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História Alliance (Fillie) - Presságio de Morte


Escrita por: finnlosers

Notas do Autor


Saudades de atualizar, tenham uma boa leitura :)

*NOTAS FINAIS*
*NOTAS FINAIS*
*NOTAS FINAIS*

Capítulo 13 - Presságio de Morte


Fanfic / Fanfiction Alliance (Fillie) - Presságio de Morte

Sadie possuía o grande defeito de imaginar demais.

A ruiva estava pensando nos grandes centros de confecções bizantinas de colares de safiras, anéis de esmeraldas e esmaltes, que ficavam na cidade de Paris. Ela nunca tivera a oportunidade de visita-los em pessoa, mesmo que agora estivesse na França, em uma distância menor comparada à Espanha. Mas, como sempre, os pensamentos sobre pessoas estrangeiras com dedos acusatórios apontados em sua direção afastavam e assombravam tais vontades, como se ela possuísse uma cicatriz enraizada na pele e toda vez que decidisse relembrar o motivo de sua existência ressuscitaria das cinzas um antigo trauma.

E não era sua culpa.

Eram quase dez horas da manhã quando ela e Millie estavam juntas, nos aposentos reais da mesma. Ambas deitadas na espaçosa cama de casal, de ponta-cabeça uma para a outra, enquanto observavam o teto revestido de arte francesa assim como a maioria dos quartos. As duas não haviam conversado sobre o que fizeram nas últimas duas noites, nem a rainha e muito menos sua dama e talvez aquela fosse a hora de trazerem de volta as duas melhores amigas que eram e sempre foram desde que dividiram os berços.

Sadie virou o rosto para observar os pés de sua amiga e deu um sorrisinho bobo.

— O que foi aquilo que o Finn mencionou na sala dos tronos?

— Sobre o que?

A ruiva revirou os olhos azuis.

— Você sabe do que estou falando. Você, eu e Jack sabemos.

Estabeleceu-se o silêncio para o pensamento de Millie, que queria a todo custo fugir do assunto. Ela dominava os seus próprios tão bem e não entendia por quê infernos sua mente entrava em desordem quando se tratava do rapaz de cabelos cacheados. Talvez ela não suportasse suas atitudes atrevidas, sempre desafiando sua irritação, mas era apenas um talvez. O talvez sempre era incerto.

Ela apoiou o peso de seu corpo nos cotovelos.

— Finn falou aquilo em meu ouvido para provocar a vontade incessante que tenho de planejar seu regicídio.

Sadie deu uma risada desacreditada.

— Não acho que ele pense da mesma forma.

— E por que diz isso?

— Porque ontem... — a ruiva levantou uma das sobrancelhas suspirante e então foi a vez de Millie respirar profundamente, para se preparar para mais uma das fábulas românticas da amiga que era tão habituada a escutar. Ela colocou um dos travesseiros no próprio rosto. — Ontem após o pronunciamento quando você retornou aos aposentos, ele continuou na sala dos tronos conversando com Noah e Jack, até o momento em que os dois saíram para...

— Foram foder, aposto. — a voz da menina saiu abafada.

Sadie gargalhou.

— Eu concordaria com você, mas eles pareciam preocupados com algo. Conheço o Noah quando ele está em... seus planos malignos. — e assim ela deu um sorrisinho de canto, como se uma lembrança estivesse passando por sua mente, particularmente a da noite passada. Millie retirou o travesseiro do rosto antes que seu drama causasse uma asfixia. Estava curiosa para saber o que viria a seguir, então não notou os suspiros que sua amiga deu no meio da frase. A mesma apoiou o rosto na mão esquerda com empolgação e prosseguiu. — E quando os dois saíram do salão, várias moças da nobreza, inclusive a marquesa Isabel Hesse-Cassel, se aproximaram de Finn.

Os olhos da rainha permaneciam orgulhosos.

— Não irei incomodar-me se ele tiver amantes, porque... Nem mesmo se ela for uma das marquesas mais belas da Alemanha. Eu e Finn tivemos essa conversa antes de nos casarmos e acho... Céus, eu não acho, eu tenho certeza que somos livres para nos envolvermos com outras pessoas.

Sadie notou o quanto ela parecia atrapalhada em suas palavras. Algo que raramente acontecia.

— Mas este é o quê do meu relato. Horas mais tarde elas contaram-me que Finn educadamente as recusou, por fidelidade ao casamento.

A garota demorou um pouco para responder, porque refletiu pelo instante que se sucedeu e revoltava-se contra si mesma por causa daquele momento de fragilidade. Estava ocupada tentando transpassar desinteresse, enquanto cutucava os botões da costura do vestido.

— Ele não precisa privar-se de relações por mim.

Um pensamento sagaz surgiu pela mente curiosa da ruiva.

— Deveria dizer isso ao Finn quando fosse buscar seu sapato perdido nos aposentos dele.

Millie quase arregalou os olhos com a insinuação.

— Por todos os reinos, Sadie.

— O que há?

— Estou a pensar que você esqueceu seu juízo em Valladolid. — respondeu a jovem de cabelos cor de mel e as duas entreolharam-se seriamente, para logo em seguida, desembestarem-se a soltar risadas espalhafatosas que anos depois continuava a ser um gesto vivo em suas longas conversações. Millie continuou negando com a cabeça, enquanto sentava-se na cama com as pernas cruzadas e a postura formosa. Seu vestido branco espalhou-se ao redor. — Quero recuperar vantagem sobre Finn e colocar meus pés em seus aposentos novamente arruinaria minhas tentativas, conquanto não faça tanta diferença, sendo que ele faz questão de provocar-me de qualquer maneira com suas ladainhas.

Sadie a observava com um sorrisinho atrevido nos lábios.

— Então ele provoca você?

— Sim, ele... — a de cabelos castanhos calou-se e cerrou os olhos notando as jogadas da amiga. — Ele provoca meu temperamento, apenas.

— Espero que parem e façam o que estão querendo a tempos.

— Nos matar?

— Foder um com o outro, selvagemente.

— Tudo bem, basta. Se continuar falando coisas assim, serei obrigada a solicitar uma nova dama de companhia. — interrompeu Millie com pressa, enquanto a gargalhada de Sadie ecoava pelo amplo quarto real trazendo uma atmosfera nostálgica para um lugar que estava sempre em quietude sombria. Elas cutucaram-se de modo implicante e os sorrisos abandonaram seus semblantes inocentemente quando elas deitaram novamente na cama, desta vez lado a lado. Um silêncio instalou-se entre as duas. — Mas e você?

— O que tem eu?

— Estou confusa com o que anda acontecendo entre você, Jack e Noah. Desde que entrou em meu quarto, notei que está pensativa.

Sadie sempre soube que o coração da jovem monarca regozijava-se da capacidade de analisar os demais, embora seus inimigos mortais não suportassem essa sua característica em particular e talvez ela soubesse por qual razão; nada passava despercebido pelos olhos vigilantes da menina.

Ela entortou um pouco os lábios.

— Eu deitei-me com Jack.

Millie parou um instante.

— Então você está com Jack?

— Jack está com Noah.

— Vocês dois o traíram ou o Jack traiu você?

Sadie apertou os lábios contendo uma risada e elas entreolharam-se.

— Eu deitei-me com Noah também. Não houve traição. Nós três passamos a noite juntos.

— Vocês três... — as palavras sussurradas de Millie perderam sentido em sua cabeça, quando ela pôs as mãos nos lábios e uma risadinha de surpresa escapou por seus dedos. Em seguida, a morena começou a interligar os pontos, tentando criar um mecanismo de defesa que não pusesse sua dama em risco de ser descoberta. Seus olhos eram meigamente curiosos, embora ainda lhe restasse uma ligeira palidez no semblante. — Sadie, você sabe o que acontece quando...

A ruiva engoliu a garganta seca e começava a sentir o peso do pecado que havia se submetido. Apesar de não ter se arrependido daquela madrugada, teve de ser honesta com sua condição.

— Eu posso ser condenada por ter deixado a luxúria dominar minhas inibições. — murmurou, no fundo sentindo-se libidinosa por dizer algo tão cru em alto e bom som. Seus olhos apertaram-se em uma tentativa falha de desaparecer das vistas, mas como não havia funcionado, ela prosseguiu aos sussurros. — Nós três estamos com uma corda no pescoço. A deles está mais apertada, porque são dois rapazes que pertencem um ao outro.

— Por que diz isso?

— Porque notei enquanto estava com eles.

Silêncio.

— Então sente algo por Jack?

— Retirei-me do jogo antes de sentir algo mais do que desejo.

Haviam tantas perguntas que Millie queria fazer, que perdeu-se no embaralhado delas quando pensou estar as organizando, então hesitou no momento seguinte quando a mais importante implorava para escapar.

— E se caso você fosse concedida com uma criança?

— Eu... — as duas entreolharam-se com profundeza avassaladora.

— Sadie, de quem seria?

Sadie teve que afastar o rosto e sentiu sua garganta começar a doer, enquanto movia os olhos claros de jeito preciso para que nenhuma lágrima transbordasse e escorresse por sua face. Ela queria recusar-se a responder uma questão tão cruel, mesmo que aquela não fosse a intenção real de Millie, mas não conseguiria esquivar-se do segredo que estava a sufocando por quase um ano. E apesar de tudo, ela não tinha motivos para não ter confiança em sua rainha.

Confiaria sua vida à ela.

Então, disse:

— Não preciso preocupar-me com isso, porque sou incapaz de dar filhos a um homem.

Millie calou-se com a revelação e deixou que o sentimento de surpresa a arrebatasse, entretanto o sentimento não veio de imediato, porque estava presa na suavidade que Sadie havia despejado no ar tais palavras, como um cobertor que descansa por cima de nosso corpo assim que assopramos as velas dos castiçais para adormecer em uma noite impiedosa que apenas animais na floresta sobreviveriam. Ela juntou as mãos e deitou nas mesmas, que estavam repousadas sobre o travesseiro e permaneceu observando o vazio em particular, tentando descobrir como suas risadas haviam se transformado em um diálogo repleto de pesar.

Foi quando reuniu coragem.

— Como pode ter tanta certeza?

Sadie demorou bastante para responder.

— Quando Noah resolveu sair da Espanha e você foi para o convento preparar-se eu tentei ceder a alguns cortejos, mas eles nunca eram duradouros. Entrementes, houve uma das vezes que fui ajudar alguns feridos pós-guerra nas cruzadas da Segóvia e... — a garota de cabelos vermelhos pausou, com uma fisionomia reformando-se na cabeça enquanto relatava. Uma fisionomia esquecida que parecia ter sido devorada pelo tempo. — Conheci um rapaz.

— E como ele se chamava?

— Jaeden Martell. — respondeu, brevemente. Os pássaros sobrevoavam as vidraças da sacada. — Ele era o mais novo cavaleiro em campo e eu entreguei-me para ele em todos os aspectos. Eu nunca o concedi com um bebê, em todas as vezes que ficamos juntos. Ele sempre dizia que não se importaria caso acontecesse, porque então fugiria comigo para bem longe, mas... por meses não houve nada. Nunca houve. Nos encontrávamos pelas escondidas e logo passei a vê-lo menos, até não vê-lo nunca mais. Ele nunca queria arriscar pedir minha mão e eu no fundo sabia porquê. Era eu. Sempre foi eu.

Millie negou com a cabeça em indignação quando observou as mãos da menina cobrindo o rosto envergonhado, aonde lágrimas deslizavam. Sua amiga a puxou para perto, por fim a acolhendo em seus braços.

— Sadie, nunca mais diga isso. Não pode culpar-se pelo mau caráter de terceiros e acredite em mim, ele com certeza não era merecedor de sua honestidade. — murmurou a garota, ainda ouvindo o choro lastimoso em seu colo. Ela não precisou observar o rosto de Sadie para saber que ela ainda não tinha se acalmado de seu pranto, então quando isso finalmente aconteceu, fez uma pergunta em meio àquela mudez do ambiente. — Por que nunca me contou isso?

— Porque sou tudo o que as pessoas mais repudiam.

— Mas eu sou sua melhor amiga. Nunca repudiaria você por nada.

— Eu sei, mas... — perdeu-se ela na explicação, limpando as gotas que ainda preenchiam as bordas de seus olhos azuis. — Eu nunca quis falar desse assunto, porque demorei a entender que nunca poderei formar o que eu sempre almejei, que era de ter minha própria família, com filhos meus. Se descobrirem que sou incapaz, não serei amada.

— Será sim.

— Não serei.

— Sadie, você não é incapaz e eu como sua amiga e rainha, ordeno que concorde comigo. Seu coração foi criado para as funções nobilitantes do amor e você não precisa comprovar que concebe filhos para desfrutar da felicidade ao lado de uma pessoa.

E aquilo foi tudo.

A jovem rainha havia nos traços do rosto a jovialidade escondida na sombra da tristeza, que compartilhava agora em silêncio com a garota de cabelos cor de fogo, que no momento deixava que as lágrimas quentes, antes despejadas por suas bochechas, secassem sobre as mesmas como se estivesse dando adeus para todo aquele sentimento devastador. Millie refletindo com seus devaneios particulares tentou imaginar se algum dia Sadie iria encontrar a esplendorosa felicidade que tanto merecia.

Aquela mesma felicidade inesperada que ela iria encontrar ao lado de Finn algum tempo depois, apesar de não saber.

Três baques surdos na porta.

As duas olharam na mesma direção e juntaram as sobrancelhas em gesto de interrogação. Enquanto a rainha erguia-se para atender, sua dama caminhou em direção à penteadeira, para recompor-se enquanto escovava os cabelos embaraçados e limpava com pressa qualquer rastro de lamento em seu rosto.

Ela ouviu uma pequena conversa e logo Millie estava no centro do quarto, com um embrulho em mãos.

— Quem mandou? — perguntou Sadie.

— Disseram-me que saberei assim que abrir.

— E se for a Amelia mandando algum livro proibido para você?

— Se for, queimarei e a farei engolir as cinzas. Não estou disposta para tentativas de regicídio esta manhã.

A garota pôs a embalagem na beirada da cama e Sadie não ousou aproximar-se. Era por natureza, muito medrosa, então por várias vezes, os incentivos para algo imprudente sempre vieram de outras pessoas e geralmente elas resumiam-se aos seus dois melhores amigos de infância; Noah e Millie. Ela ergueu os olhos oceano tentando observar melhor, mesmo que seus cílios um pouco gelados ainda estivessem a incomodando.

Millie rasgou o embrulho com curiosidade e assim fora revelado um livro, que aos poucos estava sendo reconhecido por seus olhos investigadores, fazendo com que lampejos de momentos em que esteve nos aposentos reais de Finn retornassem. Seus olhos fixaram-se na capa. A bebida esverdeada, a conversa mergulhada em passado, a mesa amontoada de objetos curiosos e a passagem secreta. Peças invisíveis estavam encaixando-se em seu lugar de origem quando ela sacudiu a cabeça, querendo relutantemente afastar tais desígnios que a deixavam em nostalgia sincera.

O semblante da ruiva suavizou com a revelação quando notou não ser um artefato fatal ou um Formicarius.

— Isso é o Poema de Cid?

Millie assentiu.

— Mas de fato, não foi Amelia que me presenteou.

— Então quem foi?

A jovem passou os dedos por cima do título e abriu o escrito, aonde havia um cartão pequeno de cor amarelada, entre as páginas iniciais. Ela desdobrou e notou que a tinta preta da bela caligrafia do jovem rei parecia fresca, porque teve a impressão de que qualquer descuido mancharia seu polegar.

Não pense que é um presente, porque é uma devolução. O destino de seu sapato não será o mesmo. Estarei no lugar de nossa coroação.

Sexta feira, sete da manhã.

Finn.

Sadie não precisou da resposta quando observou a moça negar com a cabeça, enquanto um sorrisinho de sarcasmo desenhava seus lábios. Ela não precisava que Millie dissesse algo sobre o bilhete, pois havia decifrado em sua linguagem corporal. Sink resolveu voltar a escovar os cabelos vermelhos na frente do espelho quando do lado de fora das janelas, aqueles mesmos pássaros que estavam grasnando na sacada dos aposentos minutos atrás, resolveram levantar voo. Eles sobrevoaram ao redor do castelo, para que passassem ao lado das grandes torres de pedra.

As mesmas grandes torres que localizavam-se perto dos portões da frente.

Batedores e arqueiros estavam posicionados nos altos delas, certificando-se de que logo chegaria uma ave com informações sobre o possível paradeiro de Henry Wolfhard. Baseado nos cálculos feitos em anotação pelos dois conselheiros reais, faltava menos de uma hora para um corvo vindo da cidade de Nantes aparecer nos céus com algo novo, se por um acaso no caminho ele não houvesse se chocado com outro ou perdido os sentidos por conta da friagem da alvorada.

Jack estava no pátio externo, organizando algumas flechas espalhadas na mesa quando sentiu que estava sendo observado, não pelos homens nos altos das torres, mas por algo mais do que apenas isso. Seus olhos que antes estavam luminosos, às vezes perdiam-se em um elevo de preocupação em relação ao seu redor, mas ainda com um quê natural, o que há de torna-los irresistíveis quando a paixão os acende. Ele apertou os lábios de maneira duvidosa enquanto ainda dedilhava as lâminas, temendo o que poderia ver caso erguesse o olhar para sua frente.

Quando o fez, eles então se acenderam.

Deparou-se com Noah encostado em uma das pilastras, com um risinho nos lábios.

— Antes que pergunte, estou observando você treinar faz meia hora.

— Eu não ia perguntar. — garantiu o menor com um divertimento misterioso na voz, não querendo demonstrar que havia ficado satisfeito com a justificativa inesperada. Ele assistiu o príncipe aproximar-se e franzir as sobrancelhas, para os objetos que estavam espalhados sobre a mesa. — Algumas dessas flechas são de Finn. Elas horrorizam-me.

— Eu não sei manusear arcos. Gosto de espadas.

Jack sorriu um pouco para ele com compreensão e armou-se com o arco, em direção ao alvo. A mão direita do cacheado repuxou com firmeza a corda, mas antes que soltasse aquela flecha afiada, quis saber:

— A noite de ontem realmente aconteceu?

E então ele soltou, acertando o alvo com exatidão.

— Não é uma noite que eu quero apagar da memória.

— Eu também não, mas... — Jack hesitou por um instante, sem saber como proferir as palavras certas. As árvores balançaram-se levemente com a ventania fraca, bagunçando seus fios cacheados e fazendo com que ele pousasse seus olhos interrogativos no rapaz em sua frente. — Sadie nos deixou por algum motivo. Talvez tenhamos feito algo errado.

Noah analisou aquela frase por um momento.

— Ela não está arrependida. Sadie nos deixou porque não quer ter a oportunidade de machucar-se de novo caso se envolva demais. — respondeu o castanho, compreendo sua confusão de maneira sincera. Schnapp retomou a conversa antes que não tivesse chance de esclarecer as frustrações do conselheiro. — A noite de ontem não estremece a minha amizade com ela e talvez não estremeça a de vocês dois.

— Como pode dar-me certeza?

— Eu e Sadie nos amamos, mas esse amor não é o tipo de que fugiríamos juntos para os horizontes, pelo menos não para ficarmos juntos e sabemos disso. Sempre fomos assim.

Grazer parecia consternado.

— Então vocês envolveram-se antes?

— Nós? — perguntou Noah admirando os pinheiros altos, de repente parecendo esperto e ao mesmo tempo ingênuo. E o que ele disse em seguida descartou esse segundo termo. — Nós nunca passamos daquele beijo. Mas vou confessar, acho que tem algo nessa cidade que nos faz ficar mais maliciosos.

Jack observou o rosto do rapaz por alguns segundos e a seriedade logo tinha se esvaído da conversa quando ele retribuiu aquele comentário com uma risadinha simples, negando com a cabeça, para mostrar que o descaramento do príncipe às vezes o deixava impressionado. Ele concentrou-se na corda do arco e preparou-se para mais um acerto, mas dessa vez a flecha tinha fincado na linha vermelha do segundo círculo do alvo.

Suspirou desanimado.

— Por que Sadie não quer machucar-se de novo?

Noah estava um pouco distraído.

— Uma vez ela acreditou em um mendaz chamado Jaeden Martell.

— Ela envolveu-se com um Martell?

— Eles têm histórico de serem cretinos?

— Mentes fechadas.

— E aposto que paus pequenos também. Eu quase tentei mata-lo depois, mas essa é uma história muito grande. — o castanho observou Jack de cima à baixo de esguelha, com um ar atrevido em cada movimento que fazia, principalmente nos braços que cruzaram-se quando ele recostou-se na bancada e esperou que o menor se aproximasse um pouquinho mais. — Precisaríamos separar uma noite para que eu fosse em seu quarto contar a você.

Jack permaneceu em silêncio, descendo sua atenção para os lábios do garoto por longos segundos. Em seguida, ele passou a mão nos cachos desviando sua atenção de maneira inofensiva, quando dois dos guardas caminharam em marcha pelo corredor esquerdo. O menor conteve o sorriso adolescente, passando o dedo para cima e para baixo por uma de suas flechas, recostando-se ao lado de Noah na grande mesa.

— É tão complicado fingir desinteresse em você.

Noah analisou os traços do rapaz por um instante, reparando na linha que seguia do início do seu nariz pequeno até a ponta do mesmo, que eram pontilhados por sardas que ele as julgava fascinantes, como uma constelação de milhões. Ele queria chegar perto de Jack mais um pouco e sentir o gosto dos seus lábios em um beijo calmo, como casais geralmente faziam quando passeavam pelo jardim em uma manhã corriqueira, sem preocuparem-se com o que os guardas veriam. Queria sussurrar em seu ouvido o quanto ele era belo e o levaria para seu quarto aos risos, não apenas para tocar em cada parte do seu corpo como uma canção em piano clássico, mas para conversarem sobre seus sonhos perto da sacada, nem que eles fossem os mais impossíveis. E com certeza um desses sonhos, seria fazer tudo isso livremente.

Os guardam foram embora.

— Qual foi sua maior aventura?

— O que?

— Sua maior aventura.

Jack pareceu vasculhar as gavetas do pensamento e fez uma careta quando respondeu.

— Faculdade de Artes.

— Pelos infernos, você é tão novo. — declarou Noah, fazendo com que o garoto erguesse os ombros. — Explique-me como isso aconteceu.

— Consegui terminar minha educação mais cedo.

— Algum motivo em específico?

— Quando era criança notei que Finn precisaria de mim depois que os pais dele... — pausou, desistindo de terminar aquela frase. Ele encarou o rosto de Schnapp. — Na verdade, eu não sabia que iria acontecer o que aconteceu com eles tão cedo, mas eu sentia que havia algo estranho. Uma aura estranha. Algo como um presságio de morte. — sibilou o rapaz, sentindo arrepios congruentes pelo pescoço. A atmosfera pareceu declinar para algo melancólico quando o conselheiro suspirou com profundidade. — Você sabe quando pessoas ruins estão por perto e sabe o quanto elas são suspeitas. Sabemos que elas vão fazer algo, mas não sabemos quando ou com quem. Isso fazia com que eu sentisse-me impotente, então ajudar o Finn a sobreviver ao reinado faz parte do meu incentivo. Talvez o maior deles.

Noah suspirou lembrando-se de Amelia e Aiden.

— Não se preocupe, você está indo bem quanto a isso. Bem até demais. — sussurrou o castanho com um tom confortador. Ele queria tocar em sua mão, mas retomou o assunto ao notar que os guardas pareciam estar por perto. — Aliás, devo acrescentar que universidade é algo que vem sendo falado na minha família a tempos. Meu pai queria que eu estudasse em uma para obter mais conhecimento político quando me nomeassem oficialmente príncipe, mas eu achava mais interessante estar em campo de batalha matando portugueses.

Jack pôs seus olhos curiosos no rapaz.

— Deixou de ser interessante?

— O que?

— Matar portugueses.

— Depois que meu pai se acidentou em guerra e os portugueses desistiram de tomar o trono castelhano tempos depois, raramente entrei em campo, porque como você, eu sentia-me impotente. Sem ele, não era a mesma coisa.

— Eu acho que se você tentar, consegue entrar em campo. Deve ser um cavaleiro sublime.

— Eu não sei, eu... — interrompeu-se o castanho, com uma voz baixa e acanhada. A mão passando na nuca. — Foi por isso que fiquei alguns meses cuidando de Mitchell e quando tive certeza que ele sobreviveria sem mim, viajei para outros lugares, deixando o trono de Castela sobre a proteção da minha irmã e de vários da nossa casa, os que tem conhecimento financeiro e responsabilidade, já que alguns são desequilibrados ou morreram na epidemia de peste negra. Quando Chloe assumiu liderança, muitos a questionaram no início, mas ela manteve-se resoluta às críticas.

Jack tentou imaginar a menina em sua cabeça.

— Como ela é?

— Isso é um fato curioso.

— Por que?

— De coração somos diferentes, mas somos exatamente iguais na aparência. Minha mãe esperava dar a luz à apenas uma criança e de repente, minha irmã estava querendo vir ao mundo atrás de mim momentos depois. — a expressão do castanho suavizou, então ele balançou a cabeça e soltou uma risada curta, da mesma maneira singela que costumava sorrir quando estava afortunado de memórias boas. — Ela é benevolente e admirável.

Jack o acompanhou com prazer.

— Talvez eu troque você por ela.

Noah ainda estava embalado no assunto quando eles trocaram olhares tolos e sorriram para as roseiras.

— Hoje em dia esse fenômeno é chamado: gêmeos, se permito-me arriscar. Mas na época em que eu e ela nascemos disseram que era um bom presságio para Castela.

— E você não parece acreditar nisso.

— Amelia e Aiden nasceram juntos e não vejo o bom presságio da França.

Jack não conteve sua risada e em seguida, pôs a mão nos lábios temendo ter chamado atenção, mas assim que espiou os homens com receio, eles ainda estavam vidrados em algo do lado de fora, parecendo compenetrados demais para notar as larachas do lado de dentro. O cacheado fechou os olhos com o deslize, tentando se controlar do riso ingênuo e dessa vez foi Noah que deixou o sorriso escapar, sentindo-se um pouco culpado, mas ainda satisfeito com a cena formada diante de seus olhos.

— Por gentileza, avise antes quando for falar alguma bobagem. Não quero chegar em uma forca por rir demais perto de você.

As folhas dos altos pinheiros farfalharam.

— A propósito, antes que eu cause seu extermínio, como funcionava a universidade?

— Bem... — naquele instante, o cacheado pensou um pouco, ainda com um rastro de risada no rosto. Ele apreciava a maneira como Noah sempre parecia interessado em suas vivências anteriores, como um divisor de águas; o antes e o depois de ter o conhecido. Jack tampouco se importava em responder, porque ele queria que Noah soubesse por onde seus passos tinham deixado pegadas um dia. O menor continuou. — Nós alunos, éramos submetidos a debates toda semana. Estudávamos as sete artes liberais; gramática, aritmética, um pouco de geografia, astronomia, lógica, retórica e a que eu mais me aborrecia, que era política mundial.

— Por Deus.

Schnapp esteve o fitando por segundos com interesse, mas não aquele interesse e sim o de fascínio por tudo que ele tinha proferido. Fascínio por sua inteligência, sua capacidade de envolve-lo com poucos detalhes; como o anel que usava em seu mindinho e sua tranquilidade transcendente. Fascínio por quem ele tinha se apaixonado.

Jack deu um riso sem graça.

— O que foi?

Noah desviou.

— Nada.

De repente, uma flecha cortou o céu acima da cabeça dos dois, fazendo um barulho veloz que pôs um ponto final na conversa, roubada agora pelo desassossego das tarefas. Os conselheiros fitaram o alto no mesmo segundo, observando o momento em que a ave negra caiu morredoura perto do grande portão, com um pequeno pergaminho preso nas pernas reptilianas. Um dos homens entregou o bilhete na mão de Grazer e afastou-se educadamente, os dando privacidade para que pudessem ler.

Noah esperou Jack ler o papel amarelado. Ao final, o cacheado pôs seus olhos nele e disse:

— O paradeiro de Henry é indefinido, mas a última vez que foi visto estava nas redondezas de Carcassone, não muito longe daqui. O nosso barco está abandonado no Rio Sena, no norte da França. Encontraram os corpos de nossos homens e os deixaram em uma das abadias, para que não contaminassem as águas dos poços.

— O Rio Sena está muito distante se formos em nossos cavalos?

— Levaremos uma hora.

Jack soltou um suspiro longo e mergulhou-se em pensamentos assombrosos quando fechou seus olhos e colocou a mão sobre os mesmos, parecendo estar pesaroso com as notícias e consigo mesmo, porque ele não pensou que o tal problema poderia estar tão perto. Noah sabia que ele estava apreensivo, porque não pôde deixar de reparar em seus lábios sendo pressionados um contra o outro em sinal de preocupação e a linha de seu maxilar contraindo-se. Grazer retornou as íris castanhas para o rosto avaliativo de Noah, como se sentisse que estava sendo investigado e mordeu o lábio inferior como uma criança que acaba de ser pega roubando doces.

Os pinheiros farfalharam novamente.

Schnapp observou os guardas por cima dos ombros de Jack e pegou o pergaminho de sua mão, guardando-o no bolso da calça.

— Antes de irmos, siga-me.

Grazer permaneceu em silêncio e assentiu.

Ele caminhava pelos corredores com o rapaz em sua frente, dando espiadas ao redor, um pouco intrigado com o que poderia vir a seguir. Os dois logo estavam diante da galeria de portas do gabinete que ambos compartilhavam e o rapaz começou a cogitar que Noah talvez quisesse reclamar, declarar ou confidenciar algo importante à ele sobre as informações do pergaminho, mas longe dos guardas. Pensar nessa perspectiva o deixou mais preocupado com a situação do castelo, porque ele sabia que a corte resumia-se a muitos segredos.

Schnapp entrou primeiro e Jack em seguida, fechando a porta com cuidado atrás de si e observando o comportamento do castanho. Eles se entreolharam.

— O que aconteceu?

Noah deu dois passos em sua direção, segurando em seu rosto com as duas mãos e avançando em seus lábios com um beijo.

Ele pressionou seu corpo contra o de Jack, fazendo com que a porta de cerejeira do gabinete tremesse levemente. Suas línguas buscavam o sabor uma da outra, em um beijo sensual, no ritmo que eles estavam acostumados. Não demorou muito para que as mãos de Grazer entrassem por dentro de sua camisa e as pontas de seus dedos acariciassem suas costas. Eles suspiraram contra os lábios um do outro, seus narizes roçavam-se quando trocavam os lados e o oxigênio começou a dar faltar quando passaram minutos imersos naquele beijo. Eles lentamente foram desacelerando, como se não quisessem dar um nó naquela linha.

Noah segurava a cintura do garoto com firmeza, enquanto separavam-se com alguns selinhos.

Logo os lábios do rapaz percorriam o pescoço de Jack com carinho, por cima das marcas roxas que estavam registradas em sua pele, que ele mesmo havia feito na noite em que encontraram-se na capela.

— Você parece frustrado e não gosto disso.

— São esses problemas do nosso palácio, que... — Grazer foi interrompido pelos lábios do rapaz, que se esbarraram nos dele em um selinho casto. Aquilo provocou uma risadinha no menor.

— Esqueça isso agora.

Noah murmurou.

— Como pode ousar distrair-me assim? — Jack sussurrou em troca, erguendo a cabeça para observar o rosto do rapaz com mais atenção e direcionando suas íris para as dele com muita intensidade. Schnapp tocou em seu queixo e trouxe sua boca para perto. Eles iniciaram um beijo preguiçoso e calmo, com os olhos fechados e com a sensação do incorreto que tanto adoravam. Seus corações estavam acelerados no peito. — Não pode fazer isso comigo.

— Fazer o que?

Os beijos de Noah trilhavam seu maxilar quando Jack sentiu a mão do garoto o apertar por cima da calça.

— Isso.

— Isso? — repetiu o jovem príncipe em tom descarado, ainda selando seu pescoço, que estava levemente inclinado para o lado para dar ao outro total acesso. A mão de Grazer prendeu-se em seus cabelos castanhos bagunçados, enquanto ele abaixava-se em sua frente cada vez mais com um sorriso malicioso. — Por que?

— Porque...

— Por que eu deixo você excitado?

Noah o ajudou a descer suas vestimentas e encarou o garoto profundamente com seus olhos verdes antes de deslizar com sua língua por cima de seu membro exposto. Jack soltou um gemido manhoso, enquanto ele tentava manter-se equilibrado em suas próprias pernas.

Ele sentiu seus lábios envolvendo-se em sua glande e em seguida, a sensação de sua boca quente o cobrindo por inteiro. Grazer pôs o dorso da mão entre os dentes quando os movimentos começaram e ele sabia que sua respiração sairia da anormalidade, assim que a sensação começasse a se tornar mais deliciosa. E assim aconteceu.

— Hmm... — ele ofegou de repente, segurando novamente os cabelos claros de Noah, empurrando seu quadril em direção ao rosto do garoto. Gemidos escapavam por seus lábios rosados e entreabertos enquanto olhava para baixo.

Eles entreolharam-se fixamente com desejo, durante uns segundos em que continuaram e o cacheado pôs sua mão em seu próprio pescoço, apertando-o levemente quando o ritmo acelerava. Schnapp pôs uma das pernas de Jack sobre seu ombro e prosseguiu com os movimentos, para frente e para trás em uma rapidez deliciosa. Grazer apreciava a língua macia do rapaz o acarinhando, enquanto Noah satisfazia-se com os grunhidos arrastados que eram emitidos pelos lábios inchados de seu companheiro.

Jack pensou que entraria em colapso, quando sentiu suas pernas estremecendo, obrigando-o a se manter em pé com todo o prazer que estava sentindo. Não demorou muito para que ele se deixasse por inteiro na boca de Noah, que continuou o esperando terminar. Sugando e engolindo seu ápice.

E depois de toda a sensação de euforia, o cacheado sentiu-se calmo e ainda estava com o peitoral subindo e descendo, mas com a sensação de satisfação e a cabeça ainda encostada na porta. Naquele momento, Noah ergueu-se para analisar o rosto suado e avermelhado de Jack e em seguida, segurou sua nuca, unindo seus lábios em um beijo lento, carregado de tesão e de uma mensagem; você é meu. Estavam compartilhando juntos o gosto do garoto.

Quando eles separaram-se, estava tudo silencioso. Jack levantou seu queixo e permaneceu com suas íris castanhas vidradas nas esverdeadas do rapaz, enquanto levava sua mão até o cós da calça de Noah com determinação. Ele queria retribuir toda a sensação que havia recebido e não queria apagar de sua memória a cena do rapaz ajoelhado diante de si, tomando todo o néctar de seu orgasmo. E antes que Jack pudesse mencionar algo, a mão do rapaz o impediu.

Grazer sentiu-se confuso.

— O que foi? — ele perguntou encarando os olhos de Noah com receio de ter feito algo errado, mas os mesmo estavam focados em cada traço do belo rosto de Jack; os olhos castanhos, o nariz pequeno e seus cílios. Ele ergueu sua mão para afastar um pequeno cacho que estava caindo em sua testa e em resposta, selou novamente os lábios do menor, não apenas uma, mas várias vezes seguidas, fazendo com que o garoto soltasse uma risadinha. — Noah.

— Não precisa retribuir agora. Temos muito a fazer hoje. — respondeu o castanho, dando um sorriso de canto. Schnapp roçou a ponta de seu nariz na dele e o roubou um beijo casto. Quando se afastou, seu polegar dedilhou o lábio inferior de Jack com precisão e eles ficaram apenas ouvido a respiração um do outro, sem dizer uma palavra. — Eu não vejo a hora de estar dentro de sua boca.

Momentos mais tarde, quando os portões tinham se erguido para que Noah e Jack pudessem sair e seguir caminho, o relógio ressoou pelo amplo castelo na segunda badalada das dez horas da manhã. A calmaria dos corredores da corte era palpável comparados ao que seria horas depois. Sadie aproveitou que Millie havia descido para a sala dos tronos e retornou para a sacada dos aposentos da rainha, para observar a roseira que ficava no andar de baixo, visto que ela não queria chegar perto e machucar-se com os espinhos. Antes que pudesse prestar atenção nas mesmas, escutou a movimentação das entradas erguendo-se.

Um jovem à cavalo, foi isso que Sadie avistou.

Suas sobrancelhas franziam-se com a curiosidade, ao relembrar que ele era o tão falado Caleb McLaughlin, um dia antes mencionado pelo rei. Ele desceu do cavalo e por um momento a ruiva quis saber se ele era mais uma das figuras malvadas que alguma vez já haviam pisado no imenso palácio, como Charles de Lorraine, que ela ousaria palpitar, mas assim que o jovem acarinhou a crina esvoaçante do animal e sorriu para o mesmo parecendo elogiar seu bom desempenho de viagem, ela arriscou-se a pensar que ele poderia ser um homem bom. Prisioneira de sua abstração, foi pega de surpresa quando os olhos do marquês pousaram em sua imagem em uma certa distância com um esmero que ela não esperava encontrar.

Talvez ele estivesse arriscando-se a pensar que ela poderia ser uma moça boa.

Um dos homens levou seu cavalo para os estábulos, enquanto outro o acompanhava para dentro com palavras breves, que ele por um segundo pareceu não ouvir, porque apenas remexeu no colarinho enquanto não tirava sua atenção das altas sacadas.

Sadie permitiu-se respirar e observar as roseiras quando ele finalmente desapareceu entre as pilastras.

Pilastras que foram erguidas por um arquiteto francês que Eric Wolfhard gostaria de ter conhecido um dia. Ele sempre dizia ao filho o quanto era curioso para saber como as paredes haviam sido construídas na época de neve e como Finn era criança, apenas guardou aquilo consigo. Finn daria tudo por um minuto de conversa com seu pai, para saber por onde começar.

A luz do sol derramava-se pelo chão, depositando listras amarelas nas paredes onde as pinturas dos antigos reis e rainhas ficavam antes. Agora, a parede encontrava-se vazia, sem retrato algum. Ele estava diante da grande alta e estreita janela da sala dos tronos na fortaleza, visualizando o lado de fora com as mãos nos bolsos.

Duques, marqueses, condes e viscondes conversavam em suas costas, fazendo com que murmúrios ecoassem distantes por seus ouvidos.

Quando ele lembra dos verões em que era pequeno, tudo que vem em sua cabeça são campos terrosos, broncas de pessoas mais altas, esconderijos nas árvores, moedas que atirou em um dos poços que abasteciam o castelo em troca de um pedido e a liberdade de preocupar-se com pequenas intervenções. Hoje em dia seus pensamentos são direcionados para os dias tempestuosos que estavam por vir, quando finalmente a corda arrebentasse para um lado, o mais fraco. Ele não saberia dizer se as guerras se baseariam na assolada fome ou na extrema riqueza, nos protestantes ou católicos, nos franceses ou ingleses ou em humanos contra humanos. Porque no final, era apenas isso, os conflitantes humanos.

Millie esteve minutos o contemplando de longe, tentando decifrar seus pensamentos e ao mesmo tempo não querendo os adivinhar, temendo o que poderia ser. Com luvas finas nas mãos e o vestido branco que deixava sua cintura bem marcada, ela ergueu-se e caminhou com classe para perto dele, que a observou de cima a baixo com suas íris calculistas.

Ele desviou o olhar com um sorriso malicioso e ela disse:

— O Poema de Cid era uma devolução e não um presente.

Finn arriscou.

— E queria que fosse qual dos dois?

Millie mordeu o lábio inferior para conter o sorrisinho burlesco, pensando em como ele era traiçoeiro por ter feito aquela pergunta tão astuciosa. Ela deu de ombros enquanto se aproximava do rapaz, como se estivesse ganhando tempo para pensar no que responder. Finn continuou observando ela cruzar a linha de fronteira entre eles, encurtando aquela distância e fazendo com que seus rostos ficassem separados por poucos centímetros. Ela estava decidindo colocar a si mesma em um beco sem saída, quando suas mãos penderam juntas em frente ao corpo de modo meigo.

— Você faz parte das pessoas que entregam bilhetes e não das que batem na porta.

Finn a observou de cima com cinismo no rosto.

— Então quer que eu bata em sua porta?

— Quero que diga-me por qual motivo parecia distante a poucos minutos.

Naquele segundo, ele deu um riso fraco e levantou uma sobrancelha.

— Estou desapontado com sua resposta.

— Por que?

— Porque não pensei que iria abandonar-me no meio de um flerte.

— Estávamos flertando? Perdoe-me, Finn. — respondeu a garota, com classe no sarcasmo. Millie acenou brevemente para um conde que passou quando seus olhos retornaram brincalhões para o mais alto. — Não pode culpar-me por ser tão desatenta.

Após ouvir a voz de sua rainha carregado de ironia, o rapaz de cabelos cacheados deu um sorriso implicante, repleto de segundas intenções, que fez com que a garota estremecesse em suas próprias pernas. Finn estava com os olhos penetrantes percorrendo cada gesto que o rosto delicado da garota fazia e ela martirizou-se por achar aquilo tão atraente.

— Sua inocência não funciona comigo, Millie.

Ela segurou o riso.

— Vai me contar ou não?

Wolfhard avaliou aquela frase e vasculhou cada canto daquele salão, enquanto seus dedos passavam no maxilar marcado. Ele respirou fundo, como se estivesse a poucos minutos nadando contra a correnteza, a do seu egoísmo inofensivo. Não parecia nada contente em compartilhar aquela dor de cabeça com Millie, porque para ele, era injusto causar padecimentos na garota quando a poucos dias ela estava sendo enfadada pelo acontecimento aborrecedor envolvendo Aiden, mas ao mesmo tempo reconhecia que Millie tinha os mesmos direitos do que os dele, de saber o que estava acontecendo em seu próprio reino, independente do quão severa e perniciosa fosse a situação.

Finn fez sua escolha.

— Preciso que saiba do conhecimento de uma pessoa.

Millie o observava por seus longos cílios com disposição.

— Estou a todos ouvidos.

— Essa pessoa chama-se Henry Wolfhard, meu único primo vivo e sucessor do trono francês após meu reinado. Ele é um jovem protestante e anarquista. Deve estar esperando minha morte para assumir o trono e talvez ele queira aparecer... — o cacheado pareceu avaliar algo, antes de completar. Finn negou com a cabeça para o vazio, dando um fugaz sorriso de escárnio. — Aparecer para adiantar isso.

A garota pressionou os lábios um contra o outro, sem saber o que dizer, mas logo disfarçando da melhor forma, porque estava em público e temia ter suas reações lidas por alguém. Suas íris avelãs fitaram o vazio do chão por uns segundos e ergueram-se em direção ao rosto de Wolfhard, temendo pela resposta de sua pergunta seguinte.

— E aonde ele está?

— Recebemos um corvo de Nantes avisando que ele estava nas redondezas de Carcassone.

— Então está se aproximando de Chambord. Não podemos deixar que ele se aproxime do castelo e muito menos de você.

— Ele assassinou muitas pessoas, mas por nunca ter tocado em alguém de seu mesmo sangue, não temos do que acusá-lo. Teremos que abrir as portas.

Millie franziu a testa.

— Mas pode recusar-se a fazer isso. Finn, você é o rei.

— E por esse mesmo motivo, que preciso desviar-me da morte. Sou o rei, mas essas são as malditas leis de sucessão. — continuou o rapaz, com calmaria na voz rouca. Seus olhos estavam entrecruzados com profundidade quando ele passou a língua entre os lábios. Finn aproximou-se mais da garota, para que pudesse falar mais baixo. — Millie, nessa terra não há justiça para quem é bom ou para quem é mau. A estrada real da ambição, chama-se monarquia. Podemos ser católicos, mas a igreja católica não está ao meu lado e pouca diferença faz para eles se eu estou respirando, porque quando eu sair do jogo, outro rei logo estará em meu lugar.

— Não fale desse jeito.

— Eu falo, porque Henry Wolfhard pode ser meu sucessor. Não importa quantos atos ruins estejam em sua trajetória.

— Sei que esse argumento não é válido, mas acredite em mim, quando digo que o trono francês não será ocupado por ele e sim por nosso futuro herdeiro. Eu o asseguro disso. — respondeu a garota, de maneira firme mas ainda com seu tom aveludado. Antes que Finn pudesse dar continuidade ao fato de que Millie estava confessando nas entrelinhas que em algum momento ela iria entregar-se para ele, a jovem tomou voz novamente, com as bochechas corando. — Por favor, explique-me como está a situação no conselho sobre isso.

Finn despertou-se de seu transpasse.

— Atacaram uma de nossas frotas francesas e ceifaram as vidas de homens nossos, que estavam em alto mar a alguns dias. Sabemos que isso foi uma provocação à coroa, mas resta ter certeza de quem foi o comandante. Noah e Jack foram investigar hoje, para saber se os corpos encontrados estão com as línguas arrancadas, porque se estiverem, teremos a confirmação de que foi meu primo.

Millie estava confusa com aquilo.

— Por que estou sabendo disso após a missão?

— É com isso que está preocupada?

— Finn, responda-me. Se eu faço parte desse reino assim como você, nosso conselho não deveria negligenciar-me a nada, porque isso se torna desigual. Isso significa que não temos comunicação em nossa corte e automaticamente seremos desvantajosos. Seu primo é o de menos, porque se ele pisar em nossas terras, resolveremos.

Havia algo de dominante em Millie quando ela disse aquilo. Na verdade, não apenas disse, como ordenou. Finn percebeu a conjuntura de ter apreciado aquilo, mas apreciou em seus pormenores, porque ele gostava de suas estratégias e ao mesmo tempo, de suas broncas. Eles ficaram em silêncio, como se os demais que estavam no salão, tivessem sumido do globo terrestre.

— Você está sabendo disso agora, porque estou contradizendo ordens do conselho de homens mais velhos do que eu, que insistem em dizer que nossa rainha deveria preocupar-se com ornamentação de vestidos e não com assuntos de luta armada. Conto a você agora, não porque quero provar a eles que sou mais teimoso do que meus pais foram um dia, mas porque eu quero. Eu quero que você saiba. Sei que consegue ler meus planos, da mesma forma que eu conseguiria ler os seus. — naquele momento, Finn manteve seus olhos escuros ardentes, sempre intimidadores, nos de Millie e em seguida, os desceu para os lábios avermelhados da garota. Ela fez o mesmo, sem notar que sua respiração estava entrecortada. No final, o rapaz aproximou-se de seu ouvido e veio o último sussurro. — E agora, você quer que eu a beije.

Aquilo que não passava de ironia do marido, veio a tornar-se um costume e ela que a princípio havia se incomodado com a fingida implicância, não pôde mais tarde dispersar esse veneno, que lhe agradava e restituía a pequena fração de existência de Finn, vivida na relação que eles haviam construído de maneira ardilosa. Porém, não era unicamente a possessão dela pela negação ao amor, que se fincou no cacheado, era também a assimilação do bom caráter que ele possuía. Moças e rapazes da corte desejavam compartilhar pelo menos uma noite nas cobertas do jovem rei, para variar. Aliás, todos o amavam e ela pegou-se perguntando se estava caminhando para isso.

Ela engoliu em seco quando com muita relutância, respondeu:

— Dispenso.

Tinham entrado dois guardas e uma visita estimada, cuja chegada interrompeu os adolescentes. Finn conteve um risinho sacana antes de seguir Millie, que virou-se para receber Caleb com toda a sua formosura, enquanto os cavalheiros espalhavam-se pela sala dos tronos e alguns nobres abriam espaço para o rapaz.

— Majestade. — ele pôs a mão atrás da costa e a reverenciou com muita educação. Em seu rosto havia um sorriso galante. — Sou Caleb McLaughlin, marquês de Baden-Baden e comandante chefe do Exército Imperial e para todo o caso, estou honrado em estar em terras francesas.

— É um deleite conhecê-lo. Fiquei sabendo que suas tropas estiveram por dois meses acampadas, assim vencendo a batalha de Viena e impedindo os avanços do Império Otomano. Seus olhos devem ter visto de tudo.

Caleb estava encantado com o fato da menina estar sabendo das notícias e notou que Finn chegava perto.

— Pelo visto, vou preferir conversar com a rainha do que com você. — brincou ele, fazendo com que Millie sorrisse de canto. Os rapazes se abraçaram sem formalidades, como se fossem amigos de boa data e na verdade, eram. — Queria ter comparecido em sua coroação ou em seu casamento, mas estava isolado em acampamento, perdoe-me. Foram grandes eventos.

Finn o soltou com um sorriso simples.

— Não há problema. Nessa corte algo sempre acontece, eu garanto.

McLaughlin pareceu pensar quando pôs seus olhos na jovem rainha.

— Para assegurar, majestade, meus olhos ainda não viram de tudo. Hoje mesmo foi a primeira vez que vi uma moça de cabelos vermelhos. Talvez eu tenha a assustado, mas não sabia que haviam fios cor de maçã e nem que era tão deslumbrativos.

Foi naquele momento, que Millie percebeu que iria gostar do rapaz. Ela trocou um sorrisinho com Finn.

[...]

Em um vilarejo um pouco distante do castelo, nos fundos de uma igreja pequena, havia um compartimento que parecia um depósito de madeira, aonde os corpos dos homens franceses estavam. Noah e Jack amarraram seus cavalos em uma árvore, que relinchavam de vez em quando.

O castanho entrou primeiro, segurando a espada na cintura.

— Imagine, você estar na beira do Rio Sena e de repente, corpos flutuantes.

— Você parece animado em ver defuntos.

— Estou animado para descobrir a verdade. — consertou o rapaz, virando o rosto para encarar Jack, que diminuiu os passos parando na entrada do casebre para observar o lado de fora rapidamente. A expressão de Noah suavizou e sua voz, agora estava mais baixa do que antes. — Espere-me aqui enquanto eu confiro. Talvez isso leve um minuto.

— Depressa e tome cuidado. Está escuro do lado de dentro.

O castanho afastou-se e passou um tempo em silêncio, aumentando a ansiedade do menor. Grazer encostou-se em uma das paredes, para que as pessoas do lado de fora não o avistassem e tirou seu arco da costa, o armando com uma flecha. Ele o abaixou, esperando um sinal.

Ele esperou por mais dois minutos.

— E então?

Noah juntou as sobrancelhas quando retornou.

— Os corpos estão intactos, porque não há mutilação.

— O que?

— Eu juro, não era o que eu esperava. — murmurou o castanho, enquanto passava a mão no lábio tentando pensar. Schnapp pôs seus olhos verdes no semblante consternado do menor. — Se o Henry Wolfhard não liderou o ataque às navegações francesas, então quem foi?

A mudez instalou-se entre eles e Jack ergueu seu olhar para Noah enquanto colocava o arco novamente nas costas.

— Eu e Finn pensamos na possibilidade de... — as palavras perderam-se de seus lábios quando percebeu o que estava diante de si.

Era aquela aparição, despertando-se horrivelmente em sua frente. Noah parecia ter sumido, como em um estalar de dedos. Perante Jack, não era apenas um, mas seis corpos enforcados e pendurados no teto de mogno, por cordas puídas e desfiadas, que pareciam poder desatar a qualquer instante, para que os cadáveres despencassem no chão em um estrondo surdo de ossos, quase perto de seus pés. Não haviam expressões em seus rostos e muito menos como definir quem eram, porque eram sombras, mas a sensação presente era de um sofrimento aterrorizante de vazio e pesar de morte. O som era de um conjunto de pássaros, mesmo que não houvesse nenhum dentro ou fora do casebre. Os pulmões de Jack pareciam as lacunas mais secas do mundo e as engrenagens de sua cabeça atravancaram qualquer forma de raciocínio, porque ele não conseguia ao menos piscar os olhos lacrimejados e mesmo se conseguisse, temia o que aconteceria quando suas pálpebras se erguessem. Ele não arriscava mover um músculo. O medo era o único fenômeno que o separava do calamitoso cosmos, fazendo com que sua respiração se prendesse curta na garganta.

Jack fechou os olhos com força.

— Está tudo bem? — a voz de Noah quis saber. O rapaz rapidamente abriu os olhos a contragosto e encontrou o garoto com a testa franzida em preocupação. Seus dedos foram para o rosto de Grazer e ele arrepiou-se dos pés à cabeça. Imediatamente o menor o abraçou, escondendo-se em seus braços. — Seja o que for, está tudo bem. Estou com você.

— Eu não quero mais isso, Noah. E-eu não quero mais ver isso.

Schnapp suspirou confuso, acariciando seu cabelo.

— O que você viu?

Antes que Jack pudesse responder aquela pergunta, barulhos estranhos foram ouvidos e os dois calaram-se de imediato com medo de que suas respirações o entregassem, para qualquer que fosse o perigo do lado de fora. Seus cavalos pareciam fazer mais barulho e quando o príncipe fez menção de espiar, o conselheiro segurou a manga de sua camisa e sussurrou:

— Aonde você vai?

— Vou conferir, enquanto você fica aqui.

— Não, não vai. Noah, pode ser emboscada.

Mas o rapaz nem ouvira, porque estava na porta de entrada, observando a estranha movimentação se formando. Pessoas correndo desesperadas pela rua, gritos de pavor contidos, barulhos incessantes de passos, fumaças de terra esvoaçando pelo ar e um homem desorientado, com a testa sangrando. Foi no segundo seguinte, que uma coisa estranha aconteceu. Noah fechou os olhos e pôs as mãos nos ouvidos quando algo explodiu a poucos metros e quando os abriu novamente, a grande flama de fogo estava alta atrás de uma das casas, com as labaredas refletindo em suas íris e seu ouvido, estava doendo e o som com a sensação de distância. Ele assustou-se com a cena seguinte, onde aquele mesmo homem apareceu machucado em sua frente.

Schnapp tentou segurá-lo e gritou em meio à vozearia:

— O que está acontecendo?

— Eles estão indo para o castelo.

— Eles quem?

— Os...

— Diga. — insistiu o príncipe, com medo de que ele perdesse o sentido.

— Protestantes.

Antes que Noah pudesse fazer algo, aquele homem fora acertado com uma espada nas costas. Com a força do golpe, as gotas de sangue respingaram no rosto alarmado do garoto, que soltou rapidamente seu corpo pesado que deslizou pelo chão, agora sem vida e com uma enorme mancha vermelha acumulando-se no tecido das costas de sua camisa. Seus olhos verdes estavam arregalados quando ele notou que aquele mesmo assassino estava com o punho erguido pela segunda vez, preparando-se para mais um ataque cruel, dessa vez contra sua vida e com a lâmina da espada manchada do que havia sido feito.

Noah ignorou a espada que estava em sua cintura e conseguiu empunhar sua adaga, ganhando vantagem por ser um artefato leve. O rapaz passou a mesma por sua garganta em segundos, fazendo com que ele se engasgasse com o gosto da morte. E assim que os dois corpos estavam caídos no chão, o garoto abaixou-se e observou que havia um cordão no pescoço do assassino.

Quando abriu o cordão havia uma flor, com uma cruz e um coração minúsculos. O símbolo do protestantismo, junto à uma palavra francesa. Ele arrancou o cordão e o guardou, antes de observar ao redor e voltar às pressas para dentro do casebre.

Grazer estava apavorado, segurando seu arco.

— Por que tem sangue no seu rosto?

— Temos que voltar para Chambord, antes que matem nossos cavalos. Precisamos avisar aos outros que estão às cegas matando as pessoas em nossas terras vizinhas e possivelmente indo em direção ao castelo. E o mais estranho, é que são.... — Noah franziu a testa, passando a mão na nuca, enquanto o cacheado mirava em um dos invasores pela pequena janela. A flecha acertou suas costas. — São franceses e não ingleses.

Jack juntou as sobrancelhas.

— Então não deveriam estar contra o Finn, a menos que fossem protestantes franceses rebeldes, o que é incomum. — analisou o garoto de volta, notando que voltaria para a corte com mais dúvidas do que soluções. Ele balançou a cabeça e guardou sua arma. — E se não chegarmos a tempo para avisar?

— Teremos que tentar. Se ficarmos aqui, estaremos mortos, igual aos dois homens que você vai passar por cima assim que passar por aquela porta.

Os dois entreolharam-se e assentiram. Saíram na espreita e montaram em seus cavalos, em disparada para o castelo, que por sorte estava sob estado de alerta desde o ataque aos barcos. Os protestantes haviam se dividido, então metade de seu grupo menor atacava o vilarejo, enquanto o outro avançaria para o palácio e Sadie, que ainda estava na sacada de Millie, observando a colina, se assustou quando notou que silhuetas desconhecidas desciam pela mesma.

Ela sentiu suas pernas fraquejarem, quando escutou o grande sino dar a primeira badalada.

No mesmo segundo, o coração de Millie preencheu-se de terror. Era o mesmo som, que tinha levado a vida de sua mãe embora. Haviam poucas moças na sala dos tronos, então elas juntaram-se nervosas, enquanto seus maridos afastavam-se com pressa para buscar armas; espadas, punhais, flechas e arcos. Finn ordenou algo aos cavaleiros que estavam de prontidão e eles escoltaram as mulheres de volta para seus quartos.

Caleb que estava conversando com os dois a poucos instantes, afastou-se para a grande janela observando o movimento da colina, tentando enxergar algum brasão, para descobrir quem eram os invasores. Ele juntou-se com um dos guardas e começou a conversar com o mesmo.

A voz de Finn deu um pequeno susto em Millie.

— Escolha um dos cômodos perto do meu e se esconda, porque a qualquer momento podemos usar a passagem secreta e levar as pessoas conosco, se for necessário. Não vá para seus aposentos, porque caso entrarem no castelo, será o primeiro lugar em que irão procura-la. Eles iriam querer matar você, então... — interrompeu-se ele com pressa e fechando os olhos, dessa vez parecendo estar em relutância. Millie engoliu em seco observando sua preocupação. Finn a encarou com profundidade e tocou em sua mão, levando-a até seus lábios para selar um beijo na ponta de seus dedos. — Por favor, apenas dessa vez, não me contrarie.

Eles se entreolharam.

— E você, por gentileza, não morra.

Ambos não sabiam se iriam se ver novamente, mas continuaram com os olhares sustentados sem saber como se despedirem. A correria nos corredores os despertaram da atmosfera singela que havia ficado entre os dois e Finn observou Caleb por cima dos ombros, que retornava à sala com urgência, empunhando duas espadas nas mãos. Ele jogou uma na direção do jovem rei, que a capturou no ar e deu alguns passos para trás.

Wolfhard afastou-se junto com ele em passos rápidos e temeu que aquela fosse a última visão que teria de Millie.

— Os que estão descendo a colina parecem estar em torno de quatro mil, no máximo. — constatou Caleb, enquanto os dois estavam andando pelos corredores, em meio aos nobres que vestiam-se com alguns artefatos de armadura. Ele franziu a testa. — De que tamanho é a sua tropa?

— Agora, são doze mil homens a pé, espalhados em torno do castelo em três acampamentos separados. Se os protestantes parecem estar em torno de quatro mil, então precisamos recrutar cinco. Usarmos quatro mil homens para combater é arriscado e perda de tempo. E com cinco...

— É vantagem e talvez garantia.

— Seja bem vindo à França.

Eles se entreolharam.

— Em posição. — ordenou Caleb em bom som, para que os homens ao redor ouvissem. O tilintar das espadas era ensurdecedor. — Os portões serão fechados assim que estivermos do lado de fora e dali em diante, a fé do altíssimo estará por nós. Os protestantes ainda estão descendo as colinas, então teremos tempo para os impedirmos de entrar.

Finn tomou voz.

— Quero nossos arqueiros nas guarnições das torres, enquanto os ademais soldados, tanto os de fora e de dentro do castelo, irão combater em linha de frente, ao meu comando. — decretava o rapaz, fazendo com que os gritos ecoassem. Ele segurou sua espada com a mão esquerda, girou a mesma entre os dedos, quando escutou o som alto dos sinos e o portão erguendo-se em suas costas. Ele levou seus dedos juntos para a testa, peitoral, os dois ombros e em seguida os lábios, como o sinal da cruz em busca de proteção divina. Wolfhard travou o maxilar, assim que avistou de longe a tropa de rebeldes. — Ao meu sinal.

Os portões foram erguidos completamente e assim os homens espanhóis, de Millie e os homens franceses de Finn avançaram e correram, atravessando os muros para o lado de fora e talvez, dando adeus ao palácio para sempre.

Quando no meio do campo, os dois exércitos encontraram-se, a sensação de devastação foi quase imediata. Wolfhard golpeou alguns que passaram por ele e ouviu grunhidos de homens seus, alguns caindo ao seu lado e outros fincando espadas em inimigos. Grandes facas acertavam as pessoas, por todos os lados. Cavalos pisoteavam os que estavam no chão, contorcendo-se com alguns ossos que haviam quebrado. Finn correu na direção de um dos rebeldes e desviou-se de ser acertado com um machado, para em seguida enterrar sua espada em sua garganta. O sangue começava a sujar suas roupas e seus rostos, mas ninguém saberia dizer de quem e de que lado eram. Caleb não estava muito distante do rapaz, quando um protestante o atacou pelas costas, fazendo com que ele o desse uma cotovelada forte e usasse sua espada para golpeá-lo na costa.

Havia rastros vermelhos por toda a parte e gritos de agonia.

Nas torres, os arqueiros miravam nas pessoas que com muito esforço, conseguiam chegar perto, para que pudessem escalar os muros. Finn tinha sido atacado outra vez, quando começou a cruzar as espadas com um inimigo, que havia o derrubado no chão, tentando acertá-lo de qualquer maneira. O cacheado levantou-se rapidamente, ficando em posição de ataque, machucando-o com um corte no braço quando novamente travaram um pequeno duelo.

Finn ergueu sua arma para tomar a ação seguinte, mas não precisou fazê-la. Um dos cavalos desgovernados de seu exército arrastou o homem para longe, fazendo com que o rapaz desse alguns passos para trás com o susto. Wolfhard estava com os lábios entreabertos.

— Caleb. — gritou ele, para o rapaz do outro lado. Finn estava com as roupas manchadas de sangue e sua bochecha, com um corte superficial. Ele tirou seu foco das gritarias da batalha por um segundo quando McLaughlin o encarou de longe. — Lado sul, agora.

Noah e Jack apareceram e chegaram aos galopes em seus cavalos, descendo os morros.

Caleb assentiu com o comando e correu para o lado sul, golpeando os anarquistas no caminho, alguns mais fáceis e outros mais difíceis. Ele não precisou dizer nada, assim que alcançou os dois conselheiros. Noah colocou seus olhos verdes em Grazer, que assentiu com a cabeça, fazendo com o príncipe saísse às pressas, com uma mão segurando a rédea do cavalo e a outra sua grande espada. Ele estava com um plano em mente, que provavelmente funcionaria apenas no final do conflito.

Jack segurou a mão de Caleb, o ajudando a montar.

— Que belo reencontro. — comentou o cacheado, recebendo uma risadinha de volta.

O cavalo de Grazer estava correndo ao redor da batalha, cercando os protestantes. O marquês que estava atrás, passava sua espada nos pontos mortais dos inimigos; como pescoço e lugares específicos da perna. Houve um momento em que os dois estavam perto da entrada do castelo, quando McLaughlin desceu e entrou novamente em meio do caos.

Finn e Noah estavam no meio do campo.

Grazer ainda montado no cavalo, armou-se com o arco que antes estava em suas costas e mirou em um homem, que estava avançando para perto de Noah, enquanto o mesmo lutava com outro protestante. Ele acertou-o com uma flecha em sua cabeça e em seguida, no outro. No mesmo momento, o castanho pôs seus olhos nele a uma certa distância, parecendo surpreso pelos acertos. O cacheado saiu aos galopes de sua vista com o arco ainda na mão, procurando por Finn.

Jack estava consternado por conta do tumulto, com medo do que estava acontecendo. Aquilo estava sendo um massacre, com cadáveres mutilados pelo chão. Sua respiração estava pesada, enquanto ele observava a cena em câmera lenta. Os católicos haviam vencido aquele combate. Seus olhos encontraram Finn, que no mesmo segundo desenterrava um machado pequeno da costa de um homem. O cacheado não percebeu a chegada de outro inimigo pelas costas, que o golpeou com a espada na região ao lado do abdômen, fazendo um corte profundo. Finn curvou-se com a dor e pôs a mão em cima de sua ferida. Seus olhos castanhos observaram seus dedos vermelhos de sangue, que estavam tremendo por conta do choque.

E antes que pudesse ser acertado de novo e dessa vez de modo fatal, uma flecha acertou a nuca daquele homem, o matando de uma vez.

Jack seguiu com pressa na direção de Finn, ajudando-o a subir no cavalo, enquanto observava os poucos inimigos no campo, repleto de corpos amontoados. Aquele confronto de médio porte havia chegado ao fim e assim os sinos foram tocados, anunciando finalmente o decreto. Grazer analisou a situação do amigo com preocupação, enquanto ele grunhia com a mão em cima do ferimento, observando ao redor.

Noah estava ofegante, com vários cortes pelos braços e Caleb estava com o queixo machucado, enquanto cerrava os olhos e observava os cavalos mortos por seus pés. No campo, metade dos exércitos católicos estavam vivos e assim ele ergueu seu braço, para em seguida soar um alto grito de guerra. Eles levantaram suas espadas, espadins, punhais, enquanto estavam feridos, machucados, sangrando e cansados.

E Finn, do lado de dentro do castelo, ainda estava sangrando bastante.

Assim como Amelia que havia se machucado com uma agulha, no andar de cima do casebre, mas não era assim tão simples.

Ela estava animada com o fato de que seu exílio do castelo estava chegando ao fim, finalmente ela poderia retornar para a corte e dormir em travesseiros de pluma, como sempre mereceu. Havia encontrado aquela fina agulha no vão de sua janela e acabara de perfurar seu dedo, assim levando o polegar aos lábios e sentindo o gosto metálico e peculiar do sangue.

Ela estava com um vestido azul bordado demais para aquele lugar desprezível e seus seios estavam avantajados, por conta do espartilho, em que pediu para os braços fortes de Aiden puxarem os fios, fazendo-a ofegar a cada amarração. Ele não queria, mas eles eram almas gêmeas, faziam de tudo um pelo outro.

Seus pés desceram as escadarias e ela observou a agitação das pessoas do andar de baixo, escutando murmúrios e conversas alarmadas. Foram suficiente poucos dias para que ela notasse que Amboise era um lugar traiçoeiro, não só o lugar, quanto as pessoas miseráveis e infames que viviam nela. Uma boa maneira de saber como estava o mundo do lado de fora sem precisar sair, era descer os degraus de um bar, que também era um prostíbulo.

Ela passou ao lado de um grupo de homens mais velhos, que entornavam doses de vinho barato desde o começo da manhã. Amelia sentou-se no balcão perto deles e continuou observando seu dedo sangrando, enquanto escutava a conversa.

— Muitos homens morreram.

— Foi a primeira batalha do rei Finn, desde que seus pais se foram.

— E aonde está o rei?

— Espero que não esteja morto. Nosso país estará perdido se estiver nas mãos de uma mulher espanhola.

Amelia arqueou a sobrancelha, considerando o comentário.

— Mas eles venceram a batalha. Os malditos protestantes estão mortos e graças aos exércitos de nosso novo rei. Deveríamos agradecer por ele ser um adolescente, porque pelo menos assim tem mais anos de vida.

— Soube que ele ficou gravemente ferido e que um dos seus conselheiros, o que é príncipe de Castela, capturou um protestante e o trancafiou nas masmorras do castelo enquanto a guerra acontecia.

— Eles querem saber quem liderou o ataque, a qualquer custo. Se eu pudesse, os torturaria com prazer.

— Malditos protestantes. Todos deveriam ser enforcados.

Ao ouvir aquilo, o semblante da garota permaneceu distante. Ela puxou seu cordão do pescoço e o abriu, em que havia um símbolo dentro; uma mínima flor com um coração e uma cruz. O símbolo do protestantismo, junto à uma palavra francesa. Amelia escutou outros murmúrios sobre os estados que os corpos estavam, escutou sobre o financiamento dos gastos das armas perdidas, escutou sobre a maneira que os cadáveres ficaram mutilados e resolveu subir as escadas.

Era o bastante.

Ela andou pelos corredores, escutando gemidos escapando pelas portas levemente entreabertas. Mulheres faziam programas, enquanto a garota de fios dourados vasculhava os quartos com seus esverdeados olhos curiosos, avistando membros entrando e saindo de entradas alheias.

Ela estava com um sorriso cafajeste no rosto, relembrando das manhãs e madrugadas em que transava com Finn. Sentiu falta de quando ele a desejava e esperava que não estivesse morto, apesar de ter sua parcela de culpa na invasão e por ter compactuado com a recente selvageria. Amelia não ficaria arrependida caso a morte capturasse Finn, porque ela fazia parte daquilo e tais eram as consequências para os católicos.

Ela soltava algumas risadinhas, pensando em como iria contar para o irmão sobre o ataque protestante no castelo e como ele iria reagir. Talvez ele não gostasse, mas de qualquer forma, ela teria que contar.

E foi em um desses momentos, em que a loira passou pela porta de Aiden e assustou-se com o que viu, fazendo com que o sorriso despreocupado se apagasse do semblante.

Ela escondeu-se ao lado, para que ninguém pudesse notar sua presença e muito menos ouvir um ruído seu, a não ser pelos cavalos dos estábulos, que não ficavam quietos nem um instante. Amelia encostou-se na parede e permaneceu assim, tentando assimilar o que havia visto e tentando criar coragem para pôr suas íris na cena novamente. Ela estava impassível quando segurou no encosto da porta, observando com assombro através de seus olhos verdes.

Aiden estava aos beijos, com um rapaz.


Notas Finais


Agradeço demais o apoio que recebi, sobre personagens, as conversas sobre, os desenhos que ganhei, elogios, comentários, favoritos e mesmo que eu demore meses pra atualizar, vocês sempre estão me encorajando a continuar com a fanfic cada vez mais. Me perdoem se eu demoro, mas alcançar uma satisfação pessoal com a escrita leva tempo e eu não quero entregar um trabalho mal feito para os leitores, porque vocês não merecem isso e tem carinho por Alliance, além de que eu ainda tiro tempo pra estudar "história" mesmo, pra fazer os acontecimentos ficarem realistas. Estou super feliz com o alcance de 23K de leituras em Alliance e 6K aqui no Spirit e 60K em Sirius, porque vocês são surreais e eu, muito sortuda.

Espero não ter decepcionado e sei exatamente o que querem sobre o casal principal. Estou prestando atenção em cada comentário, mas tenham calma, o que vocês querem, está muito perto. Esse capítulo é construção, para o que vem de grandioso no próximo.

Revelei mais alguns segredos nesse capítulo (em meio de vários) e talvez no próximo, tenha a primeira morte de um dos personagens, porque depois é efeito dominó. Façam suas teorias.

A playlist de Alliance está disponível no Spotify, o link está disponível no meu perfil e aqui:

https://open.spotify.com/playlist/5h9Ozu4lFsjILFVQlmnvrk?si=-ueIOQqsSdqch5dfKUawqA

Até a próxima ❤


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