1. Spirit Fanfics >
  2. Além do que se vê >
  3. Veja Bem Meu Bem - Parte II

História Além do que se vê - Veja Bem Meu Bem - Parte II


Escrita por: Kirilov

Notas do Autor


Voltei gente ^-^, só deu para aparecer hoje.
Espero que gostem do capítulo.
E cês já viram a capa nova que a @Drusilla fez? Eu adorei demais <3

Capítulo 21 - Veja Bem Meu Bem - Parte II


Fanfic / Fanfiction Além do que se vê - Veja Bem Meu Bem - Parte II

Por Sasuke 


Quando acordo pela manhã, tento lembrar em qual instante finalmente adormeci. A tensão nos ombros e a dor de cabeça logo se fazem perceber, trazendo-me as consequências da péssima noite que tive. Embora a insônia tenha dado alguma trégua, meu sono não foi dos melhores. Estou quebrado, e mais cansado do que quando me deitei ontem.

A luminosidade do sol nascente, a entrar pela porta da varanda que esqueci aberta, irrita meus olhos. O vento balançando as cortinas que se chocam contra a esquadria de alumínio, provocando um barulho incômodo, me fazem resmungar. Respiro pausadamente, erguendo-me entre os lençóis. Tento não deixar o estresse avançar tão cedo sobre mim. 

Ao checar o horário, logo recordo de o despertador marcar 05:30 na última vez que olhei para ele, enquanto as lembranças dela ainda dominavam minha mente. Agora são 07:15. Tive menos de duas horas de sono, essa constatação me deixa frustrado.

Demoro um pouco para levantar completamente e manter o equilíbrio, pelo menos a perna já não dói como ontem. Vou até o banheiro, desfaço-me do moletom e tento relaxar sob a ducha gelada. Sakura odiava quando eu ligava apenas a torneira da água fria. Ela sempre deixava a temperatura do chuveiro o mais elevada possível. Isso era um problema para nós. Quando tomávamos banho juntos, alguém tinha que ceder. Esse alguém geralmente era eu. Era o preço a se pagar para tê-la contra o vidro do box e ouvir seus gemidos abafados pelo barulho da água se chocando contra o chão. Particularmente, adorava essa parte do nosso relacionamento: o sexo matinal durante o banho. Isso me fazia ir trabalhar de ótimo humor nas segundas-feiras.

Lembrar disso e tentar viver de recordações, contudo, não me trará ela de volta, tampouco vai alterar alguma coisa do passado imutável e desse presente miserável. Porque de bom humor ou não, também não tenho mais trabalho. Pelo menos durante a recuperação, minha presença está vetada no escritório. Isso também me deixa frustrado. Ter que passar o dia inteiro em casa, sem fazer absolutamente nada, nunca foi a minha atividade favorita ou melhor visão sobre lazer.

Apesar de nada me esperar lá fora, termino o banho, visto-me adequadamente e saio do quarto. Quando chego a cozinha, Nekobaa já está imersa em seus afazeres domésticos, tem chegado mais cedo esses dias. 

Não trocamos nenhuma palavra, ela finge não se importar com minha presença, mas alcança o whisky antes que eu possa pegá-lo sobre a mesa. Minha intenção de acabar com as últimas doses, as que deixei para trás ontem, é completamente cortada.

Com uma expressão de indignação, ela guarda a bebida longe de mim; abrindo a geladeira em seguida e tirando de lá um suco de laranja.

– Suponho que o sono esteja comprometendo sua visão – diz em tom sugestivo, entregando-me o que segura em mãos. – É essa a garrafa que você quer, estou certa? 

Não há o que possa responder. Ser vigiado por uma senhora, como se não passasse de uma criança levada ou um alcoólatra, só intensifica meu estado decadente.

– O café está na mesa – prossegue diante da minha falta de reação, sua cabeça se inclina um pouco para o lado, apontando com o queixo a mesa posta.

Seu olhar ainda é acusador, ao mesmo tempo que fraternal. Ela gosta de cuidar de mim. Certamente sou o filho que nunca teve. E minha mãe, de toda forma, também aprecia isso: ter alguém em minha casa que possa me vigiar e ligar para ela para conspirar sobre minha vida. Quase uma espiã russa, é como me atrevo a defini-la.

Escondo um pequeno sorriso. Vejo graça na forma como sou tratado.

– Não estou com fome.

Decido procurar o que fazer em outro canto. Realmente gostaria de poder colocar meu terno e ir trabalhar, ou ter condições físicas para correr no parque como gostava de fazer. Se pelo menos pudesse ocupar minha cabeça com alguma atividade, não pensaria tanto na atual situação ou buscaria qualquer forma de conforto.

– Ao invés de ficar forçando sua perna desse jeito com essa muleta, use a cadeira, pelo menos dentro de casa – Nekobaa sugere ironicamente pelas minhas costas, em tom elevado o suficiente para que a ouça enquanto atravesso a sala.

Ela faz isso apenas para me irritar, sabe que me recuso a aceitar essa ideia.

– Ao diabo, você e a maldita cadeira.

Para comprovar minhas desconfianças, ouço-a rir alto, pouco afetada com meu insulto.

A senhora de 56 anos está comigo a tempo suficiente para saber lidar com meu mal humor e não se ressentir com minhas crises de rispidez pela manhã. Como também se sente livre para afirmar, em momentos de provocação, que se fosse mais jovem, rapidinho me faria esquecer a outra e o coração partido. Também só consigo rir disso, pois sei que boa parte do que diz é exatamente com esta finalidade: me arrancar um mínimo sorriso.

– Um homem desse tamanho... – ela murmura injuriada quando vem arrumar minha cama minutos depois, dobrando a camisola feminina que esqueci entre os lençóis.

Estou sentado na varanda do quarto, lendo as notícias do jornal, e fico esperando-a concluir a frase; porém, como sempre, ela apenas deixa as palavras no ar. Gostaria de saber o que espera de um homem do meu tamanho, certamente que não sofra por amor cheirando um vestido amarrotado. 

E se soubesse que até para mim o flagrante é desconfortável, talvez tentasse não tornar a situação tão vexatória.  Poderia fingir não ver, por exemplo.

– Guarde no gaveteiro – sou forçado a recomendar, embora os romances sobre o móvel, pelos quais ela desliza os olhos com o nariz torcido enquanto abre uma das gavetas, só piore minha situação. 

O olhar que me lança em seguida é de desdém e vergonha alheia, está julgando meu novo gosto por livros. 

– Isso é literatura clássica, todo mundo deveria ler – esclareço, tentando recuperar o orgulho ferido. 

– Claro. –  Sem perder a oportunidade de me provocar, acrescenta: – Quando a trouxer para casa, irei contar que esteve dormindo agarrado a roupa dela e lendo os livros dela. Posso jurar que até ela irá rir.

Para o meu próprio bem, de não ficar prolongando o constrangimento, Nekobaa finalmente termina a arrumação e volta a me deixar sozinho.

Pelo resto da manhã nos mantemos distantes, ela ocupada com suas obrigações; eu, absorto na leitura dos jornais ou distraído com meus pensamentos. Até que, horas mais tarde, sua silhueta novamente aparece na porta para avisar sobre a presença do meu irmão.

Consigo levantar com agilidade. Na verdade, tinha ouvido o barulho da campainha, apenas estava esperando ser noticiado sobre a visita. Só não esperava que fosse Itachi; aguardava por minha mãe, afinal ela aparece todos os dias, ou até mesmo Fugaku.

Vou ao encontro dele, porém ele não está na sala ou comendo furtivamente na cozinha enquanto mantém conversas sussurradas com nossa antiga babá, da forma que costuma fazer. Procuro no escritório, também não há sinal dele por aqui. Penso em perguntar a Nekobaa onde meu irmão se meteu, mas antes disso arrisco um lugar em especial. Dou-me com o intruso, finalmente, no antigo quarto de hóspedes que mandei reformar.

Ele está vestido casualmente, provavelmente sequer pensou em ir para a empresa hoje. Isso me deixa um pouco preocupado, pois sem um de nós, provavelmente os negócios da família estão sendo negligenciados.

Ainda de costas para mim, a atenção dele se dedica a vistoriar cada detalhe do quarto com papéis de parede cor-de-rosa e objetos infantis de decoração, os dedos deslizam lentamente pelas barras laterais do berço branco.

– Konan fez um ótimo trabalho – ele se faz ouvir, minha presença silenciosa não passou despercebida. Virando-se em minha direção, prossegue: – Eu só fico pensando e se for um menino?

– Sua esposa realmente fez um trabalho excelente. Mas não acho que veio aqui apenas para verificar quão boa decoradora ela é.

A última observação dele, contudo, deixo passar. De alguma forma, sei que Sakura está esperando uma menina, o sonho que tive com ela, segurando uma garotinha de cabelo e olhos escuros, foi mais real do que qualquer acontecimento em minha vida. Mas explicar isso para Itachi não está em meus planos. A verdade é que a explicação, se dita em voz alta, soa como loucura. Não quero fazer pensarem que estou maluco, ou que essa ausência está me deixado completamente desesperado.

O quarto, assim como os livros, é só uma forma de não me deixar ceder ao pessimismo, é um impulso para não desistir de procurar e crer que em algum momento ela voltará para mim. Quero estar preparado. Quero acreditar que estarei presente quando nosso bebê nascer. Principalmente, quero acreditar que serei acordado no meio da noite com o choro de uma criança, e ainda passarei muitas madrugadas nesse quartinho, enquanto Sakura me espera em nossa cama. Nós iremos superar tudo. Seremos uma família. 

– Não, realmente. – Murmura após o longo silêncio, resgatando-me também dos meus pensamentos. Sua cabeça está inclinada, ele evita me encarar de frente, parece pensar bem em suas próximas palavras. Depois de alguma reflexão, ergue o olhar para me observar diretamente e entrega o papel bem dobrado que retirou do bolso.

Sem questionamentos, abro com calma.

Na primeira linha tem o nome de uma cidade e seu respectivo Estado, acompanhado do número de habitantes, quantidade de hospitais e outras coisas. Não preciso de tempo para entender o que tenho em mãos. E talvez, devido a isso, sinto um forte aperto no peito, acompanhado do incômodo mal-estar. Tudo muito rápido. Não sei se estava preparado. Meus batimentos aceleram e minha boca chega a secar completamente.

Engulo em seco. Meus olhos se demoram sobre as letras, analisando várias vezes as informações, enquanto busco manter a postura para tentar dizer algo.

 – Obito me procurou ontem. Não sei como, mas ele conseguiu descobrir de onde te ligaram. Aparentemente, numa conversa amigável, ao invés de entrar com um processo contra a operadora como você queria...

– Ele deveria entrar em contato comigo primeiro – Interrompo, um pouco irritado, porque é impressionante como todos tentam mentir para mim, escondendo fatos ou simplesmente agindo pelas minhas costas e conforme acreditam ser melhor.

Tudo bem. Admito, de todo modo, que o fato da maldita operadora do celular se recusar em revelar o número que havia me ligado, quando solicitei a informação, me deixou perturbado. Posso reconhecer que a iniciativa de tentar processá-los certamente foi equivocada e não resultaria em muita coisa, uma vez que Sakura não está desaparecida de fato e, portanto, não sustente a minha justificativa de precisar dos aparatos da lei para localizá-la. Ainda assim, não penso que a atitude me coloque em estado de alerta. Não preciso ser tratado como se tivesse algo de errado nas minhas ações e receber por último uma notícia da qual deveria ser o primeiro a saber.

– Para você sair como um louco desesperado atrás dela, como fez da última vez? – prossegue após alguns segundos, exaltado. – Ele só está preocupado, todos estão, porque você age como se não tivesse passado por uma cirurgia fodida. Parece, sinceramente, que quer se matar.

Sorrio, amargo. Não dá para acreditar no que acabei de ouvir. Respirando pausadamente, para manter a calma, dobro o papel e guardo em meu bolso.

– Então veio aqui tentar me impedir?

– Não.

– Bem, então o recado está dado. Pode ir agora.

– Eu sabia que assim que te entregasse isso, você iria atrás dela, mesmo sem ter certeza se realmente foi ela quem ligou.

– E veja só, você está certo. Porque é exatamente isso o que vou fazer agora. Comprar passagens para o primeiro voo disponível e ir buscá-la.

– A3312, é o primeiro voo disponível; o embarque começa em duas horas. Já comprei as passagens, Sasuke. Eu vou com você, é por isso que estou aqui. 

Por alguns instantes fico sem ter o que dizer, não esperava por esse posicionamento. Poderia pensar em recusar e me negar a aceitar ajuda, é o que faria em outros tempos, em outras condições; tentaria resolver tudo sozinho. Mas agora a situação é outra, bem mais delicada. Não sou idiota, não passa pela minha cabeça recusar o que meu irmão está propondo. Pelo que pude analisar das informações no papel, a cidade não é tão pequena, com certeza precisarei de ajuda.

– Só voltarei para casa quando encontrá-la ou no mínimo me convencer de que estou errado sobre quem me ligou – faço questão de esclarecer.

– Eu sei.

– Isso pode durar semanas. 

– Se visse o tamanho da mala que está lá embaixo... – Em seu rosto reside um sorriso esnobe e provocador.

– O que Konan acha disso? De você viajar assim, sem data certa para voltar?

– Ela me disse que se fosse ela no lugar de Sakura, apavorada depois de ter passado por um sequestro e esperando um filho meu, você com certeza não iria me deixar na mão. 

Limito minha resposta a um breve aceno, e isso sela o nosso acordo. Itachi realmente parece decidido a me acompanhar, embora eu compreenda que, na verdade, a disposição dele para ajudar tem mais a ver comigo, em não me deixar fazer sozinho uma viagem longa na situação em que estou: quebrado depois de um acidente grave; e não com Sakura propriamente. Sei o que pensa sobre isso. Outro dia ele chegou a dizer que se ela me quisesse por perto, não teria ido embora; e caso estivesse arrependida de partir, já teria retornado ou no mínimo me ligado para dizer onde está. Em alguns momentos depreciativos, essas palavras até provocaram algum abalo em minhas certezas, mas estou convicto de que, se ela realmente não me quer por perto, terá de dizer isso olhando nos meus olhos.

 

***


Foram quase três horas de avião e depois mais duas horas e meia de carro, tivemos de alugar um na capital. Durante todo o voo pensei na melhor forma de começar as buscas, então não perdi tempo ao chegar à cidade. Saí em busca de Sakura antes mesmo de desfazer as malas no hotel. Havia definido com Itachi que o melhor realmente era começar pelos hospitais e clínicas, embora essa fosse uma forma pessimista de iniciar as coisas. Depois poderíamos partir para algo mais aberto, como procurar informações nos mercados, farmácias e postos de gasolina, mostrando algumas fotos de Sakura, e foi exatamente isso que fizemos durante duas semanas seguidas, sem sucesso.

Vasculhamos a cidade inteira, ninguém sabe de nada, ninguém a viu por aqui. E é tudo tão razoavelmente pequeno, se comparado aos lugares que já estive antes, que tenho a sensação de não ter mais onde procurar. 

Meus pés estão cheios de bolhas devido as inúmeras caminhadas, meus músculos estão fatigados e meus ombros têm aguentado mais do que podem, mesmo assim, se não fosse o meu irmão, sempre tentando me reanimar dizendo que o sol volta amanhã e, portanto, devemos recuperar as energias para o dia seguinte, eu vagaria atrás dela dia e noite por essas ruas, sem descanso, porque o pior é voltar para o hotel com a sensação de derrota, deitar na cama e pensar na possibilidade de nunca mais tornar a vê-la. O fracasso faz isso: enche o coração de medo, abre portas para a angústia, atrofia a coragem e corrói dolorosamente a esperança. Mas embora tente lutar contra ele, e não queira aceitar minha ruína ou me convencer de que não há mais o que fazer, sem que consiga controlar me pego olhando para trás, para a minha vida, de modo geral, e a forma como cheguei até aqui.

Há algumas coisas que gostaria de ter dito, outras que deveria ter feito. Nunca fui um homem religioso, mas nesses momentos me vejo pedindo uma chance de consertar esses erros, uma chance para poder falar e fazer tudo aquilo que deixei passar, são tantas que nem sei por onde começaria.  É tudo aquilo que mantive em segredo por medo ou por não saber como soaria, por achar, de algum modo, que os julgamentos pesariam mais que uma verdade secreta.

 Fui covarde, agora preciso lidar com isso, o grande problema é que conviver com os “e se” machuca mais do que qualquer coisa. Eu deveria, por exemplo, ter dito mais vezes a Sakura o quanto a amo, quem sabe assim ela nunca teria partido. Se tivesse feito tudo diferente, as coisas não chegariam a esse ponto. O difícil é que não basta  se arrepender, olhar para trás e reconhecer os erros não faz o tempo voltar. Tudo o que posso me apegar agora é a hipótese de uma oportunidade.

Uma oportunidade para fazer diferente, é nisso que penso e torço quando sou interrompido pelas batidas na porta.

É Itachi, ele passa por mim a passos rápidos, adentrando o quarto com pressa. Fecho a porta antes de me direcionar a ele.

– Veja – estende-me um jornalzinho de igreja.

Missas de sétimo dia, está escrito na página. Basta ler essa pequena frase para eu devolver o maldito jornal. Recuso-me a qualquer coisa do tipo, e deixei isso bastante claro quando, há dois dias, ele me sugeriu uma busca no único necrotério da cidade.

– Olhe! – e sorri. Sua animação me intriga, não é natural ver alguém sorrindo enquanto segura um papel que fala sobre mortes. – Aí tem o nome de todos os falecidos da semana que tiveram missas na arquidiocese, seja lá o que significa isso, mas inclui as igrejas daqui e das cidades vizinhas menores.

Diante da minha falta de ação, ele finalmente pega o jornal das minhas mãos, parando ao meu lado e apontando para uma linha em específico.

Mebuki Haruno, morreu 6 dias depois de termos chegado aqui. É esse o nome da verdadeira mãe dela, não é? Veja do lado, esse é o lugar onde ela morreu, é uma cidade vizinha, bem menor que essa, só 8 mil habitantes...

Não preciso ouvir até o final. Apresso-me a colocar os sapatos e pegar uma camisa, enquanto Itachi só me observa com um sorriso no canto dos lábios. Ele está esperançoso, talvez tenha finalmente percebido que eu tinha razão sobre o telefonema.

– Nós vamos para lá, agora – digo, passando a jaqueta pelos braços. 

– Bem, são 11 da noite, e no interior, o que torna o horário bem mais significativo. Vamos encontrar ruas desertas. Mas não basta tentar, não é mesmo? Até porque eu sei que você vai mesmo sem mim. – Não respondo, apenas jogo as chaves do carro alugado para ele, porque nas condições que estou, não conseguirei dirigir. – Claro, antes que me esqueça, de nada, irmãozinho, por encontrar sua mulher para você.

.

O sinal do GPS não estava tão bom. Tivemos de nos orientar pelas placas velhas caindo aos pedaços ao longo da estrada irregular. Inclusive, estradas esburacadas parecem ser um problema nessa região. Mas a viagem, em si, não é de todo ruim, observar a paisagem me ajuda a controlar a ansiedade. 

Vejo as cercas; os animais soltos ao redor da pista; as luzes fracas das casinhas simples no meio do breu da noite, como fagulhas intrépidas a resistir a escuridão, aliás, no campo tudo parece ainda mais escuro, exceto o céu. As estrelas são uma maravilha a parte.

As luzes então vão aparecendo em maior quantidade, tornam-se um aglomerado cada vez mais perto, até que passamos por um pórtico e então adentramos os limites da minúscula cidade. 

Itachi para no primeiro barzinho que encontra, há um grupo de bêbados em uma mesa na calçada, e eles demoram a entender o que estamos perguntando, mas em dado momento um deles nos compreende e passa a informar o trajeto até a casa da falecida Mebuki, enquanto outros três, mais afastados, sussurram o quão suspeito é dois homens estranhos, em um carro preto, pedindo informações a essa hora da noite.

Seguimos o trajeto indicado. Primeira a direita, depois esquerda, reto até a prefeitura e novamente a direita. Uma casinha simples com porta antiga de madeira. O homem foi suficientemente assertivo, não tardamos a encontrar o lugar. 

Desço do carro imediatamente e paro diante da casa. Não há luzes acessas, isso abala um pouco minha confiança, mesmo assim bato com vigor na madeira, cada vez mais forte a medida que ninguém aparece para me atender. 

– Vai acordar a cidade inteira assim. – Meu irmão murmura ao meu lado, tentando conter meus punhos a esmurrar a maldita porta. 

Ninguém vem, isso me desespera. Ninguém virá, essa certeza súbita só surge para me atormentar ainda mais.

Unido as batidas, passo a chamar pelo nome dela entre gritos, até a garganta não suportar mais. 

– Por favor, Sakura, abra essa porta... Eu preciso que esteja aí.

Nada. Ninguém. Apenas a madeira resistente machucando meus dedos, a quietude assustadora do outro lado. O outro lado que poderia me devolver toda felicidade do mundo, mas só me entrega mais terror. Apenas minha voz falhando, meu medo, meu desespero. 

– Calma. Ela pode ter ido para outro lugar depois que a mãe morreu.

Não posso ter calma. Não me controlo de nenhuma forma, nem mesmo quando um dos vizinhos sai de sua casa para ver o que está acontecendo.

– Volte para o carro, ou provavelmente iremos arrumar confusão – Itachi recomenda. – Você está muito nervoso, deixe que eu tente resolver isso.

A contragosto, sigo as instruções, e ele vai até o homem.

 – Boa noite. Estamos procurando Sakura Haruno, filha de Mebuki, o senhor sabe dela?

– E vocês, quem são?

– Sou Itachi Uchiha. E ele é meu irmão. – Aponta para o carro, em minha direção. – O senhor deve saber, Sakura está grávida. Ele é o pai. – Itachi se aproxima mais, tira a carteira do bolso e dá ao homem uma quantia em dinheiro. – Se puder nos dizer onde ela está, irá nos ajudar muito.  

– Tem pouco mais de um mês, ela tentou se matar lá pra cima num rio, depois ainda atacou o homem que tirou ela da água. Aí levaram para o hospício, ela nem apareceu aqui no enterro da mãe.

– Um hospício?

– Sim. Vocês devem ter passado por ele na estrada, fica perto da fazenda Santo Antônio.

–  Isso nos ajuda bastante. Obrigado pela informação. – Ouço-o agradecer uma segunda vez. Logo após ele entra no carro e, sem dizer nada, dirige para o nosso próximo destino. De fato havíamos visto o lugar no caminho para a cidade.

O silêncio entre nós é confortável. Sei que ele está respeitando meu espaço, dando-me tempo para digerir o que ouvi, e isso realmente me ajuda. Não quero conversar agora. Só preciso processar tudo. Um turbilhão de coisas passa por minha cabeça, dentre essas um dos pesadelos que tive com Sakura se afogando, que me fez acordar chamando por ela certa manhã.

A real possibilidade de ela está em um hospício me deixa inquieto e aumenta meu desespero. Meus sentimentos são confusos, porque não quero cogitar a qual nível de sofrimento Sakura chegou para tomar a decisão de cessar a própria vida, e, ao mesmo tempo, necessito que seja verdade, necessito que esteja nesse lugar, para que eu possa finalmente encontrá-la.

Não posso deixar de me culpar por não estar ao lado dela quando evidentemente esteve precisando tanto de mim. Essa mágoa me atordoa. Meus pensamentos estão rápidos demais, eles pipocam ferozmente, fazendo pensar que posso surtar a qualquer momento. 

Relaxo os punhos travados, tentando controlar a raiva que estou sentindo, raiva do quê, exatamente, eu não sei. Mas a sinto. É provável que seja de mim mesmo ou do universo, de modo geral. 

Passam no máximo 30 minutos para chegarmos ao hospital. A localização no meio do nada faz o lugar parecer sombrio.

O guarda no portão nega o nosso pedido de acesso, informando que devemos retornar amanhã no horário de visitas. 

Mediante meu nervosismo, de repente dou-me no meio de uma discussão, porque não importa quantas vezes explique as circunstâncias, o homem se mostra irredutível. Perco a paciência, completamente. E durante um lapso de ira, desço do carro e tento descontar minha raiva partindo para cima do infeliz. Itachi consegue me impedir a tempo, afirmando em sequência que partir para a violência não será a melhor forma de tentar resolver a situação.

Procuro respirar com calma. Tento mais uma vez. Explico toda a história novamente, agora bem perto dele. Estou indo bem, pelo menos até notar que, mais uma vez, nada do que falo está adiantando. 

É só quando esclareço quem sou, e tudo o que posso fazer, caso o infeliz não me deixe entrar, para ele permitir minha entrada. Fui prepotente, sem sombra de dúvidas; no entanto, era isso ou esperar até amanhã, após às 8, para descobrir se Sakura está ou não aqui. E sinceramente não aguento mais isso, não estou suportando essa corrida agonizante atrás de respostas. Esse estoque de frustrações e desencontros está me destruindo lentamente, consumindo pouco a pouco todas as minhas forças. 

– Sakura Haruno, sim, ela está aqui. – É o que confirmam as enfermeiras na recepção após verificarem a lista de internos na tela de um computador, o que imediatamente, como num passe de mágica, manda embora meu sofrimento e arranca de mim um sorriso aliviado; acompanhado de um tremor que toma conta do meu corpo sem que eu possa conter ou disfarçar. Meu coração bate desenfreado contra o peito, a ponto de quase saltar pela boca. 

Essas sensações permanecem dominando o meu corpo enquanto sigo a enfermeira pelos corredores, a fim de chegar ao local onde Sakura supostamente está.

Chegamos a uma porta dupla, que é aberta pelo lado de dentro por outra mulher, após a que me acompanha tocar uma campainha. Logo estamos em outro corredor com muitas portas, no final dele posso ver e ouvir uma televisão e pessoas assistindo, algumas divididas entre dois sofás velhos, outras sentadas no chão. Provavelmente são pacientes, pois vestem uma espécie de pijama azul desbotado. Sakura não está entre eles.

O ambiente, de forma geral, chama minha atenção. Não é um lugar agradável, as paredes são rabiscadas e manchadas; o piso tem problemas construtivos, com algumas cerâmicas faltando, o que faz a poeira do chão cru se espalhar e deixar tudo com uma aparência suja. Algumas portas estão quebradas, sem maçaneta ou com falhas nas dobradiças. O cenário de um filme de terror. 

– Esse é o quarto – a mulher diz, dando-me as costas logo em seguida e direcionando-se até uma bancada mais à frente, onde estão outros enfermeiros.

Penso por alguns segundos antes de empurrar a porta entreaberta e adentrar o cômodo escuro. Todas as luzes estão apagadas, mas consigo ver que há seis camas, e apesar de cinco terem cobertores espalhados sobre o colchão, apenas duas delas estão ocupadas. A paciente deitada na primeira cama da fileira não é quem procuro, ela está dormindo com o rosto em minha direção, seus traços são severos.

No canto direito, perto da parede, está a outra, de costas para mim. Ela parece dormir um sono profundo e devia sentir frio quando deitou, pois está em posição fetal e completamente enrolada. Mas apesar do cobertor lhe cobrir quase por completo, o cabelo cor-de-rosa está evidente e se destaca sobre o tecido branco.

Aproximo-me da cama, um passo de cada vez, há apreensão de minha parte. As sensações provenientes da ansiedade me dominam por completo.

Passo os dedos no cabelo, nervoso, minhas mãos ainda tremem, meu coração está agitado. É ela, eu sei que sim, mas a possibilidade de que toda essa imagem se desfaça me apavora.

– Sakura – sussurro, receio assustá-la com minha voz.

Aparentemente ela permanece dormindo. Aguardo um pouco, e novamente, de forma involuntária, minhas mãos correm pelo rosto e cabelo. Estou nervoso, não consigo disfarçar, não consigo me controlar.

Limpo a garganta seca.

– Meu amor... – é inevitável, a frase sai dos meus lábios por conta própria, o provável resultado da minha ansiedade em ver o rosto dela, de que seja ela, de que ela se vire em minha direção e a face que tanto aguardo não se revele de uma completa estranha. Na verdade, agora estou com medo e extremamente apreensivo.

Finalmente ela acorda, remexendo-se devagar entre os lençóis. A letargia de suas ações me atormenta. Aguardo desesperado.

Quando penso não suportar mais, a face apática é revelada. Os fios róseos bagunçados estão pregados em sua testa um pouco suada, as bochechas amassadas pelo travesseiro, o nariz fino, o queixo afilado, a boca bem desenhada e num tom ameno e natural de rosa... Os traços e detalhes que conheço tão bem se revelam diante de mim como o melhor dos presentes, a surpresa mais amada e aguardada. A curva acentuada da sua barriga também não passa despercebida por mim, trazendo-me mais um motivo para entrar em completo estado de elevação: nosso bebê está crescendo em seu ventre.

Encontrei-a. Essa certeza é doce e sincera, não me dá espaço para duvidar dela. Não posso, de forma alguma, duvidar. Finalmente a encontrei.

Um longo suspiro aliviado escapa da minha garganta. Sorrio como um tolo, como há tempos não tenho feito. A mais completa felicidade me contagia intrinsicamente. Apenas sorrio, não consigo me conter, não posso parar.

As pálpebras dela piscam lentamente, preguiçosas e cansadas; os olhos encantadores, pelos quais sou perdidamente apaixonado, aos poucos vão sendo revelados sob os cílios curtos; as orbes estão verdes e angelicais como nunca antes, embora demonstrem extrema sonolência.

Sorrio outra vez, encantado por reencontrar seu rosto belo e as mais lindas esmeraldas que me deslumbram e desarmam por completo. Aproximo-me um pouco mais, temeroso, as pernas vacilam.

Sakura me observa com cautela, ainda que seu semblante demonstre confusão e uma grande nuvem de sono mantenha o seu olhar vago.

– Sasuke? 

Ao ouvir sua voz mansa e pausada, atendo a necessidade do meu corpo de acabar permanentemente com a pequena distância que ainda nos separa. Sento na beira da cama e imediatamente cubro com meus braços a figurinha preguiçosa diante de mim. Seu corpo pequeno e frágil se perde dentre o meu, a cabeça se encaixa logo abaixo do meu queixo. 

Aprecio com imenso afinco a sensação de tê-la novamente tão perto, do cheiro do seu cabelo inundando meu olfato, da impressão precipitada de que posso protegê-la, visto quão maior meu corpo é ao lado do dela. Isso é tudo que quero: cuidar dela, abraçá-la incansavelmente, inalar seu perfume, beijar sua testa, resguardá-la de todo mal. Nunca mais deixarei que alguém se aproxime para machucá-la, nunca mais deixarei que algo de mal aconteça a ela e ao nosso bebê. 

As promessas silenciosas que faço, rapidamente levam meus olhos a percorrerem o quarto mais uma vez, porque tudo que sei nesse instante é que devo tirá-la daqui.

— Irei tirar você deste lugar. – Apresso-me a dizer, mas ela permanece sob o efeito do despertar repentino; seus movimentos são morosos e sua consciência segue muito distante.

Sou levado a pensar que Sakura não está apenas com muito sono, na verdade, parece dopada, incapaz de perceber o que ocorre em volta de si. Essa desconfiança só intensifica minha necessidade de levá-la para longe desse lugar.

– Segure em mim – peço, de imediato puxando seu corpo enfraquecido para o meu colo. De tão aérea, ela apenas obedece, jogando os braços em volta do meu pescoço e apertando forte quando levanto.

O alvoroço que fiz mais cedo é suficiente para que ninguém questione ou me impeça de sair com ela do hospital. A enfermeira destrava a porta sem questionamentos, tanto quanto ninguém tenta me impedir quando passo novamente pela recepção. 

Itachi me espera encostado no carro. Suas feições são claras quando me vê, a incredulidade está perfeitamente visível em cada uma de suas reações. Ele corre os olhos de mim para a mulher em meus braços, exasperado, sem palavras. Mas não temos tempo para conversar ou prolongar isso, temo que a segurança do hospital possa chamar a polícia, tendo em vista a forma pouco correta como consegui entrar no lugar e o fato de estar raptando uma paciente durante a madrugada. 

– Me ajude a colocá-la no carro, antes que alguém me impeça de levá-la.

Sou atendido rapidamente, quase de forma criminosa. O meu irmão sempre foi meu melhor companheiro e defensor de encrencas.

Sakura resmunga e pergunta o que está acontecendo, quando a deixamos no banco de trás, mas volta a dormir tão logo sento ao seu lado e trago sua cabeça para o meu ombro. 

– Ela está bem? – Itachi indaga depois de algum tempo, nos olhando pelo retrovisor quando já estamos de volta a estrada.

– Penso que deve estar sob o efeito de algum remédio. 

– Será que estão dando remédios fortes a ela, mesmo com o bebê? Isso é aconselhável? 

– Não sei. – Limito-me a responder num sussurro, minha atenção está voltada apenas para a mulher encolhida entre meus braços, dormindo de forma profunda e inocente. 

O sentimento em meu coração agora é tão acolhedor, que não sei se o mereço. Mas também que se dane, se mereço ou não. Porque nada vai me dissuadir a acreditar nesse momento, ele é real, Sakura está novamente em meus braços, e não vou deixar que nada a tire de mim.

Massageio com ternura seu cabelo cor-de-rosa, esforçando-me a não pensar em todas as coisas que ela deve ter enfrentado nos últimos dias, ainda é tudo um grande mistério. Pergunto-me em que momento poderemos conversar sobre isso, quando poderei confortá-la e dizer que agora tudo ficará bem, que eu estou aqui e nunca mais a deixarei sozinha.

.

Ao chegarmos ao hotel Itachi se dispõe a carregar Sakura. Meu primeiro desejo é recusar, porque a possibilidade de ela ser tirada de mim por qualquer segundo que seja, me deixa inquieto. Não quero perdê-la de vista novamente, ou cessar esse contato tão querido. No entanto, a dor aguda em minha perna me faz agir com o mínimo de prudência. As extravagâncias da noite inteira vêm me cobrar o preço. Sair sem muletas e carregar Sakura em meu colo foram ações impensadas que agora resultam numa dor pungente. Acabo aceitando passá-la para os braços dele, que a leva pelo hall, entra no elevador e por fim a carrega pelo corredor amplo do andar em que estamos hospedados, até que eu abro a porta do quarto para que a deixe na cama.

Em silêncio, para não a acordar, decidimos deixá-la e conversar na porta.

– Vou ligar para Konan, ela já deve estar preocupada, tenho ligado todos os dias antes de ir dormir. Também entrarei em contato com os pais de Sakura, avisarei que a encontramos.

Aceno em agradecimento, Itachi fez muito por mim hoje. Ele sabe que estou grato, apesar de no momento eu não conseguir expressar isso tão bem, pois a consciência de que ela está lá dentro, leva toda minha dedicação e atenção somente para esse fato.

Antes de ir para o quarto, ele se despede de mim com um leve tapa em meu ombro e um sorriso cúmplice. 

Quando volto a cama, deparo-me com uma boa visão: ela acordou, ou pelo menos está tentando. O tronco está erguido e seus olhos embargados correm pela mobília.

– Ei – murmuro, chamando sua atenção para mim, enquanto sento na borda do colchão. – Como está se sentindo? 

– Confusa... – a resposta é dita em tom muito baixo. Ela volta a deitar, desnorteada. – Eles me deram aquela injeção para dormir. E agora estou delirando, não é? Você não está aqui. Eles me doparam, amanhã irei contar para o Dr. Hatake o que fizeram comigo. 

– Por que fizeram isso?

– Eu bati na ladra do outro quarto... – pausa, suas palavras saem com dificuldade e entrecortadas. – Ela queria levar minhas sandálias de novo. As sandálias novas que Kakashi trouxe para mim.

Tento absorver essas informações. Não sei se posso confiar no que está me contando, é possível que esteja sonhando acordada ou grogue demais. É melhor deixá-la dormir e esperar para esclarecer tudo quando estiver bem.

–  Sasuke? – me chama baixinho, após uma pausa em que nós dois permanecemos calados, ela por ser refém do cansaço, e eu por refletir em suas palavras, sem deixar também de indagar internamente quem é o homem que a leva presentes, claro, se ele for real. – Você esteve feliz sem mim?

Sorrio, surpreendido com a questão, antes de responder com toda sinceridade:

— Não. Os dias nunca foram tão frios, e meu coração nunca esteve tão quebrado.

Esforçando-se para manter a sobriedade, ela me observa com certa graça.

Sorrio outra vez, porque os olhos embargados dela sobre mim, numa luta intensa para se manterem abertos, de todas as formas, me trazem uma felicidade intensa. Eu poderia ficar, por horas e horas, apenas observando as sutilezas das expressões de Sakura. Ela é a luz nos meus olhos.

Sei que amanhã provavelmente não se lembrará de nada do que estamos conversando agora, mesmo assim, prossigo:

 – Você lembra que eu sonhava com você?

– Nunca acreditei nisso – confessa com a voz entrecortada pelo sono.

– Sempre foi verdade. E desde que perdi você, esses sonhos voltaram a frequentar minhas noites. A maioria deles, devo admitir, foram os piores pesadelos que já tive. Mas os outros, em menor quantidade, foram os melhores, e nesses não havia nada pior do que acordar. Às vezes, desejei continuar sonhando. No entanto, quem lhe levaria para casa, se eu tivesse me perdido em ilusões e desistido de procurar? 

– Você realmente me encontrou? Porque agora acho que sou eu quem está sonhando – seu timbre ameno e preguiçoso me arranca um novo riso.

Um tipo de encanto infinito me faz sorrir como um tolo.

–  Sim. É claro que sim. E de todas as formas, porque também descobri de onde conheço você.

–  O que descobriu? 

– Que você sempre existiu em mim. Minha alma está ligada à sua. Não a conheço de nenhum outro lugar, senão dos meus próprios sonhos, sempre foi neles que encontrei o seu sorriso.

Ela já não parece mais ouvir qualquer coisa do que estou falando. Remexendo-se na cama e arrumando a cabeça sobre os travesseiros de forma automática, ela fecha os olhos. O sono a rouba de mim novamente. 

Permaneço onde estou, parado, olhando-a, ouvindo-a ressonar baixinho. Nesse momento de completo silêncio e quando posso analisá-la sem reservas, noto que apesar do cansaço evidente, seu rosto está tranquilo, belo... A palidez de suas bochechas outrora rosadas, e da evidência da dor nos traços agora melancólicos, não alterou em nada a sua beleza. Ela é a criatura mais linda. Sua face é perfeitamente simétrica, e a fisionomia é tão amável que beira o divino. É angelical. 

Num ímpeto, sem conseguir controlar meus sentimentos, inclino-me sobre ela, face a face. Sinto sua respiração compassada e morna aquecendo minha pele. Fecho os olhos e selo nossos lábios. Eu não deveria, não sem o devido consentimento, não enquanto ela dorme. No entanto, não consigo me afastar. E mesmo tendo consciência do meu erro, abro a boca um pouco, puxo o lábio feminino para entre os meus, sinto o sabor dele, a temperatura, a textura macia... Só precisava senti-la novamente, recordar dos detalhes do seu beijo. O simples contato aquece meu coração e alivia um pouco a minha saudade. Com um sorriso de completa satisfação, afasto-me devagar.

Completa satisfação? Pudera! A quem estou enganando? Um beijo não é suficiente.

Em verdade, quero deitar ao lado dela e deixar que sua cabeça repouse sobre o meu peito, para que assim eu consiga afagar seu cabelo madrugada a dentro e beijar o topo de sua cabeça quantas vezes julgar necessário; gostaria de fazê-la se sentir protegida e amada perto de mim, como costumava ser. No entanto, sei que Sakura provavelmente ficaria assustada, caso acordasse em algum momento e se deparasse com um corpo masculino ao seu lado, e de forma alguma quero agitá-la ou vê-la coagida. Então, apaziguando a vontade exigente de abrigá-la entre os meus braços e mimá-la por toda a noite, afasto-me e me acomodo na poltrona diante da cama, de onde posso observá-la sem empecilhos. Não tão perto quanto eu gostaria, porém, não tão longe a ponto de que, daqui, não consiga velar e proteger o sono pesado da minha fadinha.

 


Notas Finais


Por dois motivos ele a chamou de fadinha. Um por causa dos livros que ela gosta, e o outro, bem, vou deixar vocês dormirem com esse barulho huahuauaha.
Beijos para todos 😘❤️
Espero que tenham gostado!


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...