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História Além do que se vê - Fix You


Escrita por: Kirilov

Notas do Autor


Primeiro, perdão por deixá-las tanto tempo sem uma atualização e pelos comentários que ainda não foram respondidos. Perdão também pelo horário.

Apesar de tudo, espero que gostem ^-^

Capítulo 23 - Fix You


 

De forma rápida demais o pequeno sorriso dá lugar a escuridão que sobressalta diante dos meus olhos, novamente acompanhada da ânsia insuportável, como se esse mínimo momento de felicidade precisasse ser interrompido urgentemente pela ordem silenciosa criada para impedir a elevação do meu espírito. O corpo pende para trás automaticamente e sinto a face esfriar de súbito até tudo estar borrado e confuso.

Um breve salto do tempo, um simples pestanejar. 

Quando volto a mim só consigo notar as mãos de Sasuke me arrumando calmamente sobre os travesseiros da cama, deixando-me com o tronco erguido numa posição confortável. No entanto, apesar de ele ser demasiadamente cuidadoso, não consigo evitar me retrair e encolher sob seus toques. 

– Foi apenas um susto – eu digo. 

Sasuke responde algo indecifrável enquanto se afasta em direção a mesa de café da manhã, mas retorna antes que eu informe não o ter compreendido. Ele tem em mãos o que acredita ser a solução para os meus problemas imediatos: uma bandeja repleta de coisas aparentemente gostosas.

Talvez, de fato, seja apenas fome.

– Você precisa comer.

Não me esforço para responder, pois já não há em mim qualquer intenção de negar a fome que estou sentindo ou um motivo suficientemente considerável para recuar e dizer novamente o que acho de tudo isso. Preciso me alimentar, não discordo; e não tendo forças para fazê-lo com as próprias mãos, aceito sem hesitações a ajuda oferecida.

É constrangedor ser servida por outra pessoa e tratada como algo tão delicado. Apesar de vir me sentido assim durante muito tempo: frágil, minúscula e assustada, o fato de expor isso tão obviamente me deixa desconfortável. Não queria demonstrar tanta fraqueza. Às vezes gostaria de parecer tão indecifrável e insensível quanto uma rocha ou fria como uma pedra de gelo, apenas para evitar ser alvo de olhares tão misericordiosos; no entanto, não posso sê-lo. Resta-me como escapatória evitar ao máximo o olhar de Sasuke, embora alguns encontros furtivos e inevitáveis sejam suficientes para me deixar inquieta diante de tanta dedicação. Uma dedicação que claramente é resposta a minha vulnerabilidade.

Alguns goles de suco, um sanduiche e dois morangos surpreendentemente doces são suficientes para mandar embora meu mal-estar e possivelmente para me livrar da situação inconveniente.  

– Estou satisfeita. – Ouso dizer ainda de boca cheia ao ver Sasuke pegar uma maçã e passar a cortá-la.  Ele é rápido, sei que antes mesmo de acabar com o morango terei um pedaço de maçã sendo empurrado contra os lábios.

Com um olhar nada discreto em direção a minha barriga ele deixa suficientemente claro que o meu pedido não será atendido. Me dou por vencida antes mesmo de ouvir algum argumento do gênero “você precisa comer por dois”, principalmente porque uma nova pontada atinge meu ventre, o que me faz pensar se o próprio bebê está reclamando, embora a sensação seja tão diferente de receber pequenos chutes. 

– Não faça essa cara. Só mais essa e te deixarei em paz – ele sorri com o canto esquerdo da boca, aparentemente uma tentativa de sedução a fim de me subornar. 

Analiso melhor suas feições, a proximidade permite observar detalhes antes ocultos, como as olheiras discretas e o semblante cansado. Não é o mesmo Sasuke de meses atrás, aquele de postura rígida e inabalável. Porém, mesmo em meio a essas sutis mudanças, o sorriso permanece encantador, assim não consigo afirmar com certeza se é pretensioso ou genuíno.

 – É como dizem “Uma maçã por dia mantém o médico longe” – afirma antes de me servir um pedaço, e logo estou mastigando novamente.

Não tento explicar o real motivo da minha careta, na verdade, por um instante minha cabeça se diverte com a grande questão: Se eu lhe morder os dedos ele irá parar de me encher de comida? Sorrio para esse estúpido pensamento.

– Gosto quando sorri, agora mais do que nunca. E se me disser que mesmo por uma razão banal eu sou a causa desse sorriso, terei um pouco de tranquilidade.

Por consequência, ouvir essa declaração traz o abatimento imediato da minha efêmera alegria. De algum modo não devo permitir ser enganada por falsos sentimentos, a realidade diz que a verdadeira felicidade não pode mais chegar até mim. Tenho a impressão que agora sou meu próprio algoz. A consciência vigilante e racional grita em minha cabeça para não esquecer os tormentos, é uma sentinela incansável disposta a aniquilar imediatamente meus sorrisos e me manter sempre com um semblante infeliz, ela queima minhas mãos todas as vezes em que tento erguê-las para alcançar o mínimo vislumbre de esperança e repete incansavelmente “Não! Não ouse, não se esqueça”, então me devolve as lembranças que por alguns instantes foram esquecidas, infesta minha visão com cenas que me ferem intensamente e endurece os músculos do meu corpo.  Como se não bastasse, ainda sussurra em meu ouvido “Dar essa tranquilidade é semear esperança em um campo que não poderá ser regado”.

– Por sua vez, essa expressão de agora me faz sofrer, por mais que eu esteja imensamente feliz em ter encontrado você. – Ele reflete alguns minutos, antes de prosseguir: – Tem uma barreira entre nós que você não me deixa atravessar, ela está aqui, diante de mim, me frustra perceber que não há o que eu possa fazer, não sozinho...

Novamente se cala, imergindo em pensamentos. 

 – Só preciso que me diga como atravessá-la, ou no mínimo diminui-la, porque essa simples aproximação parece te deixar desconfortável. Você sequer me deixou te tocar direito, encolhe-se diante de mim e permanece assustada como se eu fosse machucá-la a qualquer momento. Não me olha nos olhos e de repente o seu sorriso some quando escuta a minha voz. 

Mais silêncio, pois ele me olha esperando uma solução que não virá.

– Eu nunca machucaria você, angustia-me que pense o contrário.

– Sorri por cogitar se você pararia de me fazer comer feito uma draga caso eu mordesse seus dedos – resolvo explicar, considero justo esclarecer como me sinto e assim livrá-lo de alguma esperança precipitada. – E o que aniquilou o meu sorriso foi desejar acreditar que isso é um alívio e posso sorrir por um momento, quando na verdade sei que esperamos coisas distintas para o futuro.  Por mais que estejamos juntos agora, e exista uma explicação para a sua ausência, não podemos agir como se nada tivesse acontecido, a realidade não será alterada... Eu não tenho medo de você, mas não posso controlar os meus instintos. Tudo o que posso pedir agora é para não esperar de mim o que não posso oferecer. Estou quebrada, não há como consertar... 

– Sakura... 

Vejo a ansiedade dele para rebater minhas palavras e provavelmente tentar me convencer do contrário. Continuo firme:

 – Irei me sentir intensamente sufocada e angustiada caso exija qualquer coisa de mim ou espere que eu volte a ser a Sakura de antes. 

Ele respira fundo e olha bem em meus olhos antes de prosseguir.

– Só espero poder te levar para casa, te ter por perto, ou no mínimo ao alcance dos meus olhos. A possibilidade de lhe perder de vista me apavora. Todos esses dias foram insuportáveis para mim, se estou aqui é por não ter desistido, por me segurar a qualquer possibilidade e não deixar de acreditar que temos uma vida inteira a viver... Depois de tudo, agora só penso em esquecer o mundo lá fora e cuidar de você e do nosso bebê. Quero lhe dar tudo o que precisar, conceder os desejos mais estranhos de gravidez, fazer massagem em seus pés. – Ele sorri, esperançoso. – Mulheres grávidas costumam ficar com os pés inchados, li sobre isso em alguma das revistas para pais de primeira viagem que comprei. – Outro sorriso, agora envergonhado. – Quando ela nascer, eu juro que serei o melhor pai do mundo, Sakura; o marido mais atencioso...

– E isso é muito mais do que posso oferecer – interrompo antes de ele prosseguir com suas expectativas.

Mas a expressão esperançosa e sonhadora em seu rosto não muda. Minha afirmação categórica não dá indícios de surtir efeitos sobre ele. Não há alterações em sua determinação a fazer promessas que não podem ser cumpridas, talvez da parte dele exista a crença de que a mudança é possível, apesar de não saber como torná-la alcançável.

– Eu não exigiria nada, não precisa temer. – diz, crente de compreender meu receio.

Esse não é o único empecilho, as coisas são mais complexas do que Sasuke pode supor.

– Não pediria que dividisse uma cama comigo, tampouco a forçaria a alguma coisa. Eu só preciso que me permita estar com vocês duas e me deixe lutar pelo nosso futuro, terei força por nós dois, e serei tão paciente quanto precisar que eu seja.

Ele toma minhas mãos nas suas, segura-as com carinho, enquanto me olha fixamente e expressa toda sinceridade. 

– Não as deixarei sozinhas em hipótese alguma. Quando nossa pequenininha chorar a noite, irei balançá-la nos braços e fazê-la dormir. Irei aprender como trocá-la e dar banho, fazer mamadeiras... Mais do que tudo, quero está sempre por perto para quando você precisar de mim, irei lhe dar tudo que precisar, tudo o que me pedir. Só não peça para desistir disso. 

Embora busque me tranquilizar, ele também está apreensivo, anseia por minha resposta e, ao mesmo tempo, teme por ela. Minha palavra possuí o poder de destruí-lo, seus olhos denunciam isso. Suas mãos longas tremem mais do que as minhas e a respiração é cortada ora ou outra por uma inspiração longa. Ele prende a respiração aguardando uma sentença.  

– Amo você e essa pequenininha na sua barriga, mais do que qualquer coisa nesse mundo – torna, meu silêncio o inquieta. – Vou amá-las e lutar para tê-las ao meu lado mesmo se minhas forças me abandonarem.

– Não posso aceitar, Sasuke – respondo. – Não posso...

Ele baixa a cabeça e por longos minutos fica apenas observando nossas mãos unidas. O tremor cessou, mas ainda percebo a inconsistência em seu espírito.

– Não quero soltá-las – murmura, antes de novamente imergir num silêncio profundo. – Não vou te perder de novo.

Ficamos assim por um bom tempo, sentados na cama olhando para a singela conexão entre nossas mãos. Ele acaricia meus dedos e percorre as linhas em minhas palmas, analisa minhas unhas...

Vejo uma gota atingir em cheio minha pele, depois outra e outra, lágrimas quentes. Sasuke está chorando. É estranho e desconcertante vê-lo tão vulnerável, quando sempre o mantive em meus pensamentos como um homem de sentimentos controlados e contidos. É ainda mais estranho supor que sou a causadora desse sofrimento, e mesmo assim não cogito dever amenizar sua dor. Detenho esse poder, uma palavra minha bastaria, mas a impeço de atravessar meus lábios, por mais que sua intensidade fira minha garganta.  Deixo-o chorar em solidão, não ouso questioná-lo sobre seus pensamentos ou perturbá-lo com qualquer tentativa de consolo. Não posso consolá-lo.   

– Não posso forçar você a me aceitar ou ser insistente com o que lhe fere. Supus coisas diferentes e agora devo suportar a frustração... – ele ergue o rosto, olha-me novamente. Revela olhos vermelhos, semblante triste. – Quando nos separamos a primeira vez, eu estava certo de que você não me amou em nenhum momento, vi essa mesma expressão em seu rosto e uma frieza capaz de me destruir por completo, mas você mudou tudo quando me contou a verdade, quando me aceitou novamente e pediu minha ajuda... sinto muito por não ter conseguido ajudá-la, sinto por não ter impedido o que aconteceu, Deus sabe como me sinto culpado e sofro por isso; sabe, também, como agora preciso outra vez que você me estenda a mão e me deixe refazer todas as promessas. Diga que me amou, Sakura; diga que ainda me ama, e eu lutarei por nós. Isso é tudo o que preciso ouvir para não desistir. No contrário serei obrigado a me conformar, a aceitar o mínimo, deverei deixá-la em paz e me contentar com o pouco que pode me oferecer.

É a melhor saída, não há dúvidas. Devemos criar nossa filha como pais separados, nenhuma ligação amorosa pode existir entre nós, além do laço que nos une através do bebê em minha barriga. Torna-se a minha obrigação, portanto, responder “Não, não amei, não amo agora, e por isso não há motivos para ficarmos juntos, não há uma vida a ser vivida”. Qualquer coisa diferente disso alimentará esperanças, será o consolo que ele me pede, a faísca que o manterá lutando. Não posso mantê-lo nessa luta se sei não ter o que oferecer no final, se não haverá o pódio e os louros, nenhum beijo de reconhecimento e orgulho ao vencedor.  

– Sim. Eu amei você, Sasuke... Continuo amando. – É o que respondo de verdade, contra qualquer razão que tenha existido em mim. Um erro que não deveria ter cometido, tenho plena convicção do que essa fraqueza ocasionará, mesmo assim não suporto a ideia de envenená-lo com uma mentira. Não consigo ser a causa do seu sofrimento, quando ao invés disso possuo o poder de fazê-lo feliz, ainda que a felicidade não possa ser sustentada, pois não terá o incentivo necessário para resistir ao passar do tempo.

Um longo suspiro é ouvido. Ele sorri, seus olhos se iluminam com uma chama intensa e calorosa. O rosto abandona a sofreguidão e expressa uma força vital.

 – Muitas vezes desejei estar com você, ouvir sua voz me dizendo que tudo ficaria bem. Além do receio há um sentimento terno que conforta o meu coração, foi a sua lembrança a me socorrer nos momentos de tormenta, o abrigo em meus pensamentos para onde eu corria sempre que acreditava não ter mais saídas. Mas isso não pode mudar alguma coisa. Não posso prendê-lo a mim por simples egoísmo. É por amá-lo tanto que me recuso a aceitar o que oferece.

– Essa é uma prisão que eu quero e aceito sem relutância...

A conversa é finalmente interrompida.

Ah, nada é capaz de descrever como é confortante ver a porta do quarto se abrir e Itachi atravessá-la com três sacolas em mãos. Não suportaria continuar, sinto-me aliviada que seja assim e por ora tenha a oportunidade de evitar a palavra definitiva. Sasuke se afasta, de costas para mim e o irmão ele segue para a varanda, acredito que com isso busca esconder os vestígios do choro recente.

– Bom dia, Sakura. – Ele diz sorridente. – É bom vê-la acordada e bem. – Então me entrega as sacolas. – Trouxe tudo o que precisa.  

Depois de murmurar um agradecimento e dar uma desculpa esfarrapada, movida pela mesma necessidade de esconder os últimos acontecimentos, levanto-me imediatamente e trago as sacolas comigo para o banheiro. Fugir dos inconvenientes sempre foi a melhor estratégia.

Analiso as compras. Há um par de sapatilhas azuis, um conjunto de roupas íntimas e dois vestidos de botões, próprios para mim, o que realmente me surpreende, apesar de saber que o meu antigo cunhado tem esposa e filho, portanto comprar roupas para uma mulher grávida não poderia ser um desafio.

Depois de me trocar ocupo-me um bom tempo observando a figura no espelho. No último mês minha barriga cresceu bastante, se há algumas semanas ela não passava de uma pequena elevação, agora se assemelhava a uma melancia. Diferente das roupas do hospital ou o roupão felpudo do hotel, o vestido deixa as peculiaridades do meu novo corpo em evidência. Não é apertado ou desconfortável, mas contorna os seios cheios e a circunferência protuberante da minha barriga.  

O colo parcialmente exposto, unido aos tons claros do tecido, faz meu rosto parecer mais rosado e rechonchudo, ou talvez estivesse assim o tempo todo sem que eu pudesse perceber. Muitas coisas aparentemente haviam estado fora da minha percepção, é o que noto enquanto penteio o cabelo. Gosto do que vejo no final. Pela primeira vez enxergo uma grávida no reflexo, apenas isso. Um vestido bonito, um rosto redondo e bochechas vermelhas, uma visão muito distante da criatura atormentada presa em um pijama azul, com olheiras pesadas e aspecto ignóbil. Essa percepção tão simples traz intensa felicidade ao meu peito.

Quando resolvo sair tenho a sensação de também causar grande afetação nos homens a aguardarem, eles me olham com um sorriso. Itachi logo se convence de ter feito uma boa compra, ressalta o próprio bom gosto e a excelente percepção; enquanto Sasuke não para de analisar cada um dos detalhes da minha nova figura, parece recuperado da conversa que tivemos.  

Em meio a todas as trocas de olhares, sou informada do quanto meus pais estão ansiosos para conversar comigo, ligaram várias vezes desde o momento em que Itachi os informou que ele e o irmão haviam me encontrado, cinco vezes só durante o tempo em que esteve no shopping, motivo pela qual teve de prometer entrar em contato novamente tão logo voltasse ao hotel e estivesse ao meu alcance. O celular de Sasuke estava descarregado, por isso nenhuma tentativa de contato fora feita por parte dele, mas isso havia deixado todos ainda mais afoitos, afinal Mikoto Uchiha também estava desesperada para falar com o filho incomunicável e ter notícias de mim e do netinho.

– Netinha. – Sasuke faz questão de interromper o relato para esclarecer o sexo do bebê.

– Ah, droga! Eu estava torcendo para vê-lo reformando todo aquele quarto outra vez, afinal Konan ganharia bastante com isso – Itachi me confidencia entre risos, uma piada que não sou capaz de compreender. Mas nada mais sobre isso é dito, e só me pergunto por que esse homem sério de repente está tão simpático e sorrindo constantemente para mim.

.

 Meus pais estavam de fato ansiosos para falar comigo. O simples fato de me escutarem dizendo um acanhado “oi” os levou as lágrimas, pude ouvi-los do outro lado da linha entre risos e soluços ao reconhecer minha voz, e como falaram depois! Estavam com saudades, imensas saudades! Perguntaram a cada instante como eu estava, “E o bebê?”, “Quando voltará para casa?”, “Sua mãe está preparando sua comida favorita, esperamos vê-la ainda hoje”. Hoje, contudo, certamente não seria possível.  “No mais tardar amanhã, a comida pode ir para a geladeira e o pudim sempre fica mais gostoso no dia seguinte”, foi a resposta. Inclusive irão me buscar no aeroporto, não aceitarão recusas, pois qualquer minuto a mais longe da filha amada será mortal para eles.

 Falamos por mais de uma hora,  a saudade foi amenizada e nenhum questionamento foi feito. Talvez para evitar me perturbar, não tentaram perguntar o que havia me feito abandoná-los no meio da noite. Repetiram apenas como me amavam e como eu era querida e aguardada em casa.

 – Sua casa – disseram juntos, estavam no viva-voz.

Teríamos conversado por mais uma hora provavelmente, no entanto, ouvir o nome do médico que cuidou de mim ser citado em um diálogo sussurrado entre os irmãos após uma movimentação estranha no quarto, exigiu que a ligação fosse interrompida. Desliguei com a justificativa de que deveria definir os detalhes da viagem e ligaria mais tarde com notícias de quando retornaria para casa.

– Kakashi está aqui? – pergunto. A conversa entre eles cessa imediatamente, não haviam notado minha aproximação até então. – Ele veio atrás de mim?

– Não precisa se preocupar. Ninguém vai levar você de volta para aquele lugar, eu não vou deixar.

– Ele não levará, se eu disser não ter essa vontade – esclareço colericamente, o que faz Sasuke franzir a testa em confusão. – Eu quero falar com ele. Ele está aqui? – Não recebo uma resposta, Sasuke ainda me olha surpreso demais para dizer algo. – Ele está aqui? – questiono mais uma vez.  

– Sim. – Itachi revela. – Está na recepção. E se recusa a ir embora sem falar com você. 

– Sakura não precisa falar com ele. 

– Mas eu quero – imponho-me. – O Dr. Hatake cuidou de mim, esteve ao meu lado todo esse tempo, ajudou-me e confortou quando mamãe morreu. Tem sido o melhor amigo que eu poderia ter.    

– Esse homem maltratou você. Disse-me ontem que uma enfermeira a deixou com fome e sedou... 

– Se Kakashi estivesse lá isso não teria acontecido, ele nunca permitiria que me tratassem assim.

Apesar de Sasuke se opor, minha vontade não é subjugada. Desejo ver o meu médico, e irei vê-lo! 

Ao deixar claro minha decisão e sair do quarto decidida, sou literalmente escoltada até a sala em que Kakashi me espera na recepção, sendo necessário o pretexto de que desejo falar a sós com ele para me deixarem entrar sozinha.   

Noto o sorriso no rosto dele ao me ver, também sorrio à medida que me aproximo. Ele me abraça tão logo pode, com uma mistura de alívio pungente e comedido afeto; sinto a intensidade de seus sentimentos, mas de nenhuma forma temo ser esmagada por seus braços ou me amedronto com a possibilidade de não poder me desvencilhar dele.

Uma breve explicação é necessária, pois ele está preocupado com o meu bem-estar. Teria ido atrás de mim na madrugada, caso tivesse sido informado imediatamente sobre o que acontecera no hospital; no entanto, apenas tomou conhecimento do meu sumiço hoje cedo.

– Ele ainda está lá? – pergunto, quando nos sentamos e noto que Kakashi lança um olhar para a porta atrás de mim.

– Sim, tal qual um gavião vigiando seu ninho. – Sorri. – Não sei se gaviões vigiam o ninho, mas caso você se vire agora e observe a mesma coisa que eu, terá o vislumbre de como deve ser.

– Sasuke pretende me levar com ele – esclareço de uma vez.

– Você quer ir? Se me disser que não, não deixarei que a levem.   

– Não tenho certeza ainda. Apenas sei sobre como estava errada, eu vejo agora o quanto Sasuke me ama, e sempre me amou, eu vejo isso nos olhos dele, na forma como tem agido, em cada palavra... Ele não me abandonou, as circunstâncias o impossibilitaram de estar comigo.

– Então alguma coisa mudou em seu coração? Disse-me outro dia que amá-lo não faria diferença.  

– Sim, eu disse. Agora não sei bem, é tudo tão complicado, estou tão confusa... Gostaria que algo mudasse. Mesmo negando esse desejo, eu pensava que se um dia voltasse a encontrá-lo e tivesse dele todo amor que poderia me oferecer, o sofrimento seria cessado e tudo seria esquecido. Eu seria feliz. No entanto, nada mudou; há um conforto em meu coração, mas a dor continua aqui, incessante.

Respiro com calma, tento organizar os pensamentos. Fito meus pés, do mesmo modo que costumava fazer quando estava na sala dele e o confessava os sentimentos mais secretos.  Como sempre ele me observa atento, esperando a próxima palavra.

– Há dias em que apenas não quero ser, há dias em que eu sinto a tristeza me sufocando lentamente, apertando meu pescoço com seus dedos robustos e arrancando violentamente cada sopro de ar. É angustiante encarar o pior tão de perto e não encontrar forças para lutar. É angustiante querer gritar e não ter voz. Não há o que possa ser feito, tampouco posso me apegar a uma pessoa e depositar nela todas as minhas expectativas, não devo esperar que o socorro venha de outras mãos. O sol poderá surgir a leste, irei preferir a solidão de um quarto escuro; no fim devo ser enclausurada e suportar tudo sozinha.

– Essa solidão, Sakura, deverá ser superada. Se houver uma chance, e ela com certeza existe, apegue-se a ela.

Ele não acrescenta nada além de me observar com seu típico olhar analítico. O breve silêncio me permite organizar o turbilhão de pensamentos agitados em minha cabeça e pensar um pouco mais. Após uma singela reflexão, ao engolir seco o pequeno nó na garganta, com um sorriso fingido e quase imperceptível, prossigo:

– Quando as luzes se apagavam no hospital, eu temia o escuro e apertava meus olhos tal como uma criança, agora quero apertar meus olhos para tudo, o que espero do mundo não é bom; na verdade, ele não me parece atrativo. Eu viveria eternamente naquele quarto se pudesse, trancafiada com as minhas frustações, porque não quero levantar e enfrentar o que me aguarda lá fora. Penso que tive da vida apenas os dissabores; fui atingida pelos sentimentos mais cruéis, cujas flechas permanecem fincadas em meu peito, matando-me um pouco a cada dia. Não há misericórdia em minha pena, provavelmente apenas a diligência do carrasco inevitável: meus próprios pensamentos e memórias. Essas flechas também não podem ser puxadas, estão alojadas de tal modo que eu morreria sem elas, elas fazem parte de mim agora, parte de quem devo me tornar. Há algo dentro de mim, uma sensação intrínseca da qual não consigo me libertar, é um pesar profundo que acompanha todos os meus passos. E mesmo quando acredito infantilmente poder me erguer, quando levanto a cabeça e encaro o mundo, deparo-me com algo que não posso lutar, a determinação abandona-me como se nunca houvesse ousado fazer de mim sua moradia. São momentos de alto e baixos, e isso também não é trivial de suportar.

Uma breve pausa se faz necessário. Depois de um involuntário suspiro de pesar, continuo:

– Essa coisa dentro de mim, ela sempre esteve aqui, ela sempre limitou meus passos e me acompanhou como um demônio, disposto a me derrubar todas às vezes em que acreditei ser capaz de alçar voo. Agora me sinto boba nesse vestido, como se tentasse enganar meu próprio destino ou fugisse desesperadamente do inevitável, mas como o admirei mais cedo! Como me olhei e sorri para a figura no espelho, como ousei ser feliz! Percebo agora o quanto fui estúpida. A vida inteira tenho sido estúpida... Não deixe que eu me engane e vá com ele, Kakashi, leve-me de volta para o hospital, é lá o meu lugar.

– Você está linda, Sakura. Veja, você sorriu para o espelho, e eu também não pude deixar de sorrir ao vê-la, mesmo sua presença tão colorida possuindo uma sombra intolerável para mim. – Sorrio com a afirmação. – Precisa se permitir ser feliz, dê uma chance a si mesma e pare de pensar tanto. Está realmente confusa agora, temo que toda essa agitação e a euforia tenha bagunçado seus sentimentos e convicções.

Ele tem razão, meus sentimentos estão totalmente bagunçados, oscilaram da raiva para a ternura, do amor para a dúvida, da felicidade para a tristeza. Tudo isso em um espaço de tempo inacreditável.

– Esqueça um pouco todo o resto, as cobranças e as expectativas, pense apenas em você e nessa criança, em breve ela estará em seus braços, e assim como você será o abrigo dela, ela será o seu. Caso realmente deseje ficar, sabe que estou disposto a lhe ajudar em tudo o que precisar, eu não a levaria de volta para o hospital, seria minha hóspede, e receberia de mim atenção constante. Por outro lado, se desejar ir, não poderei me opor, na condição de seu médico deverei apenas conversar com Sasuke e explicar a sua condição, para que ele possa ser o melhor para você.

Kakashi possui a mania de me oferecer o mundo como quem não oferece nada, talvez por temer me assustar com sentimentos mais claros ou quem sabe por achar que sou orgulhosa demais para receber presentes tão grandiosos. 

Não é orgulho. 

– Eu gostaria de poder dar uma família ao meu bebê, uma mãe afetuosa e um pai presente, mas não sei se posso ter isso. Sasuke disse que não irá desistir de mim, ele pretende lutar por nós. – Toco minha barriga. – Penso se posso tentar, no entanto, estaria agindo contra minhas próprias dores; ceder seria abrir mão da segurança para me lançar contra algo que certamente acabaria comigo. Sei que Sasuke nunca me faria mal, assim como você, mas eu não consigo tentar. Não consigo ver como poderia dar uma chance novamente a qualquer romance. Eu tenho medo, apavoram-me as possibilidades. Estou com medo do futuro, estou com medo do que me aguarda na próxima esquina. Tenho medo de não conseguir. Tudo parece assustador para mim...

– Você vai conseguir – interrompeu-me. – Comece aos poucos. Falou com seus pais? – Confirmo com um meneio. – Eles esperam por você, suponho? – Confirmo mais uma vez. – E você tem alguma imposição a voltar para casa?

– Não, acredito.

– Eles a ajudariam com o bebê?

– Sim, é claro que sim. Apesar de eu pensar que isso pode ser um fardo.

– Não pense, tenho certeza que mais doloroso para eles é supor que você acredita nisso pelo simples fato de ser adotada. Volte para casa, Sakuta. Seus pais irão recebê-la com afeto, e você será feliz, terá amor e apoio. Fique com eles pelo menos até estar pronta para voltar a morar sozinha ou para aceitar alguém em sua vida.

Não ouso discordar. Kakashi sempre aparenta saber o melhor para mim, ou pelo menos tem conseguido acessar tão profundamente minha alma que é capaz de compreender os meus anseios e amenizá-los da melhor forma possível. Não há uma saída melhor para o meu dilema. Não posso voltar para o hospital, minha filha nascerá em breve. Os planos de morar na casa que Mebuki deixou também não têm como dar certo, eu  não teria condições de cuidar sozinha de uma criança, tampouco Sasuke aceitaria essas condições.

– Você já sabe o que fazer. – Ele diz ao levantar. – E eu só precisava ver se ficará bem.

– Temo que após ir embora nunca mais voltarei a vê-lo – revelo, antes de dar a conversa por encerrada. – Criei um laço especial com você, sinto-me segura em sua presença e sem receios de confidenciar meus sentimentos.

 – Prometo ligar todas as noites e lhe visitar sempre que viajar para algum compromisso na cidade. Se for recebido como um bom amigo, claro.

Um bom amigo... Eu sorrio, isso deve ser tudo.

Nos abraçamos por fim, um abraço longo e apertado, tão afetuoso e confortante quanto o primeiro. Um braço que significa muito mais, para nós dois.

– Eu me apaixonei por você – ele sussurra no meu ouvido enquanto nos separamos lentamente, eu não teria ouvido se não ansiasse uma palavra a mais. De algum modo, esperava pela confissão, ela deveria ocorrer nesse momento ou se perderia para sempre nas entrelinhas: nunca dita sinceramente, nunca mais do que uma suposição. – Não precisa dizer nada, não espero uma resposta. Apenas desejo que saiba.

Quando nos separamos nada mais pode ser dito, apenas movo os lábios e me contenho, já não estamos sozinhos. Sasuke está estranhamente parado do nosso lado, como se tivesse se materializado em um simples piscar de olhos. Ele vem para junto de mim e estende a mão em direção a Kakashi em um cumprimento educado, embora sua postura seja severa e provoque extremo mal-estar.

– Dr. Hatake – ele diz sério.

– Sr. Uchiha... É um prazer conhecê-lo.

 


Notas Finais


Por enquanto é isso, mas pretendo voltar logo 😊.

Não vai ter briga, só uma conversa e um provável acordo de cavalheiros, afinal de coisa ruim já basta o Gaara.

Beijos 😘


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