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História Além do que se vê - Pois é


Escrita por: Kirilov

Capítulo 15 - Pois é


A luminosidade repentina me puxou bruscamente do sono preguiçoso. As primeiras horas do meu dia foram preenchidas pela consciência de que o sol ardia lá fora, unida a percepção do canto dos pássaros e o som das ondas que se fazia perfeitamente audível.

No meio da madrugada Sasuke havia fechado a porta da varanda, devido ao vento frio que passara a invadir o quarto. Mas agora abria tudo sem o mínimo de remorso, obrigando-me a despertar.

Esfreguei os olhos, espreguicei-me, e puxando os lençóis junto do corpo, tentei me erguer na cama, encostando a coluna nos travesseiros altos.

O Uchiha puxava as cortinas pesadas. Ele vestia apenas um short de praticar esportes; como sempre estava cheio de disposição e muito possivelmente se aventurara a correr pelo calçadão da praia. Nunca consegui entender de onde ele tirava energia e como costumava parecer tão vigoroso pela manhã. Teoricamente estávamos de férias, poderíamos dormir até uma da tarde se quiséssemos, mas não, o "Sr. Corredor" tinha que levantar com o sol. 

—  Eu estava no meu melhor sono, não devia me acordar assim – reclamei. 

Ele virou ao me ouvir, sorriu. Veio até a cama e sentou no canto, imediatamente passando a acariciar minhas pernas. 

Por Deus, o homem era muito bonito, acordar com ele sorrindo para mim me tirava todas as preocupações, também as defesas; pois me sentia muito suscetível a aceitar qualquer coisa que Sasuke pudesse pedir. Na verdade, ainda custava acreditar que ele estava comigo, que era inteiro meu. 

Meus olhos imediatamente focaram em seu tórax nu, posteriormente descendo pelo oblíquo bem definido, passando pela protuberância entre as pernas e por fim analisando as coxas grossas. Pensei melhor, e agradeci por ele manter os hábitos atléticos; que acordasse cedo e saísse correndo por aí, o resultado me animava muito.

— São 10 da manhã, preguiçosa. Você precisa levantar e aproveitar que o sol apareceu — ele disse, e logo em seguida inclinou-se sobre o meu corpo. Colou a boca em meu ouvido, após segurar minha mão e levar até uma de suas coxas. — Ou podemos fazer exatamente o que está pensando agora. – Nada costumava passar despercebido aos olhos dele, com certeza fora capaz de notar minha análise desejosa sobre si.  

Acatando a sugestão, me permiti entrar na brincadeira. Subi a mão devagar, provocante, e sobre o tecido massageei aquele volume, arrancando dele ansiosas lufadas de ar e ganhando mordidas no pescoço. Era bom estar ali com Sasuke, envolvida numa cena intima supérflua, e não focada nos problemas que me acompanhavam. Tinha aceitado a viagem para relaxar e descansar, era isso que faria, e Sasuke já estava conseguindo me fazer esquecer de tudo. Naquele momento nada relacionado a Gaara atormentava meus pensamentos.

O nosso caloroso bom dia foi interrompido quando deixei de acariciá-lo e o empurrei para longe de mim; após ele ter parado de chupar minha pele e tentado um beijo.

— Beijo não, acabei de acordar. – Foi a minha justificativa para a recusa.

Ele deslizou a língua pelos lábios, visivelmente decepcionado, mas acabou por se afastar com um sorriso sugestivo, acatando minha desfeita e se pondo a trazer a bandeja que deixara sobre a cômoda marrom.

— Seu café da manhã – anunciou descontraído, novamente sentando ao meu lado e deixando a bandeja sobre a cama. 

Sorri abertamente, boba e por demais realizada. Voltar a namorar Sasuke significava ter todos meus mimos de volta, e quão bom era isso. 

Prendi o lençol embaixo dos braços e me arrumei melhor contra a cabeceira, disposta a devorar tudo imediatamente. Analisei o que estava sendo servido, decidindo por onde começar. O mais engraçado foi que ele até cortara frutas para mim, inclusive amassou bananas com aveia; mas não havia nada de croissants ou pãezinhos açucarados. Devo confessar que a constatação me deixou ligeiramente decepcionada.

— Apenas frutas e coisas saudáveis? – Não que eu estivesse reclamando, mas foi involuntário questionar ao ver a quantidade exagerada de frutas e um copo com suco de cor vermelha. 

— Você está grávida. – Foi a resposta bastante esclarecedora dele. O sorriso de canto não abandonava seu rosto sereno.

— Justamente. Por isso, seu filho, ou filha, vai nascer com cara de croissants e pão de mel.

— Pelo menos nascerá forte.

Revirei os olhos, indignada com a petulância do homem ao afirmar aquilo. Logo entendi que não conseguiria manipular Sasuke facilmente com desejos, ele não seria do tipo que hesitaria após ouvir ameaças sobre o possível rosto da criança. 

Vencida, passei a comer um pedaço de mamão.

— Tome o suco – pediu, a voz firme como se me desse uma ordem. 

— Sei que deve ter feito com toda dedicação... 

—  Não tente se esquivar. – Cortou-me, antecipando a desculpa. Tinha compreendido minha cara de nojo.

 — E você não pense que sou ingrata, Sasuke. Mas odeio beterraba com cenoura. Não irei tomar isso. – Fui sincera, não fazia ideia de como conseguir beber aquilo sem fazer cara feia. Odiava suco de beterraba, a contragosto tomara demais na infância para combater a anemia, pois vovô acreditava que isso ajudava; o que descobri depois com uma nutricionista, se tratar de um mito alimentar, tal como manga com leite. Ela me disse que beterraba não é tão eficiente no tratamento de anemia, ainda mais se for triturada para suco.

— É de tomate – esclareceu. 

Minha expressão de repulsa só piorou. Quem em sã consciência tomava suco de tomate? Eu nem sabia que isso existia. Aliás, a situação ficou bastante clara para mim, Sasuke adorava tomates e provavelmente apenas por isso queria que eu tomasse a tal gororoba.

— Então quer dizer que não tenho mais direito de ganhar meus doces, mas tenho que comer o que você gosta? 

— Tomates fazem bem para a saúde, têm vitamina C, vitamina A e antioxidantes; não é simplesmente porque gosto do fruto.

— Ah não?

— Não – afirmou com convicção, claro que mentia. – Experimente, pelo menos.

— Isso deve ter gosto de molho sugo. Vai ser estranho tomar esse negócio.

— Dou minha palavra que não é ruim.

— Não parece bom – teimei.

A discussão boba entre nós continuou. Eu pensava que se insistisse e tivesse um pouco de sorte me esquivaria com maestria da insistência do Uchiha. Mas claro, não saí vencedora da nossa pequena divergência de opiniões sobre tomates, no final ele conseguiu me fazer tomar um gole, e até que não era tão ruim. Acabei bebendo tudo, e comendo todas as frutas, inclusive a banana com aveia; o que deixou Sasuke muito satisfeito. A bem da verdade eu estava com bastante fome; não terminara o jantar na noite anterior, e o sexo tinha me deixado sem forças.

— Agora o que acha de levantar dessa cama e passar o dia tomando sol na praia comigo? – Ele se aproximou, novamente ficando sobre mim e depositando beijos perto do meu ouvido. – Estou louco para ver você bronzeada. – O tom era de divertimento, provavelmente estava caçoando de mim e da minha palidez fantasmagórica. Não respondi o insulto disfarçado, sabia bem que parecia uma lagartixa branca.

Imerso em sua brincadeira perversa, ele continuou descendo os beijos pelo meu pescoço e clavícula, consequentemente expondo meu colo ao puxar o lençol que escondia minha nudez. Sugou meu seio esquerdo, antes de prosseguir no mesmo tom safado e zombeteiro: 

— Com uma marquinha de biquíni bem aqui. – Afastou-se por fim, deixando a vermelhidão de uma chupada no meu peito; qual me apressei em cobrir, arrancando de Sasuke uma risada anasalada e desdenhosa.

— Não trouxe biquíni.

— Garanto que há inúmeras lojas de roupas de banho na cidade. Podemos comprar um.

— Pode ser. – Sorri, animada com a ideia de conhecer o comércio local.

Ao ouvir minha resposta ele levantou, como se apenas estivesse esperando minha rendição. Determinado pegou a bandeja vazia e se direcionou a porta, deixando-me para trás com minha expressão de paspalha. Quando estava prestes a sair do quarto, virou-se e me fitou, talvez se dando conta da minha falta de reação.

 — Levante dessa cama e fique pronta logo – ordenou sério. Acho que ficava intrinsicamente incomodado com minha preguiça, só devia ser isso. – Estarei te esperando lá embaixo.

Meneei a cabeça. E quando ele sumiu, finalmente me pus de pé. Tomei um banho rápido. Arrumei-me em menos de 30 minutos. Sasuke não poderia sequer pensar em reclamar de demora ou apontar qualquer falta de ação partindo de mim. 

Ao procurá-lo no andar de baixo, encontrei-o sedutoramente lavando a louça do café. Ele ficava lindo e charmoso de qualquer maneira, até de avental.

Preciso deixar muito claro que Sasuke Uchiha era doente por trabalho. Embora possuísse uma áurea tranquila, ele era um homem agitado; isso pode parecer ambíguo, no entanto é a mais sincera verdade. Ele era reservado e de poucas palavras, pelo menos quando não estava num quarto — nesse caso tinha um vocabulário muito sujo —, mas o fato é que ele simplesmente não conseguia ficar parado sem fazer nada, sempre estava envolvido em alguma atividade, possuía uma necessidade absurda de se sentir ocupado. 

Mesmo nos nossos antigos finais de semana, quando não estava checando e respondendo e-mails do trabalho, preparando apresentações para reuniões ou lendo contratos; ele estava lavando louça, cozinhando ou... bem, transando comigo. Até conseguia ficar ao meu lado de bobeira, assistindo filmes e séries, mas nessas ocasiões eu sempre percebia seu estado inquieto. Ele também possuía a mania constante de mexer em objetos sobre os móveis, deixando tudo perfeitamente alinhado e arrumado. Em suma, era metódico, organizado, propositalmente atarefado, dono de feições presunçosas e de modos um tanto rudes; entretanto, extremamente bonito e safado.

— Então vamos? – despertei-o dos afazeres domésticos, automaticamente também me livrando da análise minuciosa de suas costas largas e as atraentes estranhezas.

Ele largou o que fazia; também estava devidamente vestido, usava uma camisa azul e um short casual. E depois de analisar meu vestido e dizer que eu estava linda, como costumava fazer quando me via arrumada, nos aventuramos a sair de casa. Receber elogios dele sempre me levava a fitar meus próprios pés e deixava minhas bochechas com a sensação juvenil de ardência.

Andamos de mãos dadas pelas calçadas, isso foi o auge do meu contentamento e o disparo para meus sorrisos bobos. Ao lado dele me sentia protegida, nada me atingia ou perturbava. O calor dos dedos longos entrelaçados aos meus valia mais que milhões de promessas; eles eram firmes e me passavam a exata ideia de segurança e afeto, tal como quando meu avô agarrava minha mão antes de atravessar a rua comigo.

Após uma boa caminhada, e apesar da quantidade exorbitante de lojinhas pela avenida principal, acabamos por entrar no pequeno shopping da cidade; pois o biquíni exposto em uma das vitrines roubou completamente a minha admiração. 

Tão logo entramos na galeria específica, uma vendedora muito simpática veio nos atender. Apontei para ela a peça que gostara, qual prezadamente a mulher tirou da vitrine e trouxe para mim. Tive certeza que levaria aquele conjunto, era lindo e, de alguma forma, parecia comigo, talvez fosse a estampa psicodélica. No entanto, assim que o mostrei a Sasuke, notei a forma como sua boca torceu e a testa enrugou. 

Sem nada dizer, ele se afastou até alcançar uma arara de cabides. 

– Por que não um desse? – perguntou sério, segurando um maiô enorme.

Aproximei-me mais, fingindo dar alguma atenção ao que ele me sugeria. Mordi os lábios, pensando no que responder.  

— Gostei do biquíni. E achei que você queria me ver com... Bem, você sabe, a “marquinha”. – Quão vergonhoso foi pronunciar essa palavra, mas eu estava com a ideia fixa de que o tal bronzeado era algum fetiche do meu namorado, e que ele não tinha falado sobre aquilo só em brincadeira.

— Eu quero. Porém... – Lançou um olhar ácido para a vendedora, fazendo-a se dar conta da inconveniência e nos deixar a sós. – Esse que escolheu é muito... – Pausou, baixando a cabeça e aparentemente pensando no que diria: — Pequeno... Você não acha?

Olhei para as peças em minhas mãos.

— Gostei dele.

— Mas eu não. 

— Acho que está sendo machista.

— Machista? Esse negócio é minúsculo, Sakura.

— E qual o problema de ser pequeno, o importante não é eu ter gostado? 

— Os homens ficarão olhando para você.

— Da mesma forma que você muito provavelmente também deve ficar olhando quando uma mulher passa com um biquíni desse? 

— Não fico olhando.

— Não?

— Não.

— E como sabe que olharão para mim? 

Ele levou a mão a têmpora, da exata forma que tinha mania de fazer quando estava contrariado.

— Tudo bem, compre o que quiser. Não irei opinar. Vou dar uma volta pelo shopping, sinta-se livre para escolher. – E simplesmente me deu as costas. Saiu da loja, enquanto eu ainda movia a boca para tentar dizer algo. 

Devo admitir que em instantes de fraqueza pensei em atender o desejo dele, cheguei a pegar o maiô, contudo a vendedora não me deixou levá-lo. A mulher insistiu que eu deveria comprar a peça que gostei, não a que Sasuke queria.

— Eles são todos iguais – ela disse. – Mas não deixe que esse tipo de coisa lhe afete. Se ele é ciumento e não te deixa usar o que você quer, troque de homem, não de roupa.

— Ele nunca criticou o que uso, na verdade não costuma ser assim: ciumento. Sabe, acho que só ficou um pouco desconfortável. – Defendi-o, tentando encontrar justificativas para a cena. 

— Tem certeza? – Notei que de soslaio ela observava as marcas em meu braço. 

— Ó, não, não... Não foi ele quem fez isso comigo. – Tratei rapidamente de esclarecer, enquanto pagava a compra. Ela anuiu, uma expressão aliviada no rosto.

Deixei o lugar com uma sensação muito boa a respeito daquela moça, ela brevemente me fez pensar que se importava comigo, e com qualquer outra mulher que aparecesse em sua loja em circunstâncias parecidas. Essa união amigável, firmada simplesmente por nossa breve troca de olhares, de alguma forma me deixou mais forte. Eu me senti acolhida por aquela vendedora. A medida que me afastava, agradecia internamente por sua bondade e preocupação.

Depois de algumas voltas aleatórias, finalmente encontrei o Uchiha sentado em um banco perto da saída. Sua feição parecia melhor, e ele segurava uma sacolinha colorida com um pacote embrulhado em papel de presente. 

Um papel muito feminino, vale ressaltar. E não importou quantas vezes perguntei para quem comprara aquilo, ele se recusou a responder. Isso, claro, me deixou altamente desconfiada. Conseguia ser milhões de vezes mais ciumenta que ele, então cheguei até a cogitar que o presente era para a sócia atrevida, ou qualquer outra mulher; visto que ele negara ser para mim ou a mãe, e sequer me deixou chegar perto do embrulho.

Apesar do comportamento suspeito, tentei não criar um caso, guardei comigo minhas inseguranças e necessidade de cobrança. Se ele não queria contar, que não contasse; eu poderia confiar em sua lealdade. Nossa viagem não seria destruída por mim e minha neurose, não me permitiria isso. Então, como se nada me atingisse, fomos para a praia e fingi ficar completamente bem.

Enquanto Sasuke lia seus livros sentado sob a sombra do guarda-sol; eu tentava aproveitar o mar e não pensar besteiras. Almoçamos em um dos quiosques, consequentemente também passando a tarde fora; portanto voltamos para casa apenas no final do dia. Então foi somente depois de tomar um banho, para tirar o sal do corpo e desgrenhar o cabelo, quando estava sozinha no quarto me trocando, que pude ficar alguns segundos a sós com o presente misterioso.

Compreendo completamente que minha atitude foi das piores, mas movida por razões distorcidas, fechei a porta na chave e com cuidado desembrulhei o pacote. Precisava fazer aquilo para descobrir quão insegura e desconfiada era, porque o que encontrei ali não foi nenhuma prova de traição ou qualquer coisa do tipo. Tratava-se de um macacão rosa cheio de estampinhas e a frase “Sou a princesa do papai”. Era lindo.

O meu peito se aqueceu de inúmeras formas ao ver aquilo; assim como logo depois me considerei a mais ridícula e insensata das mulheres. 

Não pude também deixar de indagar se Sasuke queria uma menina, ou se comprou a roupinha em especial por trazer a palavra “papai”. Assim como questionei o motivo de ele provavelmente ter ficado constrangido por comprar roupinhas de bebê, a ponto de esconder isso de mim.

Muitas coisas me ocorreram, eu ria olhando a peça infantil, ao mesmo tempo que desejava chorar por ser tão tola. Nessa confusão de sentimentos, deixei o quarto e desci as escadas rapidamente com o macacãozinho em mãos, um sorriso bobo no rosto e o coração pulando de alegria. Esperava encontrar Sasuke e abraçá-lo imediatamente.

Entretanto, rapidamente toda a felicidade escapou de mim, porque assim que cheguei a sala em que ele estava, notei-o de pé com a mão encostada na parede e a cabeça inclinada sobre o braço, enquanto o notebook em cima da mesa estampava minhas fotos e vídeos íntimos.

Em passos inseguros, aproximei-me para verificar que não estava sendo enganada pelos meus olhos. A tela mostrava um e-mail de Fugaku Uchiha, com o texto “Você nem sabe se esse filho é seu”, acompanhado de todo o conteúdo com o qual fui chantageada. Isso só poderia significar uma coisa: Gaara cumprira a palavra. A tal altura minhas fotos estavam expostas na internet, ao alcance de todos que me conheciam.

No desespero do momento, e confabulando mil coisas por segundo, alcancei meu celular que deixara por ali no dia anterior, consequentemente encontrando nele dezenas de mensagens e chamadas perdidas, de Ino, Hinata, dos meus pais; e até de antigos colegas da faculdade e do hospital, alguns mandando mensagens de apoio, outros fazendo brincadeiras depreciativas.

A vergonha extrema e o sentimento de decepção, tanto me fez tremular que o telefone e a roupinha caíram de minhas mãos, ruidosamente encontrando o chão. Não sei o que passou na minha cabeça naquele momento, acho que apenas conseguia pensar que minha vida fora destruída, que nunca mais conseguiria voltar as minhas atividades normais e reunir coragem para enfrentar as pessoas. Foi como se tudo, de uma única vez, e num feroz piscar de olhos, escapasse por entre meus dedos; e o chão se abrisse sob meus pés, mas dessa vez eu quis cair, eu quis um lugar para me esconder.

O mais engraçado é que tudo aquilo provavelmente fora perfeitamente articulado por Gaara. Ele devia possuir a certeza que minha tranquilidade com Sasuke não resistiria àquelas revelações, que uma discussão certamente se engrandeceria entre nós, na qual palavras não pensadas e insultos seriam esbravejados aos quatro ventos, resultando numa discussão ferina e uma separação imediata, com alguém precisando sair para ficar sozinho, dando a ele assim a oportunidade de concluir seus planos. Porque foi exatamente isso que aconteceu.

Sasuke não me culpou abertamente, não me humilhou, mas seu olhar sobre mim me fez sentir a pior entre as mulheres. As coisas que ele veio a dizer, apesar de não me ofenderem diretamente, deixava subtendido sua incapacidade de me inocentar e perdoar por completo.

— Eu não queria que você visse isso – murmurei a certo momento, recuperando a capacidade de articular uma frase simples. Ao passo que ele falava demais e ora ou outra empurrava alguma coisa, no auge da exasperação.

— Mas eu vi – respondeu bruscamente. – E o mais engraçado, Sakura, é que você não estava frigidamente “fazendo amor” com ele, como gosta de me fazer acreditar que prefere. Parecia muito confortável com tudo, enquanto olhava para a câmera e... – Conteve o que diria, rindo sarcástico e depois me dando as costas.

— E o quê, Sasuke? Por que não verbaliza o seu pensamento? Se quer saber, não irá doer menos se você falar, porque sei exatamente o que cogitou dizer, isso é suficiente para me fazer ver quão tola fui ao também acreditar em você, em pensar que era diferente, porque no fundo você é igual a ele.

Minha fala o irritou, ele virou-se em minha direção, uma expressão colérica.

— Sou igual a ele?

— Você é! – esbravejei, em igual tom exasperado. – Não está dando a mínima para como estou me sentindo, está tentando me ferir com essas insinuações sujas, porque no fundo só está pensando em seu orgulho ferido.

— E como porra você quer que eu me sinta? Como espera que devo reagir após ver um vídeo de outro cara fodendo minha mulher? – perguntou exaltado, mas de mim recebeu apenas o silêncio, pois o peso de suas palavras e expressões muito mal utilizadas, unido ao tom rude, machucou-me profundamente. — Vamos, Sakura, responda. Acha que devo manter a calma e sorrir como se isso não fosse nada? Ignorar o que acabei de ver? — vociferou, derramando toda sua irritação sobre mim, como se minha recusa a responder e entrar naquela discussão baixa o deixasse ainda mais indignado. Ele esperava  sinceramente ouvir minha resposta.

Mas tudo que fiz foi me afastar e deixá-lo falando sozinho. Rumei em direção a porta, precisava respirar longe dali; precisava pensar e colocar meus pensamentos no lugar. 

— Para onde vai? – Ele veio atrás.

Não me virei para olhá-lo.

— Dar uma volta. Preciso ficar sozinha.  

Continuei firme, abri a porta. 

Ele segurou meu braço. 

— Já escureceu. – O tom saiu menos exigente. Certamente se dava conta de tudo que fora dito. 

— Me deixe ir, por favor. Só quero ficar sozinha um pouco, pensar em tudo isso, decidir o que fazer agora, em como enfrentar as pessoas, como enfrentar você.

— Não precisa me enfrentar. Eu... Só estou nervoso, preciso esfriar a cabeça. Me sinto completamente perdido, não sei o que estou dizendo.

— Também preciso de um tempo, Sasuke. Talvez, devido a raiva, realmente não saiba o que disse e insinuou. Mas eu ouvi bem, e agora também preciso descobrir como lidar com isso.

Minhas palavras o fizeram me soltar. Ele me deixou sair. 

Meu destino foi o encontro com o mar. Corri em direção a imensidão azul que no dia anterior me fizera entrar num mundo distante e esquecer todos os problemas. Novamente queria me desligar e vagar a consciência por dimensões distantes. Tirei os calçados e permiti que a areia acariciasse meus pés. Andei a fio pela praia. Sem rumo, sem qualquer esperança. As lágrimas escorrendo pelo rosto. A solidão novamente batendo na porta. A angústia apertando o peito.

Até que, enquanto caminhava, senti alguém se aproximar, a tal altura tão próximo que bastaria eu me virar para encontrá-lo. Foi o que fiz, enxuguei as lágrimas salgadas com as costas das mãos e me virei, crente de que se tratava de Sasuke, uma satisfação secreta no coração por ele ter finalmente ido atrás de mim. No fundo, eu nunca quis que ele me permitisse sair da casa; meu desejo silencioso era que no mesmo instante ele se desculpasse e me pedisse para ficar.

O forçado sorriso e pequena satisfação, contudo, morreu em meus lábios antes de se tornar um sorrisoriso sincero. Foi Gaara quem encontrei diante de mim, em carne e osso.

— Achou que me denunciaria e depois fugiria, Sakura? – O tom dele saiu irônico e ameaçador, um sorriso perverso lhe estampava o rosto. – Não deveria ter desdenhado da minha palavra.

Eu poderia ter gritado no mesmo instante, ou tentado correr para longe a procura de ajuda; no entanto, o medo me paralisou, congelou minhas pernas e o sangue em minhas veias, desencadeou em meu corpo calafrios piores do que os provocados pelos pesadelos mais horríveis.

Quando a necessidade de sobrevivência finalmente veio à tona e brevemente recuperei o controle das minhas ações, tentei dar força a minha voz, mas antes que meu pedido de socorro escapasse, o homem tapou minha boca e puxou-me com violência contra o próprio corpo. Com toda a determinação e força que possuía tentei me soltar, mas ele era dezenas de vezes mais forte. 

— Quietinha – sussurrou em meu ouvido. – Seja obediente, meu amor.

O pânico tomou conta de mim. Quão inútil, fraca e incapaz me senti; pois fui arrastada sem que pudesse lutar. Ele me carregou por alguns metros naquelas condições, tudo que eu sentia era sua mão grande apertando minha boca, e o braço pesado apertando minha cintura ao passo que me levava para longe da areia e das ruas movimentadas. 

A medida que nos distanciávamos, o meu pavor crescia. Com os olhos desesperados eu olhava para a praia, pedindo que Sasuke aparecesse por ali e me salvasse, ou qualquer outra pessoa.

Mas Sasuke não apareceu, assim como nenhuma das poucas pessoas a circularem pelo calçadão se deram conta do que ocorria. Tudo que passei a ver foi uma paisagem embaçada pelas minhas lágrimas angustiadas.

Até que chegamos no local onde estava parado um carro preto, numa parte deserta da Avenida que antecedia o calçadão. Eu sabia onde estávamos, tinha passado por ali mais cedo, não era tão distante do condomínio; se conseguisse me soltar e correr, talvez tivesse chance. 

Ainda me segurando firme, Gaara abriu a porta traseira e tentou me jogar nos bancos. Eu sabia que entrar significaria o fim; uma vez sob o completo comando dele, não teria mais escapatórias; então estrebuchei, esperneei, fiz de tudo para não ser jogada no carro. Consegui morder a mão dele e gritei por socorro, gritei o nome de Sasuke a todos pulmões, a ponto de a garganta arder intensamente. Mas no instante seguinte apenas senti a forte pancada contra minha cabeça. Não tive tempo para sentir dor, tudo ficou escuro. Apaguei completamente.

Quando despertei, a confusão mental era tanta que por alguns segundos pensei que tudo não passara de um pesadelo. Mas então me dei conta do pedaço de pano que calava minha boca permanentemente. Minhas mãos também estavam amarradas, tão forte que eu sentia a corda ferindo meus punhos.

Através dos vidros das janelas, e apesar da escuridão do anoitecer, vi as árvores altas, a mata densa. Seguíamos por uma estrada de terra; meu corpo chacoalhava, o movimento do carro estava irregular.

No auge do desespero, passei a me remexer e chutar compulsoriamente a porta do carro, crente de que ainda possuía alguma possibilidade de escapar ilesa.

— Quietinha, Sakura – ele pediu sorrindo, olhando-me pelo retrovisor. – Quietinha. Eu disse que se não fosse minha, não seria de mais ninguém. Mas você quis pagar para ver, então agora seja obediente, uma boa garota, e tente não me irritar.

Não atendi aos pedidos dele, continuei chutando a porta, tentando gritar e desprender meus braços. Essa escolha, descobri rapidamente, foi imprudente, porque diante das minhas tentativas desesperadas e inúteis, ele parou o carro, pegou a arma que guardava consigo e colou em minha cabeça.

— Fique quieta, ou eu juro que mato você.

Recordo-me com perfeição daquele frio na barriga, do aperto intenso no coração, do barulho do meu choro e a temperatura das lágrimas que caiam copiosamente. Principalmente, recordo-me da sensação que é ter o cano de uma arma pressionado contra a testa, é gélido e resistente, é angustiante... É vasculhar, em meio a escuridão, por um minúsculo ponto luminoso de esperança; é querer ver além daquele momento, é querer pensar que existirá um amanhã. Ao mesmo tempo, é enxergar tudo que aconteceu no passado e reviver cenas felizes que irão escapar nos próximos segundos, como se nunca tivessem me pertencido. É amar a vida sobre todas as coisas, é torcer por ela como jamais se torceu. É não se preocupar com dúvidas e apegar-se apenas a necessidade de viver. É implorar por uma chance. 

E eu implorei, eu me calei, parei de espernear, parei de tentar gritar, tentei segurar minhas lágrimas. Fiz o impossível para que ele não disparasse a arma, porque até então eu seria capaz de passar por cima de tudo, até então ainda poderia superar.

No entanto, o pior estava por vir. Quando ele veio, eu me perguntei o porquê de ter lutado, eu me arrependi das minhas estúpidas ações, porque um tiro certeiro em minha cabeça teria sido o melhor desfecho para aquela noite, seria uma morte rápida e indolor; seria o melhor fim dentre todos que o destino preparava para mim. Gaara me sentenciou ao castigo que uma alma flagelada como a minha não conseguiria suportar. Viver não mais seria um prêmio, fui incapacitada de encarar a vida com algum encanto; na verdade, sobreviver foi uma penitência. 

No final de tudo, quando minha respiração se resumia a suspiros fracos e já não sentia meu corpo, mas tinha alguma consciência do meu estado, desejei não ter suportado as horas de terror. Com um campo de visão muito limitado devido as lágrimas que embaçavam meus olhos, aguardei a morte com apreço e ansiedade, como quem espera a visita de um ente muito querido ou a revelação de uma grande surpresa; somente ela seria capaz de cessar o meu sofrimento.

 “Pegue a arma, por favor” pensei, enquanto ainda via aquela figura macabra. “Pare de me torturar, não aguento mais. Pegue a arma, aponte-a novamente contra mim, aperte o gatilho”. 

Desejei que Gaara me matasse em um primeiro ato de misericórdia, porque sabia que a maior dor não seria aquela que tão ferozmente me consumia fisicamente. A maior dor é essa que ainda sou obrigada a suportar, está em minha cabeça, embora uma tomografia não a revele. Ela não é material; não está na minha carne, apodrecendo-a como uma doença maligna, embora a sinta me corroendo aos poucos e me ferindo profundamente; não é visível, portanto, não pode ser simplesmente tratada. Ela está em mim, em cada átomo, em cada sonho que venho a ter quando fecho os olhos. Eu não consigo me livrar dela, não há como me livrar dela, pois ela surge sem que eu consiga controlar, ela vem com qualquer lembrança daqueles dias, com todo mínimo barulho que me faz acordar assustada no meio da noite, com as sombras nas paredes e que vagueiam por este quarto, com toques de desconhecidos ou até dos que me são próximos. Ela faz parte de mim, está impregnava em meu corpo, circulando agressiva por minhas veias, consumindo minha sanidade.



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