História Água em minhas veias, veneno em minha alma. - Aranha

Depois da conversa que ele teve com seu pai as coisas ficaram bem estranhas antes de melhorar, a presença dos Nie, apesar de agradável. Só complicou mais as coisas para Fengmian. Jiang Cheng, por outro lado, achou tudo muito divertido. Alegre em ver o homem tentando equilibrar a imagem de líder de Yunmeng e pai tentando consertar sua família de merda, ele merecia esse desafio,  quando ele estava se sentindo particularmente caridoso, o ajudava  a sair dos silêncios pesados e momentos constrangedores (Mingjue parecia muito feliz em deixá-los se estender depois de entender a situação da família deles).

A amizade de Huaisang e Wanyin se desenvolveu muito bem, sempre que estavam perto tentavam se conhecer melhor, crianças tímidas florescendo em uma boa amizade.

No geral, o período dos representantes de Qinghe no Píer Lótus trouxe muitas coisas boas, relacionadas a eles ou não. Eles ficaram mais tempo do que o planejado, querendo aproveitar as boas relações de seus herdeiros. Mas agora era hora de partir. Mingjue, pouco antes de sua saída, foi encontrar Yu Wanyin.

-Yu Wanyin.

O mais novo se virou para a voz que o chamava, gesticulando para o Nie se sentar com ele, serviu chá. Ambos começaram a encarar o rio de onde estavam sentados.

-Sim, Nie Mingjue?

-Sabe, eu e seu pai conseguimos fazer muitos acordos comerciais bons nesse período de tempo.

-Eu imaginei, em momento nenhum vocês ficaram tensos um perto do outro, não seria assim se existisse algum problema correto?

O senhor de Qinghe bebeu um pouco de chá e concordou.

-Sim, realmente, mas não é sobre isso que eu vim falar. Eu gostaria de saber se Meishan Yu está aberta a reuniões e acordos.

Ele parecia esperançoso.

-Mn, sim, na verdade sim, não fazemos questão, nem precisamos de nenhum acordo, mas gostaríamos de aumentar nosso contato com as outras grandes seitas, afinal, a essa altura, nós temos quase o tamanho de Yunmeng, não que muitas pessoas saibam disso.

Mingjue se perguntou se a sugestão de querer elevar Meishan a uma das cinco grandes seitas foi real ou apenas ele pensando demais nas palavras de uma criança.

Depois de ver ele lidando com um comerciante particularmente irritado alguns dias atrás ele não sabia no que acreditar.

-Então vocês estariam dispostos a tentar um acordo com Qinghe Nie?

Isso seria muito benéfico para as duas seitas Cheng tinha essa consciência, mas o que o líder a sua frente realmente queria é perigoso, Wanyin não pode decidir sozinho.

-Para te dizer com certeza eu teria que mandar uma carta para Avó. Eu já combinei com Huaisang de manter contato através de cartas então eu lhe enviarei uma mensagem quando ela responder, mas as probabilidades são altas. No passado foi Qinghe que cortou laços conosco, você querer dar o primeiro passo para uma renovação de uma antiga aliança vai ser visto com bons olhos, principalmente agora sabendo que você não tem segundas intenções.

-Como assim segundas intenções? E como você sabe que eu não as tenho?

Wanyin tentou esconder seu sorriso na manga, não deu certo, mas Mingjue não se sentiu ofendido, ele sabia como era raro a criança sorrir, e ficou feliz em esperar ele se recompor.

-Sem querer ofender Mingjue, mas você tem a discrição de uma porta, não sabe mentir, então não acredito que você vai querer se aproximar da minha seita para querer roubar nossos métodos, você não tem essa face para mentir, e é honrado demais para sequer pensar em algo assim também.

Mingjue pareceu surpreso. Levantando as sobrancelhas para a avaliação que recebeu do mais novo (mas ficou satisfeito em passar uma imagem de honestidade, ele gostava de ser considerado um bom exemplo).

-Muitas pessoas tentam fazer isso?

Wanyin bufou, como se lembrado de um incômodo.

-Principalmente seitas menores, elas não tem noção do perigo e acham que vale a pena tentar nos enganar para buscar poder, nunca conseguiram obviamente, quanto as seitas maiores, bem Lanling Jin tentou uma vez, seu líder anterior a Jin Guangshan achou que poderia seduzir nossa líder a contar seus segredos.

-E o que aconteceu?

-Bem, não é por acaso que o líder Jin não tem irmãos.

Mingjue engasgou com o chá que estava bebendo e começou a gargalhar alto, incrédulo com o que Wanyin disse. Não era nem o que ele falou, mas o tom de zombaria, e orgulho das ações de sua avó. Aquela realmente era uma mulher que ele não gostaria de irritar.

Depois disso eles se despediram, Jiang Cheng não veria eles saindo do cais e já tinha conversado com Huaisang.

-A-Cheng!

-A-Qian, A-Song, aconteceu alguma coisa?

As duas se aproximaram Qian se sentou, Song passou os braços pelos ombros de Wanyin, apoiando o queixo em seu ombro, ali ficou.

-Nada, nada ChengCheng. Só estávamos querendo conversar sobre a última carta que a líder da seita mandou.

-Ah? E o que a carta dizia?

-Estava comentando sobre um casamento arranjado.

-Um casamento? Para quem?

-Quem mais? Você!

Um revirar de olhos.

-Isso eu sei A-Qian, eu falo a pessoa com quem eu supostamente deveria me casar.

-Aparentemente não foi decidido ainda, a líder quer falar com você primeiro e mostrar uma oportunidade de conhecer todos os potenciais pretendentes, para depois você decidir qual o agradar mais.

-Fengmian sabe sobre isso?

-Não, ela vai contar na próxima visita, até lá você já vai ter conhecido os Lans. A avó parece particularmente interessada em um casamento com eles.

-Deuses, ela já está nessa fase? Eu não acredito, e alguém ainda tem esperança de convencer ela a não fazer isso?

-Nenhuma. Você sabe que é um costume nosso a serpente se casar com outra seita e as víboras comandarem, você só participa dos rituais. Depois que seu marido ou esposa morrer, você volta para Meishan.

-Então é só eu matá-lo se for muito ruim?

-Não diga isso perto da avó mas sim, basicamente sim.

-Boa, então me arranjem um homem, eu pego o veneno.

Os três se encararam e começaram a rir desesperadamente, escolhendo ignorar o toque de verdade e compreensão existentes por trás da piada. Mas eles sabiam que se fosse necessário, fariam muito pior que um simples veneno.

O resto do seu período em Yunmeng passou em um borrão, tudo era como sempre, Wei Wuxian agora já não dormia nem uma noite no próprio quarto, tendo se mudado para o de Wanyin, mesmo que oficialmente ainda tivesse o seu próprio. A maior parte dos residentes do Píer achou todo o sentimento doce e fofo, Fengmian parecia ser o único incomodado, mas ele não conseguia entender o porquê disso (ele não vai admitir que sentiu um pouco de ciúmes da proximidade que Wuxian tinha com seu filho quando ele precisava tomar cuidado com cada ato para não estragar tudo ainda mais).

Hoje era o dia que Jiang Cheng voltava para Meishan, ele estava animado. Treinou mais do que sua avó pediu, tanto que começou a aprender sobre a confecção de armas, coisa que os Yu eram especialistas, agora ele já conseguia fazer uma adaga simples sozinho. Um grande avanço para quem no começo do ano não sabia nem manipular metais. Ele estava muito satisfeito com o que fez, nem mesmo os avanços no cultivo de Wei Wuxian conseguiram abalar sua felicidade (principalmente agora que ninguém os comparava mais), depois de tanto tempo, a vida que ele construiu estava começando a dar bons resultados, sua proximidade com Nie Mingjue seria muito útil, mais que isso agradável também.

Mas agora era hora de voltar para casa (em qual momento ele começou a considerar Meishan mais sua casa do que Yunmeng? Ele tinha consciência desses sentimentos já no começo do ano, mas nunca tão forte, bem isso dizia bastante sobre o tratamento que recebeu em Píer Lótus). Depois de muitos choros e despedidas ele entrou no barco, suas víboras e Shifu ao seu lado, ele estava indo para casa.

Depois de dois dias de barco ele chegou em Meishan, as ondas leves batiam no cais onde o rio entrava em contato com o oceano. A floresta por trás da seita, fresca, como se desse boas vindas aos seus filhos. As pessoas riam animadas, cumprimentando-os (não corriam, não eram animadas como em Yunmeng e sim mais contidas, porém não menos alegres e satisfeitas. Todos tinham sorrisos nos rostos ao ver seus herdeiros voltando depois de três meses).

Sua avó estava esperando no cais, cabeça erguida e ombros retos, a graça de uma imperatriz (que seus netos seguiram, não que muitos os dissessem isso, eles também tinham a leveza em seus passos, a beleza e a aura de pessoas da realeza porém ainda assim gentis, sem se sentir superiores às pessoas comuns, eles encantavam seu povo, e no futuro, outras pessoas também).

Os três pularam do barco, caindo direto em sua avó, que riu, junto dos discípulos, eles se abraçaram (incrível como ele tinha mais liberdade com ela do que com o pai). Eles correram por todo o local, rindo e conversando com as pessoas que estavam ali antes de de fato irem para dentro da seita, lá os discípulos ainda treinavam, com uma força renovada ao ver seus jovens mestres, sorrindo para eles, confortáveis em sua casa (eles tinham orgulho de deixá-los confortáveis o suficiente para Meishan se tornar uma casa, ainda mais para a serpente, que sempre teve dificuldades em confiar nos outros, ainda tão alheio de seu próprio valor).

Depois de duas semanas em Meishan (~em casa~, a parte infantil e dependendo dele se manifestou) sua avó o chamou. Eles estavam indo ver um novo discípulo que ela tinha escolhido, para ser a primeira aranha dele.

-A-Cheng.

-Avó

Ele se aproximou de onde ela estava, perto de uma porta, atrás dela estava a sua possível futura aranha.

-Nós dois sabemos o motivo de eu ter te chamado. De acordo com os nossos costumes qualquer pessoa pode ser apta a tentar se tornar aranha. Uma aranha é um ser leal, na nossa hierarquia abaixo apenas das serpentes e das víboras. A primeira sempre é escolhida a dedo, sua mãe não era digna das aranhas que tinha, um vínculo, mesmo com um discípulo comum, não era para ela, Ziyuan não era leal a ninguém além de si mesma, nunca entendeu o ideal que defendemos tanto.

-Lealdade tem dois lados, para ser verdadeira sempre é recíproca. 

A mulher sorriu orgulhosa

-Exatamente, para ter essa honra, alguém disposto a jurar lealdade a você, sua pessoa também tem que ser leal a ele, seus corações devem estar interligados em harmonia, para que as intrigas do mundo terreno não consigam abalar seus laços. Você está pronto para tentar ser compatível com alguém a esse nível?

-Sim.

A porta foi aberta.

-Te apresento Xue Yang, nós o encontramos alguns meses atrás, quando estávamos procurando uma aranha digna para você, ele chamou minha atenção, por assim dizer. Se forem compatíveis você lhe dará um nome cortesia.

O menino para o qual foi apresentado parecia ter a mesma idade que ele, talvez um pouco mais jovem, por volta dos onze, doze anos, um pouco pequeno, provavelmente não teve boas condições na infância desnutrição, recente, pela finura de seu pulso. Seus cabelos eram escuros, assim como seus olhos, selvagem, perigoso e livre de certa forma, parecia o avaliar também, tinha um brilho em seus olhos que ele só tinha visto na linhagem Yu (mais tarde ele se lembraria que os Xue são uma antiga linhagem de corvos, o sangue deles aparentemente aflorou no menino). Eram duas feras se observando, catalogando como ameaça ou aliado. Jiang Cheng (~Yu Cheng~ dizia uma voz insistente toda vez que ele lembrava de seu nome, Yu sempre pareceu mais apropriado, confortável, que Jiang) sorriu e estendeu a mão. Seus instintos não o induziram a lutar, o menino era um igual, um sobrevivente a maldade dos adultos assim como ele foi nessa idade (ele só precisa de um pouco de gentileza, Wanyin estava disposto a dar isso a ele). Esperou, Xue Yang pegou sua mão, um acordo tácito, um fiapo de esperança ao encontrar um igual. Ele cuidaria do mais novo, a criança vai se tornar sua aranha, e se no final ainda quiser vingança, seus irmãos de Meishan não hesitariam em ajudar.

-Olá.

O ronronar dele pingava a desconfiança, ele estava com medo, provavelmente não acreditando em sua avó quando ela disse que independente do resultado de hoje ele ainda seria bem vindo em Meishan.

Ele estava com Xue Yang há um mês, como período de adaptação. Onde um estava o outro seguia. Suas víboras aceitaram a presença dele muito bem, tentando incluí-lo em todas as atividades possíveis. Em duas semanas eles teriam que decidir se iriam ou não continuar com o vínculo, mas até agora tudo foi positivo. Xue Yang parecia cada vez mais confortável perto dele, fazendo piadinhas com o humor ácido que compartilhavam (ele se soltava principalmente quando estavam sozinhos, quando ele não sentia que sua posição podia ser roubada, Chengmei se apegou a ele muito, e mais rápido do que ele esperava, seus instintos deviam ter parado de funcionar, eles se tornaram próximos desconfortavelmente rápido).

Yu Cheng estava treinando quando aconteceu, sua aranha tinha começado a treinar com espadas a pouco tempo, antes só usava adagas e facas. Ele estava um pouco atrasado no treinamento mas estava alcançando a todos rapidamente, mas pequenos acidentes sempre podem acontecer.

Wanyin escutou ele gritar, imediatamente largou sua espada e foi correndo ver o que aconteceu. Sua mão estava sangrando, ninguém soube dizer o que aconteceu, não que na hora Yu Cheng tivesse se importado. Sua aranha estava ferida, esse era o seu único foco, ele o pegou pela mão saudável e começou a andar, dando-lhe Qi durante a caminhada até a enfermaria (ele não questionou como Xue Yang parecia pronto para atacar, mas hesitou quando viu que era ele) quando chegaram na enfermaria ele não chamou ninguém, sua aranha era desconfiada, se sentiria desconfortável se mais alguém o tocasse quando estava vulnerável.

Pegou um kit de primeiros socorros, se sentou de frente para o mais novo e estendeu a mão, esperando que ele se sentisse disposto a mostrar o ferimento. Quando a escolha lhe foi dada ele pareceu relaxar, lentamente estendendo a mão, mas pronto para puxá-la de volta ao menor sinal de risco (ele não comentou como essa mão era a mesma que não tinha o mindinho, não era da conta dele, quando Xue Yang se sentir confortável ele vai falar sobre o que aconteceu, mesmo que Wanyin já soubesse). 

A mão dele foi tratada cuidadosamente, quando Wanyin terminou de enfaixar se levantou, fez sinal para ser seguido, passou direto pelos campos de treinamento e foi para seu quarto, abriu a porta e fez sinal para Yang entrar.

-Deite-se, eu vou sair por um momento.

-Onde você vai?

-Pegar alguns doces, nós vamos passar o resto do dia aqui.

-Mas o treinamento!

-Não importa, você está machucado.

-A minha mão ainda pode ser usada! Nem dói mais!

-Nós dois sabemos que não é disso que eu estou falando.

Jiang Cheng sorriu para ele, saiu, suas víboras estavam por perto, ele apenas assentiu. Xue Yang precisava dele, elas entendiam isso, e respeitavam. 

Wanyin foi rápido em pegar doces e alguns salgados na cozinha (eles passariam a tarde e talvez a noite no quarto, não podiam comer apenas doces). Quando voltou, o outro estava andando pelo quarto, parecia assustado ao ser pego mexendo na sua prateleira com livros. Ele apenas colocou a comida na cômoda e gesticulou para pegar, sem se importar com ele explorar, não tinha nada a esconder que não estivesse fortemente vigiado.

-Você não está bravo?

Xue Yang estava sentado na cama Wanyin se sentou ao seu lado.

-Por que eu estaria bravo?

-Eu atrapalhei o seu treinamento, e mexi nas suas coisas quando você estava fora.

Parecia um pouco em pânico. Como se esperasse uma repreensão ou golpe.

-Eu deixei de treinar porque quis, você estava machucado, cuidar de você é mais importante que perder um dia de treinamento que eu posso repor depois.

O mais novo tremeu, balançou a cabeça como se não acreditasse que poderia ser importante para alguém, não o suficiente para perder um compromisso por ele, ainda mais depois dele ter se provado “inútil” no treinamento.

-E, você vai ser minha aranha, tenho que cuidar do seu bem estar da mesma forma que você vai cuidar de mim, lealdade inclui isso sabe?

O mais novo não respondeu mais se encostou nele, descansando e permitiu que as mãe fosse segurada, um pequeno conforto que ele não permitiria para mais ninguém. Eles já vinham construindo uma relação de confiança, mas essa tarde marcou o relacionamento deles como algo real, sólido em sua importância, reconhecido pelos dois. 

- Mn… o que você acha de Chengmei?

O mais novo engasgou com o bolinho que tinha em mãos, cuspindo ele em um pano, seus olhos repletos de lágrimas se dirigiram a serpente que gentilmente as enxugou. Os dois sabiam o que aquilo significava. Ele seria sua aranha.