Michael parou seu GMC Terrain na frente do prédio aonde eu tinha uma pequena parcela naquele imenso território, onde eu pudesse chamar de meu. Apenas ali, um lugar que se tornou um casulo, um esconderijo, um lugar onde eu poderia me esconder de todos os males do mundo. Sorri minimamente ao sair do carro e ver de perto a arquitetura belíssima do prédio creme e suas grades negras. Olhei para trás, deixando Adrian passar e ver a sua reação. Ele arregalou os olhos, olhou para a rua, a vizinhança e para os moradores que iam e vinham.
— Você mora em um lugar que... Uau.
— Aqui é legal né? – Perguntei sentindo um gostinho de convencimento.
— Legal?! Aqui é muito mais do que legal... – Ele disse rindo desacreditado. – Como você conseguiu um apartamento aqui?
Olhei para dentro do carro e indiquei os dois homens que ainda estavam lá dentro. Ele olhou de mim para eles e de eles para mim várias vezes. Michael então colocou a cabeça para fora da janela e olhou para Adrian, rindo sem graça.
— Não queria ouvir, mas você sabe né, essa audição potente me faz ser bem intrometido às vezes. – Revirei os olhos. – Eu sou dono do prédio. Não só desse, mas como a Lea estava precisando na época, não tive porquê não ceder um apartamento.
— Ele fez isso porque eu me recusei a alugar um quarto na casa dele todas as vezes em que viesse aqui. – Acrescentei rápido.
Adrian aquiesceu animado, seu olhar me dizendo que ele tinha muitas perguntas a fazer ainda. Eles abriram a porta-malas e Adrian logo foi até a parte de trás do carro, pegando as malas. Me virei para o Alpha dentro do carro e franzi a testa, em um claro sinal de descontentamento. Ele suspirou.
— Eu vou ir até a sua casa mais tarde e iremos conversar sobre o Jake.
— Fique à vontade. Estarei te esperando na forja. – Ele respondeu tranquilamente com um sorriso no rosto. Fiquei com tanta vontade de rosnar, mas me controlei e me curvei sobre a janela daquele carro alto.
— Você não se preocupa nem um pouco com o bem-estar do seu segundo em comando? O seu braço direito? Ou apenas não se importa que outro caia para que futuramente outro não tente tomar seu lugar de poder? – Perguntei, com cada palavra impregnada de sarcasmo.
Ele virou seu rosto para a estrada, ele se tornando sombrio aos poucos. Ele então virou para mim com os olhos azul-turquesa de seu lobo brilhando contra mim, em fúria. Mas não senti o mínimo pingo de medo que deveria sentir.
— Se eu me preocupei em abrigar uma loba selvagem que não faz parte da minha alcateia dentro de um apartamento confortável, em vez de uma gaiola de prata fria.... O que te faz pensar que eu deixaria um dos meus melhores amigos por aí sem qualquer contato, sem me preocupar? – Ele perguntou, se aproximando mais de mim, que nem me mexi. – Quem não sabe o que tem a sua volta é você, Lea. As coisas mudaram desde que você parou de vir aqui.
— Ao ponto do Jake desaparecer, Michael?
— Ao ponto de…
— Vamos entrar? – Olhei para Adrian, que já estava com as duas malas prontas para serem carregadas para dentro do prédio.
— Vamos. Estava me despedindo deles. – Sorri amarelo, voltando-me para Michael, que já estava com seus olhos humanos novamente.
— Isto. Até mais Lea, Adrian. – Michael me olhou uma última vez, aquele olhar de "conversamos depois".
O GMC Terrain acelerou e seguiu a rua. Voltei-me para Adrian, tomando controle da minha mala, puxando sua alça e a levando até o portão com Adrian ao meu encalço. Ele comentava comigo tudo o que via pelo caminho e as minhas duas reações ou eram rir, ou confirmar. Pois sinceramente eu não estava conseguindo me concentrar em quase nada, e quando eu tentava, me lembrava daquele loiro com cavanhaque que sempre olhou dentro de meus olhos. Ele me respeitava como igual, independentemente da situação. Respirei fundo, dizendo para mim mesma que ele estava bem e essa preocupação é em vão.
Atravessamos o simples saguão do prédio, decorado em creme e dourado, dando um ar leve e iluminado ao local. O chão de mármore, usualmente escorregadio – o que causa muitos problemas – estava totalmente brilhante e trazendo-me muitas recordações de Quebec. Logo a frente estava a recepção e, ao lado desta, um corredor com quatro portas de elevadores, cada um parado em diferentes andares.
— Temos que avisar algo na recepção? – Adrian perguntou, me fazendo olhá-lo enquanto parávamos entre as quatro portas de metal.
— Não, somos residentes aqui. Quem pode nos incomodar mesmo é o síndico, uma pessoa ainda pior que o nosso vizinho no Maine. – Informei-o, mencionando a última parte em um rosnado.
O problema não é que nosso vizinho no Maine seja inconveniente, depravado, imundo e nem mesmo um fofoqueiro de carteirinha. Não, eu não ligo para essas características dele, afinal, nem o vejo muito. O problema mesmo é que ele pensa que meu quintal é seu depósito pessoal, onde ele pode jogar qualquer tranqueira que ele não queira dentro de sua casa. Então ele joga madeira, azulejos e até mesmo alguns sacos de roupas íntimas velhas no meu quintal.
O que me deixa extremamente irritada, então quando fiquei loucamente estressada com a situação, chamei Jonathan – que é O Cara. Ele não fica quieto quando vê algo do tipo, como coisas desagradáveis e injustas, então quando contei a ele o que estava acontecendo, ele logo foi tirar satisfação com o meu vizinho. No caso, nunca o havia visto, mas descobri que ele é um vietnamita naturalizado americano e ele trabalhava em casa. No fim daquele dia, o problema foi resolvido, mas parece que ele voltou a fazer a mesma coisa com menos frequência ultimamente.
— Ele jogou água em mim um dia. – Adrian voltou a falar, me fazendo parar e virar para ele e reparando assim que o mesmo havia chamado um elevador.
— Como assim ele jogou água em você? – Perguntei, sentindo minha voz elevar alguns graus.
— Eu estava ajudando uma velhinha a carregar um carrinho de mão cheio de terra, e enquanto eu passava pela cerca viva que tem nos limites do jardim dela, só senti o splash. – Ele começou a rir depois do que contou. – A velhinha viu e começou a gritar com ele, foi engraçado.
‘ Pelo menos sabemos que o vietnamita não ficou impune. ’ Concordei mentalmente, esboçando um sorriso.
— Voltando ao síndico. – Mencionei. – Apenas não fale com ele.
— Tudo bem. – Ele sorriu e olhou para as portas do elevador quando ele chegou ao nosso andar.
Entramos no elevador, comigo dando mais detalhes de como o síndico era e de como ele sempre me barrava quando via eu carregando qualquer caixa que fosse, como se houvesse uma bomba. Me lembrei da vez em que Mitch me deu uma máquina incrível, com um tripé firme de última linha, com quantas lentes fossem possíveis e ainda sim, vinha vários iluminadores e auxiliares do tipo. Era um presente lindo, mas que usei pouquíssimas vezes. E logo no dia em que estava levando os diversos equipamentos para galeria, que chegou o tal síndico e quis confiscar minha caixa com os presentes que Mitch me deu. Teria arrumado uma briga daquelas se Jake não tivesse aparecido.
O elevador abriu as portas no sétimo andar, dando visão a exatamente quatro portas. Uma branquíssima, que ainda não havia morador, uma para as escadas e outra já com um tom azul meia-noite. Essa última porta é a de Jake. Um tapete preto com letras marrons na frente da porta dizia "Entre somente quando convidado". Sorri nostálgica, quanto tempo fazia que não via aquela porta? Tempo demais. Me virei para a última porta à minha frente, preta com um olho mágico dourado.
— Aqui que ficamos. – Adrian murmurou.
Aquiesci, mesmo que não fosse uma pergunta. Abri a bolsa e rapidamente achei um pequeno molho de chaves, com um pingente de meia lua e um pequeno elefante. Trouxe a minha bolsa até perto da porta, colocando a chave mais longa e quadricular na fechadura, girando-a duas vezes e ouvindo o suave som da porta abrir. Empurrei a mesma e sorri ao ver aquele apartamento que a tanto tempo não via. Logo a frente, estava um pequeno corredor com um quadro colorido formando a silhueta de uma mulher de costas e em sua frente, uma floresta pintada em degradê, começando amarelado e escurecendo até se tornar verde. Foi uma pintura que Morgana me deu de presente.
— Pode entrar na frente. – Indiquei para Adrian, abrindo espaço e encostando-me na parede branca em frente ao quadro.
Adrian aquiesceu e começou a murmurar diversas coisas, como se estivesse almejando o que poderia estar dentro deste apartamento. Ele passou por mim e continuei encarando aquela belíssima pintura, feita por alguém ainda mais bela. Alguém que detém sede por sangue e fogo nas veias, sua pele tão leitosa quanto a boneca mais delicada de porcelana. Seus olhos azuis acinzentados com enormes cílios claros, seus cabelos loiros são tão longos, claros e brilhantes que parecem fios de ouro. Ela é alta e seu corpo é delineado, nunca pude dizer o contrário pois ela veste vestidos que marcam demasiado seu corpo. Morgana é uma vampira, de um dos clãs mais temidos e neutros entre os demais clãs vampíricos. Ela é alguém que não se deve provocar, já vi quando o fizeram e garanto que sobrou apenas cinzas do indivíduos.
' Literalmente. '
— Eu acho que você devia ver isso aqui. – Adrian comentou, me fazendo virar para ele.
Ele não me olhava, o que me fez ter ainda mais curiosidade sobre o que ele estava falando. Fechei a porta atrás de mim, olhando uma ultima vez aquele quadro e indo até o meio da sala. A sala é totalmente branca com dois sofás na cor vinho e um tapete felpudo preto no chão. E entre os dois sofás, havia um quadro tomando a parede inteira que estava pintado uma floresta monocromática, com metade da pintura em um tom escarlate mesclado ao laranja, ilustrando o pôr do sol. No meio havia um degradê, azul claríssimo que começava a escurecer até se tornar um tom de azul extremamente próximo ao preto. Vários pontos pratas percorriam o tom que ilustrava a noite, demarcando as estrelas. E na beirada da inferior da pintura, estava escrita a frase: A única fraqueza que você tem, é o medo que acredita ter.
Outra obra de Morgana, obviamente. Me voltei para Adrian e entendi o que ele queria dizer. A sua frente estava a televisão enorme, a sua volta havia cerca de seis prateleiras, três de cada lado da televisão. Nas prateleiras havia uma grande quantidade de livros e umas três fotos distribuídas. Uma delas mostrava eu, Jake, Kurt, Michael, Eleonor – parceira de Kurt – e Habel em um bar no centro da cidade. Uma outra estava eu e Mitch logo após eu contar a ele que sou um ser sobrenatural, ele estava me abraçando por trás enquanto eu sorria com as bochechas coradas do frio. Eu gosto demais dessa foto, nunca pude me desfazer dela. E a terceira e última foto é uma em que Danila está transformada em puma, deitada sobre minhas pernas enquanto eu lhe afagava, Alexander ao fundo de costas e Pearl ao meu lado. Foi tirada na época em que Alexander veio em uma das minhas primeiras exposições.
Cocei a nuca, tentando afastar todas as lembranças que aquelas fotos estavam trazendo, olhando para a tela da televisão aonde estava colado um papel com os dizeres:
"Você é muito hipócrita! Quando voltar, nem pense em me ver sua egoísta."
É inegável que a letra pertencem ao Jake, que escreveu aquilo da última vez em que nos vimos. Brigamos feio, pois a apenas algumas horas da briga, havíamos transado. Ele chegou em um momento que eu estava recordando de como era estar com Mitch e ele bateu na porta. Quando fui atender, tive a visão de Jake com os cabelos molhados, sem camisa e com apenas uma calça de pijama. Sei que naquele momento não consegui deixar de notar a forma como o tanquinho dele estava levemente molhado, comprovando que ele não tinha a intenção de ficar apresentável ao tocar minha porta.
Fomos dormir depois de tudo, mas quando acordamos, brigamos pelo fato de eu deveria ir ao Maine e depois para outros lugares. Avisei a ele que demoraria a voltar a vê-lo e ele começou a me interrogar, como se eu devesse algo a ele, mesmo que nós dois soubéssemos que foi sexo casual, o problema não foi o ato que fizemos, mas sim que fizemos ele. Ultrapassamos as barreiras da amizade e elevamos a outro grau. Mas acho que nenhum de nós dois pensaria que nossa relação chegaria a tal patamar, deixando ambos confusos, e assim, sensíveis a qualquer outra coisa. No dia, ele foi embora primeiro, e quando fui a sala para tentar alcançá-lo, vi esse "carinhoso bilhete" e fiquei irritada e fui embora sem me despedir.
Ambos deixamos nossas emoções tomar conta de nossos corpos e fizemos o que queríamos, sem perceber se estávamos nos magoando. Respirei fundo, não tive coragem de tirá-lo dali, e agora ele estava ali, me encarando e mostrando o quão idiotas os lobos podem ser.
— Foi Jake quem escreveu isso. Tínhamos acabado de brigar, então entendo porque ele fez isso. – Expliquei para Adrian.
Ele me olhou com o cenho franzido, como se a explicação não fosse o suficiente.
— Ele foi bem estúpido em fazer isso. – Adrian retrucou baixo, com raiva.
Olhei para ele e vi como ele começou a odiar Jake quase que instantaneamente. O cheiro da raiva de espalhando pelo cômodo, e não tive como não perceber que essa é a primeira vez que o vejo sentindo esse sentimento. Sorri, pegando sua mão quente e lhe sorrindo, mas ele continuou com o semblante fechado.
— Não quero que guarde rancor dele Dreh. Lobisomens podem ser bem impulsivos e ridículos quando querem, às vezes, você pode me ver assim também. – Baguncei seus cabelos e joguei minha bolsa em cima do sofá. – Venha, vou te mostrar seu quarto.
Felizmente, comprei duas camas. Uma cama de casal de quando eu de fato comprei a mobília do apartamento, e outra para quando comecei a receber hóspedes. Mas como não era sempre, o quarto acabou ficando bem bagunçado, apesar de ser limpo sempre.
Me dirigi ao pequeno corredor com duas portas de um lado, e apenas uma do outro. Abri a primeira porta à minha esquerda, revelando o quarto que Adrian passaria a chamar de seu. Logo a frente estava uma cama de solteiro, porém, com várias caixas pelo quarto. Todas fechadas. E no canto do outro lado do quarto, estava um armário de quatro portas branco com detalhes marrons. O quarto é bem simples, todo branco com piso da mesma cor.
— Como pode ver, ele não está habitável no momento. – Comentei sem graça, olhando logo em seguida para ele, que estava quieto.
' Ele realmente está bravo.'
Ah, não me diga.
Ele estava com os olhos frios e não brilhosos como me acostumei a ver, está rígido e parece que não está ouvindo nada do que eu acabei de dizer. Me virei para ele e o chamei, mas ele nem mesmo me olhou.
— Adrian! – Chamei alto, sem gritar e ele finalmente olhou para mim. – Esquece o que você acabou de ver. Não fique com rancor de alguém que você nem mesmo conhece.
— Mas ele... Te ofendeu, mesmo com você se preocupando com ele. – Ele me respondeu, sua voz cheia de pesar e persistência. – Eu não entendo como você pode perdoá-lo.
Sorri, entendendo seus pensamentos. O problema, é que Adrian ainda não magoou ninguém para saber o real significado de perdoar. Perdoar significa você fazer uma pessoa se desfazer de todas as mágoas que um dia ela te fez passar, saber perdoar é lembrar a si mesmo que todos cometem erros e curar a si mesmo de todo o rancor.
— Perdoar é muito mais complicado do que você acha, Adrian. Quando você magoar alguém você vai entender porque eu perdoei Jake. – Ele me encarou, absorvendo todas as minhas palavras e assentiu. – Como esse quarto está muito bagunçado, você vai dormir comigo por alguns dias.
Ele assentiu novamente e notei, que ele tentava me esconder a forma como estava se martirizando. Adrian é muito sensível.
— Se não tiver problema, eu posso ficar aqui enquanto você vai falar com Michael. – Ele propôs, olhando no fundo dos meus olhos. – Eu arrumo essa bagunça aqui.
— Não, ainda temos que ir a galeria, não posso te fazer voltar sozinho para casa enquanto eu vou resolver outros assuntos. – Reprovei a ideia, me dirigindo a porta ao lado, abrindo-a e revelando meu quarto.
— Está tudo bem, eu posso voltar sozinho ou então outra pessoa pode voltar comigo. – Ele novamente propôs. Revirei os olhos perante a insistência.
' Ele é nosso filho afinal. ' Comecei a rir internamente com a ironia.
— Quem eu posso fazer voltar com você Adrian? – Perguntei, realmente querendo saber.
— Qualquer pessoa. Não é como se eu fosse ser molestado. – Ele riu de lado e voltou-se para mim, seus olhos começando a aderir um brilho arteiro.
Entortei o lábio, vendo como ele começava a se parecer comigo, percebendo apenas agora o quanto começamos a ficar parecidos. Convivência da nisso, ri e comecei a pensar em todas as pessoas que poderiam ficar com Adrian. Nenhum lobo vai querer sair de suas atividades para ficar com ele, afinal, não estava em suas responsabilidades cuidar do filho de uma fêmea de outra alcateia e não imagino Habel ficando aqui com ele, no fim das contas ela não consegue ficar parada. Tentei pensar em qualquer pessoa que poderia fazer companhia para ele. Na galeria, muitas pessoas provavelmente estariam fazendo a decoração do lugar pois já havia avisado Habel que cheguei e ela já deve ter agilizado as coisas. Mas, eu acho, que posso conseguir alguém que não esteja fazendo nada lá.
— Eu acho que posso conseguir alguém. – Ele abriu um sorriso enorme. – Mas, se eu não conseguir, você vai ir comigo em segurança.
— Tudo bem, feito. – Ele continuou sorrindo, se dirigindo ao meu quarto. – Você se importa se eu colocar minhas coisas aqui?
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, sinto meu celular vibrar no meu bolso. Indiquei o mesmo para Adrian e me virei, pegando o aparelho e desbloqueando, aparecendo instantaneamente a mensagem recebida, de ninguém mais, ninguém menos do que Habel.
“ Estou a caminho do seu apartamento. Eu necessito que você vá até a galeria, além da sua opinião ser importante para todo o evento, preciso que conheça algumas pessoas.”
— Vamos ter que sair mais cedo do que imaginei. – Digo enquanto me viro para olhá-lo.
Arregalei os olhos ao ver o que ele fazia. Ele segurava um arquivo, tal contento apenas seis folhas, algumas com a folha levemente manchadas de lágrimas. Fui até ele a passos largos e lentos, parando atrás de si e peguei dele, guardando debaixo do travesseiro da cama ao lado.
— O que é isso? – Ele perguntou inocentemente.
Respirei fundo, sem responder. Esse arquivo é algo que me faz lembrar de tudo de antes de ser lobisomem, de todos os 18 anos que eu vivi. Da adolescência jogando voleibol, quando eu decidi sair do clube e logo depois, quando meu pai começou a trabalhar muito mais do que já trabalhava, e assim, me torturar ainda mais. Engoli em seco, enquanto me lembrava de quando ganhei isso.
“ — Mitch, como você conseguiu isso? – Perguntei assustada, olhando para o conteúdo do arquivo rapidamente, logo em seguida erguendo os olhos e encarando o homem em pé, com roupas escuras pesadas por conta do frio, fazendo seus olhos ficarem mais claros em contraste.
— Eu disse que iria descobrir alguma coisa sobre seu pai. – Ele respondeu, aproximando as mãos do rosto, para logo depois guarda-las nos bolsos do sobretudo.
— E o que tem aqui?
— Não muito, mas o suficiente para você entender o que ele fazia com você e por quê o fazia. Não fiquei surpreso depois que li tudo, depois que você me contou sobre o seu mundo. – Ele hesitou, olhando para a neve que aterrissou no chão do parque.
— Está querendo dizer que ele… – Engoli em seco com o pensamento.
— Sim, estou.”
— Eu explico de noite. – Fechei os olhos bem forte, me virando e tentando sair do quarto.
— Você está bem? – Me virei para ele, encarando seus olhos escuros.
Adrian cai bem no quarto, notei enquanto tento esquecer do arquivo pelo menos, por enquanto. As paredes são brancas com várias respingos de cores diversas, com vários pequenos quadros e fotos, das mais diversas coisas, usualmente tem fotos dos lugares que quero ir, como Florença. Morgana sempre tentou me fazer pedir algo a ela, para que ela pudesse me dar como presente. Mesmo eu negando inúmeras vezes, seu parceiro Eros, me ganhou quando disse algo que me soou extremamente atrativa.
“ — Nós já viajamos por todo o mundo. Tem certeza de que não quer nada? ”
Deste então, o amaldiçoo e agradeço. Eros sempre foi alguém que se ele quer algo, ele tem. Ele acompanha Morgana em todas as suas viagens como um bom parceiro, companheiro. O parceiro de vampiros são diferentes dos de lobisomens. Para os lobisomens, os parceiros são a metade que sempre procuramos, o nosso amor. Já para os vampiros, são amigos extremamente próximos, alguém com quem você pode ter uma confiança que ultrapassa os limites e que te acompanha em todas as suas jornadas, como se fossem da mesma família.
Olho para Eros, com seu nome tão sugestivo que sinto-me levemente entusiasmada em sua presença. Ele tem cabelos escuros em contraste com sua parceira, tem pele um pouco menos leitosa que Morgana, mas igualmente belo. Ambos são altos, mas Eros tem dez centímetros a mais, seu corpulento corpo é ágil e fortalecido com o tempo. Seus olhos são avelãs brilhantes, mas sobre qualquer perigo, eles escurecem de forma que ele se parece ainda mais com a criatura que é, me fazendo lembrar o quão incerto é ficar no caminho de vampiros. Ele e Morgana são do mesmo clã, o Beciller.
No fim, pedi que ela fizesse pinturas do lugar que ela já havia visitado e depois de dois meses, ela me deu dez pequenos quadros – do tamanho de porta retratos. Ali estava Florença, Oslo, San Miguel Allende, Atenas, Viena e os mais diversos lugares. E tirando as pinturas, havia um criado mudo do lado da cama de casal de madeira escura e com uma colcha azul marinho. E ao lado da porta do quarto, um armário com seis portas e três gavetas.
— Habel já deve estar chegando. Deixe suas coisas aqui mesmo e vamos. – Me virei, lembrando-me que estava apenas com meu celular no bolso.
O interfone tocou, com o porteiro avisando que a Habel já havia chegado e estava nos esperando. Apressei Adrian e logo já trancava a porta, chamamos o elevador e assim que ele chegou, entramos e Adrian começou a perguntar como era lá. Que tipo de lugar seria uma galeria?
— Lá tem muitas janelas. – Respondo-lhe.
— Não é aqueles prédio que as paredes são vidros? – Ele perguntou, virando-se para mim e apoiando o ombro no espelho do elevador.
— Tentamos evitar isso. Não queríamos que vissem as obras de fora, pois assim eles poderiam ver elas do lado de fora. Então lá tem muitas janelas colocadas de forma estratégica para não ter vista as paredes que normalmente tem obras.
— Vai muita gente no dia da exposição? – Pensei um pouco para responde-lo.
— Convidamos as pessoas normalmente a nossa exposição. Amigos, pessoas influentes no nosso meio, pessoas que devemos convidar pois nos patrocinam. Normalmente vai mais de cem pessoas. – Respondi-lhe enquanto tentava me lembrar da última exposição em que fui.
— Isso é muito. – Ele diz surpreso. – E todas são sempre compradas?
— Sem exceção.
Ele ergueu as sobrancelhas visualmente em choque, afinal não é sempre que alguém diz que ganha muito em apenas uma noite. Mal sabe ele o preço estipulado por cada obra. Mas em resumo, o salário é bom o suficiente para dar minha parcela de salário a alcateia e pagar as contas do apartamento e da casa, sem me fazer nenhuma falta. No fim, eu nunca me apeguei de fato a dinheiro.
O elevador abriu e saí primeiro, com Adrian ao meu encalço com seus pensamentos embaralhados diante ao que lhe contei, nem mesmo precisa ser algo sobrenatural para perceber. Consegui ver ao longe o Mini Cooper vermelho, com a dona ruiva encostada no carro, mexendo freneticamente no celular. Habel é uma encantadora ruiva levemente puxado ao loiro, com seus cabelos indo até os quadris e sua pele branquíssima, combinando com o cabelo e as sardas quase imperceptíveis no nariz e abaixo dos olhos. Ela ergueu os olhos, mostrando-os incrivelmente azuis, combinando com a saia até o joelho tubinho azul royal e a camiseta branca com os primeiros botões dourados, abertos. Ela ainda vestia uma jaqueta branca por cima, por causa do vento frio.
— Quebec tem muitas pessoas bonitas. – Adrian comentou e ri.
— Eu pensei a mesma coisa quando vim para cá pela primeira vez. – Ele consentiu, com um sorriso adornando o rosto. – Aquela é a Habel, não se surpreenda com o jeito dela.
— O que ela tem?
— É muito corrida. – Respondi, chegando perto dos portões do prédio.
Ele aquiesceu e passou primeiro quando abri o portão. Habel sorriu, seus lábios pintados de vermelhos, fazendo seus olhos ganharem ainda mais destaque. Ela veio até mim e me abraçou, se curvando um pouco para fazer tal ato. Habel é uns bons oito centímetro mais alta do que eu, ainda mais com seus saltinhos que ela não larga.
— Temos que correr, precisamos decidir as cores da exposição! – Ela se virou de costas, para ir até o carro, mas se virou com os olhos levemente arregalados. – Você é o Adrian não é mesmo? Já ouvi muito de você, mas eu pensei que fosse mais baixo.
— Tenho 1,75. – Ele disse com uma voz aveludada, sua forma de ser educado.
Ela ergueu as sobrancelhas e olhou para mim, e eu devolvi seu olhar como quem dissesse: Eu sei educar um ser humano. Ela balançou a cabeça e apressou nos para que entrássemos no carro. Adrian olhou para mim, e eu balancei a cabeça, apenas indicando para que ele entrasse.
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Habel não conseguia não ficar de boca fechada dentro do carro, no fim, ela é o tipo de pessoa tagarela. Não que isso me aborrece, até dá margem para saber o que vem acontecendo por aqui. Parece que ela tem atualmente cinco estagiários, tem umas vinte pessoas tentando dar uma repaginada na galeria pela exposição e atualmente ela está solteira – não sei como seu estado civil apareceu na conversa. Pelo que entendi, as coisas estariam bem mais rápidas se eu entrasse mais no email, mas me desculpe se eu prefiro ficar na floresta ao invés da Internet.
Ela parou em frente a galeria e saímos do carro. Logo a minha frente estava um caminho formado por alguns degraus longos, que é cercado por azaleias, trazendo assim para a fachada da galeria um aspecto carismático. O jardim que se segue por trás das azaleias é cheio de orquídeas de diferentes cores e a grama esmeralda dando-lhe um ar bem vivo, com algumas dolomitas brancas nas extremidades para contradizer a cor das flores e das azaleias. A visão que tenho dele é um prédio de dois andares, feito com madeira escura na companhia de cores pastéis, com detalhes ornamentais negros junto a oito janelas só na frente.
— Muitas janelas. – Ouvi Adrian comentar.
— De dentro, as janelas fazem bastante jogo de luz de dia. De noite elas dão um ar elegante e misterioso com as molduras negras. – Habel explicou e eu concordei.
Troquei olhares com Adrian, fazendo uma expressão como se eu dissesse “Eu estou certa!” e ele revirou os olhos, concordando comigo ao fazer uma expressão bem exagerada em resposta. Eu adoro saber que eu e Adrian estamos na mesma frequência.
— Vamos entrar? – Sugeri e Habel foi na frente.
— Agora eu entendo o que você quer dizer. – Adrian cochichou comigo e só pude rir.
— Ela é perfeccionista demais. – Afirmei, encaixando meu braço no dele.
Habel abriu uma das duas portas pesadas também negras, mas essa com inúmeros detalhes brancos, e se você olhasse muito para eles, começariam a enxergar várias formas. Eu vejo uma lua com o mar, mas Danila uma vez me disse que vê montanhas, então fica a cargo de cada pessoa ver o que quer ver. Passamos pela porta, abrindo visão a várias pessoas indo de um lado para o outro.
— Necessito que você escolha duas cores! – Habel disse alto, muito a frente de nós dois.
— E eu preciso que você fique parada. – Falei em contra resposta, notando quantos cheiros estranhos há dentro do lugar.
A galeria é bem larga e comprida, com várias paredes finas pelo recinto que não alcançaram o teto alto, de forma a espalhada por todo o recinto, proporcionando vários tipos de posições para expor as fotos. Lá no fundo, estava as fotos em tamanhos enormes se comparados a tela do celular. Habel parou logo a frente e esperou que a alcançássemos com seu semblante calmo, entretanto, levemente preocupado. Quando estávamos ao seu lado, notei assim todos que estavam trabalhando, coisa que não pude ver pois algumas paredes em diagonais tampava a visão.
— Você prefere quais cores? Da última vez foi vermelho mohagany e prata, temos que fazer algo diferente desta vez. – Ela então foi até a escada mais próxima que dava ao segundo andar, deixando sua bolsa em um dos degraus e pegou uma paleta grossa e veio até nós. – O Sr. Espinoza deixou esta paleta de tecidos conosco para a decoração.
— Espinoza? Não me lembro de fazermos negócios com alguém com este nome. – Questionei, tentando me lembrar de alguém do tipo.
— É um dos sócios do Sr. Ackles, ele tem uma empresa de fios e tecidos e gostaria de ajudar na exposição. – Quanto mais ela explicava, mais um sorriso se abria em seu rosto.
— Isso é uma grande boa vontade. – Digo, olhando para os tecidos no caderno.
— Não é? – Ela abriu ainda mais o sorriso.
' Suspeito também. Vamos ficar de olho nesse cara. ' Concordo veementemente.
— Mas quando vai ser a exposição? – Adrian perguntou, olhei para ele e percebi o modo que ele olhava para os lados curioso.
— Em cinco dias. Mas como eu sei que a Lea é ocupada, vou alugar ela apenas hoje e logo depois de amanhã. – Ela disse, olhando para os tecidos junto comigo. – Olha este verde água, ele é levemente brilhoso, e se você dobrá-lo, ele muda levemente para um verde lunar…
— Também gostei. – Murmurei, olhando fascinada para o tecido junto a ela. – Este branco aqui também é bem atraente, ele tem alguns desenhos quase imperceptíveis, mas quando você flexiona, ele fica levemente dourado.
— Gostou das duas? Vai ser elas? – Ela olhou para mim como se estivesse dizendo "Você vai me livrar desse problema né?".
— Sim, pode ser essas. – Aquiesci risonha, olhando como ela ficou animada.
Olhei para a minha direita quando comecei a sentir alguém me encarando. Um cheiro intenso de vinho com toques fortes de almíscar, denunciando que ele estava a poucos metros dali. Olhei para todos os lados procurando pelo cheiro forte que me chamava tanto atenção, mas várias pessoas apareceram na minha frente, como os estagiários e a própria Habel, que começou a informar as pessoas que estavam trabalhando na decoração quais cores pegar para os tecidos que decoraria toda a galeria. Mas assim que meus olhos se encontraram com outros castanhos claros com pequenas cristalizações pretas, soube que achei quem procurava.
Ele é alto, com o blazer que usava destacando a forma de seu tronco robusto e ombros largos, sua forma musculosa e definida passa a mensagem de destaque – não dá para não nota-lo – ele não deveria ter mais de 1,80 de altura, seus cabelos negros curtos milimetricamente cortados para parecerem bagunçados. Seu rosto com a barba por fazer e seus lábios um tanto quanto carnudos se estendendo até formar um sorriso cafajeste que imediatamente soube, que fora direcionado a mim. Ele conversava com um homem pouco mais alto que ele mesmo, porém o outro tem pele um pouco mais parda e de longe qualquer um conseguiria ver suas tatuagens cobrindo a pele do pescoço. Seus cabelos eram ralos e cortados para ter somente em cima diferente do primeiro sua postura extremamente esguia e seu blazer mostrava que mesmo sendo magro, tem um corpo sensual.
‘ Você notou que secou aquelas duas beldades? ’
Me virei para Habel, me sentindo corar – minha loba está certa. Ela estava de costas para mim, de forma que eu tive que retomar a compostura e então lhe chamar a atenção. Não consigo nem olhar para Adrian, pois sei que ele viu tudo e está se segurando para não rir da minha cara.
— Quem são aqueles? – Notei como Adrian mordeu os lábios para não gargalhar.
Habel olhou para mim e seguiu minha linha de visão, para logo em seguida sorrir daquele jeito que mostra seu interesse sem nem mesmo disfarçar. Ela se aproximou o máximo que pode de nós, fazendo eu e Adrian fazermos o mesmo movimento.
— O mais alto é o Sr. Espinoza e o outro é o Sr. Reinhard, eles aparentemente são amigos ou colegas de negócios. – Ela então começou a fazer inúmeros gestos. – O Sr. Espinoza alegou que está extremamente ansioso para nossa exposição, mas eu não consigo acreditar como aquele pedaço de doçura seja tão educado e galante.
Revirei os olhos, não acreditando que ela estaria tão magnetizada pelo nosso cliente tão generoso. Ela se atrai pelas pessoas muito rápido.
— E o outro, o mais baixo? – Perguntei indicando discretamente com a cabeça.
— Ele está aqui representando alguém e a ele mesmo para receber o convite da exposição e assim participar, já que parece que a seu representante está muito ocupado. – Ela respondeu e se virou novamente quando alguém chamou seu nome.
— Nossa, mãe, você poderia ser mais discreta não é? – Adrian perguntou e pela nossa proximidade, deu para sentir o sarcasmo bem no fundo de suas palavras.
— Adrian, quando aprendeu a ser tão assim? – Perguntei ironicamente, fazendo ele rir escandalosamente, já que desta vez, não tem como ele passar vergonha na frente de pessoas que ele não conhece direito.
Um outro cheiro muito semelhante ao da Danila chegou até mim, me fazendo crer que a muitas pessoas interessantes hoje aqui. Não fiz muita questão de procurar, pois o dono de tal cheiro estava bem a minha frente, conversando com a Habel. Ele tem cerca de 1, 78 em média, magro mas com uma boa massa muscular, de forma que não o deixe nem franzino e muito menos malhado. Sua pele é branca com aspectos avermelhados sugerindo um corado natural dele, fazendo assim me fazer perceber como ele é afoito e não consegue ficar parado. Seus cabelos são castanhos achocolatados medianos, de forma que em cima tem cerca de seis centímetros de comprimento e a partir da orelha, começa a diminuir até a nuca, que é raspada. Ele tem cílios grandes, porém levemente mais claros que o cabelo, dando-lhe um aspecto agradável, e seus olhos são tão escuros quanto os cabelos, porém, mascarados por um óculos de grau de armação redonda. Cutuquei Adrian, fazendo o mesmo seguir meu ponto de vista e franzir o cenho.
— Quem é ele?
— Eu não sei. – Respondi sinceramente. – Mas ele tem um cheiro diferente.
— Que tipo de cheiro? – Perguntou Adrian curioso.
— Um cheiro que indica não ser humano. – Cochichei e disfarcei, constatando que o indivíduo já sabia que falávamos dele.
— Um alien que não pode ser. – Olhei feio para ele, que deu de ombros. – O que acha que é?
‘ É um cheiro muito semelhante ao da Danila, mas não acredito que ele seja da mesma raça que ela. ’ Afirmei para ela. Selvagens estão em extinção, não tem como aparecer um outro bem em minha frente. ‘ Mas se não for um Selvagem… O que é? ’ Dei de ombros, sem saber como responder.
— Eu tenho um palpite do que ele pode ser, mas acho isso impossível. – Murmurei para ele, tendo certeza que ele ouviu, me virando de costas para o indivíduo e fazendo Adrian fazer a mesma coisa.
‘ Modo agir discretamente ativado! ’ Sorri com a animação dela.
— Acha que ele é o que? – Adrian fez minha atenção voltar para ele. – Ele me parece bem normal.
— Todos parecem normal na sua forma humanos, mas com o tempo você aprende a diferenciá-los, principalmente quando se é um sobrenatural. – Expliquei a ele, que assentiu com os olhos vagando, provavelmente tentando saber a diferença das espécies.
— E qual raça você acha que ele é? – Olhei para ele, mordendo os lábios indecisa.
— Uhm… Um Selvagem, mas eles estão em extinção, não tem como ter um tão próximo do outro. – Falei, me referindo a Danila que está do outro lado da fronteira.
— Talvez ele esteja aqui por causa dela.
Arregalei os olhos, o que Adrian disse faz muito sentido. Não me é estranha a ideia de que ele esteja aqui procurando pela Danila, na verdade, deveria ser a primeira coisa que eu deveria ter pensando. Quando se faz parte de uma raça em extinção, você normalmente teria de procurar alguém da mesma raça que você – pelo menos eu acho que é o que se deveria fazer. Apesar de que pelo que eu já conversei com Danila – e olha que eu sei ser bem insistente – ela nunca procurou alguém de sua raça, ela até mesmo parece querer ficar longe deles. Como da vez em que lhe contei da Selvagem Scarlet, aquela que se transforma em raposa. Ela recuou imediatamente com a possibilidade de um encontro com a outra.
Não consigo entender a atitude dela, mas também, eu não faço parte de uma raça em extinção, então não posso palpitar. No entanto, você nunca sabe o que um pequeno grupo pode fazer quando se conhece algo diferente… Então nunca insisti novamente no assunto. E se ele está procurando pela Danila, é muito palpável a ideia dele estar aqui por ser um lugar que ela vem “regularmente”.
Virei-me para trás, sentindo que ele ainda estava próximo pelo seu cheiro.
‘ É incrível como estamos percebendo tantos cheiros diferentes hoje. Primeiro o Reinhard ali, agora esse cara aí. ’ Parando para pensar, ela tem razão. ‘ É claro. ’
Revirei os olhos com a capacidade de minha loba de estar certa e ser egocêntrica ao mesmo tempo. Tentei reparar em como ele era, tentando perceber se ele pode mesmo ser um Selvagem, mas ele age de forma tão humana que essa se tornou uma coisa bem dificil de se entender. Eu mesma não teria desconfiado dele se meu olfato não fosse assim tão apurado. E tenho certeza que Habel nem mesmo notou quando o contratou, pois ela é quase totalmente leiga sobre o assunto. Ela só sabe que de fato existem seres sobrenaturais, mas ela nunca quis saber mais do que isso.
— Olha. – Adrian chamou minha atenção. – A única forma de saber se ele é alguma outra coisa, melhor dizendo, outra espécie é perguntando diretamente a ele.
‘ Ele tem razão! ’
— Como eu posso chegar nele e perguntar “E ai, você é um ser sobrenatural?”.
— Ue mãe, seja um pouco indiscreta. E se ele for mesmo algo, ele deve saber que você é uma lupina também. – Ele deu de ombros, virando-se para o lado em que o indivíduo e Habel estavam. – Para onde ele foi?
— Ele não estava com a… – Não, ele não estava com a Habel.
Olhei para todos os lados, procurando por ele. Até que vi ele andando rápido demais para o banheiro. Mordi os lábios, pois meu primeiro impulso iria seria correr atrás dele e descobrir o que de fato ele é – apesar de não ser da minha conta, mas estou curiosa. Entretanto, eu não vim sozinha a Quebec, eu vim com o Adrian e minha função aqui é permanecer ao seu lado até que chegue a hora em que eu seja obrigada a sair do meu posto. É minha função como mãe, mostra-lo essa parte da minha vida que tanto prezo e incrementa-lo nela.
— O que você está fazendo? Não vai atrás dele? – Adrian perguntou sem entender, olhando de mim para o lado em que ele achou que o cara foi.
— Adrian eu não posso, tenho que ficar aqui com você. – Expliquei, reforçando meu aperto em que meu braço exercia com o dele.
— Do que você está falando? – Ele perguntou ficando irritado, soltando meu braço do dele, me fazendo franzir a testa. – Eu quero que você vá atrás dele! Ele vai fugir!
‘ Adrian eu te venero.’
— Do que vocês estão falando? – Perguntei ao Adrian e minha loba.
— Estou falando que você vai descobrir o que aquele cara é e depois vai me contar. Não quero saber se seu dever é me acompanhar na sua galeria. Você só tem que ir atrás dele e me deixar aqui fuçando nesse lugar incrível, pois essa é a minha função! – Seu rosto estava vermelho depois de terminar o que tinha que falar, ele respirava pesadamente, como se estivesse ficado sem fôlego de repente.
— Tem certeza? – Perguntei colocando uma mão em seu ombro. Ele me surpreende tanto, por isso que eu amo esse garoto.
— E você ainda pergunta?! – Ele retrucou em voz alta, me fazendo rir. Seu rosto ficou levemente corado, como se só agora tivesse percebido o que estava falando. – Só vai atrás dele e deixe meu lado curioso tomar conta de mim.
Comecei a rir, sem conseguir parar. Adrian é o melhor garoto de quatorze anos que eu conheço, ele sempre acaba me surpreendendo de uma forma ou de outra. O jeito que ele pode ser emotivo, sincero e acima de tudo, ele mesmo... Me encanta.
— Não saia da galeria até eu voltar, okay?
— Okay. – Ele então abanou a mão, querendo dizer para mim ir logo.
Olhei para os lados, notando o modo como o Reinhard também notou como o estagiário se apressou em sair do recinto. Trocamos olhares, seus olhos deixando no mínimo explicito que sabia qual era a situação. Desviei o mais rápido que pude minha atenção dele, para me dirigir ao lugar que o estagiário havia ido: o banheiro masculino. Tentei não chamar a atenção para mim mesma, de forma que ninguém me parasse a caminho daquele lugar – vai ser extremamente vergonhoso se alguém notar.
‘ Estamos a caminho do banheiro masculino, tem como não ficar envergonhada? ’
A galeria é bem ampla, mas a dois corredores em laterais opostas, logo abaixo de cada escada que fica nestas laterais. Passei uma das escadas que fica a esquerda e logo apareceu uma parede que forma um corredor, logo no começo dela tem uma pequena placa com o símbolo masculino, indicando para onde o corredor leva. Meu rosto começou a ficar corado com o lugar em que estava indo, mas chacoalhei a cabeça, tentando desviar meus pensamentos. Uma porta esfumaçada branca surgiu, então girei a maçaneta e coloquei primeiramente a cabeça para dentro, e depois o resto do corpo.
O banheiro masculino tem o piso branco, com seis cabines e o mesmo número de mictórios no fundo, com o espaço que homens precisam para suas necessidades – sem comentários. Seis pias se dispunham logo ao lado da porta em cima de um longo balcão de mármore, de forma que eu logo vi um par de roupas amassadas sobre uma delas. Me aproximei pegando nas roupas e olhando para os lados, mas… Realmente, não havia ninguém ali, nem nas cabines e muito menos embaixo das pias.
‘ Para onde ele foi? ’
— Não tem como ele ter ido a outro lugar. – Murmurei para minha loba, e me virei indo checar de fato as cabines. Pois eu só sabia que não havia ninguém pela ausência de qualquer cheiro.
‘ Não tem outro lugar para ele ir, a trilha do cheiro dele vem para cá.’ Ela afirmou com certeza.
— Não tem ninguém nas cabines, isso é um fato… Mas para onde ele foi? – Perguntei para nós duas. Me virei em direção as pias e me apoiei no mármore do balcão.
‘ Que droga! Dele deveria estar aqui. ’ Ela reclamou, extravasando meus pensamentos.
Me olhei pelo enorme espelho a minha frente, meus olhos de diferentes cores – um azul e outro verde acastanhado – estavam ambos tomando a cor verde bem vibrante. Como eu gostaria de falar com aquele garoto, o estagiário de Habel. Perguntar o porquê dele estar aqui e porquê ele estava fugindo de mim.
‘ Ele deve estar fugindo por não ter conhecido nenhum lupino. ’
— Pode ser. – Murmurei incerta. Suspirei e fechei os olhos, jogando a cabeça para trás e colocando as mãos nos bolso do meu moletom.
‘ Vamos achar ele! Vai ser nossa meta – pelo menos por enquanto. ’ Ri, vendo como minha loba tentava me animar. ‘ Feche os olhos e respire profundamente. ’
Fiz o que ela pediu, respirei profundamente. Comecei a sentir os cheiros dos produtos de limpeza usados no banheiro, mas além deles… Algo extraordinariamente minúsculo. Tão diminuto, que de fato eu não o sentiria se não tivesse me concentrado tanto quanto agora. Era o cheiro semelhante ao de Selvagem.
Abri os olhos, descendo minha visão do teto até o espelho. Sorri triunfante. Em cima do espelho estava um camaleão branco tremeluzindo ao verde, bem pequeno, com míseros dez centímetros. Ele estava se camuflando na parede branca do banheiro, e a cada passo que dava lentamente, parecia ser em slow motion. Fiquei olhando para ele, tentando fazer ele perceber que eu já o tinha visto. Ele olhava determinado para frente, dando cada passo mais lento que o outro, até que seus pequenos olhos vieram até mim e ele paralisou
— Eu te achei. – E sorri largamente, sabendo que meus olhos estavam transparecendo os da minha loba, tamanha a felicidade dela ter alcançado sua meta provisória.
Os atos seguintes foram muito rápidos.
O estagiário em forma de camaleão correu tão rápido que quando eu pisquei, ele já pulava de cima do espelho para o balcão da pia. Tentei pega-lo com as mãos, mas ele pulou tão rápido quanto antes para o chão e passou pela porta. Bufei e corri até a porta, puxando sua maçaneta e ela estranhamente vindo mais rápido até mim do que a força que eu usei para puxá-la. Soltei um xingamento com aquele estranho acontecimento, olhei para o chão quando a porta se abriu para mim. Mas ao invés de aparecer o límpido piso branco, surgiu no lugar sapatos sociais. Não consegui impedir o choque que tive com o outro.
Coloquei a mão na testa, no qual foi o lugar que bati diretamente do peitoral do homem. Estava doendo – que raiva. Olhei para cima, pronta para xingar, mas estanquei no lugar ao dar de cara com os olhos castanhos claros com cristalizações negras. Era o Reinhard, com um sorriso cafajeste demais naqueles lábios levemente carnudos.
— Ora essa, que agradável surpresa... – Sua voz soou mais sensual do que eu pensei que era.
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