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História Além da Esperança - XXX - Andarilhos.


Escrita por: Vexus

Notas do Autor


Voltei \o/ e ligeiramente atrasada.

Desculpem, mas entrei em época de prova (e acreditem, ainda continuo tendo aula) e ando com uma rotina muito corrida.

Chega de enrolações, trouxe um dos maiores capítulos que eu já escrevi. :3

Espero que gostem.
Boa leitura!

P.S.: Caso tenha algum erro, por favor, me avisem.

Capítulo 31 - XXX - Andarilhos.


O cheiro de álcool empesteou o cômodo apertado, cobrindo um pouco os aromas de ervas. Eric estava sentado na cama enquanto mantinha o olhar perdido, segurava a bengala com a mão direita e uma vasilha de metal com a esquerda. Ryeowook assistia Gyuri cuidar dos ferimentos em silêncio, a jovem mantinha uma carranca de ódio ao passo que bufava de maneira ruidosa. Jogou os algodões sujos de sangue na vasilha e cobriu o ferimento na testa do homem com um pano limpo. Nesse meio tempo, ela fuzilou Minhyuk com o olhar, fazendo com o que o rapaz engolisse em seco.

Eric deixou escapar um sorrisinho o que arrancou outro suspiro da jovem. Já era noite e a lua brilhava forte apesar de algumas nuvens tentarem cobri-la, o cricrilar dos grilos era o único som que rompia os momentos de tensão.

– Ela está furiosa? – Eric indagou.

– Eu diria que sim. – Minhyuk respondeu.

A garota ergueu o olhar, mas abaixo-o segundos depois.

– Gyuri...

– Ah não! Não venha me bajular. – ela o interrompeu com um rosnado e então desviou o foco de atenção. – O que você tinha na cabeça quando permitiu que isso acontecesse, Minhyuk?!

– Eu?! Foi ele que me proibiu!

– Ele está certo. – Eric assentiu. – Eu fui por vontade própria e o proibi de tentar me impedir.

– E por que fez isso? Sabe como Moonbyul é extremamente competitiva, ela poderia ter te ferido seriamente! – ralhou fechando o vidro de álcool.

– Ela poderia, mas não o fez. – Eric reconheceu. – Vocês precisam parar de encara-la como um animal. Moonbyul é um ser humano como qualquer um de nós.

– É, um ser humano que pode explodir em fúria a qualquer momento. – Gyuri resmungou terminando o curativo.

– Gyuri...

– Eu sei, Eric, eu sei. – suspirou de maneira cansada e então começou a guardar os medicamentos. – Vamos para as mesas, o jantar já deve estar sendo servido.

– Não vai chamar Lisa? – Minhyuk indagou.

– Não sei... Ela parecia bem deprimida quando veio falar comigo.

– Por quê?

– Já tentou perguntar a sua irmã? Talvez ela saiba a resposta. – a retórica foi carregada de raiva.

Todos ficaram em silêncio, aguardando o rapaz responder. Minhyuk, por outro lado, apenas levou uma das mãos a testa e suspirou. Não havia esquecido o que Moonbyul fizera no outro dia, e por mais que tentasse convencê-la a se desculpar, sua irmã nunca escutaria.

– Sabia que você ia dizer isso. – reclamou revirando os olhos.

– Crianças, por favor, não discutam. – Eric pediu enquanto levantava. – Esqueceram que temos visitas?

– Desculpe. – Gyuri sussurrou, abraçando o próprio corpo. – Não tive a intenção.

– Ótimo. Agora podemos ir para o refeitório. – ele sorriu e abriu os braços. – Mas antes... Ryeowook, poderia conversar com você a sós?

O rapaz franziu o cenho e encarou a dupla que segundos antes estava discutindo. Minhyuk deu ombros e Gyuri gesticulou para que a proposta fosse aceita – Eric não era uma pessoa de guardar segredos e o pedido pegou a todos de surpresa. O homem usou a bengala para puxar uma cadeira e deu leves batidinhas em sua superfície, insinuando que o jovem se sentasse. Apesar de a curiosidade ser grande, Gyuri se retirou do quarto em silêncio, puxando Minhyuk pelo pulso. Eric ponderou alguns segundos antes de começar a falar.

– Parece que sua perna não é mais um incômodo... talvez até já possa viajar. – anunciou, virando a cabeça de lado. – Tem uma hora certa para partir?

– Pensei em falar com Sungmin para partirmos ao amanhecer. – Ryeowook sorriu, passando a mão sobre a coxa. – Eu só tenho que agradecer a vocês por isso.

– Mas não precisa agradecer. Entenda que só aceitei cuidar de vocês, por que sei o que vocês vêm passando.

– Como assim? – ele engoliu em seco, temendo que algo a respeito deles fora descoberto.

– Ryeowook... Eu sou cego, mas não ingênuo. – não havia malícia em sua voz. – Eu ouvi as explosões da estrada e suspeitei que algo estava acontecendo. Mandei Gyuri e Lisa para aquela região por causa de suas habilidades e, seu tivesse algum sobrevivente, elas conseguiriam encontrar.

– Então o que quer de nós?

– Querer? – balançou a cabeça, para Eric era absurdo ouvir uma pergunta daquelas. – Eu não quero nada.

– Então por que está me contando isso?

– Você mesmo viu o quanto nossa comunidade é pacífica e parece viver em uma época completamente diferente. – divagou. – Se alguém com más intenções ou até mesmo algum confronto adentrar nossos terrenos, seria o fim de todos que vivem aqui. Há anos não ouvia as estradas tão movimentadas, há anos não ouvia relatos de um dos meninos dizendo ter visto uma patrulha vagueando pela mata. Sei que algo grande está prestes a acontecer e temo pela vida de todos no acampamento. – ele respirou fundo. – Quando retornar para sua cidade, por favor, não conte a ninguém onde esteve. Evite ao máximo dizer qualquer coisa sobre nós.

Ryeowook sorriu de canto a abaixou o olhar. Apesar do pouco tempo que havia passado ali, ele se apegara aquelas pessoas de uma forma impressionante. O acampamento, apesar de ser construído nas ruinas de um Shopping, possuía um charme que Ryeowook nunca vira, nem nas regiões pela qual havia passado. O medo de algo ruim ter sido descoberto o amedrontou quando na verdade o pedido era simples e puro. Eric queria apenas paz.

– Pode deixar. – falou por fim. – Não falarei nada a ninguém.

– Obrigado. – Eric fez uma pequena reverência. – Vamos comer, você precisa estar bem preparado para viagem de amanhã.

––XX––

A noite estava tranquila, as nuvens deram trégua permitindo que as estrelas brilhassem forte no céu. O cricrilar dos grilos era a única melodia, que seguia acompanhado ocasionalmente pelo chiar de uma coruja ao longe. O vento soprou, trazendo consigo o cheiro de terra molhada misturada a ervas e tempero. O refeitório estava todo iluminado por lamparinas que se encontravam espalhadas no local – algumas sobre restos de entulhos, enquanto outras sobre as mesas.

O jantar já estava posto quando Ryeowook e Eric chegaram. A refeição era mais leve que o almoço, por isso nenhum prato especial fora feito, esbanjando muitas folhas e grãos. Ryeowook ocupou o espaço ao lado de Minhyuk, ficando de frente para Sungmin, e recebeu um olhar fulminante de Moonbyul. Eric contornou a mesa e sentou na ponta, segundos depois Gyuri colocou seu prato. Apesar da mesa esta quase toda ocupada, Ryeowook percebeu que havia uma pessoa faltando, Lisa não estava presente – provavelmente ainda fazia vigília na torre.

– Estive conversando com Ryeowook sobre quando pretendem seguir viagem. – Eric começou. – E ele me contou que planeja partir ao amanhecer.

– Tem certeza? – Sungmin indagou, dirigindo-se ao Kim.

– Sim, eu... Acho que quando mais cedo chegarmos, mais rápido os outros saberão que estamos bem. – respondeu, vendo o combatente assentir.

– Já querem ir, assim tão rápido? – Gyuri sorriu de canto. – Achei que ficaram mais tempo.

– Desculpe, mas é por que tem pessoas esperando por nós e... – Sungmin bebeu um pouco do suco antes de continuar. – pelo tempo que passamos aqui, eu acredito que eles estejam extremamente preocupados.

– Entendo... – ela assentiu. – Mas nos deixe ajuda-los uma última vez?

– Não se ofenda Gyuri, mas como vocês poderiam nos ajudar mais do que já fizeram? – Ryeowook retrucou sorrindo.

– Não sei... – ela franziu cenho, procurando uma solução. – Podemos... Guia-los pela floresta. Vocês terão que atravessá-la, não é mesmo?

Eric assumiu uma expressão de satisfação perante atitude da garota. Ryeowook, por outro lado, perguntou-se como não havia pensado naquilo antes. Estava tão preocupado em se curar dos ferimentos e retomar sua viagem para a Zona Agricultora, que acabou se esquecendo de como faria isso. Após o acidente com o carro, eles se perderam no meio da floresta, e com certeza o fato se repetiria – tendo em mente que nenhum dos dois sabe em que parte da selva o acampamento se encontra.

– Essa é uma excelente ideia. – Eric comentou. – Vocês três podem guia-los até estrada.

Minhyuk concordou com um movimento de cabeça enquanto Gyuri sorria satisfeita, já Moonbyul manteve-se em silêncio.

– Mas e Lisa? – Minhyuk indagou. – Acha que ela vai querer nos acompanhar?

– Falo com ela quando for levar o jantar. – Gyuri respondeu. – Ela ainda está um pouco sensível.

Institivamente todos olharam para Moonbyul, que se manteve indiferente. Ryeowook não conseguia compreender como ela se mantinha daquela forma depois do que fizera à Lisa. Moonbyul não a ferira gravemente, e isso era fato, mas sua ação quando Minhyuk fora baleado acabou assustando a garota. Ryeowook engoliu em seco e voltou sua atenção para o jantar antes que ele esfriasse.

 

O céu ainda estava escuro e o acampamento encontrava-se no mais completo silêncio. Antes de trocar o curativo, Ryeowook tomou um banho e vestiu roupas que cobrissem o máximo de seu corpo. Iria atravessar uma floresta, então optara por evitar novos ferimentos desnecessários. Calçou os coturnos, preparando-se psicologicamente para árdua caminhada que faria, pegou a alça da mochila, jogou-a sobre o ombro e saiu da casa de Eric. Atravessou as galerias do acampamento e pegou as escadas até o lado externo da construção onde todos o aguardavam.

– Enfim ele veio. – Gyuri vestia uma camisa de flanela branca, calças pretas e botas de couro.

– Estava ajeitando algumas coisas. – Ryeowook justificou.

– Muito bem, então podemos partir. – Minhyuk falou, acomodando melhor o arco nas costas.

Ryeowook assentiu e então se virou para Lisa e Eric. A garota encarava o chão de maneira triste, enquanto esfregava o braço com mão. Ergueu o olhar, sorriu de maneira cansada e então abraçou Ryeowook fortemente. Por mais que o tempo de convivência entre ambos fosse curto, Lisa criara um laço de amizade com a dupla rapidamente. A garota se afastou e então envolveu Sungmin com os braços. Eric manteve-se parado, exibindo uma expressão de calma e ternura.

– Não sou de fazer despedidas... – Eric revelou em um murmúrio. – Então, que tal um aperto de mãos?

Ryeowook sorriu e o abraçou pela cintura, percebendo que o homem fazia o mesmo enquanto afagava sua cabeça. Ficaram assim por alguns segundos até Eric se afastar para despedir-se de Sungmin.

– Vocês vão por onde? – Lisa indagou, enxugando os cantos dos olhos.

– Vamos pelo oeste, seguindo o caminho do rio. – Minhyuk disse enquanto chutava o chão com a ponta das botas. – Depois passamos pelos pinheiros até chegarmos à estrada.

– Não vem conosco? – Ryeowook acrescentou.

– Não posso. Sem Gyuri no acampamento, a responsabilidade da vigília caiu sobre mim. – explicou. – Não sei que milagre Eric ter permitido que Minhyuk e Moonbyul saíssem ao mesmo tempo.

– Por que no quesito força, caso haja um confronto, é melhor prevenir do que remediar. – Eric aproximou-se.

– Onde Moonbyul está? – Ryeowook perguntou, dando-se conta de que um dos gêmeos não estava presente.

Minhyuk respondeu a pergunta apontando para cima. Ao erguer o olhar, o jovem flagrou-a sentado no galho de uma das árvores enquanto fitava o horizonte. Parecia distraída e não deu atenção para a conversa que se desenvolvia logo abaixo.

– Entendi... – Ryeowook respondeu arqueando uma sobrancelha.

– Se vocês não tiverem mais nada para fazer, gostaria que partíssemos logo. – Gyuri apontou para o céu. – O sol está começando a nascer e eu não quero topar com ela no caminho.

– Antes de irem, gostaria de acrescentar uma última coisa. – Eric disse. – O veneno não foi totalmente removido de seus corpos e quando chegarem aos seus destinos recomendo que procurem cuidados médicos o mais rápido possível.

A dupla assentiu, se despediu mais uma vez e então começou a adentrar na floresta com Gyuri e Minhyuk na dianteira. Moonbyul, que ainda estava sentada no galho da árvore, ao ver o movimento do grupo, saltou em direção ao chão e pousou de maneira ágil logo atrás de Ryeowook. Ela usava o mesmo casaco marrom sem mangas, mas trocara de blusa e calça; havia dois machados presos ao cinto – um de cada lado da cintura.

Passaram pelas árvores de caules finos e folhas pequenas que se amontoavam ao redor do acampamento, tomaram o oeste como Minhyuk havia explicado até chegarem a uma trilha de terra batida e folhas secas. A vegetação diminuía de densidade, assumindo uma característica de bosque com vegetação nativa – sem nenhuma alteração aparente. O ar seguia úmido, mas por causa da vegetação ao redor, o clima ficou abafado. Os pássaros cantavam no topo das macieiras, deixando a caminhada extremamente agradável. Dalí até o rio, o trajeto levou pouco mais de cinquenta minutos e, quando enfim chegaram ao leito, o céu se encontrava claro devido o nascer do sol.

Minhyuk se agachou e, com a mão em formato de concha, jogou um pouco d´agua na nuca.

– Podemos descansar alguns minutos. – anunciou enquanto sorvia um pouco do líquido.

Ryeowook assentiu, deixando-se cair sentado em uma pedra coberta de musgos. Sungmin apoiou-se no tronco de uma árvore, retirou uma das botas e começou a massagear o tornozelo. Gyuri, por outro lado, bateu no ombro de Moonbyul e apontou para cima. A garota assentiu e entrelaçou os dedos das mãos, fazendo assim um apoio para os pés da outra. Gyuri agarrou-se as saliências do tronco, e com extrema agilidade, subiu até a copa da árvore e de lá mirou o horizonte.

– O que ela está fazendo? – Sungmin semicerrou os olhos, tentando enxergar onde ela se encontrava.

– Vendo o caminho. – Minhyuk respondeu. – Por mais que nós conheçamos essa região, ainda é fácil se perder.

A jovem vislumbrou o caminho adiante sobre as árvores, depois olhou para a esquerda e para a direita, sempre com muita atenção e sem deixar escapar um detalhe. Graças as suas habilidades, Gyuri conseguia enxergar a aproximação de qualquer coisa, seja animal ou ser humano, com até dez quilômetros de distância. Com essa vantagem, ela percebeu o tamanho do trajeto que ainda faltava. Ao fim da checagem, ela assobiou em direção ao chão, chamando a atenção de todos, depois começou a descer até ser ajudada por Moonbyul, que a segurou pela cintura.

– Podemos atravessar o rio e seguir direto até a clareira, contornamos e então viramos à esquerda. – explicou batendo as mãos. – Despois é um caminho sem desvios até a estrada.

– Tem um palpite de quantas horas isso levaria?

– No máximo, três horas.

– Muito bem. Então chega de descanso, temos um longo caminho pela frente.

Sungmin calçou a bota e então ajudou Ryeowook a levantar. O fato de a viagem ser cansativa era extremamente desagradável, mas valeria a pena se no fim eles chegassem à Zona Agricultora.

Ao atravessarem o rio, todos, sem exceção, molharam as pernas até altura do joelho. A vegetação no outro lado do leito era rasteira, mas após alguns minutos de caminhada, as árvores retornaram e eles mergulharam novamente no coração da floresta. Seguiram por vinte minutos, vendo nada além de árvores e troncos caídos, até Moonbyul erguer a cabeça e sentir um cheiro incomum no meio das plantas. Era forte e não assemelhava em nada com o aroma das ervas e das flores.

– Estão sentindo esse cheiro? – indagou de maneira séria.

– Não sinto cheiro de nada. – Gyuri anunciou olhando ao redor. – Isso deve ser coisa da sua cabeça.

Moonbyul arqueou uma sobrancelha e voltou a andar, mas sem esquecer o cheiro incomum. Eles contornaram uma pilha de rochas coberta por gramíneas e passaram por cima de uma árvore tombada com as raízes a mostra. Após trinta minutos de mais puro silêncio, o grupo chegou à área da floresta conhecida pelas árvores de grande porte. Os troncos eram largos e volumosos, enquanto arbustos disputavam espaço entre as raízes. Minhyuk aproximou-se de uma delas e tocou a superfície do carvalho, haviam manchas escuras como se algo tivesse sido chamuscado sobre a madeira.

– Encontrou algo? – Gyuri aproximou-se e parou ao seu lado.

– Não acha isso estranho? – falou, passando a mão ao redor. – Parece que essa árvore foi queimada.

– Pode ser qualquer coisa.

Sungmin franziu o cenho e verificou a mancha no tronco da árvore. Aproximou o indicador do nariz, sentindo um cheiro acre, que de inicio não soube o que era.

– Isso não é comum. – revelou esfregando as pontas dos dedos.

– Não vamos ficar aqui, ponderando como essa árvore foi danificada, não é? – Gyuri deu ombros. – Vamos voltar para nossa caminhada.

Seguiram entre as árvores e atravessaram um declive até chegarem à clareira da qual Gyuri havia dito – um espaço em formato oval onde nada crescia além da grama. Sem tantas flores ou qualquer outra coisa que pudesse nublar seu olfato, Sungmin enfim reconheceu o cheiro acre que sentira minutos antes. Anos podiam ter passado, mas após tudo o que fora obrigado a fazer, aquela essência permaneceria gravada em sua memória olfativa. Não havia como negar, não havia como se confundir.

Era pólvora.

––XX––

Gyuri acabou sugerindo que eles deveriam descansar naquela clareira por alguns minutos e ideia acabou agradando a todos. Ficaram ali por uns dez minutos, mas logo voltaram a caminhar. A partir dali, o trajeto até a estrada seria feito sem desvios ou distrações, precisavam ser objetivos. Venceram um aclive para então se depararem com uma parede com pouco mais de dois metros e meio – semelhante a uma escarpa –, feito de entulho e terra. Minhyuk franziu o cenho e ergueu o olhar, elas teriam que subir.

– Posso ir primeiro e ajudar um de vocês a subir. – Gyuri falou, amarrando os cabelos.

– Vai ter força para levantar um de nós?

– Não sou feita de vidro, Minhyuk. – retrucou incomodada. – Consigo puxar enquanto você usa a parede como apoio.

– Tudo bem. – falou entrelaçando os dedos das mãos. Gyuri alongou-se antes de agarrar-se a parede, subiu e desapareceu da vista de todos. Minutos depois, sua face ressurgiu pálida e assustada.

– E então? – Moonbyul perguntou com o cenho franzido.

– Não sei como explicar... – ela gaguejou. – Acho melhor vocês verem.

Ela estendeu o braço e ajudou Minhyuk a subir. Moonbyul foi a segunda, seguida por Sungmin e por fim Ryeowook. Quando o jovem limpou a poeira do corpo e ergueu o olhar para o caminho que se alongava, sentiu o sangue gelar nas veias. O sol irrompeu entre as copas das árvores, clareando a visão horrenda, havia uma pilha de corpos, cuidadosamente amontoados uns sobre os outros. Jaziam naquela pasta de carne entre dez e quinze oficiais da Zona Habitacional, todos fardados, alguns com as botas ainda lustrosas, os ossos saltados, as caveiras aparentes. A grama ao redor da pilha estava escura e possuía uma textura pastosa quando pisada. Ryeowook levou uma das mãos a boca, contendo o enjoo que o abatera de súbito ao ver todos aqueles cadáveres.

– Quem poderia ter feito isso? – Sungmin indagou.

– Não acho que tenha sido uma pessoa. – Moonbyul murmurou, apontando para o braço de um dos soldados. – São mordidas.

– Ela ainda deve estar por aqui. – Minhyuk comentou agachando-se. – Parece que está acumulando alimento.

– São os mesmos soldados que atacaram vocês? – Ryeowook perguntou franzindo o nariz.

– Possivelmente.

– De qualquer forma. – Sungmin debruçou-se sobre um dos corpos e vasculhou-o até encontrar uma pistola semiautomática. – Eles deixaram algo que pode ser útil.

– Sabe usar isso? – Moonbyul perguntou cruzando os braços.

– Melhor do que você. – retrucou, guardando a arma no cinto.

– Vamos continuar. – Gyuri murmurou. – Quanto mais rápido nos afastarmos, menos ela saberá que estivemos aqui.

O grupo assentiu e retomou a caminhada. Por precaução, Sungmin assumiu uma postura mais defensiva, apurou os sentidos tentando captar o máximo de ruído suspeito. Passaram sobre um terreno irregular, semelhante a um lamaçal, onde as botas afundavam até os tornozelos – dificultando ainda mais a viagem. Chegaram a região da floresta onde as árvores se encontravam plantadas em um padrão no solo e seguiram em um ritmo continuo entre os troncos. De súbito, vindo da extrema direita, um ruído despertou a atenção de todos, forçando o grupo a parar.

– Minhyuk... – Sungmin murmurou.

– Eu ouvi. – respondeu de maneira tensa enquanto sacava o arco. – Veio da direita.

Antes que qualquer um pudesse se mexer, um vulto saltou de dentro dos arbustos e tentou atacar Minhyuk – que desviara rapidamente graças a sua habilidade. Abaixou-se com extrema agilidade, forçando o animal a cair ruidosamente do outro lado. O rapaz aproveitou a oportunidade e disparou uma flecha, atingindo em cheio o flanco da pantera. A fera abriu a bocarra e rugiu, expondo os dentes afiados banhados em saliva venenosa.

Moonbyul retirou os machados da cintura e Sungmin sacou a pistola, qualquer movimento que o animal fizesse seria decisivo. A pantera caminhou de um lado para o outro, saltou em direção do tronco e, com as patas traseiras, tomou impulso para pular na cabeça de Moonbyul. A jovem girou um dos machados na mão e com um movimento circular, atingiu as costelas do bicho, a lâmina rasgou a carne fazendo o sangue jorrar. A quimera rugiu, saltou para os arbustos e contornou o grupo até se focar em Minhyuk, que contra-atacou com duas flechas. Uma delas, porém, pegou de raspão e a fera sumiu entre as árvores.

Certos de que aquilo não resultaria em nada, estavam no terreno dela, e mesmo que estivessem portando armas, a quimera conhecia aquela floresta de uma ponta a outra. Tiveram que recuar, os cinco andaram de costas pela floresta; Minhyuk preparou uma flecha, caso a besta retornasse – devido sua percepção, ele era a melhor pessoa para avistar a aproximação da quimera. Apressaram o passo até virar uma corrida, saltaram sobre pedras, troncos caídos e valas onde um filete d’água corria. Venceram um declive onde o terreno era extremamente escorregadio e percorreram a planície arborizada até o animal surgir no campo de visão. Ela corria em paralelo ao grupo, parecia sedenta e furiosa, como se os ferimentos não lhe causassem dor. Minhyuk preparou o arco e disparou, a flecha zuniu entre as árvores, mas não acertou o alvo – com a força das patas traseiras, a quimera saltou, desviando do projétil.

De súbito, o animal deslizou para a direita e correu a plenos pulmões em direção de Moonbyul. Que devido a distração não notara a aproximação da fera, e antes que pudesse reagir, o animal a golpeou no peito. Ela caiu de costas no chão, trincando os dentes com a dor, e usou o cabo de um dos machados para forçar a cabeça da quimera para trás. O animal grunhiu enquanto abria a boca cheia de dentes, a saliva fétida escorreu e pingou no chão, estava decidida a adicionar mais um punhado de carne à sua pilha. Desesperado, Minhyuk levou uma das mãos às costas, mas seus dedos tocaram o ar. Estava sem flecha.

– Merda... – grunhiu enquanto olhava ao redor. – Merda, merda, merda, merda!

Ryeowook e Gyuri vasculharam o chão até encontrarem pedras e pedaços de madeira que usaram para atacar a besta, mas de nada adiantava, a quimera estava focada em um único objetivo. As veias no pescoço de Moonbyul saltaram, tamanha era força que ela fazia para impedir que o animal mastigasse seu rosto, bufou sentindo os músculos dos braços arderem e fechou os olhos. E, então, escutou-se o disparo.

Um.

Dois.

Três tiros foram ouvidos nas proximidades. Na floresta eles ecoaram como fogos de artificio, rasgando o céu em festins estrondosos que forçaram os pássaros a bater em demandada. Moonbyul sentiu a pressão diminuir, seguido de um impacto abafado contra o solo coberto de folhas. Abriu os olhos e flagrou enquanto a quimera agonizava com três perfurações na testa. Seus olhos giraram e a língua caiu para fora enquanto a poça de sangue aumentava, acompanhada do pus que o veneno causava ao misturar-se ao tecido. A jovem engoliu em seco e ergueu o olhar, Sungmin estava com o braço estendido enquanto segurava a pistola semiautomática.

– Obrigada... – sussurrou enquanto levantava.

– Não precisa agradecer. – sorriu de canto. – Essa vagabunda finalmente teve o que merecia.

Minhyuk exalou de maneira ruidosa, relaxando após os momentos de tensão. O animal que os amedrontava durante anos, o verdadeiro demônio da floresta sem lei estava enfim morto. Gyuri correu e envolveu o tronco de Moonbyul com os braços, parecia feliz pelo bem-estar da jovem.

– Podemos seguir? – Minhyuk indagou, guardando o arco.

O grupo assentiu e ele retomou a caminhada, dessa vez, assumindo a dianteira.

––XX––

Quando enfim chegaram à estrada, o sol lançava seus raios através das nuvens carregadas. O grupo caminhou pelo acostamento por alguns metros até avistarem um furgão largado sob uma árvore. Era vermelho e parecia ser novo, já que a pintura reluzia com a claridade. Minhyuk se aproximou e abriu a porta, percebendo que a chave ainda estava na ignição.

– Podem usa-la na viagem. – sugeriu batendo a porta.

– Ficou maluco? – Ryeowook retrucou chocado. – Não podemos roubar esse carro.

– É melhor do que ir a pé. – Sungmin comentou apontando para a placa. – Além do mais, a placa tem o fundo preto e os caracteres em branco. Certamente não é um carro de passeio comum.

– O que está insinuando?

– O dono desse veiculo tem alguma ligação com o exército, o que explicaria a placa. – arriscou.

– Parece que ele não está sozinho. – Minhyuk apontou para o outro lado da rua. Havia outro furgão exatamente igual àquele, mas com as numerações da placa diferentes. – Será que esses carros têm alguma ligação com aqueles soldados que encontramos?

– Vocês vão, realmente, ficar discutindo isso? – Gyuri arqueou uma sobrancelha. – Não tem ninguém por aqui, com certeza esses carros foram abandonados.

Ryeowook passou uma das mãos pela testa, lutando mentalmente contra a ética. Não havia outra resposta e Sungmin tinha razão, caminhar até a Zona Agricultora era fisicamente impossível. Suspirou derrotado e abriu os braços.

– Tudo bem, vamos.

Sungmin assentiu e contornou o carro. Porém, antes de ingressarem na viagem pela rodovia, Ryeowook e Sungmin optaram por despedir-se do trio.

– Parece que é aqui que nossa missão termina. – Gyuri sussurrou de maneira triste. Ryeowook a envolveu com os braços, recebendo o mesmo em troca. – Prometa que venha nos visitar um dia.

– Prometo. – respondeu, voltando-se para Minhyuk. – Obrigado por salvarem nossas vidas.

– É o nosso charme. – sorriu, abraçando-o. – Tenham cuidado na estrada.

Ryeowook sorriu e então encarou Moonbyul. Ela parecia receosa e mantinha o olhar fixo no chão, as mãos se encontravam dentro dos bolsos e o pé esquerdo chutava o chão com a ponta da bota. Ao ver o rapaz a encarando, ela sorriu de canto e fez um simples gesto com a mão, como sinal de despedida. Moonbyul não era muito entrosada com as pessoas e parte disso era consequência de sua criação, tivera que amadurecer rápido demais para conseguir se virar sozinha, e a raiva e amargura acabaram tornando-se suas companheiras. Apesar de o gesto parecer banal, Ryeowook sabia que seria o máximo de simpatia que ela conseguia demonstrar – grande parte era gratidão, já que Sungmin salvara sua vida.

A dupla voltou para o furgão e Sungmin deu a partida, por sorte ainda havia gasolina no tanque. Os pneus deslizaram, jogando lama para trás, e o veículo sofreu um solavanco antes de ganhar as rodovias. Ryeowook encarou o retrovisor e assistiu com o coração partido enquanto o trio acenava em despedida.


Notas Finais


E ai? O que acharam?
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