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História All my Senses - JiHope - Reviver os fantasmas


Escrita por: LanaAranha

Notas do Autor


Depois de meses sem vir aqui, voltamos enfim, hopemin de AMS e eu, siim!

Mas logo de início, devo só mesmo avisar que a quem venha a ler o cap de hoje, a escrita contém menção à violência/agressão física (como mostrado nos avisos), leve menção a abuso sexual, abusos de autoridade e palavrões também. Em caso de mínimo desconforto, NÃO LEIA!

Link da trilha sonora de hoje: https://youtu.be/wl6f0kt29jw

E por fim, mas não menos importante, dedico esse cap à uma pessoa que têm me acompanhado e motivado infinitos com os comentários tão preciosos dela.... é pra tu, @EmiJey 🤗🧡 espero que (se tu ver/ler isso) curta essa leitura de hoje, tá?

Capítulo 8 - Reviver os fantasmas


Fanfic / Fanfiction All my Senses - JiHope - Reviver os fantasmas


Todos nós temos nossos segredos

Todos nós temos nossos segredos


Atrás de cada porta

É uma queda, uma queda e


Ninguém está aqui para dormir


...


...

Chovia fino naquele fim de tarde e quase início de noite... Mas a água já empoçava em alguns pontos batidos e esburacados do solo onde muitas vezes cumpriam suas horas de marchas, polichinelos e exercícios diários.

As gotas finas caídas do céu cinza descendo por seu corpo, pelos fios quase raspados, finalizando nos cílios escuros pela água, bem como o tecido branco da camiseta grudada em suas costas... evidenciando a musculatura magra, o arco pronunciado das vértebras da coluna, as omoplatas e ombros magros conforme se moviam em movimentos rápidos e, absurdamente graciosos e precisos para o ato violento de distribuir incessantes socos pelo rosto do outro homem sob seu corpo...
As gotas frias e incolores ganhavam cor sobre os punhos ossudos e machucados do Jung, escorrendo vagarosas e avermelhadas do sangue alheio adornando suas mãos, e descendo em filetes por ambos os corpos e acumulando-se em poças lamacentas cujo vermelho de cheiro pungente e ferroso se perdia na bagunça que os movimentos bruscos dos dois corpos faziam no solo sob ambos.

Havia uma estranha sensação de sintonia tomando posse em si, e não existia outra palavra para descrever. Era isso. Toda sua 'eletricidade e dispersão pareciam unir-se e fundir-se com uma perfeição absurda com seus sentidos sensoriais. E, ainda assim, mesmo tendo total conciência de tudo o que acontecia ao seu redor, em detalhes, ele também conseguia ser alheio aos mesmos.
Tinha aquele familiar barulho da chuva caindo sobre si e o molhando... O gosto insípido das gotas vez e outra escorrendo invasivas por entre seus lábios entreabertos... O misto de cheiros de terra molhada, lama e sangue, permeando o ar ligeiramente frio e denso que, coordenadamente (como apenas alguém com um porte físico acostumado a suportar exigências como aquela), entre um movimento forte e um expirar, inspirava... E mesclando-se a tudo isso, formando uma deturpada 'melodia', o pulsar agitado, quase rugindo como um tambor em seus ouvidos, do seu próprio coração, as vozes caóticas ao redor em um burburinho que mesmo com muito esforço, apenas seu nome, por uma já conhecida voz, conseguia distinguir... E por fim, haviam os baques abafados contra o solo duro e meio lamacento, das falhas tentativas de chutes contra a imobilidade do torso e braços, os resmungos e engasgos ininteligíveis mas bastante audíveis pela proximidade, mas logo abafados por sua própria respiração forte e pelos sons duros de seu punho fechado colidindo incansável e certeiro contra o rosto alheio emissário destes.
E era apenas nisso que ele focava, mesmo absolutamente consciente de tanto, naquele momento, de todos os seus sentidos e sensações, Hoseok era apenas tato e 'raiva. Guiado apenas por seus punhos, segurando e socando.

Haviam pelo menos treze ou quinze outros homens em volta, alguns poucos ainda muito jovens como o próprio Jung, outros bem mais velhos, acompanhando o espetáculo violento que se desdobrava em frente a eles. Mas ninguém ousava interferir. Também, não era como se a maioria alí se importasse, na verdade, provavelmente, estavam contentes com o que viam, um 'superior' abusador enfim provando um pouco da violência que rotineiramente oferecia.
E aqueles poucos, cinco, especificamente, que costumavam seguir o homem a quem Hoseok socava ferozmente embaixo de si, ao verem do que ele era capaz (e dois deles já tendo experimentado um pouco também), parecendo dar um grande 'foda-se' para a punição que sofreria por seu ato. Aparentemente escolheram se manter tão impassíveis quanto os demais.

.


Cabo Min, um imbecil e um grande inútil, na opnião de Hoseok, mas que, com o passar dos dias que vinha servindo naquele Batalhão de Infantaria, vendo o que o dito podia fazer com algumas pessoas, como o soldado Min (um pequeno e pálido recruta a quem conhecera no alistamento, tendo ingressado ambos juntos), concluíra que o superior e também mais velho, podia ser também um sádico abusivo e pervertido.

Era algo bem comum o ver perturbar todos os recrutas de sua Companhia, como obrigar alguns a fazerem flexões, um número bem maior do que era normalmente exigido nos treinos diários, algumas vezes com ele em cima. Acordar outros com solavancos e pancadas, baldes de água fria com gelo, isso totalmente fora do horário obrigatório. Ou então impelir alguém a se despir em frente a todos enquanto cantava o hino nacional coreano. Isso para não mencionar os xingamentos e ofensas habituais. E diziam ainda, em sussurros baixos e temerosos, que até mesmo abusos de cunho sexual, como oral claramente forçado, o Cabo já havia obrigado um ou outro recruta que não mencionavam nomes, a fazer em si.
Mas enquanto eram apenas boatos dos quais ele próprio não tinha certeza, e o que via era algo aleatório e que não chegava a tanto, o filho da puta sendo um desgraçado com todos, sem distinção, incluso consigo, Hoseok procurava apenas o ignorar e cumprir com suas ordens... Já que, infelizmente, sabia que aquele tipo de tratamento desagradável era algo enraizado na maioria, senão todos os batalhões militares, não só em seu país e continente, obviamente.

Hoseok era um bom soldado. Era o que diziam sobre si, ao menos.
Era inteligente, com um porte físico razoável (se adquirisse mais massa muscular seria ideal, era o que um ou outro superior lhe dizia quando o observava nas instruções de luta), dedicado e resistente. Excelente desempenho. Um dos melhores recrutas do seu ano.
Sim, ele era. Até aquele dia...

Normalmente, naqueles longos meses servindo, ele não apenas conseguira se sair bem em suas funções, como passara relativamente despercebido aos olhos de alguns idiotas veteranos que se achavam o máximo gritando e intimidando recrutas.
Quieto em seu canto, sem muita proximidade com qualquer companheiro, além de Agust (sim, o pequeno soldado Min), por terem ingressado juntos e o único cuja conversa, ainda que mínima e um tanto áspera, realmente o interessou... Mesmo quando algum companheiro mais antigo vinha o encher vez ou outra, um certo Cabo Min sendo esse, com falas toscas e ofensivas, sobre Hoseok ser "um filho da puta" ou "filho de uma cadela", percebendo que isso pouco o afetava, como à outras pessoas que realmente possuíssem uma mãe, lembrando que o Jung era órfão, soltava outra porcaria equivalente.

"E aí otário, como vai a puta da sua mãe? Ah, é mesmo, ela tá morta! Não aguentou parir essa sua cara enorme, né!" E como sua mente era exímia em estar sempre a produzir e se ocupar com uma boa diversidade de pensamentos, Hoseok não enfrentava grande dificuldade em ignorar um idiota fracassado como aquele... Que aparentemente precisava perturbar e tentar intimidar os outros só para sentir que a própria existência não era uma completa merda.

E talvez por perceber que não tiraria muito de si, além de claramente ser ignorado, ele quase sempre o deixava quieto. O mesmo, no entanto, não pôde ser dito sobre o recruta Min, com o qual o Cabo idiota dividia o sobrenome.
E fosse por isso (já que era de conhecimento comum naquele meio, aquele tipo de 'rito' ridículo e totalmente sem nexo, de soldados antigos sacanearem, especialmente, recrutas de mesmo nome ou sobrenome), ou por inveja pelo recruta de estatura pequena, pele notoriamente pálida e poucas palavras, ter se mostrado um jovem prodígio... Pelo breve período cursando engenharia, tornando-se bem útil em exercer determinadas funções específicas e logo sendo recrutado para auxiliar armeiros em outra Companhia. Enfim, fosse o que fosse, o garoto pálido veio a ser o alvo preferido do outro Min.

E naquela tarde em específico, não foi diferente.
Hoseok não viu o início da confusão, mas viu quando o recruta Min revidou qualquer que fosse a merda que o Cabo mais velho lhe disse.

"Se fode e não suja meu pau, desgraçado!" E o superior em hierarquia ergueu a mão. O Jung, e provavelmente todos no espaço fechado e quase sufocante do alojamento, pelas presenças gritantes e opressoras de tantos homens com testosterona demais e aparente maça cinzenta de menos, esperaram pelo ataque físico. Que não veio. Ao invés, ele grunhiu entredentes na voz forçosamente grossa e ameaçadora sempre usada:

"Levem esse verme sugado pro campo! Vamos ver se ele ainda vai ter essa marra depois de uma surra no mano a mano e uma noite inteira no relento!"

Hoseok sentiu a boca amargar na mesma medida que suas mãos pressionaram-se em punhos, as unhas curtas cavando dolorasamente fundo as próprias palmas.
Haviam caras e vozes demais. Ele não viu quando arrastaram o recruta Min, mas teve a certeza de que ele obviamente fora arrastado quando conseguiu, empurrando quem estava em seu caminho, sequer olhando, chegar à parte externa do alojamento.
O 'campo', que nada mais era que uma enorme, ampla e limpa área que usavam para treinos e exercícios, com mais uma das muitas altas cercas que delimitavam o vasto território daquele Batalhão.

Metros à sua frente, o recruta Min estava jogado no chão, os soldados veteranos que seguiam o Cabo de mesmo sobrenome, quase o cercando. E em frente a ele, o insultando mais, segurando-o pela nuca enquanto lhe desferia um tapa no rosto pálido, tornando a pele clara subitamente vermelha... o dito a quem deveriam respeitar e os instruir a serem homens fortes e dignos para protegerem o país, e não o temerem e serem torturados pelo mesmo.

"Levanta, seu fodidinho! Cadê sua marra toda agora, heim?!"  Outro tapa na mesma face marcada e o jogou para trás. Hoseok sequer percebeu, mas baixinho e entredentes, ele praticamente rosnou. "Levanta, seu merda!" O empurrou pelo peito derrubando-o de vez no chão. Daquela distância, não dava para o ouvir chiar de dor, mas sua expressão contorcida era o bastante. O céu antes de tons claros de azul e laranja, cedia aos poucos seu lugar a um cinza de entardercer nublado. "Arranquem a roupa desse merdinha! Eu quero marcar essa pele branquinha na porrada! Depois vamos ver se a bunda dele fica vermelha como as orelhas... e se também ficam assim com o frio ou só quando eu o irrito!" Riu sádico, no mesmo exato momento em que Hoseok deu o primeiro passo para fora do pseudo círculo formado em volta deles, e ainda assim pelo menos cinco metros afastados.

"Não. Não toca nele." Sua fala, tão forte e sonora rompeu a curta distância ainda entre ele e os outros sete homens em sua frente. E mesmo direcionada ao primeiro dos cinco soldados que fazia menção de puxar o pálido pelos ombros, seus olhos estavam cravados unicamente no Cabo ainda um tanto afastado de si e de pé sobre o recruta que já buscava sentar e se desvencilhar de quem tentasse tocá-lo.

"Olha só quem veio defender a namoradinha, soldados!" Riu aquele riso odioso, asqueroso. Hoseok piscou impassível e deu mais quatro passos adiante. "Sua mãe não te ensinou a não se meter no que não é da sua conta, otário? Ah, verdade, você é a porra de um maldito órfão!" Outro riso debochado, fingido e nojento ao que um ou outro soldado idiota que o seguia o acompanhou.

"Deixa ele." Pediu, não ordenou. Uma primeira e última vez.

"Ficou doido e surdo, seu ordinário?! Eu vou ensinar uma lição pra esse fodido e se quer apanhar também é só continuar aqui na minha frente!" Foi a resposta gritada e agressiva do Cabo.

Hoseok, no entanto, não se intimidou nenhum pouco, na verdade, ergueu mínimo um dos cantos dos lábios.
Com a resposta negativa a seu pedido, seguida de mais um monte dos tantos insultos com os quais já estava bem acostumado, virou-se de costas, os punhos embranquecidamente fechados em um constraste absurdo com a risada audível e 'ferina que soltou. Tal ato, durou por, no máximo um ou dois segundos.
Virando-se em uma agilidade quase inumanamente impossível, avançou para frente e, as mãos esguias desfeitas dos punhos agarraram como garras a cabeça do homem mais velho e bons centímetros mais alto que ele, forçando-o para baixo, colidindo-a contra seu joelho que tão rápido quanto, no mesmo célere movimento, o ergueu.

Soltando o outro apenas para vê-lo cambalear três desajeitados e surpresos passos para trás, encarando-o de olhos arregalados, a parte inferior do rosto já banhada do vermelho líquido jorrante, pelo nariz e lábios partidos sob o osso de seu joelho, Hoseok avançou para frente... Girando e chutando-o no peito, uma, duas vezes, até derrubar o oponente de vez no solo duro e terroso.
Nenhum pouco satisfeito, sequer dando ouvidos à solitária e familiar voz que o chamava abafada sob a balbúrdia confusa das outras, ele continuou com a 'missão' pessoal que tomara para si naquele final de tarde. Seguiu alguns passos para o lado, logo então puxou uma das finas barras de metal removíveis da dupla de mastros (nos quais certamente aquele sádico pervertido tinha intenção de usar para prender o recruta durante a noite), que usavam para fazerem os exercícios de mesmo nome.
E tão logo vieram para si dois soldados fiéis ao Cabo, tentando o atingir com patéticas e falhas tentativas de socos, desviando-se ágil, Hoseok girou a barra numa única mão, outro meio sorriso cruel em seus lábios, e então golpeou um e outro, nas pernas, quase ao mesmo tempo, fazendo-os urrarem de dor e derrubando-os quase de imediato sob a colisão férrea com seus ossos.
Girou novamente o peso cilíndrico e férreo na mão, avançando mais um passo, erguendo as sombrancelhas escuras bem marcadas em um convite claro para que os outros três se juntassem à briga. Eles não vieram, mas recuaram alguns passos para longe do outro recruta que, já de pé, continuava o chamando, pedindo baixo "que parasse" e então, desesperado, "que se virasse pra trás", "que tivesse cuidado". E o soco brusco e desproporcional que deveria acertá-lo no rosto, mal acertando seu ombro quando se esquivou e, no processo chutou num dos joelhos do Cabo, desequilibrando-o e arrancando mais xingamentos e grunhidos de dor do mesmo.

Não satisfeito, porém, Hoseok largou a barra de metal e avançou sobre ele, o chutando de novo e de novo. No mesmo joelho já atingido, nas costelas.
O Cabo Min caiu novamente. E sob o peso do solado grosso de seu coturno, ele o deu um último chute no rosto, derrubando-o de vez.
E só então Hoseok estalou os dedos em punhos que pouco tinham a ver com ansiedade naquele momento, enquanto pressionava um joelho sobre o peito do homem mais velho, o outro sobre o braço que se contorcia sob si, a mão esquerda contendo os ataques da mão livre do Cabo, Hoseok o socou e socou até que visse apenas vermelho. Sequer notou quando a primeira gota a manchar seu rosto não era carmesim, mas vinda do céu cinza acima.

.


Foram preciso três homens para conseguirem interromper sua sucessão de socos no rosto inchado e repleto de cortes e sangue escorrrendo, e enfim arrastá-lo de cima do mesmo.
Hoseok era magro, magricela, alguns soldados o chamavam assim, porque além de jovem, com seus vinte e um anos recém completos, ele possuía um porte físico de um garoto de dezessete, realmente esguio e anguloso, fosse pela genética ou pela condição precária na qual sempre foi habituado a sobreviver, alguns diriam, talvez. Ainda que o mais provável fosse mesmo seu dna agindo.
Mas se fosse culpar um fator externo por algum detalhe físico do garoto, certamente que os longos anos, desde muito cedo, exercendo trabalhos braçais que exigiam bastante esforço físico, com certeza era uma excelente razão e exemplo para a força surpreendente que seus músculos magros pouco visíveis, eram capazes de exercer. E quando sua força era associada à raiva, fria, desenfreada porém direcionada, bem, não era nada fácil o conter.
E também, associe isso a um garoto órfão acostumado a 'sobreviver às ruas desde os oito anos, no processo não tendo apenas que proteger a si mesmo e à irmã de todas as adversidades óbvias que uma cidadezinha precária e detonada pode oferecer nessas circunstâncias... e verá que não é preciso receber táticas de artes marciais e defesa pessoal, para se tornar um 'cão de rinha.

"Fumou merda, caralho?!" Depois de um tempo que não pôde mensurar, alguns segundos, ou talvez um minuto ou mesmo dois, o General do Batalhão sendo um dos homens que brutalmente o arrastou pelos braços, tronco e pescoço, colocava-se então em sua frente. Rugindo para si, empurrando-o com uma mão contra seu peito, fazendo-o cambalear um passo contra os braços grossos que firmemente o seguravam. Mas Hoseok não respondeu, apenas abaixou levemente a cabeça como um mínimo sinal de respeito... O que durou bem pouco mesmo, quando percebeu a aproximação do soldado Min e sua clara e idiota menção de tentar ajudar, ou piorar, era o mais provável, quando chamou baixo pelo superior.

"Senhor..." E antes que pudessem antecipar o que faria, Hoseok, avançou bruto e ágil contra as duplas de mãos que o detinham, colidindo um ombro com o do pálido. Não forte o bastante para o derrubar, mas para o fazer segurar em si um único instante e encarar seus olhos castanhos eletrizantes que 'gritavam que ele deveria apenas ficar quieto no seu canto. Esperava que o outro fosse mesmo o inverso de idiota tanto quanto aparentava, quando involuntariamente curvou o próprio corpo ao receber um soco bem forte no abdômen, desferido pelo próprio General, que o jogando de volta nos braços dos outros dois subordinados, sibilou entredentes:

"Leva! Agora!" Mesmo sentindo o estômago se contorcer doloroso e o ar lhe faltar por um tempo que lhe pareceu longo e incômodo demais, ele não relutou. Se deixou ser bruscamente puxado para longe dos Min, dalí e de tudo, e arrastado para onde quer que quisessem o levar.

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"Um maxilar deslocado, nariz e dois dentes incisivos quebrados e mais algumas lesões e escoriações espalhadas pelo torso, joelho e pernas." Enquanto ainda caminhava em passos firmes porém calmos, antes mesmo de parar em sua frente com os companheiros de antes, o General discorreu em alto e bom som. "Isso, foi o que o médico que atendeu o Cabo Min informou dos exames feitos nele. Ah, e não vamos nem listar os dois outros soldados que você quase estourou os joelhos." Acrescentou então, parando em frente sua cela e abrindo a mesma, enquanto usava o próprio corpo como bloqueio.
Hoseok, por sua vez, apenas encarou por alguns breves segundos as próprias mãos, os dedos de juntas arrocheadas e arranhadas, dois dos quais da destra se mostravam ligeiramente enrigecidos, (muito provavelmente quebrados), as unhas curtas sujas de terra e bordas vermelhas. 'É, comparado ao Cabo Min, ele estava ótimo.' Pensou quase contente consigo mesmo, e ignorando totalmente qualquer possível mínimo dano causado aos outros dois.
"O. Que. Porra. Você. Tava. Fazendo. Recruta?!" O superior rangeu entredentes. Naquele momento, ele sequer levantava a voz ao falar com Hoseok, mas apenas a expressão feroz no rosto razoavelmente jovem para a posição de General que ocupava, já o fazia suficientemente intimidante. "Você pretendia matar o cabo Min? Seu superior, Jung?"

"Não." A resposta curta e rápida de Hoseok, no entanto, não deixava evidente qualquer mínimo resquício de temor que ele pudesse ter. Porque ele não tinha. "Não ainda. Senhor." Acrescentou, tão sério quanto indiferente.

Da posição que ocupava, de onde cerca de duas horas antes o jogaram em uma das celas para detenção de soldados e, em tese, oficiais, que violassem a ordem e disciplina, desertores e demais causadores de problemas... Como 'recrutas com problemas de descontrole da raiva e surtos de agressividade a um superior', artigo imaginário no qual o Jung muito provavelmente se encontrava enquadrado...
Sentado no piso grosso e frio, abraçado aos joelhos ligeiramente abertos, coluna nada ereta pelo ângulo que estava e quase inteiramente nua, pela camisa branca atuamente pender em maior parte apenas em sua cintura magra e um único ombro, em frangalhos (pelos rasgos sofridos no processo de pará-lo com o espancamento do Cabo), de baixo para cima, ele captou cada uma das três expressões diante de si.

General. Segundo Sargento. Soldado antigo.
De início, nada. Indecifrável, mesmo para Hoseok, que sempre fora bom demais em 'ler pessoas... E então, lá estava, tão breve e ínfimo que alguém com miopia ou minimamente desatento, definitivamente, não veria, o sutil inclinar num dos cantos dos lábios finos do superior!
Sombrancelhas erguidas, ainda que mínimas... Choque. Surpresa. Então algo talvez próximo de compreensão.
Pomo de adão movendo-se evidente mesmo sob a pouca luz da cela, ao engolir a saliva. Mão destra instintinvamente movendo-se para o cassetete preso na cintura... não o pegou, porém. Mas foi mais que o bastante para o jovem soldado saber. O mais velho e antigo, estava com medo. Medo de si.

"Defina 'não ainda', Jung." A voz imponente, ainda que pouco autoritária do General Bang rompeu a quietude quase palpável naquele pavilhão de celas, já que, ao que parecia, Hoseok tivera o benefício de ganhar um bloco inteirinho de solitárias apenas para si.

"Sim, senhor." Buscando uma posição minimamente cômoda em suas atuais acomodações, e vestindo uma calça militar de tecido grosso quase tão pesada quanto os coturnos, pelo banho de chuva e vestígios de lama umedecendo-a, abaixando uma das pernas dobradas rente ao chão, Hoseok assentiu uma vez com a cabeça. A frase dita na voz ligeiramente grave soando quase que como um entretido 'com prazer', nada perturbado com as reações que despertara naqueles três. Nunca fora alguém medroso, não o seria agora. "Enquanto arrebentava a cara do Cabo Min, eu não pretendia matá-lo. Se o quisesse, teria quebrado o pescoço dele no primeiro momento que o derrubei e imobilizei... E não continuado o socando, como os senhores viram." Ditou inabalável. "Mas, se ele tentar repetir o que fez hoje, então sim, se a gente brigar outra vez, acredite, Senhor, eu farei pra matá-lo." E lá estava, em meio à sua aparente e nada habitual calmaria, e a indiferença sim por vezes usual, a sombra no olhar castanho com nuances de dourado, que mostrava o quão profundas e genuínas eram suas palavras.
E foi só. Ele não disse que foi para defender o soldado Min. Como não o deixou dizer nada antes, assumir qualquer responsabilidade pelo que fizera. Afinal, fez porque quis e faria tudo novamente.
Sabia que haveria punições para si e, honestamente, não dava a mínima, sua vida nunca fora nenhum passeio no parque mesmo. Estava pronto para enfrentá-las. Precisava de dinheiro para si e para a irmã, e mesmo se o preço cobrado fosse alto, ele ainda o faria.

"Se despeça da cheirosa, soldado." Naquele ponto, Hoseok já conhecia bastante das gírias entre os militares para saber que 'cheirosa' era um codinome bem contraditório para celas de prisões. "Acho que tenho outros planos pra você." Já de costas para si, mãos cruzadas por trás, seguindo para fora do bloco de celas, o General Bang finalizou, o tom suspeitosamente entretido se comparado ao de minutos antes quando o arrastaram até alí.
E como se lhe dessem passagem, o Sargento Im e o soldado Choi se afastaram cada um para um lado da porta gradeada ainda aberta. Hoseok encarou um a um, sem hesitar, mas quase vendo hesitação em seus olhares, então focou na farda diferenciada e já quase perdida ao longe, do General.

Ele não tinha medo.
Desde muito cedo aprendera a espantar seus próprios monstros... O primeiro deles a ser derrotado sendo seu próprio reflexo, quando encarou-se no espelho pela primeira vez buscando por algo que sequer conseguia nominar, e não achou traços dos pais que nunca teve, em si.
Por ele mesmo, pelos que deixara para trás e o esperava, Jung Hoseok não teria medo.

Então ele se ergueu e seguiu para fora da pequena e semiescurecida cela.


...


Oh, seus olhos, eles mostram tudo

Eu posso ver isso chegando

Eu posso ver isso chegando

Conforme eu subo cada andar


Ele não podia evitar.

Mordeu um dos cantos do lábio inferior. Estalou os dedos da mão esquerda sob o polegar, do indicador até o mindinho. Então fez o mesmo com a destra. Correu as mãos pelos cabelos ainda úmidos, os fios marrom bem mais escurecidos por tal fator, ainda que apenas superficialmente, deixando-os tão bagunçados e desajustados, quanto se sentia por dentro.
Respirou longa e audivelmente por entre os lábios. Sentiu o gosto salgado e ferroso na língua, causado pelos próprios dentes. E então riu. Curto e sem qualquer sombra de humor. Parecia mais um som de engasgo que qualquer outra coisa. Durou por no máximo uns quatro segundos.
E lá estava, de volta sua expressão fechada, impenetrável, quando uma única gota salgada desceu, sem prévio aviso ou permissão, do olho direito pela bochecha surpreendentemente quente contra o tempo que esfriava gradativamente com a chuva que não dava sinais de que iria ceder do lado de fora.

Levantou-se do piso de madeira polida e encerada onde sentava-se curvado sobre os próprios joelhos abertos, abraçado aos mesmos, ainda com o torso despido, alheio à ligeiramente baixa temperatura, afastando para o lado as botas e meias que pouco antes tirara. Hoseok enfim tomava uma decisão.
Puxou o celular do bolso frontal meio úmido, sequer se importando que apenas o tecido jeans estivesse mesmo molhado, o eletrônico à salvo, os olhos e dígitos destros focados na tela brilhante, meio que no automático, ele deu a volta no sofá onde sentava-se bem próximo. Caminhou até a lareira, instalada na parede da extremidade da pequena sala, conectando-a na tomada para que aos poucos o calor bem vindo das pequenas chamas artificiais se propagasse pelo ambiente. Em sequência ligou também as luzes locais, só então se dando conta que já escurecia e ainda não o tinha feito.
E quando enfim encontrou o contato salvo que buscava, clicou no ícone verde de ligação e o levou à orelha, secando bruscamente com o punho livre fechado uma única vez o rastro úmido da bochecha, antes que os conhecidos e pré-programados toques de espera dessem lugar à voz do outro lado da linha.

"Oi, Sra. Shin. Sou eu, Jay Hope..." E tão logo se pronunciou, veio a enxurrada de palavras emboladas e apressadas que Hoseok já esperava. "Sim, Sra. Shin, o Jimin está aqui comigo... Sim, eu vou levar ele, só... só..." Suspirou de olhos fechados e sombrancelhas vincadas, a mão livre arranhando os dedos contra o jeans cobrindo a lateral do quadril magro. "Me desculpe, senhora, foi mesmo minha culpa eu ter me empolgado por... tê-lo por perto... acabei passando um pouco do horário e, quando estávamos voltando, começou a chover e eu não queria arriscar que ele se molhasse mais e pudesse ficar doente, então... Então eu o trouxe pra minha casa." E não, ele não diria que tinha sido o próprio Jimin quem pediu para não ser deixado na clínica, e sim levado consigo. Não havia uma razão específica para Hoseok guardar essa informação consigo, ele só, escolheu o fazer. E enquanto a enfermeira despejava mais algumas palavras em seus ouvidos, sobre como estava preocupada e como havia confiado em si, em sua palavra, e ele a quebrou, tudo o que Hoseok pôde fazer foi ficar em silêncio e ouvir, afinal, ele sabia que ela tinha razão. "Novamente, me desculpe, senhora." Mesmo que ela não pudesse ver, a expressão na face do Jung era genuinamente dolorosa. "Eu lhe garanto que assim que essa chuva passar, eu levarei o Jimin de vol..." Mas ele não pôde concluir sua última fala, porque novamente, Park Jimin o tocava e o tirava do próprio eixo.

"Hyung?" O chamou baixinho, naquela voz tão leve e doce que parecia que estava sempre entoando alguma canção. Hoseok nem sequer conseguiu responder, apenas continuou o encarando com os olhos ligeiramente arregalados, a boca ainda entreaberta na frase inacabada, quando virou-se para ele. O outro garoto nem sequer o tocava mais, tinha sido apenas um leve cutucão em um de seus ombros, não durou nem um segundo, e mesmo assim, Hoseok podia jurar que no local tocado, sua pele nua ardia como se brasas o queimassem em carne viva. E a sensação era incrível!  "Você, pode me deixar falar com ela? Por favor?" Novamente, o Jung não conseguiu responder, apenas estendeu o aparelho no qual tinha absoluta certeza que a ouvinte do outro lado lhe berrava algumas prováveis pouco gentis frases por ter sido abruptamente deixada novamente a querer saber do seu protegido. "Obrigado." Jimin murmurou em resposta, quase sem som, recolhendo o celular de sua mão, no processo os dedos pequenos meio encobertos pela manga comprida do próprio moletom, tocando breve e minimamente os seus. Em seguida, levou o aparelho à uma orelha, dando-lhe as costas, parecendo surpreendentemente animado e mesmo tranquilo, ante o próprio estado caótico do Jung, quando disse, se afastando alguns passos: "Mochi! Oi!"

E nesse ponto, engolindo o acúmulo de saliva que se formara em sua boca, Hoseok fez o mesmo que Jimin, preferindo lhe dar algum espaço e privacidade, o deu as costas e se direcionou de volta à entrada do chalé, aproveitando para recolher a própria camisa molhada ainda largada pelo caminho.
Pairando outra vez em frente à ampla janela de vidro, no qual ainda corriam pequenos rios de gotas caídas do céu já bem mais escuro que quando chegaram alí. Mas ainda voltou uma única vez o olhar cheio de tantas dores e significados para o Park, alguns metros distante de si, o vendo vestindo as próprias roupas que deixara para ele, depois que, num silêncio pesado e estranho, se afastaram depois de Jimin o chamar de Hobi e, o reconhecer.

Quando enfim, e infelizmente para o Jung, se afastaram, Jimin sendo o primeiro a dar esse passo, bochechas ainda vividamente coradas e úmidas pelos olhos pequeninos tão brilhantes que sorrateiramente choravam, as mãos pequenas o afastando minimamente pelo peito... Hoseok viu então, os lábios cheios e vermelhos tremerem, e ele não julgou ser apenas uma reação emocional pelo que acontecia, mas sim física e térmica pelo frio causado pelas roupas ligeiramente molhadas o vestindo. Então foi rápido em pedir que Jimin o acompanhasse, conduzindo-o pela mão, ignorando as próprias sensações despertas com aquele pequeno contato e o desritmar do próprio coração, egoisticamente grato pelo silêncio do outro naquele momento, porque não tinha a mínima ideia de como agir agora que Jimin o reconhecia, ainda que apenas um pouco... Ele o deixou no amplo banheiro, devidamente iluminado, e seguiu para o próprio quarto.

Fuçando de um jeito brusco e apressado bem atípico de si, pelas malas ainda não desfeitas, até encontrar um roupão preto, um conjunto de moletom de mesma cor, com estampa branca de caveira nas costas do casaco e listras igualmente alvas nas laterais de ambas as peças, e uma cueca nunca antes usada (ele tinha bastante dessas assim). Por fim, dobrou as peças e levou-as até onde o garoto mais novo o esperava, de pé, no mesmo lugar, tendo apenas tirado sua jaqueta de couro e deixado-a dobrada sobre o vaso sanitário fechado.

Jimin desviou os olhos brilhantes e surpreendentemente grandes quando o encarou atento, desviando a atenção dos próprios pés descalços, para ele.
Mas Hoseok não conseguiu sustentar aquele olhar intenso por mais que alguns segundos, deixou as roupas sobre a pia, explicando breve, porém nunca deixando o tom cuidadoso, que ele deveria as vestir. E então, antes de sair de vez, ele próprio invadiu o box atrás do menor, ligou e regulou a temperatura do chuveiro para que o garoto tivesse um banho morno e confortável.
E tão rápido quanto pôde, deixou o Park sozinho.

...


Alí, entretanto, encarando-o naquela pequena conversa particular, na qual ele parecia bem, confortável e resiliente? Enfim, Hoseok não conseguia, tampouco queria, desviar o olhar.
Estudava-o em seus mínimos detalhes.
Desde os pés pequenos literalmente pisoteando as barras da calça por ser claramente uns dois números maior que o seu, enquanto falava e gesticulava com a cuidadora... A parte de cima do conjunto tão grande e folgada quanto, chegando até quase metade das coxas, e como lhe era habitual nas próprias vestes, as mangas cobriam as mãos pequenas e ele precisava afastá-las o tempo todo para melhor segurar o celular... E então tinha seu rosto, adoravelmente adornado pelos fios negros ainda muito provavelmente meio úmidos do banho, e só um pouco enrolados nas pontas que lhe caíam pela testa e olhos, cobrindo as orelhas e nuca... Em um momento ou outro, ele também puxava alguns fios insistentes e os colocava atrás da orelha. Era tão adorável... tão lindo... Hoseok não podia conter esses pensamentos. Era inevitável.
Mesmo quando sua mente era uma confusão de pensamentos, lembranças e incertezas, e ele não sabia o que fazer, mesmo quando literalmente tudo o que fizera nos últimos cinco anos, fora em prol daquele momento, e mesmo assim, ele não sabia como agir com Jimin... era inevitável aquela mesma velha certeza, de que ele fora perfeitamente esculpido para cativá-lo até seu último suspiro.

"Hope? Hey?" Jimin o chamou novamente. E não o chamou por aquele nome ao qual o dera. "Você ainda tá molhado... Deve ir tomar banho também e se trocar pra não ficar doente." Ele continuou, o rosto tão delicado e puro, a voz tão doce e gentil, preocupando-se consigo, cuidando-lhe, quando deveria ser o completo inverso.

"Você me chamou de, Hope?" E ainda assim, Hoseok não pôde se impedir de fazer tal pergunta, mesmo quando se sentia estranha e aquecidamente bem por dentro, com a mera lembrança das palavras alheias, ele também sentia o oposto. Jimin, no entanto, só assentiu com a cabeça.
E nos olhos desesperançados de Hoseok, brilharam a pergunta, Você esqueceu? Você esqueceu outra vez de mim, Jimin? Mas ele não verbalizou nada disso. Não verbalizou sua dor. Ao invés, optou por mascará-la, quando apenas assentiu curto com a cabeça também, forçando um meio sorriso nos lábios ligeiramente trêmulos. "Ok. Vou banhar agora... Quando sair te faço algo pra comer." E não esperou por uma resposta.


...


Depois de prender a toalha em torno dos quadris magros, a pele ainda úmida e um tanto morna pelo banho recém tomado, quando se encaminhou para fora do box fosco divisor do banheiro, e viu a si mesmo por um momento, o instinto de socar o próprio reflexo que lhe tomou foi tão intenso, que ele sentiu a mão destra se fechar em punho.
Então soltou em lufadas audíveis o ar que sequer notou estar prendendo, as mãos se desfazendo dos punhos que arranhavam-se as palmas também.

"Merda... ele não lembra..." Ofegou baixo e entredentes, encostando a testa, um tanto brusco, contra o vidro espelhado, as mãos firmemente agarradas às bordas frias da pia. "Ele me esqueceu... outra vez..." Ergueu os olhos marejados e repentinamente avermelhados de volta ao espelho ovalado de bordas marrons, como a maioria dos demais adereços e decoração do banheiro, afastando-se dois passos para trás. Então respirou fundo outra vez, lentamente secando com o punho as poucas e fugidias lágrimas que involuntariamente derramou.

Sem olhar outra vez para a imagem um tanto embaçada de si mesmo, abriu a porta atrás de si e deixou o pequeno espaço fechado.
Único testemunha de seu até então, mascaradamente também unitário, porém colossal, medo.

Você sempre foi mais rápido que eu

Eu nunca vou te alcançar...


...



Já vestido em uma bermuda de moletom cinza com cadarços no cós para ajustar, barras cortadas, e uma camisa verde escura de mangas compridas, um par de chinelos slide pretos Fila numa mão, desceu o micro lance de escadas do corredor lateralizado que levava de volta à sala onde deixara Jimin o esperando.

"Oi." Disse cuidadoso, para se fazer presente sem assustá-lo.

"Você voltou!" O outro disse, em um mínimo sorrisinho com os lábios grossos juntos, comportadamente sentado em um cantinho do sofá escuro, joelhos juntos, um pé sobre o outro e as mãos gordinhas pouco visíveis pelas mangas compridas brincando uma com a outra. Seu próprio celular estava na extremidade oposta do móvel, notou.

"Anram." Hoseok respondeu com um sorrisinho, involuntário e real. Porque ver Jimin, não importava as circunstâncias, mesmo quando lhe doesse, como naquele momento, sempre seria seu maior bálsamo e êxtase também. Era, como ter uma faca, embebida pelo mais forte anestésico, rasgando fundo e impreciso sua carne... Ele mal conseguia desviar o olhar do outro rosto. Embora tenha precisado o fazer, para olhar para as janelas do outro lado da sala. Ainda chovia, mas em menor intensidade. "Jimin, eu vou fazer algo pra você jantar e então vou te levar de volta, ok?" Prosseguiu, trazendo à tona à memória a breve ligação do Park com a própria enfermeira, da qual ele não havia perguntado antes, o que havia sido um claro descuido. Mas não podia mais evitar o fazer.

"Hyung... Eu, falei com a Mochi que estou um pouco cansado e... Se você não se importar, claro... E-eu preferia dormir aqui e-e voltar pra lá amanhã..." De início parecendo meio tímido e resoluto, tanto quanto nas primeiras conversas que tiveram ao reencontrá-lo na clínica, e então aos poucos um tanto surpreendentemente empolgado diante do dito cansaço descrito. Hoseok só pôde o observar com os olhos castanhos meio arregalados visivelmente focados no garoto pequeno de bochechas cheias e fios negros bagunçados também sustentando seu olhar, mesmo que vez ou outra os desviasse para as próprias mãos descansando sobre as coxas.

"Jimin..." Abriu e fechou a boca por pelo menos duas vezes até enfim conseguir balbuciar corretamente o nome alheio. E merda, parecia que estacaria nisso, até que ele se obrigasse, forçando as unhas curtas da mão livre contra a própria coxa, ainda que coberta pela bermuda, discretamente arranhando-a para dissipar o próprio nervosismo e ansiedade, à medida que encarava Jimin e absorvia as atuais circunstâncias propostas pelo mesmo. "Claro! Digo, sim, claro que você pode ficar aqui, Jimin. Eu não me incomodo, pelo contrário!" Soltou tudo, um tanto atrapalhado e afobado, quase ao mesmo tempo que se aproximava minimamente do menor, apenas para deixar próximo aos pés alheios os chinelos que ainda segurava. "Use-os, por favor. Não quero que se resfrie." Disse, ignorando a si próprio descalço, afinal, não o incomodava nenhum pouco a sensação do soalho polido sob seus pés. Na verdade, o simples ato de estar descalço era algo ao qual apreciava, pela disciplina militar não o permitir muito disso, e estar quase sempre calçado em um par de pesados e apertados coturnos.

"Obrigado... hyung." Deslizando os pés pequenos e branquinhos por dentro dos chinelos, os olhos igualmente miúdos quase ofuscados pelos fios escuros caindo pela testa, Jimin o respondeu novamente naquele oscilante tom de timidez que deixava o Jung um tanto desconcertado, e ao mesmo tempo com um impulso louco de querer o abraçar e apertá-lo. Usando de sua sensatez, não o fez, porém, óbvio.

"Jimin, você, hun... quer assistir algo..." Novamente, como na primeira vez que o viu, soando desajeitado e até bobo, de um jeito que não condizia em nada com sua personalidade agitada e um tanto ferozmente perspicaz, Hoseok se atrapalhava com as palavras e sequer verbalizava o que deveria. Arranhando a própria nuca de nervoso com as unhas curtas da mão destra, indicou rapidamente com a cabeça a televisão anexada à parede em frente ao sofá onde o garoto se encontrava sentado. "Quer assistir algo na TV, enquanto faço o jantar? Mas se não quiser, pode vir comigo também... enquanto espera." Tentou novamente, e mesmo se sentindo um verdadeiro pateta, e com um impulso enorme de socar o próprio rosto, ao menos sentia que não tinha enrolado tanto naquelas últimas frases.

"Eu... acho que faz tempo que não assisto televisão..." A forma como ele falava, fora tão simplista, no mesmo tom ameno e ligeiramente tímido de antes... Não parecia que ele estava triste ou carregava qualquer pesar. Hoseok, no entanto, no exato momento em que o ouviu verbalizar aquelas nove palavras, sentiu a garganta apertar como se mãos de ferro pressionassem o ar para fora de si.
E conhecendo Park Jimin como ele conhecia, mesmo que quatro anos de convivência pudesse parecer pouco para alguns, para ele, tinha tido seu próprio universo naquele curto período... Tinha tido tempo mais que o bastante para aprender a decifrar um sorriso real, com olhos pequeninos fechados, da máscara de um, incapaz de atingir, menos ainda guardar, o brilho do olhar cinza azulado.
Naquele momento, o Park sorria pequeno, de olhos abertos.

Hoseok pigarreou para engolir o desconforto na própria garganta.

"Bem, agora você pode assistir o quanto quiser." Forçou um sorriso tão grande quanto sua vontade que o fosse real, quando se encaminhou até a mesinha de centro de madeira escura próxima a eles, buscando o controle remoto da Smart TV LED, e ligando a mesma. Também sabia vestir máscaras quando preciso, afinal.

Normalmente, Hoseok não dispunha de muito tempo livre para atividades como ver televisão, supondo também que se tivesse esse tipo de interesse, poderia ser facilmente suprido com as telas do celular ou computador. Mas além de suas ocupações do trabalho, estudo, pesquisas particulares, ele realmente não se importava. Vez ou outra, no entanto, quando muito raramente, no alojamento destinado apenas à sua equipe, se encontrava de fato sem ideia do que cumprir, se deixava vagar por alguns canais no aparelho transmissor que tinham... Então assistia algum jogo aleatório de futebol de time internacional ou uma animação infantil.
Não achava, porém, que fosse uma boa ideia, ao menos naquele momento, qualquer uma dessas opções para o Park. A primeira porque duvidava muito que fosse despertar o interesse dele. E a outra, bem...
Dias antes discutira com a irmã por achar que ela estava tratando a amnésia de Jimin como loucura e até mesmo com deboche, por dar de presente a ele um livro infantil e lápis de cor, bem quando a ideia era que o garoto, um adulto com pouco mais de vinte anos, pudesse, se não recuperar a própria memória, ao menos reaver o direito à própria liberdade. Dentre o qual estava, obviamente, liberdade de escolha, de poder decidir por si mesmo, como o adulto que era. Era o mínimo que ele merecia.

E foi ainda com esses pensamentos rondando sua mente, que Hoseok escolheu por fim um canal de entretenimento majoritariamente voltado para o meio artístico musical. Mesmo não sendo um grande apreciador da tela televisiva, conhecia o canal e até mesmo o achava interessante, sendo esta apenas uma das razões para a escolha do reality show de 'sobrevivência' de jovens aspirantes a dançarinos profissionais que era exibido no momento.

E por alguns instantes voltando-se para o rosto alheio, depois de entregar o controle remoto na mão do Park e o ensinar brevemente como trocar de canal se assim desejasse, o mesmo o agradecendo baixinho... Hoseok pôde ver os olhos miúdos do mais novo gradativamente arregalarem-se conforme encarava as nítidas e móveis imagens na tela, incapaz de desviar o olhar e, certamente ouvidos, da agitada música K-pop de fundo.
Uma vez antes, Jimin tinha amado a arte da dança.
E Hoseok amava isso nele. Como todo o resto.
Não foi tão surpreendente então, quando mais um discreto e involuntário erguer nos cantos dos lábios do Jung moldou um breve sorriso que normalmente, apenas um único gesto similar em lábios pequenos e cheios alheios, o espelhava... há poucos metros de si... quando silenciosamente se afastou.


...


Hoseok não era bom cozinhando. Isso era fato. Mas naquele momento, dava o melhor de si. E achava que isso deveria lhe render alguns pontos. Isso e mais o acréscimo de que sua dispensa e geladeira recém compradas estavam praticamente vazias.
Ainda assim, não sabia quem devia ganhar os tais pontos imaginários que vinham distraindo-o tão bem da nada imaginária sensação de ter os antebraços vez e outra depilados/queimados pela dupla de panela e fogão: o antigo proprietário por lhe entregar o chalé com comida (alguns pacotes de biscoitos e macarrão, sal, vegetais e legumes meio murchos), ou ele próprio, por estar se virando com isso! Ou talvez tivesse era que zerar qualquer pontuação possível pra si por, merda, ter se mudado e nem sequer ter tido a decência de comprar comida de verdade, além de pizza e álcool... Acrescentou em pensamentos, com um humor ácido consigo mesmo.

E foi nesse meio tempo, entre descascar um pepino, mexer a panela de sopa em fogo médio e divagar amenidades, que ouviu a porta da frente abrir.
E sem se dar o trabalho de olhar, já sabendo da única outra pessoa que tinha suas chaves, apenas focou em continuar com o que fazia e, silenciosamente implorou aos céus que ela não detonasse por completo com sua noite.

"Nossa, maninho, ainda bem que não é pelo estômago que você quer reconquistar o garoto!" Jiwoo sibilou baixo em um tom conspiratório e debochado que só adotava em situações como aquela, onde queria mesmo debochar do irmão. E foi esse o cumprimento dela para si, logo que adentrou de vez o espaço onde estava, espiando o que fazia esticada por cima de seu ombro.

"O quê?! É uma sopa saudável e, se quer saber, o cheiro tá ótimo! Tenho certeza que o gosto também será assim." Retrucou baixo, ainda tentando terminar de descascar seu ingrediente final. E o que também foi uma ligeira mentira, porque ele não estava exatamente sentindo aroma algum vindo da dita sopa. Portanto, duvidava bastante que algum súbito milagre ocorresse para deixar sua tentativa de uma refeição, desprovida de ingredientes e cheiro, magicamente saborosa. Mas mesmo assim, foi inevitável, não parecer um tantinho emburrado, com a crítica descarada e totalmente negativa da mais velha.

"Sopa saudável, Hope? Sério? O garoto vive em um sanatório, cercado de cuidados e paparicos de uma enfermeira estranha superprotetora de meia idade. Tenho certeza que comida saudável não é nenhuma novidade pra ele." Usando do mesmo tom que ele, como se soubesse realmente de tudo, sem que Hoseok precisasse dizer uma palavra sobre aquela sopa não ser exatamente para si, sobre ter companhia, e quem exatamente era sua companhia, ela já sabia. De algum jeito, ela sabia. E por isso mesmo, para não ser ouvida dizendo coisas um tanto, insensíveis, como o lugar exato onde Jimin morava, Jiwoo falava baixo e contida. E conhecendo a irmã bem, ele sequer perguntou sobre, o erguer de uma sombrancelha e o retorcer num canto da boca foi toda a reação que ofereceu. "Que é? Sou sua irmã mais velha, garoto! Me preocupar com você é o que eu faço! Ainda mais quando você tem a merda de um celular que aparentemente não serve nem pra atender uma única ligação ou responder a porra de uma mensagem." Jung Jiwoo era pequena e não era de falar palavrões, mas quando ela fazia o último, era porque se sentia muito indignada mesmo e, nesses momentos, ela podia parecer bem intimidadora com os longos fios escarlates e o olhar firme e duro. "Falei com seus companheiros, eles também disseram que não sabiam de nada, que você também não os respondia. Eu não posso evitar me preocupar, Hope, não quando você faz, o que vocês fazem..." Ela prosseguiu, não parecia realmente brava consigo, nem nada debochada como inicialmente chegara. A Jung só parecia como uma, irmã... Vinculada a si por um laço muito mais profundo que sanguíneo e, portanto, genuinamente preocupava-se com seu bem estar. Hoseok largou o pepino de lado e a encarou abertamente então.

"Desculpe, Woo, eu... não tive a intenção de te ignorar, ou a eles. Eu só..." Ele tentou se desculpar, porque de fato não fizera de propósito, e só naquele momento se lembrava que de fato mal tocara no celular, a não ser para fazer a curta ligação para a enfermeira de Jimin, não muito tempo antes.

"Eu sei. Não se desculpe." Ela o cortou firme. "Apenas tente avisar antes quando for fazer algo assim. Não precisa ser a mim... só avise." E na breve pausa de segundos que fez, entre uma fala e a última, a expressão de seriedade foi repentinamente substituída por uma que mesclava indignação com algo próximo ao temor. "Você não tem ideia do saco que foi lidar com a Babá McPhee do manicômio!"

"Hã...? Não tem nada a ver isso." Respondeu curto, voltando a dar atenção à panela fervente, mexendo bem com a colher de pau para não grudar no fundo pelo tempo que a deixou de lado para dar atenção à irmã. E ao ouvir àquela última frase da dita, no mínimo estranha, ele já começava a se arrepender desse feito. Ao menos ela ainda falava baixo e os sons emitidos da televisão, ainda que em volume também baixo, cooperavam para que Jimin não ouvisse nada do que falavam, foi no que Hoseok focou.

"A enfermeira, Hope! O ponto é que aquela vovó me dá medo! E eu tive que enfrentar ela e todo o furor da mesma, pra descobrir que você tinha sim estado lá hoje, e de brinde levado o garoto contigo. O que inclusive era a causa da velhota estar soltando fogo pelas ventas!" Olhando uma vez por sobre o ombro, ele a viu negar com a cabeça enquanto soltava um risinho sem humor. "Bom, mas voltemos à sopa!" Falou mais alto então, tão aleatória quanto só mesmo ela conseguia ser, quando queria. "Muito, muito provavelmente, essa, é a última coisa que o bochechudinho desejaria comer agora!" Segredou, aparentemente já de volta ao tom crítico brincalhão que mesmo súbito, Hoseok apreciava bem mais que a seriedade preocupada, por vezes quase neurótica, consigo.

E erguendo as mangas compridas do suéter vinho de lã, como o próprio tinha as suas, Jiwoo, descartando as chaves do carro financiado, apartamento e provável quarto alugado, num canto mais distante do balcão, lavou as mãos na pia. Em seguida, como se declarando sua ascenção à liderança da cozinha, seguiu até a geladeira de inox, escancarando-a e procurando o que quer que fosse em cada prateleira vazia que ele já havia feito o mesmo. Exceto que ele não se deu o trabalho de caçar algo pelo freezer da mesma, claro. E foi exatamente do compartimento gélido que a Jung mais velha tirou o que parecia um pequeno pedaço de queijo congelado.
Voltando então para a pia sobre a ampla bancada marmórea na qual o fogão de duas bocas também era embutido, o empurrando ligeiramente com os ombros magros e invadindo por completo seu espaço. Só uns poucos minutos depois, ela já tinha uma boa quantidade de pequenos pedaços quadrados de queijo cortados sobre a tábua de madeira que antes Hoseok usava para cortar suas cenouras e batatas meio murchas. E direcionando o olhar aguçado para ele uma única vez, tomou depressa o pepino inteiro só metade descascado, terminando a tarefa e logo cortando-o ágil em finas rodelas. As quais jogou dentro da panela com a sopa fervente, mexendo igualmente rápido com a colher de pau esquecida sobre a bancada, os pedaços de queijo logo indo ao mesmo destino.

"Pronto. Deixe ferver só mais um pouquinho e desligue. Eu já vou." Ditou mandona, o que há muito não era novidade ao Jung mais novo.

"M-mas, você não vai ficar pro jantar?" Ainda meio atordoado com a intromissão da irmã, bem vinda, ousava dizer, Hoseok questionou, de fato confuso. Porque ele esperava que depois de tudo aquilo, interrogatório, drama, exageros, intervenção em sua sopa, Jiwoo realmente fosse passar a noite com ele e Jimin. Na verdade, ele meio que torcia por isso, mesmo que nunca fosse verbalizar. Porque não sabia o que fazer...

"Não. Esse momento é só de vocês. Minha missão aqui já foi cumprida!" Olhou com uma expressão ligeiramente crítica para a panela de sopa. "Amanhã vamos às compras depois que eu for num salão dar um jeito no meu cabelo. Esteja pronto pela manhã!" Foi o que disse, decidida e já pronta para o deixar.

"Você, vai mudar a cor do seu cabelo...?" Foi Jimin, hesitante e fofo na voz baixa, ao entrar na pequena cozinha, quem perguntou, fazendo com que ambos os irmãos o olhassem surpresos.

"Oh, oi, Jimin!" Colocando um sorriso grande e aparentemente simpático e genuíno no rosto, Jiwoo o cumprimentou, voltando dois passos para mais perto, ao que o Park retribuiu com um sorrisinho tímido e o curto erguer de uma mão. "Na verdade, só vou retocar a tinta... escurecer o tom." Acrescentou calma e ainda simpática. Hoseok estava grato por sua irmã agir assim. Não que ela fosse o oposto disso, mas desde o que houve com Jimin, era como se a Jung realmente acreditasse que ele não era mais o mesmo que ela conheceu, e portanto, tomara para si a missão pessoal de manter-se alerta ao garoto, ainda que isso significasse parecer, ou ser, um pouco aversa. "E você, Hope, não quer ir também? Mudar um pouco, talvez?" Essa última fala, foi para si, o trazendo de volta da breve e inoportuna divagação.

"Woo, eu tenho mesmo coisas bem mais urgentes pra me preocupar que a estética do meu cabelo." Respondeu simplista, enquanto desligava o fogão, afinal, não achava mesmo que precisasse cortar seu cabelo, havia cortado menos de dois meses antes e estava ótimo assim. Bem como seu castanho avermelhado natural.

"Vai com calma aí, Homo erectus! Não é como se eu tivesse sugerido uma plástica no seu nariz perfeito, ou raspar a cabeça! Mesmo que você já tenha praticamente feito o último." A mais velha retrucou, com falsa (ou nem tão falsa assim) indignação ao que, próxima demais, esticando-se, bagunçava um tanto brusca seus fios curtos. E desvencilhando-se dos dedos impiedosos da irmã, Hoseok virou minimamente o rosto para o lado, buscando o de Jimin, que o olhava atento, os olhos pequenos fixos em si.

"E você, Jimin-ah, quer ir no salão com a Woo amanhã?" Foi involuntário, um tanto inconsequente também, já que sequer sabia se lhe seria permitido voltar a vê-lo, menos ainda algo assim, mas só lhe escapou, quando ofereceu gentil. O olhar interessado e claramente curioso do menor sobre si e sua irmã, parecendo tão atento às trivialidades que diziam, o fez querer aproximá-lo cada vez mais de si, da realiadade à qual o Park não podia mais permanecer afastado...
Afinal, mesmo que tivesse perdido a memória, inclusa a de si mesmo que mal recuperara, Jimin não era maluco, o próprio psiquiatra dele lhe afirmou isso. Assim, era evidente que quanto antes ele voltasse a se reintegrar e familiarizar com a atualidade e suas circunstâncias e ações naturais, mesmo que aos pouquinhos, melhor seria sua adaptação às mesmas. "Seu cabelo está incrível assim, sério! Mas se você quiser dar só uma aparada nas pontas..." Acrescentou no habitual tom suavizado e caloroso que reservava apenas ao mais novo. Mesmo que ele lhe olhasse confuso como fazia naquele momento, ainda sem respondê-lo, Hoseok não desistiria, respeitaria seu espaço e tempo, mas não deixaria nunca mais seu garoto se perder. Mesmo se o próprio Hoseok estivesse perdido para ele...

"Eu... acho que gostaria de pintar..." Ele enfim começou, ainda soando hesitante, mas só aquela pequena frase acanhada já era um começo e tanto para o Jung, que não pôde evitar sorrir pequeno e bobo ao ouvi-lo. "Sabe, eu nunca pintei meu cabelo antes... não que eu lembre, ao menos. Então... pintar, isso." Continuou, baixinho, os olhos por alguns instantes nos próprios pés, e então em sua irmã, e por fim, nos seus, onde fixaram-se, e não se desviaram por um bom tempo.

"Acho que loiro ficaria perfeito em você, Jimin! Te deixaria parecendo um anjinho fofo!" Antes que Hoseok pudesse dizer qualquer coisa, ou talvez confirmar a Jimin que sim, ele nunca tinha tingido o cabelo antes, sua irmã foi mais rápida em verbalizar toda a animação com a ideia de realizar no mais novo todos os surtos e ideias mirabolantes de moda, estética e extravagância que Hoseok nunca a deixava fazer consigo.

"A cor natural do seu cabelo é muito bonita, Jimin. Deixa a sua pele... é, não sei... combina muito com a sua pele clara e, realça seus olhos." Hoseok não conseguia conciliar as próprias palavras, nem sabia de onde tinha vindo a esquisitice de dizê-las, mas era verdade. Ele realmente gostava da cor negra dos cabelos do Park, sua palidez ficava em evidência, mas não de um jeito ruim, não mesmo, o deixava fascinante, e seus olhos, o tom acinzentado que por vezes podia parecer um oceano cinza e profundo com nuances únicas de azul, o negro realçava sim essa cor singular e, perfeita. Como tudo em Park Jimin parecia ser. "E sim, Woo tá certa, loiro ficaria ótimo também. Mas é você quem deve escolher, a cor que te agradar de verdade e te deixe confortável, ok? Você, em primeiro lugar." De fato, ele concordava com a comparação feita pela irmã, a ideia de um Jimin loiro soava incrível mesmo e, sem dúvidas, o deixaria tão lindo e adorável quanto a imagem comumente pintada de anjos.
Mas, o mais importante em sua visão, era que o mais novo escolhesse algo por si só, que ele quisesse agradar a si mesmo, e não aos outros. Seria esse um de seus primeiros e pequenos passos rumo à liberdade completa e real que ele merecia e, teria. Sim, Hoseok iria garantir que ele a tivesse.

"Verdade, Pequenino, nisso, o Hope tem razão. Se você quiser mesmo, amanhã vamos juntos a um salão bem legal, ou ao menos o máximo de legal que esse lugar pode oferecer, e você escolhe o que quiser fazer com seu cabelinho virgem!" O sorriso branco e alinhado de sua irmã foi tão verdadeiro quanto suas palavras. Jiwoo estava orgulhosa dele, do que havia dito. Ela, tanto quanto a si próprio, prezava tanto pela liberdade, porque viveram por tempo demais presos ao estigma de órfãos, pobres, maltratados e sozinhos. E porque era importante para si, Hoseok sabia que sua irmã queria apenas que Jimin ficasse bem.

Depois de lavar novamente as mãos e catar as próprias chaves, desgrenhando seus cabelos no típico afago meio bruto e manchando sua testa com o batom vinho ao esticar-se e lhe beijar alí, em seguida, sem que qualquer um pudesse antecipar, talvez até mesmo ela... Tão leve quanto breve, foi o roçar dos dedos delicados de unhas compridas pintadas de branco em uma das bochechas de Jimin, quando, desejando-lhes boa noite e com a promessa de retorno no dia seguinte, Jiwoo se despediu de ambos.


...


"Huh... nossa! Está ótima, hyung!" Sentado em um dos banquinhos altos, em sua frente, do outro lado do balcão de mármore negro, Jimin falou com a boca meio cheia e os olhos grandes e brilhantes em si.
Hoseok abaixou a própria colher a meio caminho da boca de volta à pequena tigela similar à alheia, apenas para sorrir bobamente para ele.

"Tenho certeza que só está sendo gentil, Jiminie. E mesmo assim, o mérito é da Woo, ela quem pôs o queijo." Respondeu ainda sorridente, seu humor estava mesmo bem mais leve naquele momento, tanto que sequer se policiou ao chamar o outro pelo apelido. "Mas mesmo assim, obrigado."

"Eu que te agradeço. Por tudo..." Sem olhar para si, Jimin o respondeu, voltando a encher as bochechas fofas de mais sopa. Sem mais ideia do que dizer, Hoseok apenas o imitou.

E assim, comeram em silêncio.


...



Haviam terminado o jantar bons minutos antes, meia hora, talvez, e enquanto organizava a cozinha de sua pequena bagunça e lavava a pouca louça suja, tinha sugerido que Jimin o esperasse na sala, dando-lhe total permissão para voltar a ver a televisão atualmente desligada pelo mesmo.
Jimin tinha apenas concordado baixinho consigo, aparentando estar de volta à personalidade contida e um tanto reclusa, seguindo em silêncio para a sala próxima.

Mas ao chegar ao cômodo, ainda tão silencioso quanto todo o resto do pequeno chalé se encontrava, Hoseok não pôde deixar de ficar um tanto surpreso por ver o outro garoto, acordado (naquela quietude toda, chegou mesmo a brevemente cogitar que ele teria pego no sono), sentado no sofá meio de lado, fixamente olhando a lareira crepitando mais ao canto, ainda amenamente aquecendo. E só então, tardiamente, Hoseok se deu conta, mesmo que artificiais e mínimas, o calor e visão das chamas poderiam deixá-lo desconfortável, causar-lhe algum tipo de lembrança ou mesmo, como disse o Dr. Bae, acionar algum gatilho, e possivelmente um ruim... Eram muitas possibilidades, e nenhuma delas soava boa para Jimin lidar. E tal tardia constatação fez o Jung de imediato se xingar mentalmente e desejar, mais uma vez como em tantas vinha lhe ocorrendo naqueles últimos dias, se socar até deixar cicatrizes para lembrá-lo de suas falhas, e de não mais repetí-las.

Notando, porém, sua presença próxima e como se apenas o esperasse, antes que ele pudesse tomar qualquer medida quanto à lareira que tanto o inquietava, Jimin logo chamou sua ateção para si.

"Hyung, você quer ouvir uma história?" Surpreendendo-o, ele não entendia muito bem porque Jimin o estava chamando mais daquela forma que por seu nome, uma vez que nem mesmo quando se conheciam antes, lhe era muito comum o fazer. Mas não era um incômodo, na verdade, só era, atípico dele, estranho, portanto. Mas não era ruim, ao contrário, na verdade.

"Claro, Jimin. Eu gosto muito mesmo de ouvir suas histórias." Se fez responder ao mais novo, quando o mesmo deu leves tapinhas no estofado de couro para que sentasse junto de si. E deixando momentaneamente de lado seus temores, divagações e questões, ele o fez com uma animação real, ainda que o próprio contador de histórias, não parecesse tão empolgado assim. Ao menos não como das outras vezes, Hoseok percebia.

"O meu nome é... Park Jimin." Ajeitando-se melhor no sofá, deixando os chinelos maiores no piso e trazendo os pés para o estofado, juntando as pernas contra o peito e abraçando-as, de modo a poder encarar Hoseok de frente na extremidade oposta do móvel, quando deixou as costas apoiarem-se apenas no braço do sofá, Jimin começou. E antes que pudesse processar o que ouvia, ou conciliar aquela frase um tanto estranha, com a voz e feições tão sérias do garoto, ele prosseguiu. "Meu nome é Park Jimin, tenho vinte e dois anos... v-vou fazer vinte e três logo e, eu estou sozinho... minha família se foi. Meus pais... meu irmãozinho... E-eles morreram e-em... um incêndio. Um incêndio criminoso. É o que eu sei. Mas não sei porquê alguém faria isso..." Desviou o olhar para a lareira, outra vez fazendo o interior de Hoseok se contorcer em um misto de aflição, culpa e inércia. Nesse ponto, as lágrimas que aos poucos, conforme falava, acumulavam-se nos olhos de Jimin, já jorravam-lhe vagarosas pelas bochechas, enquanto ele balbuciava entre pequenas pausas e falhas, mas ainda tentando soar firme no que dizia. Do que tinham dito a ele...
Hoseok já havia sido machucado muitas vezes durante aqueles vinte e seis anos de existência. Mas nunca, nenhum ferimento físico lhe doeu tanto quanto ver e ouvir Jimin recitar para fora de si a própria dor. Quis pará-lo, abriu a boca para isso, encurtou a distância entre eles, moveu uma mão contra uma das que Jimin usava para abraçar os próprios braços em torno das pernas... e ele se deixou ser tocado, apertou forte sua palma de volta, e então continuou. "Eu... perdi... minha memória... Não lembro deles... não lembro do fogo... de como ganhei as queimaduras..." Soltando a outra mão que abraçava a si mesmo, tocou, quase como se nem percebesse, os olhos pequenos, intensos e brilhantes nos seus, o ombro esquerdo coberto pelo casaco, a lateral do braço, a própria mão que Hoseok ainda segurava, adornada por pequenas cicatrizes. "E você já sabe de tudo isso... porque me conheceu antes. E agora, é-é a sua vez... Você pode me contar uma história?" Desfazendo o toque do seu, usando os dorsos cobertos de ambas as mãos para secar os olhos e rosto úmidos, ao terminar, Jimin voltou a encará-lo quando pediu, a voz baixa e meio embargada combinando em nada com o resquício forçado de um sorriso que ele tentou sustentar.

"O que... você quer eu te conte, Jimin?" Pigarreou um segundo para limpar a própria garganta que mesmo habituada a tal, ainda incomodava com um choro forçosamente trancafiado fundo.
E ele lhe sorriu tão triste e tão real, que Hoseok precisou desviar o olhar. Porque era o seu Jimin alí, pequeno, frágil, machucado, marcado, talvez além de reparos, mas ainda era ele alí... lhe sorrindo com olhos de oceano transbordando tempestade.

"Eu quero tentar... tentar lembrar... Então, me conte do meu garoto com sorriso de sol... me conte de nós, Hobi..." E sem conseguir dizer qualquer coisa, Hoseok somente assentiu débil.



Oh, seus olhos, eles mostram tudo

Eu posso ver isso chegando

Eu posso ver isso chegando



No Ones Here To Sleep - Naughty Boy ft. Bastille 


Notas Finais


Continua logo mais.......



P.s.: tô sad pq queria colocar ao menos um gifzinho (mas nem isso é possível pqp) do Hobi soldier na mídia, já que não pode vídeos :((


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