meu acidente. Harry e Ginny, que por algum motivo sabia do dossiê, acreditavam que Malfoy era o responsável, mas na minha cabeça, alguma coisa não batia. Era como se eu me lembrasse de algo, mas estivesse deixando passar.
– E se eu te dissesse que não tenho certeza sobre isso? – arrisquei expor minha opinião.
Harry me encarou.
– Por que não teria? – ele me questionou, desconfiado.
– Não sei explicar, só não tenho. É como se tivesse uma peça faltando.
– Você sabe que peça é essa?
– Não faço a mínima ideia.
Minha afirmação era completamente verdadeira. Harry suspirou e se levantou rapidamente, se sentando ao meu lado.
– Então vamos descobrir.
– Você não precisa se envolver nisso, Harry – falei – A sua vida já tem problema demais...
– A gente adiciona mais um. Pra mim não faz diferença... – ele deu de ombros, como se fosse uma coisa muito simples – Você é o meu melhor amigo, Ron. É como se fosse meu irmão. E eu quase perdi você também, foi por pouco. Eu não vou deixar isso passar.
Sorri, extremamente agradecido. Eu sabia o quanto era difícil para o Harry falar coisas daquele tipo. Como em um acordo mudo, trocamos um abraço apertado. Dali em diante a conversa se desmembrou em algo mais leve, até a hora que o sono chegou.
Assim que o sol despontou, logo cedo, na manhã daquele domingo de natal, eu acordei. A casa, pela primeira vez desde quando nós chegamos, descansava, silenciosa. Olhei o horário no relógio do celular e tentei voltar a dormir, mas a investida foi inútil. Vencido, me levantei da cama. Harry ressonava, mais adiante, enrolado no edredom. Saí do quarto, da maneira mais silenciosa possível, e desci em direção à cozinha. No meio do caminho, senti um cheiro conhecido e que eu gostava muito. Mamãe já estava acordada.
– Bom dia... – a cumprimentei com um beijo na testa, em voz baixa.
– Bom dia, Roniquinho...
Seu olhar indicava a surpresa em me ver ali tão cedo. Eu me sentei em um dos banquinhos altos, perto do balcão.
– Está com fome? – ela me perguntou, puxando uma das louças da pia.
– Na verdade não.
Eu realmente não estava com fome. Isso soava estranho.
– Não...? – a pergunta foi refeita.
– Não... – mantive a minha resposta, achando graça.
Mamãe se virou na minha direção, enxugando as mãos no avental.
– O que houve?
– Como assim?
– Meu filho, eu te conheço há 24 anos. Você saiu de dentro de mim, esqueceu? – ela disse, firme Eu só te vi acordar cedo por livre e espontânea vontade, e, sem estar com fome, duas únicas vezes na vida. A primeira foi no dia do seu aniversário de onze anos, quando o seu pai prometeu trazer um violão de presente pra você. A segunda foi no dia que você se sentou nesse mesmo banco e me disse que estava indo de vez para a Inglaterra.
Ergui as sobrancelhas, achando divertidas as constatações dela.
– E então? – mamãe insistiu – O que aconteceu?
– Nada... – falei, despretensioso – Só a minha cabeça que tá meio embaralhada.
– Você tá sentindo alguma coisa? – ela soou preocupada.
– Não... – garanti rapidamente, a acalmando – São apenas os pensamentos mesmo.
– Ah... – ela riu de canto – Até imagino quais sejam estes pensamentos...
Aquilo era novidade.
– Imagina?
Mamãe me deu as costas outra vez, voltando aos seus afazeres, quanto se justificava.
– Imagino sim, meu filho. Mas cabe a você pensar sobre eles, não a mim.
Franzi a testa, sem entender.
– Porém, se você me permitir, eu gostaria de te dizer que às vezes o coração erra sim, mas ele não faz isso por mal. É que ele sente demais e comete algumas bobagens, justamente por medo de não acertar.
Assimilei lentamente o que fora dito, sem saber o que dizer.
– Mãe? – a chamei, receoso, após um tempo.
– Sim, querido – ela respondeu, concentrada na dose correta de leite que despejava na caçarola.
– Eu fiz uma besteira e agora não sei como consertar...
– As besteiras feitas com o coração tem que ser resolvidas com o coração, Ron, não com a cabeça. Escute sua velha mãe.
Me ajeitei no assento do banco, incomodado. Antes que eu dissesse alguma coisa à mamãe, ouvimos três batidinhas na porta. Estranhei, mas logo em seguida lembrei que a Angel estava para chegar pela manhã.
– Ah, deve ser a sua amiga...! – mamãe exclamou – Atende pra mim, querido, por favor?
– Claro...
Desci do banco e me dirigi até a porta, preguiçoso. Girei a chave, destrancando-a, antes de puxar a maçaneta para baixo. O clarão do dia, mais intenso, irrompeu a minha face, ofuscando os meus olhos. Mas isso, ainda sim, não fora tão impactante ao que eu via a minha frente. Pisquei algumas vezes, consecutivamente, tentando me certificar se eu estava enxergando direito, contudo, não demorou até que eu obtivesse a confirmação disto.
Que porra é que tá acontecendo aqui...?!
Paradas, lado a lado, Angelina e Hermione me observavam. Ambas com um quê de desafio no olhar.
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