1. Spirit Fanfics >
  2. Além do que se vê >
  3. Dois barcos

História Além do que se vê - Dois barcos


Escrita por: Kirilov

Capítulo 16 - Dois barcos


Veja bem, leitor, não se aborreça com o que acabei de confidenciar, ou com as coisas que ainda virão, não ache que tudo está perdido e a ceia acaba por aqui, eu acabei de lhe servir a carne podre, o cheiro dela era putrefato, a aparência era de dar náusea, as moscas voavam sobre esse prato há dias. Você a mastigou, mesmo ela sendo azeda; engoliu-a com asco, com cara feia e tristeza. Pense que um dia ela foi enfiada goela abaixo em minha garganta, sem que houvessem sobras; não há nada pior do que isso.

Então agora eu vos estendo o guardanapo e um copo de água, eu sorrio para você (e imagine-me exatamente assim: sorrindo. É um sorriso triste, amargo e pouco sincero, mas não deixa de ser um) e falo: irei preparar a sobremesa. Um sorvete. Você gosta de sorvete? De creme? Chocolate? Morango? Escolha qualquer um, irei fazer o que for do seu agrado. Posso me demorar lá dentro, não sei quanto tempo precisarei para preparar nosso próximo prato; talvez você tenha de suportar mais um pouco essa náusea angustiante, folhear algumas páginas e forçar seus olhos a ler palavras pouco prestigiadas, mas garanto que irei servi-lo uma vez mais, uma refeição fria.

Por ora, compreenda que não lhe darei os detalhes dos últimos eventos por mim descritos. Mesmo que eu tente, e me force a falar sobre isso, vencendo o estômago embrulhado e o aperto no peito, irei fraquejar. O que passei durante os dias intermináveis de constante violência pelas mãos de Gaara, deixaram-me feridas que nunca irão cicatrizar. Elas ainda sangram.

 

Em algum momento, lá atrás, falei sobre o acaso e o caos, sobre o furacão desastroso que se formava e vinha em minha direção, ainda lento e silencioso, o sopro decorrente do bater de asas da borboleta. Entretanto, a brisa que chegava até mim havia finalmente atravessado o Pacífico, uma série de eventos aleatórios unira-se a ela. O clima estava seco, meus pulmões sentiam a consequência; minha consciência, a confusão. Um vento frio e cortante agitava-se ora ou outra, não mais aquele que acariciava o rosto e vinha como um alívio; embora fosse apenas parte dos meus delírios.

Abri os olhos e vi-me em minha caminha, em casa, com mamãe; ela me confortava dos meus tormentos. Mas então, de repente, um cheiro hospitalar inundou minhas narinas, deparei-me no quarto infantil do hospital que frequentei a infância inteira, vovô conversava comigo tentando me acalmar.

— Está doendo, muito. – Reclamei.

Ele afagou meu cabelo, na outra mão segurava seu velho chapéu de abas: um Homburg preto com a fita em tom mais claro. 

— Eu sei... Mas tudo ficará bem. – E sorriu, da forma que apenas ele sabia. Um sorriso que confortava, embora preenchido por promessas que nunca se concretizariam. Fingi acreditar em suas palavras, permiti-me fazer da sua presença protetora o meu refúgio.

Porém, no instante seguinte, já não era vovô diante de mim. Uma nova mudança de cenário aconteceu, quando ligeiramente pisquei os olhos.

Havia agora uma mulher de jaleco branco, uma médica... Tsunade. Ela tentava falar comigo, fazia-me perguntas repetitivas, tinha uma voz tranquila, apesar da evidente preocupação.

Por alguns segundos recobrei a consciência, lembrei dos últimos acontecimentos. Recordei que havia sido finalmente resgatada e socorrida; mas nada disso impediu o pavor crescente, pois embora devesse acreditar estar finalmente em segurança, tudo pareceu prestes a me engolir. O mundo inteiro se tornara hostil.

Mais uma vez entrei em pânico.

Em reações exasperadas, numa ideia equivocada tentei levantar. Meus pensamentos resumiam-se apenas a isso: fugir, correr para longe, ou na mais covarde hipótese: cessar a dor. 

Lembro de gritar entre lágrimas, de estrebuchar perante o medo provocado pelas mãos que me tocaram na tentativa de conter-me, acreditava que elas me machucariam, não interessava a quem pertencessem. As mãos, recém descobertas estranhas, me angustiaram e aterrorizaram, representaram uma ameaça em potencial. A todo custo tentei me livrar delas, enquanto uma voz firme, qual reconheci ser do meu pai adotivo, em igual aflição repetia ao longe: 

 Acalme-se, Sakura; acalme-se.... Está tudo bem agora.

“Está tudo bem agora”, foi o que ele dissera na primeira vez em que acordei; estava ali há alguns dias. Sim, aquele foi apenas mais um episódio no qual despertei entre delírios do meu leito de doente. “Doente”, pareceu adequado pensar assim, se fossem outros os motivos do braço quebrado, das fraturas e o corpo que carregava os lembretes vívidos da tortura.

Apesar de ter sido liberta do cativeiro há 3 dias por um grupo de buscas da polícia e encaminhada para atendimento médico no hospital que um dia trabalhei, sempre que abria os olhos e me deparava com o mundo, era atingida pelo pânico e a necessidade sufocante de me esconder, pois de alguma forma ainda acreditava estar sob o domínio do monstro que me manteve presa por duas infinitas semanas.

Não importava o que as pessoas diziam ou o quanto tentavam me confortar, nada estava bem. Nunca mais as coisas ficariam bem. O meu sofrimento era muito intenso para ser apaziguado apenas com a liberdade, ele caricia da paralisação completa do meu corpo e dos meus pensamentos, para encontrar o mínimo de alivio; pois qualquer recordação do sequestro, fazia-me cruelmente reviver todas as cenas de terror.

Eram inúteis as minhas tentativas de esquecer, de forçar as mãos contra a cabeça e gritar para que aqueles momentos de agonia fossem apagados do meu cérebro; tanto quanto era inútil chorar e pedir inocentemente ao meu agressor para me deixar em paz, ao ouvir a voz dele ainda tão real em meu ouvido, falando coisas repugnantes e que provocavam em mim sentimentos e sensações que ameaçam minha sanidade. Ele não estava ali, não mais me mantinha presa, mesmo assim continuava a exercer completo domínio das minhas percepções, permanecia causando-me o mesmo mal, a mesma dor.

Esse detalhe primordial: a compreensão de que o passado é imutável, bem como o completo entendimento de que nunca mais seria a mesma Sakura, fazia-me acreditar seriamente que a única solução era o fim definitivo; havia tentado suicídio no primeiro dia de internação. Estaria então livre de todo o sofrimento, se uma enfermeira não tivesse chegado a tempo de me impedir. Exatamente por isso meus pais tinham recebido permissão para ficar no quarto comigo, como acompanhantes integrais; eu não podia mais ser deixada sozinha por um minuto sequer, mesmo enquanto dormia.

Quando por fim firmemente segurada e forçada a deitar na cama, olhei meu braço e o vi enfaixado, enquanto no outro recebia medicações por um cateter. Marcas roxas coloriam minha pele a mostra. 

Meus pensamentos regrediram a confusão, minha cabeça voltou a ser uma bola grande e pesada. Uma nova dose de calmante acabara de ser injetada na bolsa de soro.

Exorcizada da agitação, fui capaz de perceber outras sensações além daquelas derivas do medo, voltei a ter consciência do meu corpo. Minha carne dava indícios de estar adormecida, anestesiada; mesmo assim, tudo doía, e era maior do que eu conseguia suportar.

A dor era tanta que, mais uma vez, aceitei minha condição. Acalmei-me, quis voltar a delirar, desejei nunca mais despertar para a realidade. Preferia dormir, os remédios tornavam meu sono tranquilo. Os pesadelos e as lembranças não me assustavam enquanto estava dopada, então não lutei quando as pálpebras pesaram sob efeito do remédio.

Não sei por quanto tempo dormi, eu nunca sabia exatamente quanto tempo passara até ouvir de alguém. Quando acordei novamente, podia ver através da luz entrando pela janela que era dia, talvez umas 6 ou 7 da manhã; o sol brilhava fracamente. 

Minha mãe dormia no sofá, usava uma calça de tecido e camisa de linho, seu cabelo escuro espalhava-se no encosto claro. Ela parecia exausta, isso me trouxe à tona o velho sentimento de ser um estorvo.

Fiquei ali, imóvel, observando-a, o raciocínio ganhava forma aos poucos. Fechei os olhos brevemente, talvez conseguisse voltar a dormir; mas a primeira coisa que me veio foi o rosto dele. Meu coração disparou. O medo tornou a envenenar minha alma.

Tentando fugir das sensações agonizantes, imaginei que estava em minha antiga casa, na companhia de vovô, mas isso não era mais tão confortante. Busquei abrigo em recordações distantes, no entanto, o rosto que tanto me tranquilizava estava sumindo, ficou tudo muito inútil.

O ar estava mais denso, ele esmagava meu peito lentamente. Tudo, absolutamente tudo, me soava perigoso; e a dor permanecia insuportável.

Eu não sabia se existia algo ao meu redor, se sobreviveria por muito tempo; não conseguia ver amplitude ou criar qualquer tipo de expectativas para o que viria em seguida, todos meus sonhos e planos foram brutalmente arrancados de mim. Não era ninguém, apenas um corpo vazio, sujo, repugnante, descartável. Meu porto seguro estava muito longe, talvez eu morresse tentando chegar até ele, talvez morresse mesmo após alcançá-lo. Não haviam soluções plausíveis, eu só enxergava o meu fim.

Em algum momento eu existi, naquele instante, porém, desconhecia até as minhas predileções, desconhecia quem era; até hoje permaneço sem saber, nunca pude reencontrar a Sakura sonhadora. É provável que nunca supere o que aconteceu, pois tenho vivido de um passado distante, de alguns momentos de felicidade, são tão poucos... Fujo da realidade todos os dias, ela sempre me encontra nas esquinas. Eu gostava da chuva, não a sinto mais.

Mas falava do meu despertar. Eu teria entrado em uma nova onda de delírios e perturbações, minhas mãos tremiam e minha consciência alertava sobre um perigo invisível, eu tinha a impressão que as paredes moviam, também o chão, e até mesmo a cama. Coagida por opressores que existiam apenas em minha cabeça, encolhia-me entre os lençóis, olhava em desespero para um lado e outro, aguardando o pior. Foi quando a porta abriu. Por alguns segundos prendi a respiração.

Hinata entrou segurando uma pequena bandeja com medicamentos e soro. Vê-la me deixou menos apreensiva, foi um pequeno alívio no meio de tanta hostilidade. 

Ao me olhar e encontrar-me observando-a de volta, um sorriso genuíno surgiu em seus lábios, à medida que o rosto era preenchido por um brilho ímpar.

 Está acordada – comentou baixinho, como se tivesse medo da possibilidade de sua voz me causar alguma intranquilidade. – Parece melhor hoje.

O que ela esperava de mim, não sei. Talvez ansiasse receber qualquer resposta em troca, ou um simples consentimento que indicasse minha capacidade de ouvi-la e compreender o que estava sendo dito. Contudo, apesar de possuir completa capacidade de me expressar, não consegui pronunciar uma única palavra. Alguma coisa me prendia, um estímulo contrário me impossibilitava de qualquer comunicação. Eu não desejava conversar. 

Diante do meu silêncio, convencida ela passou a cumprir seus deveres. Somente minutos depois, acrescentou: 

 É o seu quarto dia aqui. Eu e Ino estamos revezando os turnos. Tsunade achou que seria bom nos deixar como suas enfermeiras. Seus pais também estão revezando – lançou uma olhadela em direção ao sofá, onde minha mãe continuava dormindo. – E tem muita gente esperando a autorização para visitas. 

Houve silêncio por alguns minutos. Ela me arrumou sobre a cama, tomando todo o cuidado possível. 

— Devo pedir para trazerem seu café?

Neguei. Não estava com fome. 

Aquela era a primeira vez que acordava completamente consciente, então não me recordava de qualquer outro momento com Hinata, ou sequer de ter comido alguma vez. Lembrava apenas da minha tentativa frustrada de tentar acabar com tudo, dos delírios e dos gritos no meio da noite derivados dos pesadelos. 

De um modo geral, as coisas ainda se revelavam caóticas. A linha dos acontecimentos estava completamente desordenada na minha cabeça.

 Meu bebê, eu o perdi? – esforcei-me para falar, necessitava saber se havia conseguido protegê-lo.

A lembrança de sempre lutar para proteger minha barriga, quando Gaara cruelmente me agredia, imediatamente veio à tona. Apertei os olhos, segurei as lágrimas que sempre acompanhavam a reminiscência dos dias em cativeiro.

Ao ouvir minha voz, e fingindo não notar meus esforços para conter o pranto, Hinata parou o que estava fazendo. Olhou-me esperançosa, provavelmente contente por eu ter finalmente quebrado o silêncio.

 Não. Seu bebê passa bem; continua aí, com você. – disse, em meio a um sorriso sincero, ao me ver com a mão apoiada sobre a barriga, discretamente procurando por sinais do meu filho. – Ele é muito forte, Sakura. Vocês dois são.

A resposta positiva foi o suficiente para me trazer algum alívio. Virei-me na cama, encolhendo-me e imergindo nos próprios pensamentos. Ouvir que não perdera meu bebê era tudo que eu precisava, nada mais importava. O que viria a seguir, assim como qualquer outro detalhe, não me interessava.

 

...

 

O tempo, que deveria mostrar-se como um amigo, na promessa encorajadora de me fazer esquecer, não representou efeito algum sobre meus sentimentos e percepções. 

O passar dos dias foi inevitável. A primeira semana de internação caminhou a passos largos, obrigando-me a apresentar evoluções, quando todos esperavam que em algum momento eu pudesse dialogar e conversar sobre o que sentia.

A visita diária de uma psicóloga tornou-se uma certeza absoluta, eu deveria sempre aguardá-la acordada em meu leito, embora não respondesse suas perguntas; o que logo se tornou um encontro silencioso, mas o qual, de uma maneira confortante, me deixava menos angustiada; pois a mulher que me observava de volta, agora em igual silêncio e sem cobranças, parecia compreender a minha introversão.  

Com ela, a minha falta de reação e estímulos não soava evidentemente como uma ausência de amor a vida, tampouco lhe provocava inquietação e sofrimento, como acontecia com meus pais. Eu via o olhar desolado e preocupado que lhes entristecia a face, por sempre me encontrarem no mesmíssimo estado, e o quão frustrante isso era para eles.

Também, mesmo com o passar dos dias, as visitas não foram aceitas. Eu não desejava encontrar nenhum dos meus amigos, além de Hinata e Ino. Não queria que me vissem, eu sentia vergonha de mim, assim como me assustava a simples possibilidade de encontrar qualquer pessoa fora do círculo qual havia finalmente me acostumado. As pessoas me davam medo, o mundo lá fora me deixava aterrorizada.

Eu sei, leitor, você deve estar se perguntando o porquê de eu não querer, sequer, receber a visita de Sasuke. Mas não se engane com essas conclusões que deveriam ser triviais, são essas falsas certezas sobre a vida que nos enchem de expectativas ilusórias, são elas que nos fazem ter esperança. A esperança nunca foi algo bom, ela ressalta a necessidade de um futuro a nossa maneira, ela evidencia o egoísmo. Veja, Sasuke não fazia parte do grupo de pessoas que aguardava uma oportunidade para me visitar; ele não estava lá, esperando arduamente pelo momento em que poderia finalmente me ver. 

Sim, eu perguntei por ele, mais de uma vez, inclusive quando Mikoto Uchiha se uniu a meus pais no revezamento de acompanhantes, devido ao fato de eles já estarem muito cansados. Ela se ofereceu para também ficar comigo no hospital; Tsunade considerou esta uma opção prudente.

A primeira vez que Mikoto veio foi para passar a noite. Ela chegou no final da tarde. Vestia roupas elegantes, embora discretas, e carregava consigo uma bolsa grande. Não sei exatamente quais tipos de sentimentos preencheram os olhos dela ao caírem sobre mim, havia certa tristeza; e menos evidente, um trisco de alívio. 

Ela cumprimentou meu pai, trocou algumas palavras com ele, que posteriormente despediu-se de mim com um beijo na testa.

A presença dela não me incomodou. Quando a sós comigo, ela ligou a TV e perguntou qual era o meu canal preferido. Sem uma resposta, passou a mudar de canal e me observar esperando alguma mínima reação. Eu não gostava de nenhum. Embora olhasse as imagens coloridas, não prestava atenção nelas de fato. Mikoto demorou, mas acabou por perceber isso. Sentou-se, por fim. Logo depois, perguntou-me como eu estava, também quis saber sobre a netinha dela.

 “Netinha”, foi essa a palavra que ela usou. Sasuke teria falado com a mãe sobre esse desejo? Ela vira o macacãozinho cor de rosa?

 Ele virá? –  Foi o que perguntei, interrompendo-a de um novo questionamento forçosamente animado; todos dissimulavam alegria diante de mim, tentavam me obrigar a encontrar uma felicidade inexistente. – Ele tem nojo de mim? 

A minha pergunta fez seus olhos negros banharem-se em lágrimas.

— Não, Sakura. É claro que não. Meu filho ama você – respondeu categórica, precipitadamente enxugando o rosto com o braço. – Ele virá. Em breve ele também estará aqui, conosco.

No entanto, durante as 7 semanas que fiquei internada, Sasuke não apareceu. Ele abandonou a mim e ao nosso bebê. Cabe dizer que eu não o culpei, não o culpo; não alimentei em meu coração nenhum remorso, compreendia seu afastamento. Sabia que ele não seria mais capaz de me amar, não depois de tudo.

 Ele tinha me dado o meu romântico conto de fadas; sou grata a ele por isso, por ter me propiciado, mesmo que por pouco tempo, as impressões do amor. As lembranças que tenho de nós dois são esconderijos para os quais corro quando me sinto solitária e na iminência de enlouquecer. São momentos que sempre me acompanharão, não importa a quais martírios eu seja condenada. O sorriso que ele me lançava logo nas primeiras horas do dia, enquanto segurava uma bandeja com o meu café da manhã; assim como os tantos mais instantes de felicidade que compartilhamos, são o suficiente para mim. Falar de Sasuke, ou simplesmente escrever sobre o que tivemos, incluindo nossos momentos íntimos, ajuda-me a superar meus traumas, são passos realmente importantes. Eu o amei, de fato o amei, foi muito mais do que uma paixão; foi um encontro inevitável, e há muito tempo escrito, entre meu destino e o dele. 

Pois bem, depois das 7 semanas já citadas, minha família pôde me levar para casa. Fiquei sob os cuidados dos meus pais, recuperei meu quarto de adolescente: as cortinas cor de rosa, o armário branco e a cama de solteiro. Mas logo nos primeiros dias, compreendi que não poderia, mais uma vez, ser o motivo de preocupações daquele casal, o fardo sobre seus ombros.

Em nenhuma hipótese aceitaria que o meu sofrimento lhes tirasse noites de sono e sentenciasse a dias infindáveis de aflição. A dor era minha, apenas minha. Eles viveriam melhor sem mim, sem os problemas que me acompanhavam, porque ninguém é capaz de suportar, por muito tempo, um peso morto, uma fonte inesgotável de perturbações; o cansaço e a desistência surgem uma hora ou outra. Assim, que direito eu possuía de lhes tirar a paz de espírito? De força-los a abdicar da própria vida e se dedicar a mim, quando já estivessem fartos? Um laço familiar, construído de ingredientes não convencionais, não me dava o direito de exigir deles que ficassem ao meu lado e me vissem definhar a cada dia. 

Ali não era o meu lugar. Eu não possuía nenhuma expectativa de retomar minhas atividades, de enfrentar a realidade do dia-a-dia de uma cidade grande. Então não havia nada, absolutamente nada, que me prendia àquele solo.

Eu iria embora.

O medo foi o único fator que me fez hesitar. Sair sozinha, ou simplesmente pôr os pés fora de casa, não era algo que pudesse encarar como o escuro e a solidão a ser vencida pela coragem desbravadora; foi necessário muito mais que isso. Precisei domar meu coração agitado, e as tantas mais sensações agonizantes. O temor, uma vez instaurado e irresoluto, não se separaria de mim; tive de suportá-lo, como quem peleja por muito tempo com um ferimento mortal; convivi com ele, tremulante e angustiada, para cortar de vez as relações com a vida que tentei acreditar ser a minha. Devia voltar para o meu subsolo, e aceitar o que sempre foi meu destino. As raízes de uma vida predestinada ao nada, apertavam meus pés com força e me obrigavam a procurar meu lugar de verdade. 

Fugi no meio da noite. Todo o dinheiro que juntara com os poucos anos de trabalho, qual retirei num banco 24 horas, resultou em um estreito pacote que coube muito bem em um dos bolsos da minha mochila. 

Uma taxista me levou até o terminal de ônibus, sem questionamentos ou desconfiança, mesmo quando uma parte dos meus pensamentos insistia na possibilidade de ela saber sobre minha fuga.

O ônibus partiu a meia noite. Pela janela e do banco acolchoado, vi as luzes da cidade ficarem para trás. Eu nunca mais voltaria. 

Foram três dias de viagem, quatro ônibus diferentes. Na maioria do tempo chovia, ainda assim, as paisagens foram a minha única brecha para realidades alternativas, elas me levavam a pensamentos distraídos e lugares imaginários, cujos campos verdes, silenciosos e ensolarados, preenchiam meu espírito de algum conforto. 

Mas em sua totalidade, quando não absorta e enfeitiçada pelos convites vindos da janela, a desconfiança e o pavor me espreitavam. Esses sentimentos desconfortáveis e torturantes seguiram meus passos, acompanhando-me como amigos sinceros, mas de forma tão silenciosa quanto o pôr do sol, tão cruel quanto o amanhecer que levantava todos os dias e me mostrava que, mais uma noite, não conseguira dormir em tranquilidade.

Meu destino era um tanto incerto. O endereço que ganhara de meu avô em seu leito de morte, resumia-se a um papel desgastado com letras quase apagadas, que eu guardava mais como uma boa lembrança; não como o único meio de validar um reencontro, até então, doloroso.

Depois de finalmente desembarcar e caminhar pela cidade interiorana, de ruas estreitas e calçamento de pedra, hesitei diante da casinha simples com porta de madeira. Após longos minutos de estagnação e batalhas internas, bati. Demorou até a mulher magra e de baixa estatura, que de forma alguma aparentava 40 anos de idade, finalmente abrir. 

Seus olhos caíram receosos sobre mim. Ela analisou cautelosa a minha figura, assim como analisei a dela, cada um dos detalhes.

O belo cabelo loiro não contornava mais o rosto outrora de traços joviais e de beleza indiscutível, no qual um semblante pálido agora refletia apenas os detalhes de uma enfermidade devastadora. Ela usava um lenço florido na cabeça, que escondia a completa ausência de fios. 

— Mamãe. – Houve um vacilo natural em minha voz, resultante da dúvida a respeito da verdadeira identidade da mulher diante de mim, há 15 anos não a via. Mas todo o instante de incertezas e confusão foi destruído com o abraço forte que recebi dela.


Notas Finais


Semana que vem tenho duas provas, então provavelmente o próximo capítulo sairá no dia 08 de outubro.

Prometo que as coisas começarão ficar claras nessa fanfic shaushuahsuhu.

Agora, onde está Sasuke?


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...