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História Alma de Lobo - Capítulo XXVI


Escrita por: Zhanny

Notas do Autor


Olá leitores!

Antes de tudo, feliz natal! Eu realmente queria postar ou no dia 24 ou no 25, e cá estou eu realizando meu desejo. E sinceramente? Esse capítulo é um presente para quem gosta de capítulos grandes, tipo, crl, +17 mil palavras velho! Até eu estou impressionada e olha que eu cortei o capítulo hein. Mas esse é um capítulo que basicamente une todos os spin-offs de Dominante, porque fala de todos, sem brincadeira. Pelo menos uma coisa dentro deste capítulo é relativo aos outros spin-offs.

E falando em spin-offs, eu fiz um jornal para vocês leitores que acompanham o universo de Dominante, terem ciência de qual fic faz parte do universo, e aquelas que não fazem para vocês não ficarem confusos ou pensarem coisas erradas.

Enfim, esse capítulo tá muito incrível!!! Eu me diverso escrevendo ele, ainda mais com a ultima coisa que ele fala, sendo algo que criação toda minha (não foi criada pelas outras escritoras, mas elas me ajudaram com alguns fundamentos), o que torna esse capítulo a véspera de um capítulo completamente incrível!

Pois é isso aí, chega de enrolação, tenham uma boa leitura!

Capítulo 26 - Capítulo XXVI


Fanfic / Fanfiction Alma de Lobo - Capítulo XXVI

 Franzi o cenho, olhando de baixo para ele. Da onde eu estava, conseguia ver perfeitamente o modo como havia uma pequena falha no maxilar dele, perto do ouvido, de forma que ali seja a única parte onde não havia barba. A nossa proximidade estava me deixando desconfortável, meu moletom começou a esquentar demais e a necessidade de tirá-lo começou a surgir desesperadamente. Desviei meus olhos dos do dele, tentando passar pelo lado, mas acabei por notar precariamente que ou a porta é muito estreita, ou ele é muito grande.

‘Faça ele sair logo! Não quer dizer que por ele ser bonito nos impede de ir atrás do estagiário!’ Ela está certa, tenho que ir atrás daquele garoto.

— Você pode sair do meu caminho? — Perguntei erguendo o rosto o máximo que podia para tentar parecer determinada diante de sua beleza — não dá para dizer o contrário.

Ele ergueu uma das sobrancelhas, nem um pouco surpreso. Na verdade, parecia ainda mais devotado em ficar no meu caminho do que antes.

— O que você está fazendo no banheiro masculino? — Ele perguntou com a voz esbanjando interesse, mas, lá no fundo, eu conseguia sentir a pitada de ironia. Parecia que ele sabia o motivo de eu estar onde estou.

— Não é da sua conta. — Sorri ao final, tentando passar pela brecha a direita, mas, sem surpresa alguma, ele se deslocou para direita. — O que você quer?

— Não quero nada, apenas conhecer a fotógrafa deste lugar. — Ele, então, balançou os ombros largos, colocando a mão esquerda na brecha da porta.

— Acabou de conhecer, feliz? — Perguntei fechando a cara.

Ele olhou para trás de mim, abrindo um sorriso ainda maior do que o que já estava em seu rosto, me fazendo ficar sem fôlego. Olhei para sua gravata, tentando recuperar a compostura e, assim, voltei a olhar para seus olhos. No mesmo instante, ele fez o mesmo movimento que eu, sustentando aquele sorriso tão obsceno.

— Você não imagina o quanto. — Ele me fitou de cima a baixo, me despindo com os olhos.​

Oficialmente, virei uma pimenta de um metro e sessenta e quatro, de tão vermelha que fiquei. Não tem como evitar, sua fala direta teve esse efeito de primeira. Fiz o máximo que pude para me acalmar, pedindo ajuda da minha loba para me estabilizar. Virei-me para aquele homem, erguendo o queixo e dando o meu melhor olhar superior para ele, que ergueu uma de suas sobrancelhas, o ar se impregnando daquele cheiro de ansiedade que vinha dele. 

— Pois saiba que seu comportamento intrometido não é nem um pouco atrativo, Sr. Reinhard. — Me aproximei mais dele, de forma que ele acompanhou, no mínimo, surpreso. Respirei fundo, fazendo o máximo possível para ele não perceber minha mentira e joguei meu trunfo. — Você me dá nojo. 

Usei meu melhor tom pejorativo e coloquei minhas mãos em seu peito, o empurrando na dose em que achei que ele sairia da frente para um simples humano — humildemente gostoso. Ele não caiu ou tropeçou como pensei que faria devido ao meu empurro, ele simplesmente tombou para o lado, quase nem mesmo perdendo o equilíbrio. Franzi a testa, estranhando os acontecimentos, encarei seus olhos, mas ele desviou dos meus. Então, sem ter como acusá-lo de não ter caído, passei pelo espaço que o forcei a dar para mim, mas, assim que me senti observada, virei-me minimamente para trás e notei como ele me seguiu com os olhos e respirou fundo. 

‘Ele pode ser muito gostoso, mas isso não quer dizer que ele também não é estranho.’

Meneei, concordando com ela. 

Atravessei o corredor em passos rápidos, procurando o camaleão, primeiramente, com os olhos, para logo depois usar a habilidade que minha loba mais se orgulha, o olfato. Respirei profundamente em busca do fedor dos selvagens, achando um rastro fraco em decorrência do tamanho que ele havia assumido — apesar de que eu nunca acharia um camaleão tão rápido como ele é. Saí no salão da galeria, sendo alva de poucos olhares, principalmente de Adrian e Habel e, estranhamente, do Sr. Espinoza, que pareceu achar muito divertida minha expressão, colocando a própria mão sobre a boca e tampando seu sorriso. Muito bem, espero que aqueles dois não tenham feito uma aposta ou algo do gênero. 

‘Foque-se!’ Gritou ela dentro de minha cabeça. ‘Temos que achar o estagiário!’

Concordo veementemente e segui o rastro do outro. Ignorei os olhares direcionados a mim e dei a volta na escada, mas o rastro do camaleão seguia subindo pela escada que dava ao meu escritório. Fui adiante e me preocupei apenas em seguir o caminho que meus sentidos de loba queriam seguir. Ao chegar ao topo da escada, me virei para baixo, garantindo que ninguém subiria para que eu pudesse interrogar este garoto da minha forma. 

Me virei em direção a um corredor largo, porém sem portas; Ambos os lados dão ao mesmo corredor, de forma que apenas eu o uso. Segui à frente, olhando atentamente para todos os lados em busca daquele pequenino camaleão. Atravessei o corredor inteiro, chegando ao “final”, fiz a curva que a estrutura exigia, contornando uma parede de mármore claro que, por não haver portas, delimita a visão do cômodo adentro. Assim que entrei de fato no escritório, soube que o Selvagem estava ali.

​O recinto estava exatamente da mesma forma que me lembrava. A parede a minha esquerda é texturizada verde escuro, enquanto a outra é branca com protuberâncias feitas propositalmente, que, olhando de longe como eu estava neste momento, forma uma árvore enorme, com inúmeros galhos, como se fosse a Yggdrasil. Ela se erguia exuberante no centro da parede, enquanto, em sua extremidade, árvores menores se formam como suas miniaturas. Na parede a minha frente, há três enormes janelas com molduras de madeira escura e logo à frente da do meio, minha mesa de vidro jaz quieta, com os mesmos papeis que deixei anteriormente, no mesmo lugar. A cadeira estava encostada a mesa, sendo este o único diferencial da última vez. O carpete branco está incrivelmente limpo e os dois sofás à frente da mesa estavam tão limpos quanto o carpete, seu tecido bege em tom neutro aveludado chegavam a parecer levemente brilhosos diante da iluminação da sala.

Me aproximei do centro do escritório, me recordando daqueles momentos em que conseguia ver Mitch por aquelas mesmas janelas que estavam a minha frente, ele tocando alguma música com o violão que raramente deixava de lado. Andava com o violão para todo lado. Me aproximei do sofá mais perto, fechando os olhos e inspirando o mais forte que pude, sentindo o cheiro do Selvagem e, também, um cheiro que nunca pude me esquecer. Aproximei o nariz do sofá, assim que tive o mesmo colado a minha pele, respirei profundamente, corando em seguida ao sentir o cheiro mentolado do meu amado Mitch. 

Memórias vieram como uma avalanche para cima de mim, me lembrando da última vez em que estive aqui com meu Mitch. Nós fizemos amor. Por horas. O lugar estava vazio e tínhamos vindo aqui por insistência minha, pois não podia esquecer que preencher alguns documentos importantes e os levaria para a minha casa no Maine e resolveria tudo lá. Mas Mitch decidiu brincar um pouco, o que acarretou em uma brincadeira mais quente, toques ousados e por fim... Fizemos amor. 

Lembro-me como se fosse hoje das sensações que meu corpo sentira ao ter suas carícias, seu afeto, seu amor. Não poderia esquecê-las nem se eu quisesse. 

‘Mitch era maravilhoso.’

Com toda certeza. 

Zii. 

Me virei em direção a parede atrás de mim, que foi da onde ouvi o chiado. Na parede há um grande quadro que toma todo o espaço disponível entre as duas aberturas que poderiam ser usadas como entrada e saída estão dispostas. O quadro balançava de um lado para o outro, tornando a pintura que eu mais gosto, bamba. Morgana me deu após saber da morte de Mitch, afinal ela sabia o quanto eu o amava, o quanto eu não podia me afastar dele. Ela entendia meus sentimentos, então, cerca de seis meses após a morte de Mitch, voltei para Quebec e Habel havia me avisado que recebi uma grande encomenda, e, quando cheguei a galeria para ver o que era, me surpreendi. A vampira escreveu uma pequena carta com sua letra curvada e suavemente arredondada, me dizendo coisas que jamais esperei ouvir dela, sendo, aquelas palavras, as únicas que realmente soube que não continham pena, como as palavras de outras pessoas que ousavam conversarem comigo sobre Mitch.

O quadro, então, mostra uma floresta mística com árvores enormes, semelhantes a sequoias e vários pontos dourados, como se me dissesse que, de fato, aquele lugar não é, nem de longe, o mundo em que vivo. A pintura realça uma grande lua minguante no céu, usando uma mistura de cores quentes e frias, tornando tudo ainda mais pessoal. E no centro da pintura, deitado aonde retrata uma grama baixa, que parece húmida, uma figura de roupas brancas, com um violão ao seu lado.

Sei bem o que Morgana quis me dizer com tal “presente”, e fico imensamente grata.

Me aproximei do quadro, me lembrando do meu objetivo ao ir até ali. A cada passo que eu dava, o cheiro do camaleão se tornava mais forte, juntamente ao cheiro fraco que provinha da pintura. O cheiro doce de uma vampira, o cheiro de um vampiro, que lobisomens tecnicamente não deveriam gostar. Mas eu achava ele um cheiro muito atrativo, quase exótico. Lentamente, estiquei a mão para tocar a moldura simples da pintura, sentindo-a sobre a ponta de meus dedos e assim, levemente a afastei do local em que foi pendurado, a arrastando e a entortando. 

Por trás da pintura, havia um pequeno buraco que eu não sabia que existia. O buraco é minúsculo, do tamanho do meu punho fechado, basicamente. Me agachei e olhei dentro do buraco, vendo, sem surpresa alguma, o camaleão lá dentro. Seus olhos me encaravam, para logo depois se desviarem, buscando formas de fugir, e logo depois voltavam a me encarar. 

— Estagiário, é melhor você sair daí. — Resolvi começar minha negociação usando um tom de aviso na voz. — Você não vai querer saber o que acontece com quem estraga a parede do meu escritório. 

O camaleãozinho abriu a boca, como se pudesse argumentar, e vi como sua boca parecia cheia. O que ele poderia estar comendo, ou até mesmo guardando? 

— Eu não quero saber por que você saiu correndo quando eu fui atrás de você... Na verdade quero saber sim, mas o que importa mesmo é você sair daí. — Agora sei que não sou boa em negociações. — Vamos, é fácil, coopere. Não vou atacá-lo.

Por mais que eu não conheça absolutamente nada sobre camaleões, sei reconhecer quando alguém faz cara feia. E tenho certeza que ele fez uma, ou o mais próximo que um camaleão pode chegar de uma cara feia. Enfim, ele obviamente não confiava em minhas palavras. 

— Palavra de líbero, nunca descumpri minhas promessas em jogo. — Afirmo, erguendo a mão e dando minha palavra, afinal não é nenhuma mentira. Em meus tempos de jogadora de vôlei do colegial, nunca perdi nenhuma bola que prometi pegar.

Ele pareceu tomar uma decisão, me fazendo me afastar um pouco, ainda segurando a pintura para que ele pudesse sair. O camaleãozinho então pulou do buraco, atingindo o chão e fazendo um pequeno ploft fofinho, quicando algumas vezes. Soltei a moldura e a arrumei em seu lugar na parede, tentando não admirar a mesma e me voltando para o Selvagem. Ele começou a vomitar um bolo preto, que me parecia e muito uma bola de pelo, mas tenho certeza que camaleões não fazem isso, então apenas fiz uma careta e esperei ele iniciar sua transformação de volta a um garoto normal. 

Aos poucos, ele voltou ao normal. Nunca tinha visto antes alguma transformação deste gênero, ou seja, de um réptil. Mas garanto que é algo muito esquisito, principalmente para quem está acostumado com lobos e não camaleões. Assim que terminou, vi o mesmo garoto de antes, pele branquíssima, cabelo escuro e olhos na mesma tonalidade, porém, nu. 

— Por favor, não me olhe assim! É embaraçoso... — Ele corou fortemente, deixando todo seu rosto rubro. 

— Ah, estou tão acostumada com pessoas nuas que me esqueço da vergonha na cara. — Como ainda estava agachada, girei no meu próprio eixo e fiquei de costas para ele. — Você tem roupas em algum lugar? Eu posso ir busca-las se quiser. 

Me ofereci, sabendo como é passar por situações assim. Demorei bastante tempo para me acostumar que veria mais pessoas nuas do que um dia já foi minha intenção. Ele fez um barulho que supus ser de negação, me fazendo olhar de soslaio para ele. 

— Pode olhar, apenas... Não estou acostumado ainda com isto. Da onde eu venho, as pessoas são um pouco mais reservadas, ainda mais por causa do clima. — Sua voz é levemente aveludada, como se nunca levantasse a voz e tomasse extremo cuidado com ela, porém, não aproveitei muito dela, pois ele a mantinha baixa demais. 

Dei de ombros, me virando novamente para ele. Ele estava mexendo naquela bola que ele vomitou quando ainda estava transformado, o que me causou outra careta. Ele viu e riu, envergonhado, me lembrando de quando Adrian era tímido comigo — hoje em dia, ele nem mesmo se preocupa em quais palavras usar, ao contrário de quando o conheci. 

— O que é isso? — Perguntei claramente enojada, ele riu fracamente, me deixando levemente frustrada. 

— São as minhas roupas. — Ele respondeu baixo. 

— Elas estão... — Pausei minha fala ao ver que ele conseguiu separar aquela bola e agora dá para ver claramente peças de roupas. — Minúsculas. 

— Tive que pensar rápido quando me transformei, não podia deixar minha roupa lá, ia ser estranho. — Não deu muito certo pois a situação ainda assim, continua estranha. — No meu caminho a Quebec, um bruxo jovem me abordou em uma rua famosa pelas coisas sobrenaturais e me vendeu poções de encolhimento e uma do efeito reverso. Ele me convenceu que é muito útil ter algo assim no bolso sempre que precisar, e realmente é. Mas nunca pensei que ia me dar tanta ânsia ter um par de roupas na boca. 

Não consegui me surpreender com o que ele me contou. K.O.R, selvagens, bruxos e alcateia instável, Quebec está pior do que qualquer lugar que já fui no quesito sobrenatural. Por que será que há tantos sobrenaturais em apenas um lugar?

A rua na qual ele mencionou é a Boulevard Alexandrita, popular entre os seres sobrenaturais, porém, é algo quase ilegal. Ilegal pois vende ingredientes para poções de bruxas livremente e afins, no entanto, não é muito recomendado para jovens como este a minha frente. Michael tem plena consciência que há um lugar em seu território que vende esse tipo de coisas por bruxas que estão sem família e são solitárias; bem semelhante ao termo solitário lupino, só que para bruxas. Desde que não vendam nada que remeta aos termos: Canibalismo, partes de corpos e similares, está tudo bem. É algo muito semelhante ao Beco Diagonal.

‘Se quer procurar magia negra, vá atrás da Akasha e garanta uma passagem só de ida ao inferno congelante que é sua prisão de exilados.’

Minha loba pensou a mesma coisa que eu. A Akasha é o equivalente ao Letum para as bruxas; É a bruxa mais forte e capaz do mundo, Lilith Ventrue é a atual. Mas se ela bater as botas, sabe como é né? O posto não pode ficar vazio. Quem é a próxima na linha de sucessão é a filha mais velha, Fiona Ventrue. Sendo assim, esta última deve lidar com as construções de sua antecessora, sendo um deles o exilo na Antártida de bruxos que praticam magia negra. Pelo que Alexander me contou há alguns anos atrás, nem mesmo os filhos de tais bruxos tem a permissão de sair de lá. 

‘É cruel.’ Ela concluiu. ‘Se fossemos julgadas pelos erros de nossos pais, não sei como me sentiria com a situação.’

Não lhe respondi, é algo que rende uma longa discussão. Apesar de que Alexander nunca se prolongou muito no assunto, e eu, particularmente, nunca senti muita curiosidade para pensar no assunto. E agora não é hora para isto. 

— Ah! Consegui! — Voltei-me para o garoto, que comemorava feliz o que quer que ele tenha conseguido fazer. 

Observei ele com toda a delicadeza que habita em seu ser, pegar entre os dedos indicador e o dedão um frasco do tamanho de um grão de arroz. Parece que ele conseguiu tirar o tal frasco do bolso da calça em miniatura dele — ao que parece, foi uma batalha árdua — e não fiz questão de acompanhar. Ele, com o máximo de cuidado que pode, tirou a pequenina rolha que tampava o frasco e despejou sobre a roupa em miniatura. 

— E ela vai crescer de volta? — Perguntei depois de alguns segundos sem acontecer nada. 

— Foi o que o bruxo me garantiu. — Ele respondeu-me quase não conseguindo tirar os olhos do objeto, esperando ansiosamente a poção funcionar. 

Tenho certeza que se passou alguns bons e longos cinco minutos, sem que a roupa aumentasse de tamanho. Suspirei e me levantei, sentindo as articulações dos joelhos terem algumas pontadas de dor por ter ficado agachada por tempo demais. Olhei de relance o garoto, que ainda parecia esperançoso. Achei melhor fazer ele cair na real e perceber a situação: A poção não funcionou e ele precisava de uma solução para a nudez dele.

 — Garoto, acho melhor se levantar. Me diga aonde posso arrumar umas roupas para você e volto logo. — Sugeri, cansada de esperar algo que não aconteceria. Ele negou firmemente. 

— Não precisa, vai funcionar. — Sinceramente, a confiança que transbordou de suas palavras me deu pena. 

— Não se pode confiar em bruxos garoto, o que lhe vendeu essa coisa não é diferente. 

— Como pode ter tanta certeza? A poção de encolhimento funcionou! — Ele respondeu-me birrento, quase elevando sua voz. 

— E pelo visto, a sua outra poção não está funcionando. Você foi engado. — Revirei os olhos, sentindo minha boca cansar de falar tanto sobre algo que estava na cara. 

Nunca confie em bruxos. Fácil e simples. 

— Como pode ter tanta certeza? — Ele ergueu os olhos para mim, os mesmos brilhando de algo que não pude descrever. 

‘Querendo ou não, é uma boa pergunta.’

Revirei os olhos para os dois. 

— Bruxos são maliciosos enganadores. Por isso tenho tanta certez... 

Me interrompi ao ouvir o contínuo e baixo som de tecido se esticando e se expandindo. Meus olhos desviaram antes que eu pudesse ter qualquer pensamento sobre o som, afinal, é bem obvio o que tinha acabado de acontecer. A roupa começou a crescer num ritmo rápido, e, em poucos segundos, diante de mim havia um par de roupas amassadas e cheirando a lavanda. O garoto se aproximou para pegá-las, mas um brilho dourado fraco surgiu sobre a roupa, logo se dissipando e revelando, assim, que a roupas foram passadas e dobradas em um passe de mágica. 

Franzi a sobrancelha, tendo uma reação deveras atrasada, e mordi os lábios ao ser tão confiante ao dizer que a poção não funcionaria, mas, por fim, funcionou. E bem até demais. 

— UAU! Vou comprar mais poções dessas quando eu ir até a Alexandrita de novo! — Ele exclamou cada palavra da frase entusiasmado, começando a se vestir. 

— Não seja estupido garoto, pare de ir a aquele lugar antes que ele lhe tente demais e te leve a loucura. — Repreendi-o antes que ele falasse mais bobeiras. 

Aonde já se viu alguém que queira pular sobre a magia com tanto afinco? Só pode ser muito cego mesmo. 

— Que tipo de avença que você tem com a magia para negá-la tanto? — Ele me dirigiu a pergunta, me fazendo erguer uma sobrancelha e soltar um riso de escárnio. 

Me aproximei o bastante dele, erguendo a mão e lhe apontando o dedo, me certificando que ele ouvisse bem e soubesse que deveria levar minhas palavras mais a sério do que qualquer outra coisa em sua vida. 

— Bruxas são traiçoeiras, garoto, se dará melhor na vida ficando bem longe delas, ao invés de usufruir de seus pequenos venenos. São mais perigosas do que pensa. 

Não esperei sua resposta e lhe dei as costas, me sentando no sofá que estava impregnado com o cheiro do Mitch, tendo certeza que ele me acalmaria. Sei que começaria a quebrar coisas e fazer besteiras que me arrependeria depois se deixasse a raiva que tenho pela raça imunda das bruxas me dominar. Se não deixo qualquer lobisomem salafrário por aí me dominar, este sentimento que não tomaria a oportunidade e o fizesse. Não deixo mais ninguém me dominar. Não depois do Letum e pela humilhação que ele me fez passar.

 — Lobisomens são perigosos, vampiros são perigosos, todos são perigosos. — O garoto disse, se sentando já vestido no sofá a minha frente. 

Lhe observei, reparando agora nele de perto, já que antes não tive a oportunidade pois ele estava nu. A camiseta do R2D2 e do C-3PO lhe caia bem, com uma calça saruel preta lhe marcando a perna até que chegasse um pouco acima do joelho, aonde começava a se alargar como o estilo da calça sugere. Ele colocou um par de Vans brancos e terminava de colocar alguns acessórios, como os óculos de armação circular preta, um relógio simples e antigo e um colar com um pingente de chamas. Bufei e revirei os olhos, pensando em suas palavras rapidamente. 

‘Esse estupido Selvagem não deve saber nada das bruxas.’ Senti o rancor em suas palavras, como sabia que continham nas minhas quando essa raça suja é mencionada. ‘Ele não passa de uma criança.’

— Você não deve saber nem metade deste mundo e vem me dizer asneiras. — Digo, não lhe acusando, e sim dizendo apenas alguns fatos. 

— Realmente, mas isso não quer dizer que seja mentira. — Ele persistiu. 

— E do que sabe garoto? O que veio buscar em Quebec, principalmente neste lugar de Quebec? — Pergunto-lhe, me referindo a galeria. 

Ele, de repente, corou fortemente e ficou drasticamente escarlate. Ele abaixou o rosto, tentando esconder sua possível vergonha ou timidez, não sei dizer com clareza. Os cheiros de seus sentimentos são fortes e confusos, tornando a tarefa de separá-los incrivelmente difícil. Ele, então, aos poucos ergueu os olhos e vi como seu cabelo estranhamente começou a ficar levemente caramelado, mas sua fala me impediu de perguntar o que estava acontecendo com os fios sobre sua cabeça.

— Eu vim aqui a mando de meu pai. — Observei quando ele começou a mexer em seu relógio, constatei que ele era de seu pai. — Ele mandou junto a algumas outras pessoas que eu viesse para cá a fim de ter mais informações sobre uma Selvagem que vem a Quebec com frequência, e que até mesmo já morou aqui antes.

Vendo ele parar sua explicação, lhe incentivei a continuar, mas ele negou e começou a batucar no relógio com a ponta dos dedos.

— Na verdade, eu pedi para vir aqui, pedi para que me dessem a missão e não ao Elay. — Ele fechou os olhos, abaixando a cabeça.

‘Está ficando interessante. Por que será que ele fez isso?’ Ela perguntou, sentando-se.

Vamos descobrir, loba.

— E por que você pediu por ela... — Me veio à cabeça que não sei o nome dele.

— Ah, me chamo Lewi La’Martine.

— Por que pediu uma missão?

— É que... Eu faço faculdade de fotografia, então quando eles começaram a falar de algo sobre ir a Quebec, não tive como não lembrar desta galeria, a galerie de Fleurs d'Effigy. Eu sei quem é a única pessoa que expõe suas obras aqui e ademais, não tive como deixar a oportunidade passar. — Seus cabelos se tornaram ainda mais caramelizados.

Arregalei meus olhos, não acreditando no que ele estava dizendo.

‘Ele praticamente veio por nossa causa.’ Ela parecia tão surpresa quanto eu.

— Lewi. — Me lembrei da pronuncia que ele usou, acentuando o tom francês nela. — Você veio por causa do meu trabalho?

— S-Sim. — Ele afirmou, um pouco corado, demonstrando estar constrangido. — Mas eu também estava curioso sobre a Selvagem que me mandaram vir atrás. Eu nunca tinha ouvido falar de selvagens que não estão nas tribos que firmamos em algumas partes do mundo. Temos a do México, a da Sibéria, Austrália. Um que não está com qualquer tribo é muito preocupante, ainda quando ela descobrir sobre seus outros poderes.

— Como assim outros poderes? — Perguntei preocupada, me sentando na beirada do sofá e apoiando os cotovelos em minhas coxas.

— Eu não sei se posso falar. — Ele hesitou, mas assim que seus olhos cruzaram com os meus, ele se empertigou. — É que os selvagens não simplesmente mudam de forma, como os lobisomens. Eu mesmo me transformo em um camaleão, mas se eu me empenhar em meu treinamento, daqui a alguns anos posso alcançar a possibilidade de me transformar não apenas em um camaleão, mas em outros animais também.

— Como a Danila pode não saber disto? — Perguntei a mim mesma.

Afinal, é da espécie dela que estamos falando. Se ela pode evoluir, tanto em habilidades quanto mentalmente devido a esses treinamentos que ela pudesse fazer, ela alcançaria outros níveis consigo mesma. Mas pelo fato de ela não saber de nada disso, ainda mais com a raça dela desaparecendo aos poucos do mundo, não me surpreendo que ela não saiba de nada disto.

— Na verdade... — A voz de Lewi me chamou a atenção. — Ela sabe sim de tudo isso.

— Como assim? É claro que ela não sabe! — Exclamei, me levantando e sentindo, acima de tudo, minha loba se enraivecer com aquela afirmação.

— Sim, ela sabe. — Rosnei baixo, no entanto, mesmo avisado, ele continuou. — Ela já foi encontrada pelo meu pai antes e foi avisada sobre o que ela pode alcançar, pois, da vez em que achamos ela antes, ela estava confusa; estava sentindo contato com outros animais fora a sua forma animal, a puma. Ela ficou assustada e não quis começar seu treino e foi embora. Elay avisou que iria atrás dela, mas ele não a alcançou a tempo, e olha que ele é um tigre siberiano.

— Ela recusou? — Perguntei, me sentando novamente.

— Sim, mas estamos hesitantes com a possibilidade de ela ficar instável, ainda mais com a relação que os selvagens têm com o mundo espiritual.

— Mundo espiritual? Do que está falando? — Perguntei, sentindo que, naquele momento, ele estava me dando informações demais.

— O mundo espiritual é um outro plano, aonde os espíritos ficam, e nós, selvagens, temos acesso a ele por sessões que fazemos e devido a vários treinamentos. — Lewi explicou calmamente.

— Isso quer dizer que vocês têm acesso a ele... — Falei, tentando entender o que ele me falava.

— Temos. Dentre todas as espécies, somos nós que temos maior facilidade, pois estamos ligados constantemente ao mundo espiritual. Existem algumas poucas pessoas que conseguem, de fato, entender coisas do mundo espiritual como nós, como é o caso da sucessora da Akasha.

— Fiona Ventrue. — Recitei o nome enquanto me levantava, o nome que todos sabem. Afinal, ela tem um posto equivalente ao de Robert.

A próxima Akasha. O próximo Letum.

— Mas fique calma, se a acharmos não terá problemas. Ela poderá ir treinar aonde eu vivo e, assim, ter controle de seus poderes como Selvagem. Eu sei que é muita informação, eu mesmo fiquei muito chocado quando me contaram tudo isso, e olha que eu só tinha cinco anos...

— Me desculpe te interromper, Lewi, mas a sua infância é a última coisa que me interessa neste momento, por enquanto. Todas essas informações vieram em um momento importuno demais. Se ao menos eu tivesse como contatar ela. — Falei a última frase mais para mim mesma.

Sim, eu tenho meios de contatá-la. Mas hoje é dia em que essa revelação não poderia ser descoberta, pelo menos, não por mim. Tantos problemas me vieram à tona assim que coloquei meus pés em Quebec, não tenho como impedir minha confusão. Jake está desaparecido, tenho que conversar com Michael um assunto mais sério do que gostaria, a galeria está preparando a exposição e agora me vem essa de que estão procurando pela Danila. A minha Danila. A minha puma.

— Quantos anos você tem, Lewi? — Perguntei, tentando desviar o assunto.

— Tenho dezenove, Senhorita Harrison. — Franzi o cenho, olhando para ele de modo estranho.

— Como fica estranho ser chamada de “Senhorita Harrison” por pessoas tão jovens como você. Pode me chamar apenas de Lea, não me importo nem um pouco. — Digo, me aproximando da janela mais próxima.

— Muito bem, L-Lea. — Ele gaguejou ao disser meu nome, seu rosto corando um pouco. — O que você vai fazer com essas informações? — Ele perguntou, temeroso.

— Por enquanto, nada. Hoje meu dia está lotado, ou melhor, minha noite. — Altero minha frase, ao ver o céu tomando um tom alaranjado, indicando o entardecer.

— Posso voltar as minhas atividades como estagiário? — Ele perguntou, e soube imediatamente que ele estava perguntando se ia ser demitido.

— Pode sim, apenas gostaria que me fizesse alguns favores. — Digo, sorrindo de lado, e ele franziu a sobrancelha. — Você terá que se controlar na exposição. Eu não serei a única sobrenatural presente, de fato, ao saberem de minha presença, alguns não tardarão a chegar em Quebec. — Suspiro, sabendo que eles nunca perderiam esta exposição. — Você tem que tratá-los com respeito, serão todos com muito poder, tanto territorial quanto magicamente.

— E quem seriam? — Ele perguntou, já mais relaxado ao saber que ainda tem emprego.

— O Alpha, obviamente, com alguns de seus lobos, não mais do que três. — Falei, levantando um dedo, logo depois levantando um segundo dedo. — Morgana e Eros Beciller. — Antes que eu pudesse levantar o terceiro, ele fez uma cara de terror e se levantou, assustado.

— Você convidou não apenas um, mas dois Beciller!? — Ele perguntou assustado demais.

— Eles são convidados garantidos em todas as exposições, e nesta não iria ser diferente.

— Eles são um dos clãs mais temidos de vampiros que existe, carregam esse posto há muito mais do que um século! — Ele exclamou. — Eles são perigosos demais! Apenas outro membro do clã deles podem enfrentá-los em batalha!

— É por isso que são dois, camaleão idiota! — Me exaltei, fazendo ele se acalmar. — Eles são parceiros, são antigos e são poderosos demais, então você tem que ficar bem quietinho na exposição e não surtar como fez agora quando vê-los!

‘Morgana e Eros são muito poderosos e temidos, sim, mas quando os conhece, muda totalmente a opinião deles, vendo que nem todos os boatos são verdadeiros.’

— E-Está bem. — Ele concordou, se dando por vencido. Acho que ele entendeu porquê tive que avisá-lo bem antes da exposição. — Tem mais algum outro sobrenatural que vai vir?

Respirei fundo, controlando minha raiva. Simplesmente odeio como renegam tanto um vampiro, ainda mais quando digo que são Beciller. Sim, eles são muito poderosos e são poucos, um clã pequeno. Poucos pelo fato de eles mesmos se assegurarem de que poucos aprenderam sua magia e seus ensinamentos; caso fossem muitos, iria ser fatal. São perigosos demais.

— Talvez venham alguns outros, como algum membro da minha alcateia ou alguns indivíduos que vem por curiosidade, sem nem mesmo saber que a fotógrafa do lugar é, de fato, uma loba. — Explico, já mais calma. — Fique tranquilo, pois esses que acabei de explicar não são nenhuma certeza de presença.

Ele assentiu, quieto, digerindo todas as minhas palavras. Deixei que ele pensasse em tudo o que lhe disse, me fazendo ter tempo para pensar também no que ele me disse. Existem mais selvagens do que eu pensei que existissem, ainda mais para uma raça em extinção. E eles estão procurando pela Danila, que, ironicamente, não quer nem ouvir a palavra Selvagem se não for para se referir a ela mesma. Me lembro de como ela odeia que eu fale da Scarlet — a raposa — ou de qualquer outro selvagem. Seja para procurar por outros ou qualquer outra coisa. Ela não mostra qualquer tipo de interesse, e agora sei, em parte, o porquê.

Primeiro, ela já sabia que eles não estão tão extintos assim. Ela foi levada a um lugar que com certeza tem mais do que dois selvagens, o que me leva a crer que não só explicaram a ela sobre o que ela poderia alcançar com devido treino, mas também lhe contaram que existem outros lugares no mundo com selvagens.

Eu sei que esse não é o pensamento que eu deveria ter, mas me sinto traída por ela não ter me contado. Eu procurei ela por três semanas e, mesmo assim, ela não se abriu comigo e nem nada do tipo. Ela simplesmente me ignorou nesta parte da vida dela, como se eu não devesse saber ou não fosse importante o bastante para ela me confiar essas informações. Por outro lado, ela podia estar com medo, insegura com todas aquelas informações. Eu quase consigo ver ela correndo de todas as informações e querendo apenas voltar para seu lar, no seu cantinho, querendo de todas as formas regressar no tempo, para nunca saber o que ela sabe agora.

‘Danila pode ser muitas coisas, corajosa, risonha, sem vergonha. Mas ela ainda sim, tem medo do que pode vir.’ Concordei com ela.

O futuro é assustador. Nunca sabemos o que pode acontecer no próximo dia, nas próximas horas, muito menos nos próximos minutos. Até mesmo o segundo seguinte pode mudar o rumo de uma vida inteira.

Respirei fundo, desviando meus olhos para Lewi. Ele estava perdido em algum ponto da parede, refletindo sobre as informações que lhe passei. Foi cruel contar para ele que pessoas tão perigosas, e que lhe assustam tanto, estão vindo ao mesmo lugar que ele está atualmente. Mas ele tinha que saber, por mais que lhe cause medo. É algo que eu não pude evitar. Era contar, ou esperar seu surto no meio da exposição. Além do que, ele tem que entender que nem todos os vampiros são maus.

Devido ao decorrer da história, todas as estórias ridículas que difamaram a raça deles ao longo dos séculos, como se pode esperar menos de um garoto que nunca viu um vampiro? Vampiros podem ser tão cruéis quanto qualquer outra raça. Eles carregam o mesmo perigo que os lobisomens, selvagens e afins. Porém, eles podem ser amigáveis como qualquer outro, Morgana e Eros são a prova viva disso.

Lembro-me claramente como fiquei confusa em uma das minhas primeiras exposições ao sentir o cheiro de algo que nunca havia sentido antes. Procurei pelo que estava trazendo aquele odor tão diferente de todos os outros que senti antes. Fiquei ainda mais confusa ao constatar que vinha de dois indivíduos, uma mulher e um homem, de braços dados, apreciando uma de minhas obras. Quando Morgana notou que eu os estava encarando descaradamente, ela logo se apresentou e Eros fez o mesmo, elogiou minhas obras e a mim. E no mesmo momento em que ela me disse que se chamava Morgana Beciller, senti o cheiro próprio dela. Minha loba se agitou em meu corpo, mas não notei que meus olhos ficaram verdes, apenas que... O cheiro dela era maravilhoso. Exótico, cativante, como um doce levemente amargo, trazendo aquele cheiro forte de doce. Admito que me deixei levar por ele e teria me afogado se Eros não tivesse exclamado com uma grande cara de interrogação “Uma loba!?”. Lembro-me que Morgana soltou uma risada estupefata, como se ela não sorrisse há tempos, e me abraçou. Afogando-me de fato em seu cheiro, ela sussurrou em meu ouvido: “Se acalme, estamos em público. Não quer estragar a noite, quer?”. Ela então se afastou de mim, acariciando meus cabelos, e deu novamente o braço ao parceiro e me olhou com deleite. Ela me fez corar, admito novamente.

Ela me faz corar até hoje, na verdade. Não consigo me segurar, seu cheiro me é muito atrativo, assim como toda sua personalidade. E sabendo como o clã dela age, parte de suas regras e afins, sei que eles tomam cuidado com qualquer coisa relativa ao mundo externo. Por mais que eles não tenham regras que os façam ficar na sede do clã, eles têm o direito de ir a qualquer lugar desde que estejam acompanhados e que mandem notícias regularmente — semelhante a relatórios. Mas Morgana nunca me contou porque ela viaja tanto com Eros, sendo ela uma vampira tão antiga e com poder suficiente dentro do clã para alterar as regras e fazer o que bem quiser.

Entretanto, de uma coisa eu posso reconhecer. Ela, acima de tudo, preza pela vida e faz de tudo para não tirar uma, sua conduta a torna muito mais elegante e confiante do que ela meramente transmite com a sua imagem, pois não é sua imagem que reflete seu jeito de ser. É a honestidade que existe em si que faz isso.

— Eu tenho que voltar aos meus deveres. — Lewi falou, me fazendo olhar para ele e reparar que o mesmo estava se levantando, seu cabelo ficando mais caramelado do que antes, atingindo um tom quase loiro.

— Está bem. — Confirmei, indo até o corredor com ele logo atrás. Até que me lembrei sobre a conversa que tive com o Adrian no apartamento. — Mas, tem como você me fazer um favor pessoal? — Perguntei, levemente hesitante.

Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso com a minha pergunta e deu os olhos, como se concordasse e esperasse eu continuasse e assim o fiz.

— Você pode acompanhar meu filho para meu apartamento? Não é muito longe daqui. — Sinceramente, isso é pedir demais.

‘Mas não conversamos com outros candidatos, fazendo dele o único que pode fazer essa tarefa. Tenho certeza que Adrian também não negará.’

— Claro, sem problemas. — Ele afirmou, me fazendo sorrir e indicar para que ele seguisse ao meu lado e saíssemos do escritório. — Como ele é?

— Comportado. — Contei, afinal, é a pura verdade. Desde que conheci Adrian, ele nunca faltou com respeito.

Ele assentiu e passamos pelo corredor, assim, abrindo espaço para a escada, na qual descemos em um silêncio confortável. Nenhum dos dois sentindo qualquer desconforto pela companhia um do outro. Assim que chegamos aos últimos degraus, ele indicou que iria até a Habel, que estava por perto conversando com o Sr. Espinoza — espero que ela não esteja flertando com ele. Aquiesci e ele se foi, me fazendo procurar por Adrian para contar a ele o que descobri. Olhei para todos os lados, achando ele saindo pelo corredor do banheiro masculino e, assim que cruzamos os olhos, ele veio até mim.

— Vamos procurar um lugar para sentar e eu te conto o que ele me contou. — Digo, me referindo a Lewi e puxando ele para um canto da galeria em que eu sabia que estavam alguns bancos.

Ele concordou e me deixou puxá-lo, e, sem demorar nem mesmo alguns minutos, logo avistei os bancos e indiquei para Adrian, que suspirou aliviado. Acho que ele ficou em pé por bastante tempo. Assim que chegamos perto, ele se jogou no assento, me fazendo rir e sentar-me ao seu lado.

— Então, ele é selvagem mesmo? — Adrian perguntou após um suspiro, encarando meus olhos.

— É. E tinha razão, ele veio aqui a procura da Danila e, em parte, por minha causa. Parece que ele faz faculdade de fotografia e viu uma ótima oportunidade para vir a Quebec e como parece que ele não é bobo, ele agarrou a chance. Ele juntou o útil ao agradável, basicamente. — Contei, calmamente, sem ter qualquer pressa e acompanhei suas reações. Ele não ficou surpreso, mas pareceu impressionado.

— Como ele sabia que a Danila podia vir aqui? — Boas perguntas, Adrian.

— Ele não sabia. Vou contar isso apenas para você, já que não estamos em um lugar para se ter esse tipo de conversa. Ele faz parte de uma tribo; e os membros dessa tribo estão procurando Danila. Estão preocupados com o que pode acontecer com ela.

— Uma tribo de selvagens? Eles não estão extintos? — O mais novo perguntou aos sussurros.

— Deveriam, mas não é o que parece. — Falei, me aproximando dele para não ter que sussurrar. — E não é a única tribo de selvagens que existe, tem mais pelo mundo. Não tenho dúvidas que o Letum sabe da existência delas e nunca contou aos selvagens que estão perto dele.

— Por que você acha isso? — Ele perguntou e vi a curiosidade emanando de seus olhos.

— Ele não chegou perto de Danila nem uma única vez desde que ela foi ao Maine, como se ela nem mesmo existisse. Ele não gosta dela próxima a alcateia. — Contei, sabendo que ela também nunca sentiu a mínima vontade de se aproximar do meu Alpha.

— Isso é um grande problema. — Ele murmurou para ele mesmo, encostando as costas no encosto do banco.

— Isso é um problema dos selvagens, não nosso. — Fui realista, sentindo os olhos dele em mim. — Por que você acha que eles estão quase extintos, Adrian? Eles tinham que arrumar formas de continuarem vivos, e se essa foi a forma que encontraram, não sinto nenhum problema quanto a isso.

Ele continuou quieto, de certa pensando no quão fui dura ao dizer essas frases. Sei que fui, mas se é isso o que eles têm que fazer para se manterem a raça ainda existente, não acho que é uma forma ruim de fazê-lo. Peguei meu celular para ver as horas, acabando por notar que logo deveria estar indo para a casa do Michael. A casa dele é longe daqui, cerca de meia hora, em média. Guardei o celular e me virei para Adrian.

— Logo eu vou ter que ir até a casa do Michael. — Avisei, encontrando seus olhos. — O selvagem vai ir com você, não se preocupe, só tem que esperar ele sair do expediente, eu acho. Mas se a Habel saber que ele vai te acompanhar, ela libera ele mais cedo...

Ele vai me acompanhar? — Ele perguntou alto, seus olhos brilhando.

— Vai. Aproveite a oportunidade. Nem sempre temos a companhia de alguém que sabe histórias que ninguém mais sabe. Não quer saber mais sobre os selvagens?

— Claro que quero. Como será que eles surgiram? — Ele perguntou para mim, e, sem resposta, dei de ombros.

— Não faço a mínima ideia, mas acho que ele sabe. — Procurei com ele com os olhos, mas não o achei em nenhum lugar. — Vou procurar Habel para avisá-la que já estou indo embora.

Ele anuiu, me permitindo levantar, afaguei seus cabelos e sai à procura da ruiva de olhos azuis. Andei para onde a vi antes, conversando com o Sr. Espinoza, perto de uma das escadas, mas ao chegar perto da escada mencionada, não a achei, então continuei andando pelo recinto a sua procura. Andei um pouco, vendo que eles tinham um pouco dos tecidos que escolhi antes, e já estavam testando como utiliza-los para uma melhor decoração. Então, quando cheguei ao outro lado da galeria, perto das escadas do lado contrário, a encontrei. Ela estava sentada em um dos últimos degraus, com três cadernos grossos em cima do colo, revezando os três enquanto lia, ao que parece, as possíveis decorações, listas de convidados e coisas do gênero, como também alguns desenhos de vestidos.

Só espero que não sejam um vestido para mim. Ela sabe que eu não gosto que ela gaste contratando pessoas para fazer roupas que eu só vou usar uma vez.

— O que está fazendo? — Perguntei assim que já estava próxima, ela ergueu os olhos distraída, fechando os cadernos logo depois.

— Resolvendo algumas coisas da decoração. Sabe como eu gosto de fazer isso.

— É, eu sei, por isso que deixo você resolver as coisas sozinha. Por mais que você pareça estar sufocada. — Falo, sabendo exatamente o jeito da ruiva.

— É uma sensação boa saber que dependem de você, e, no dia, sei que ficarei satisfeita ao ver todos estupefatos com a exposição e tudo o que ela oferece. — Ela sorriu grande, a felicidade esbanjando de seus olhos.

— Sei que gosta de ser elogiada. — Falei, vendo ela assentir fracamente, rindo sem graça. — Eu tenho que ir já, Habel.

— Oh, mas já? — Ela perguntou, deixando os cadernos de lado e levantou. — Não quer ficar mais um pouco?

— Tenho que ir na casa do Michael, resolver alguns assuntos. — Ela consentiu, sabendo que se é do Michael que estamos falando, é algo além dela. — O Adrian não vai comigo.

— Quer que eu leve ele para casa? — Ela sugeriu, fazendo alguns gestos. Mas foi só eu olhar de relance para seu celular apitando e os outros cadernos que estavam nos degraus, que eu soube que ela iria ter muito trabalho pela frente.

— Não, você está muito ocupada, posso ver bem. — Sorri, tentando tranquilizá-la. — Pedi a Lewi para leva-lo.

— Já o conheceu? Ele é fascinado no seu trabalho. — Ela perguntou, me dizendo algo que eu já sabia de fato.

— Ele conversou comigo sobre isso. Pedi a ele e ele aceitou de bom grado.

— Posso liberá-lo mais cedo, acho que o Adrian não vai ficar confortável aqui sem você. — Ela disse, fazendo alguns gestos, indicando ao redor e todos que estavam trabalhando.

— Ficarei muito agradecida Habel, é muita bondade sua. — Falei, um pouco impressionada. Não pensei que ela fosse oferecer, mas que eu teria que pedir.

— Está tudo bem. Por hoje, Lewi já fez bastante. — Ela sorriu pequeno, se aproximando mais e me abraçando. — Tenha cuidado no caminho.

— Terei, irei pegar um taxi.

Ela assentiu, me fazendo soltá-la e acenar enquanto lhe dava as costas, indo para onde Adrian estava. Entre uma passada e outra, conseguia ver quantas pessoas estavam ajudando na decoração, entre estagiários e contratados. Suspirei, avistando Adrian sentado, distraído. Fui até ele acelerando os passos e o abraçando de surpresa, rindo ao ver como ele se assustou com meu contato.

— Você pode avisar da sua presença em vez de me dar sustos? — Ele perguntou, constrangido pelo susto que levou, me fazendo rir.

— De acordo. — Respondi ainda entre risos, mas parei ao ter que lhe avisar da minha saída. — Eu já tenho que ir, fique com as chaves.

Ele se virou para mim, seus olhos um pouco descrentes, como se não estivesse acreditando que teríamos que nos afastar agora, pegando as chaves de minha mão. Tentei sorrir tranquilizadora para ele, fazendo carinho em seus cabelos escuros e grandes, começando a tentar colocar seus cabelos para trás, mas eles sempre voltavam para seu lugar.

— Eu queria ficar todos esses dias em Quebec com você, lhe mostrando a cidade, seus centros e seus monumentos. Desculpe-me por não poder fazer isso hoje, e muito provavelmente amanhã também. — Ele desviou os olhos de mim, logo voltando a me olhar nos olhos.

— Está tudo bem. Você está preocupada com seu amigo, vá aonde ele está e traga ele de volta. Quero saber quem fica falando mal da minha mãe em bilhetes ridículos. — Ele abriu um dos seus largos sorrisos.

Tentei lhe corresponder, mas sei que não foi com a mesma intensidade. Não gostaria de deixar ele nas mãos de alguém que acabei de conhecer, mas ele está mais seguro com ele do que sozinho. Quebec está passando por tempos estranhos, não posso deixá-lo sozinho por aí.

— Te vejo mais tarde? — Perguntei, me levantando.

— Sim, nos vemos depois.

Assenti e beijei sua testa, fazendo um último afago em seus cabelos e indo até a porta, olhei para trás, vendo que Adrian acompanhava meus passos. Acenei para ele, vendo as portas duplas fechadas a minha frente, assim, empurrei uma e logo saí.

A noite está calma, suave. Se está frio ou calor, não consigo sentir, pois para mim não passa de uma amena demais, e são noites assim que trazem os maiores infortúnios possíveis.

Respiro fundo, sentindo o cheiro fraco da noite, misturado as flores em frente a galeria. Desço os longos degraus e vou até a calçada, andando um pouco até avistar um taxi, faço sinal e espero para ver se ele vai parar. Enfim, ele para a minha frente e entro na porta de trás, digo o endereço e ele logo se dirige para lá. A rádio está ligada em uma estação que fala boa parte em francês, me recordando do idioma e dos dias em que eu praticamente morava em Quebec.

As lembranças vieram com força, me recordando de quando eu corria com a alcateia de Michael, ou quando eu simplesmente ia até as montanhas canadenses com Danila e subíamos a mesma transformadas, ela como puma e eu como loba. Ou quando Jake chamava a todos para irem a algum bar e nos divertirmos lá.

São tantas lembranças que estão me inundando enquanto olho a paisagem pela janela, não consigo ver de fato as ruas, os prédios e as pessoas, mas apenas recordações como em um filme antigo. Não é algo ruim, mas que traz muitas saudades, saudades demais. E o caminho é longo o suficiente para que eu tenha muito o que recordar.

 

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Adrian

 

​Observei as costas de Habel enquanto esperava ela terminar de falar com o estagiário Selvagem cujo qual minha mãe ficou tão interessada. Examinei ele dos pés à cabeça. Ele é mais velho do que eu, deve ter lá seus dezenove anos, não mais do que isso. Suas costas eretas e ombros pouco largos me lembravam e muito aqueles garotos mais velhos que saíam do orfanato e de vez em quando voltavam com algumas guloseimas. Era engraçado o modo como eles eram manipuladores, dando doces aos mais novos e fazendo os poucos mais velhos irem até eles e termos que dar explicações a eles referente ao quão agitada a Diretora estava.

Eles tinham a ilusão de que poderiam tirar-nos dali. Nunca acreditei de verdade na conversa deles, que diziam o quão libertador era cuidar da sua própria vida sem ter alguma mulher no seu encalço. E felizmente não escutei, não imagino como eu teria me arrependido caso tivesse ouvido eles. Não teria conhecido minha mãe, não teria conhecido cada pedacinho que ela contou a mim até agora e nem mesmo teria desvendado suas pequenas manias. A forma como ela alegou tão veemente desgostar de cachorros, porém tem vezes que cochilava no sofá, na espera dela de quando ela ainda treinava Ray e acordava com ela brincando com Axel no tapete da sala.

Ela sempre diz uma coisa e faz outra. 

Se eu tivesse ouvido aqueles garotos, tivesse sido levado pela falsa independência deles, o que seria de mim agora? Teria apanhado até parar ao hospital por uma tentativa de fuga daquela masmorra em forma de orfanato? 

Se não fosse aquela simples mulher que me ajudou sem nem mesmo me conhecer, não sei o que seria de mim hoje. Tenho certeza de que não estaria em um lugar tão importante para ela como é esta galeria, sei que não teria um lugar para dormir tão pessoal como aquele apartamento, e, acima de tudo, sei que não teria um lugar no coração da única mulher que considero importante o suficiente para dá-la o título de mãe. Uma palavra que representa muito mais do que seu significado no dicionário. 

O que é uma mãe? É uma pergunta simples com uma resposta ainda mais simples... É aquela que faz meu coração se aquecer nas vezes em que estou desolado, ou quando estou simplesmente adormecendo e me dá colo com um simples instinto.

Leana Yasmine Harrison fez algo que qualquer um poderia fazer, mas que apenas ela o fez de fato. Ela me estendeu a mão e disse que havia um lugar sobre seu teto para assistir Alice no País das Maravilhas. 

— Adrian? — Ouvi uma voz doce, que meus ouvidos ainda não haviam se acostumado, me chamando. — Sabe o caminho até o prédio? 

Como não saber? Como não decorar cada pedacinho daquela nova cidade dentro de minhas memórias para jamais esquecer? Que pergunta mais desnecessária Habel, minha mãe não teria que perguntar isto. 

“— Adrian, a partir de hoje, você não vai ter mais motivos para querer se esconder ou se tornar invisível. Porque eu prometo te proteger e te dar todo o carinho que eu possa te dar, seja abraçando, beijando sua testa, rindo com você, brincando com você, fazendo cafuné em seus cabelos.... Porque quero me tornar a mãe que você nunca teve.”

Aquela promessa selou minha vida e a de Lea, aquela que me conquistou com pouquíssimos gestos gentis. Acho que foi minha surpresa da primeira vez que tive contato com ela, quando acordei em um lugar desconhecido e quase que imediatamente recebi um abraço forte, quente e acima de tudo, acolhedor. Foi seus olhos heterocromáticos? Ou talvez seu cabelo tão negro, em contraste com sua pele, que me assustou? Ela tem uma beleza muito sútil, que te encanta no primeiro, segundo, terceiro e até a infinita contagem numérica de olhares. Eu sei que todo aquele encanto que tive por ela não foi algo romântico — cruzes, esse pensamento me dá arrepios — foi algo menos superficial e um pouco mais íntimo. Não sei qual a palavra que se usa para descrever tal sentimento, afinal, ele existe? Não sei, acho que vou perguntar a alguém aonde posso achar um dicionário. 

Só sei que nunca teria tantos conflitos sobre o modo de agir de Habel se não tivesse conhecido Lea. Enfim, eu pensaria assim três meses atrás?

— Claro. — Respondi simpático. 

Seus olhos azuis cristalinos se espremeram, uma de suas características quando fica feliz e não quer demostrar, percebi. Ela chamou o selvagem com um gesto e ele veio, o tal encarou-me da cabeça aos pés, como fiz com ele anteriormente — mesmo que ele não tenha percebido — para nos voltarmos a ruiva. Ela colocou uma mecha de seus longos cabelos atrás da orelha esquerda e olhou de mim para ele. 

Acho que percebeu que não estávamos nos falando, pois obviamente não nos conhecíamos. Apesar de que minha mãe disse informações interessantes sobre o garoto mais velho antes de sair, fazendo-me mais conhecido do outro do que ele de mim. Agora que me lembrei que ela saiu, me deu muita vontade de me amuar neste banco, me trancar em um cofre e esperar até ela vir até mim e recitar a senha que apenas ela sabe. 

— Lewi este é Adrian, filho de Lea. — Ele arregalou os olhos, me encarando surpreso. — E Adrian, este é Lewi, está estagiando aqui tem pouco mais de cinco meses. 

Nos encaramos, e percebi como seu cabelo em contraste com a luz começou a ficar azulado. Estranho. Será que a luz causou isto ou alguma outra coisa dele? Pode ser que eu esteja ficando daltônico também, é uma hipótese.

 — Ele te levará para o apartamento, Adrian. — Percebi então que Habel se dirigia a mim, então aquiesci, para que não ficasse sem resposta. — Não esqueceu nada? 

— Trouxe apenas meu celular. — Mencionei, erguendo o aparelho e guardando-o no bolso de minha jaqueta em seguida. 

— Lewi, pegue suas coisas. Tenho quase certeza que Lea pode me matar caso saiba que Adrian demorou ao chegar em casa. — Acho que era para ela dar ordens, mas ela de perdeu em pensamentos altos. 

— Habel, acho que já pode voltar a organizar a exposição, esperarei ele e irei logo. — Tentei tranquilizá-la, evitando falar o nome dele, já que não entendi a pronúncia. Não estou acostumado a nomes franceses. 

— Tem certeza? — Ela perguntou, suas grandes írises me encarando. 

— Cuidarei dele Sra. La'Rue. — A voz levemente grossa de Lewi se fez presente, dando a Habel um pouco mais de certeza. 

— Se vocês acham que ficarão bem, fico aliviada. — Ela sorriu, como se outra coisa em sua lista tivesse sido cumprida. Vi essa expressão ao menos cinco vezes neste curto período de tempo que ela me trouxe a galeria com minha mãe. 

Assentimos juntos, fazendo ela abrir um grande sorriso antes de alguém lhe chamar, e fazer ela nos pedir licença e ir até onde lhe chamavam. Acompanhamos ela com o olhar até que ela desaparecesse por trás de uma das paredes espalhadas pelo local. Fiz um muxoxo e encarei minhas mãos, sempre as achei esquisitas, são brancas demais, dedos longos e magros que esbanjam ainda mais bizarrice. Se virar minha mão e ver minha palma, tenho certeza que verei as veias que passam por ali com clareza, como sempre as vi e nesse instante não iria ser diferente. 

— Uhum. 

Ergui os olhos ao escutar a tentativa do jovem chamado Lewi de me chamar atenção, vendo como seus cabelos não parecem azuis como anteriormente achei, mas preto, como é. Tenho certeza que estou ficando louco agora. 

— Eu vou ali pegar minha bolsa e já volto... — Acho que ele fez uma pausa para que eu lhe dissesse meu nome. 

— Adrian. 

— Já volto Adrian. — Ele abriu um sorriso hesitante e saiu andando mais rápido do que eu achava que ele andava. 

— Ok, ele é estranho. — Digo para mim mesmo, até que noto o que falei. — Mas você também é estranho, Adrian. 

Trago minhas pernas para meu peito, pegando meu celular em seguida e mandando uma mensagem a minha mãe, perguntando-lhe se ela já havia chegado a casa de Michael, o Alpha de Quebec. Enquanto esperava sua resposta, abri um dos aplicativos que instalei recentemente e comecei a mexer nele, constatando que ele é entediante. Fechei o mesmo e comecei a exclui-lo, até que recebi a resposta de minha mãe. Dizia ela que ainda demoraria a chegar à casa dele, pois ela é mais longe da galeria do que o nosso apartamento, mas que quando chegasse, provavelmente não conseguiria responder nenhuma outra mensagem. Respondi que tudo bem e que esperasse que ela ficasse bem. Ela me respondeu com um agradecimento e disse que iria mandar uma mensagem quando chegasse.

— Demorei muito? — Ergui meus olhos ao ver Lewi ofegante. Franzi a sobrancelha ao ver seu rosto levemente corado, de forma que posso concluir que ele estava correndo, sem nenhuma necessidade, obviamente. 

— Na verdade, não. — Respondi-lhe educadamente. — Não precisava ter corrido, na verdade, sinto-me incomodado em ver seu estad...

— Eu não corri! — Ele exclamou, me interrompendo. 

Franzi novamente a sobrancelha, pousando meus pés no chão para poder me levantar. Arrumei minha jaqueta em meu corpo, fechando os botões calmamente e colocando as mãos no bolso. Olhei-lhe e notei como seu rosto ficou mais vermelho do que estava anteriormente, me fazendo crer que ele não parece tão maduro quanto sua idade deveria dizer. 

— Sei bem disso. — Comentei irônico, olhando-lhe dos pés à cabeça, rindo de lado e me dirigindo a saída. 

Não ouvi seus passos imediatamente depois que me dirigi a saída, na verdade, demorou um pouco mais do que eu esperava para ouvi-los. Me virei minimamente para trás, vendo que ele vinha até mim murmurando prováveis reclamações de mim e notei como seus cabelos tomaram a impressão agora de um prateado fraco. Franzi mais uma vez a sobrancelha e decidi ignorar o modo como o cabelo dele é desforme ou a minha loucura, que fica imaginando o cabelo dele mudar de cor. Afinal, deve ser apenas uma tintura de cabelo que faz a cor mudar com a mudança da luz ou algo assim. Deve existir algo assim atualmente.

— Você não pode falar assim de mim! — Ele exclamou assim que me alcançou, acompanhando meus passos e arrumando sua bolsa transversal no ombro. 

— Quem disse? — Perguntei enquanto empurrava a porta pesada, saindo logo em seguida. 

— Não se faça de desentendido. Eu sou mais velho, você me deve respeito.

 — Não lhe devo nem uma mísera migalha, respeito eu tenho apenas por uma pequena parcela de pessoas e você não está nesta lista. — Passei a mão pelo meu cabelo, puxando os fios de cabelo para trás, que insistem em atrapalhar minha visão.

— Você tem uma lista? Por que eu não me surpreendo? — Ele se perguntou usando um tom irônico, e pelo jeito que falou, parece que não está acostumado a usar esse tipo de tom. 

— Tenho quase certeza que não é da sua conta. — Afirmei, olhando para ele e vendo como ele corou novamente diante da luz arroxeada do início da noite e reparei como seu cabelo se adequou a iluminação. 

— Não quis me intrometer, mas acho uma falta de respeito você não ter nenhuma consideração por mim. Da onde eu venho, temos que respeitar todos os mais velhos, independente se é conhecido ou não. — Segui seus movimentos quando ele colocou as mãos do bolso do casaco grosso que ele havia colocado. — Um garoto da sua idade, quantos anos? Treze? 

— Quatorze e meio. 

— Um garoto de quatorze e meio não deveria ter uma educação melhor? — Ele perguntou, olhando para mim e fazendo com que cruzássemos olhares. 

Ignorei sua pergunta e desviei o olhar, me aquietando e olhando para o chão enquanto percorria o caminho que me lembro que Habel percorreu. Esse garoto é chato, não tem nada de interessante nele. Fica reclamando de idade, de falta de respeito por ela e essas bulhufas. É uma chatice ter que ficar ouvindo o seu discurso toda vez que ele abre a boca.

— Sua mãe me disse que você é comportado, mas não disse nada de teimoso, birrento e frescurento. Tem certeza que ela é sua mãe? Vocês são tão diferentes... — Ele ia continuar a falar merda, mas tive que interrompe-lo antes que ele começasse a falar da minha mãe. Que fale de mim, mas dela não.

— Olha aqui, Louis, eu não quero saber o que você acha de mim porque eu estou pouco me importando para sua opinião, mas se você abrir essa sua boca para defecar alguma coisa sobre a minha mãe, eu vou fazer você engolir a própria língua! — Atropelei as palavras enquanto apontava o dedo na cara dele. — Não me importo se você é um selvagem ou uma lebre!

Ele olhou para mim em choque, surpreso com meu ataque do nada e minha fúria súbita. Minha respiração estava descompensada enquanto ele estava paralisado.

— Agora você vai aprender a calar a boca?! — Perguntei, com a raiva ainda me percorrendo, porém, minha fala também pareceu acordá-lo.

— Primeiro, meu nome não é Louis, é Lewi! Segundo, eu nunca falaria mal da sua mãe, eu admiro e muito a sua mãe por tudo que ela conseguiu. Terceiro, porque você ficou tão irritado?! — Ele fez mais um de seus discursos, aonde dessa fez eu prestei atenção na pronuncia do nome dele (é bem naquele sotaque francês, fala-se Lévi), e me forcei a prestar atenção em toda sua fala, me surpreendendo com ele admirar minha mãe.

— Você a admira?

— Responda minha pergunta primeiro, depois eu respondo a sua. — Ele falou levemente irritado.

Engoli em seco, coçando a minha nuca e respirando fundo. Não gosto muito de falar desse assunto, pois, ao contrário de mim, minha mãe fala dele livremente.

— Eu sou adotado. Não admito que falem assim de uma pessoa que tanto me ajudou, me acolheu e me dá tanto carinho. — Falo, sem olhar para ele, apenas contanto bem superficialmente a minha relação com a minha mãe.

— Você é adotado? Mas você é muito parecido com ela. — Ele murmurou aquela frase que já ouvi muitas vezes pelos membros da alcateia de minha mãe.

— Já me falaram isso. — Resmunguei.

Não que isso me deixe triste, na verdade me deixa muito feliz em saber que sou parecido com ela, mas já ouvi essa frase tantas vezes que chega a ser cansativo.

— Entendo. — Ele disse, meneando a cabeça. — Respondendo sua pergunta, como não ficar admirado com uma pessoa que surgiu do nada? Aonde ninguém sabe o passado dessa pessoa e, mesmo assim, ela foi ao seu auge em sua primeira amostra de fotografia em um baile e cresce a cada nova exposição. E em cada nova exposição, é algo diferente, como se fosse um artista diferente a cada nova exposição, cada obra carregando um pouquinho dela dentro de uma simples e fantástica imagem.

Seu tom esbanja encanto, seu tom dengoso mostrando o quão gosta do trabalho de minha mãe, o que me deixa ainda mais atordoado, pois nunca tinha ouvido alguém falar assim sobre algo que minha mãe fez.

— Me desculpe se você se sentiu ofendido, mas é o primeiro jovem que conheço nesta cidade, eu não sou daqui. — Essa informação sim, me traz curiosidade.

— Da onde você é?

— Sou de Nunavut, muito ao norte daqui, lá é cercado pela Baía de Hudson, pela Passagem do Nordeste e pela Baía de Baffin. — Ele explicou cheio de orgulho na voz.

— Bem, isso sim é uma informação valiosa. — Comentei, seguindo caminho a frente, com ele logo atrás de mim.

— E você, da onde você é? — Ele perguntou, seguindo ao meu lado.

— Não sei, mas cresci em Springfield, em Massachusetts. — Lhe respondi, colocando as mãos nos bolsos da jaqueta.

— Isso faz sentido. Mora aonde agora? — Olhei para ele, avisando com o olhar que já são perguntas demais. — Vamos, é só uma pergunta.

Bufei, vendo como ele pode ser insistente.

— No Maine.

— Na terra do Letum? A Senhorita Harrison tem coragem em morar lá. — Ele comentou, me fazendo olha-lo com curiosidade.

— Por que você acha isso?

— Ela não é solitária? Nunca ouvi a história de uma solitária em territórios com tantos lobos como o Maine. — Ele falou, olhando para a rua e logo depois para mim.

— Ela não é solitária, seu idiota! Ela faz parte da alcateia do Maine! — Exclamei, vendo como minha mãe não contou nada dela para ele.

— Sério?! Uau! E ela tem permissão para ficar viajando como fotógrafa? Não sabia que o Letum havia amolecido tanto. — Ele falou realmente impressionado, me fazendo franzir o cenho.

— Ele não amoleceu, eu garanto. Ela quase não pode vir para cá. — Falei, me aconchegando em minha jaqueta, querendo encerrar o assunto.

O Letum é uma ótima companhia para contar histórias e contos, comprovar se são verdadeiros ou não, mas como Alpha, vendo minha mãe, sei que as vezes ele pode ser muito injusto.

Lewi deve ter percebido eu não sentia mais vontade de continuar a conversa, o que nos rendeu um silêncio confortável com a companhia dos carros que passavam e os prédios solitários, se erguendo pelos céus. Lewi ficou quieto, nada parecido com o que eu esperava, enquanto a mim apenas falava as direções que deveríamos seguir. Ambos ficamos cativados pela beleza deste lugar, já que nós dois não somos daqui e nunca tínhamos passado por aqui a pé.

Logo, antes que eu pudesse perceber, estávamos a poucos metros do prédio creme de Michael, aonde fica o apartamento de minha mãe. Apontei para Lewi, que assentiu e fomos para lá. Nos aproximamos das grades negras no enorme prédio, logo, estávamos na entrada, o porteiro deixou que entrássemos sem questionar, talvez sabendo que eu estava neste mesmo prédio a pouco tempo atrás.

— Esse lugar é muito bonito. — Lewi falou, quebrando o silêncio que estávamos.

— É, achei a mesma coisa. — Concordei com ele, meneando a cabeça. 

Entramos no hall, atravessamos os mesmos até estarmos em frente as portas de elevadores e, sem que esperássemos, uma daquelas portas abriu e por ela saiu um garoto com aparentemente a mesma idade que o Lewi, mas estava vestindo uma roupa social, com uma calça caqui azul marinho até os tornozelos, uma camiseta em V preta, um blazer preto e um chapéu da mesma cor, com uma faixa prateada. Ele nos encarou, olhando bem para nos dois com olhos azuis-dourados, mas que em um piscar de olhos, suas pupilas se estreitaram iguais a de um gato. Mas antes que eu pudesse falar alguma coisa, ele deu de ombros e passou por nós, indo embora. 

— Lewi você notou aquele garoto? — Perguntei, me voltando para o outro, mas me senti um idiota ao ver que ele estava atendendo uma ligação. 

Bufei e entrei no elevador, segurando a porta para ele entrar. Ele continuou conversando pelo celular até notar que eu segurava as portas, o que demorou uns cinco minutos que eu podia muito bem estar dormindo ou fazendo qualquer outra coisa. Assim que ele entrou no elevador, com a ligação já encerrada, ele ficou atrás de mim e não tive como vê-lo. Bufei de novo e cruzei os braços, olhando fixamente para as portas do elevador, esperando elas abrirem. 

— Você... Me perguntou alguma coisa? — Ele perguntou hesitante, quase com medo. 

— Sim. E você não ouviu. — Respondi-lhe, áspero

— E o que era? — Perguntou, no mesmo tom hesitante. 

— Ah, agora você vai me ouvir? — Perguntei irônico. 

— Não foi minha culpa. — Ele disse, sua voz soando manhosa. — Meu pai me ligou, não posso ignorar uma ligação dele. 

— E pode me ignorar? — Perguntei com raiva de suas palavras, me virando para ele. 

— Você ignoraria uma ligação da sua mãe? — Ele perguntou erguendo a sobrancelha. 

Droga! Nessa ele me pegou. Eu nunca recusaria algo dela, nem mesmo uma ligação que fosse... Meu celular vibrou em meu bolso, me fazendo dar novamente as costas a ele, no exato momento que as portas abriram e revelaram as três portas do meu andar. Saí do elevador, desbloqueando o celular e abrindo a mensagem que eu recebi. Era minha mãe, avisando que já estava chegando na casa do Michael e que logo iria conversar com ele, reforçando que não poderia mexer no celular neste período. Mandei que estava tudo bem, e lhe desejava sorte. 

— É a sua mãe né? — Ouvi a voz de Lewi atrás de mim, me fazendo assentir de qualquer jeito. — Agora sabe do que eu estava falando. 

— É, sei sim. — Respondi-lhe dando me por vencido, não aguentando discutir com ele. 

— Mas o que você estava me perguntando antes? — Ele lembrou-me da questão, me fazendo revirar os olhos, me repreendendo por ser tão desmemoriado. 

— Era só sobre um cara estranho que tinha saído do elevador. Parecia que ele tinha olhos de gato. — Falei gesticulando, apontando para meus próprios olhos como exemplo. 

Lewi arregalou os olhos, porém disfarçou. Franzi o cenho, estranhando sua atitude, mas como ele está tentando disfarçar tanto sobre o assunto, como se reconhecesse essa característica, decidi deixar isso de lado. Não quero ficar pensando nas neuras de um Selvagem que eu nem conheço direito. Por fim, peguei as chaves de meu bolso e escolhi uma delas, agradecendo mentalmente por ser a certa quando o barulhinho indicando que a porta foi destrancada soou. 

— Quer entrar? — Pergunto, tentando ser educado. 

Ele olha para dentro do apartamento e abre um sorriso gigantesco, olhando com uma curiosidade maior do que a minha para dentro do apartamento.

— Que oportunidade, com licença. — Ele murmurou ao entrar, mostrando sua educação.

Ele foi na frente, comigo logo atrás, que apenas tirei a chave da maçaneta e fechei a porta atrás de mim. Procurei por Lewi, que estava na sala, olhando o grande quadro de minha mãe, que vai do dia para a noite, com uma frase em baixo. Ele olhava o quadro deslumbrado, como se nunca tivesse visto algo igual, quase como se fosse raro. Me aproximei, a fim de não deixar o Selvagem muito à vontade no apartamento de minha mãe. 

Assim que me aproximei dele, estando a pouco mais de dois metros, percebi como seu cabelo começou a ganhar um toque caramelo fraco. 

— Seu cabelo muda de cor? — Perguntei, tirando essa questão que estava entalada na minha garganta. A resposta vai dizer se estou louco ou não. 

— Ah, isso. — Ele resmungou, passando a mão nos cabelos. — Desde que eu sou criança isso acontece. Muda de acordo com o meu humor. 

Arregalei os olhos com o que me foi contado, achando a novidade cativantemente estranha. Senti vontade de tocar em seus fios, mas acho que iria ser muito invasivo, além do que, parece que eles não têm superpoderes.

— E como isso pode acontecer? — Perguntei já recuperado da notícia. 

— Não sei, mas eu acho que é por causa da minha transformação. Como eu me transformo em um camaleão, sua habilidade talvez possa refletir em mim. — Ele explicou como se tivesse treinado sua fala por muito tempo. 

— Isso é realmente estran...

E interrompi ao ouvir a campainha. Nos entreolhamos e olhamos para a porta, da onde a campainha começou a tocar incessantemente. 

— Estava esperando alguém? — Lewi perguntou aos sussurros, me fazendo eu me aproximar dele para ouvi-lo. 

— Não. Pelo menos minha mãe não falou nada disso. — Falei, olhando novamente para a porta, notando que quem estava por trás dela, parou de tocar a campainha e começou a bater na porta sem parar. 

— Tem alguém aí dentro? Eu estou ouvindo conversas! — Soou uma voz grossa por trás da porta, revelando ser um homem. 

— O que vamos fazer? — Perguntou Lewi desesperado. 

— Eu não sei. — Falei, começando a ficar nervoso. 

— Vão pensar que invadimos! 

— Invadimos um apartamento nesse andar? Não começa a pirar Lewi! — Dei uma bronca nele, o que foi pior pois o homem começou a bater mais na porta. 

— Você trancou a porta? — Ele perguntou agarrando meus ombros e me encarando dentro dos olhos. 

Tentei me lembrar de quando entramos, e a resposta é:

— N-Não. — Falei tremulo. — Mas não acho que vai fazer diferença com esse cara, ele não parece humano. — Contei minha opinião, rindo sem graça, sem sabe o que fazer diante desta situação. 

— Vamos ter que disfarçar! — Afirmou, com uma confiança repentina. 

Mas o que me assustou não foi essa atitude repentina, mas como ele estava me encarando com um olhar nem idiota. O que só comprovou ainda mais que a ideia dele deveria ser muito estupida. Andei para trás, afim de fugir das loucuras do Lewi e possivelmente correr de quem tentava quebrar a porta, mas o Lewi não estava cooperando. 

— Parece que a porta está aberta. — Ouvi a voz por detrás da porta, me assustando e antes que eu pudesse dar mais passos para trás, cai no sofá.

 — Não temos outra opção! 

Temos muitas opções em pauta aqui!

Ouvi a porta sendo escancarada, e Lewi veio com tudo para cima de mim. Tentei pará-lo colocando as mãos em seus ombros, mas não tive forças suficientes. 

Lewi, seu otário!

 

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Lea

 

— Me empresta dinheiro para pagar o taxi?

Perguntei assim que a porta da casa do Michael foi aberta pelo mesmo, que ergueu uma sobrancelha e riu, passando por mim e atravessando seu jardim estilo francês — sem surpresa alguma — com seus formatos simétricos e plantas chamativas. Ele pagou o motorista sem enrolação e logo voltou até aonde eu estava, entrando na casa e pedindo para que eu entrasse, e assim o fiz. Fechei a porta branca com alguns desenhos ornamentais entalhados pelo próprio Michael, que adora fazer esses tipos de coisa um tanto mais braçais e artesanais.

Segui o Alpha, que passou direto pela sala e foi para a cozinha, abrindo uma porta escura com reforço para temperaturas altas por causa da forja dele do outro lado da porta. Iria passar direto pelos mesmos cômodos que ele, porém, ouvi alguns barulhos vindos do sofá. Assim que fui até o móvel, vi que dois lupinos estavam dormindo ali, um aconchegado no outro.

— Kurt e Eleanor está aqui há quanto tempo? — Perguntei alto, afim de chamar a atenção do Alpha.

— Eleanor já estava aqui quando chegamos após deixar você lá no prédio, ela está tendo uma reação alérgica por causa das flores de Alexandrita. — Michael explicou, voltando a cozinha e pegando uma garrafa de vidro de algum refrigerante que não reconheci. — Kurt está muito preocupado com ela, então está velando seu sono, apesar de ter dormindo também.

— Alexandrita. — Falei o nome com asco.

— Sei que você não gosta das bruxas, mas é um sentimento generalizado sem qualquer fundamento. — Ele proferiu, bebendo um gole da bebida enquanto eu me aproximava um pouco irritada com sua fala.

— Não é sentimento generalizado, é a verdade. — Digo, perto o suficiente para lhe encarar nos olhos.

— É, Lea, continue dizendo isso para si mesma. — Ele riu sarcástico, bebendo outro gole e indo até a porta pesada da forja, entrando pela mesma e a deixando aberta.

— O que você quer Michael? — Perguntei, começando a ficar com raiva da forma que ele falava. — Ou o que você não quer?

— Você não está em um lugar que pode fazer e falar qualquer coisa. — Ele falou do outro lado da porta. — Você sabe bem que aqui você não tem nenhum “poder”.

— É, que bom que você está aqui para me lembrar. — Resmunguei, não sabendo se ele poderia me ouvir ou não.

‘Ele sabe ser irritante quando quer.’ Minha loba também resmungou.

— Não vai entrar? — Ele perguntou alto, para ser ouvido do outro lado da porta.

— É seguro? — Perguntei alto.

— Completamente!

Suas palavras não me passavam nem um pouco de segurança, porém, não tinha como recusar entrar lá dentro. Eu preciso saber o que tinha acontecido com o Jake e sobre todas essas coisas estranhas em Quebec, o território da pessoa que eu estou conversando. Bufei e entrei pela porta, olhando para todo aquele ambiente calorento, cheio de ferramentas para fazer armas — as brancas, para deixar claro — visto que em uma parede com vários ganchos, estavam algumas se suas obras: flechas, espadas, katanas e outros do tipo. Michael estava próximo da fornalha, mexendo em alguns martelos.

— Por que você gosta tanto de Alexandrita? — Indaguei, realmente nunca entendendo a apreciação que ele tem por aquele lugar. Michael se virou para mim, seu rosto inexpressivo.

— Porque você acha que eu não gostaria? Além de ser um lugar lindo, tem a maior variedade de pessoas e tranqueiras que você já viu, como um grande mercado sobrenatural. Lá eu posso conseguir ingredientes para a minhas armas e para qualquer lobo meu que se ferir. Não tenho nada contra o lugar. — Terminou, dando de ombros.

— Ele é cheio de bruxas, você não sabe se o que elas te dão são ou não verdadeiros. Pode muito bem fazer mal a qualquer lobo, como não saber se tem prata líquida naquelas poções ou coisa do tipo? — Perguntei revoltada com a calmaria do Alpha.

— Pois o lugar é legalizado pelo Congresso das bruxas, Leana! Você acha que deixariam vender qualquer coisa lá que fizesse mal as outras espécies em um nível alto como a prata? Elas não querem uma guerra entre raças.

— Ela foi legalizada? — Perguntei surpresa.

— Você nunca ficou interessada nesse assunto, é claro que em um momento ou outro o lugar chamaria a atenção do Congresso e ele seria legalizado. — Ele falou sério. — Ainda mais com o estranho fato de que todas as plantas que tem lá, não importa espécie, seja da mesma cor e a mesma mude de acordo com a iluminação.

É eu sei desse fato. Não é atoa que aquele lugar se chame Alexandrita, igual a pedra que muda de cor dependendo de como se olha. Sei que, no princípio, aquele lugar era um campo das mais variadas flores, até que resolveram usar o lugar como comercio sem danificar essas plantas, as salvando de todo jeito. Assim, as flores continuaram com a sua inusitada mania de mudar de cor dependendo de como o sol, ou a falta dele, batesse em suas pétalas.

— Que bom saber dessa novidade. — Comentei irônica, sentando em cima de uma mesa vazia.

— Fico feliz que tenha gostado. — Ele comentou sarcástico.

— Mas, então, Michael. O que você sabe sobre o Jake? — Perguntei mudando de assunto, indo logo para o ponto principal da conversa.

Michael respirou fundo, largando o que estava mexendo e sentando em uma cadeira, com um martelo em mãos e mexendo nele sem conseguir parar. Ele olhou para mim erguendo os olhos e depois respirou fundo, talvez incomodado com uma fêmea estar o incomodando com perguntas que apenas ele mesmo deveria fazer.

— Lea, quero que saiba que eu também estou muito preocupado com ele. Ele é meu segundo em comando, como eu posso não ficar incomodado com isso? — Ele perguntou para mim, me fazendo lembrar de quando o encurralei mais cedo com perguntas provocativas.

— É, não pareceu antes. — Resmunguei, olhando bem para ele, que revirou os olhos.

— Quando eu não o achei em lugar nenhum, coloquei os lobos atrás dele, mandei procurar por todos os lugares. Perguntei a amigos meus humanos se eles podiam procurá-lo e cheguei até mesmo a ir em Alexandrita para perguntar por ele. — Ele olhou para mim neste momento, como se eu fosse fazer algum comentário. Mas, na verdade, o Jake é mais importante para mim neste momento do que outras coisas. — Enfim, algumas bruxas e lobos de outros lugares comentaram comigo que tem um lugar que atrai quaisquer pessoas que gostem de apostas, o que resultou em uma conversa sobre a K.O.R e que eles estavam tentando rastrear Alexandrita, mas todos estão protegendo o lugar.

— Então a K.O.R está atrás de Alexandrita? O que o Jake tem com isso? — Perguntei confusa com o rumo que essa conversa estava levando.

— Não, a K.O.R não está atrás de Alexandrita, está atrás desse lugar de apostas. É um clube clandestino de luta, pelo que me contaram. Ninguém fala de fato aonde é o lugar, mas a cada dois dias, se você quer mesmo entrar para essas apostas, você tem que encontrar um lobo robusto com um jovem bruxo ao seu lado. São eles que recrutam lutadores. — Ele respirou fundo, desviando os olhos dos meus e trazendo para mim novamente. — Eu suspeito que o Jake conseguiu entrar neste clube.

Como assim?! — Minha loba gritou comigo. 

— Se acalme. — Ele pediu, fazendo alguns gestos para baixo. — É a única conclusão que consegui chegar. Tenho certeza que ele não deixaria que a K.O.R o pegasse, mas também sei que ele nunca foge de um desafio.

Pulei da mesa e coloquei as mãos no cabelo, não esperando aquela resposta. Aonde o Jake foi se meter?! Ele é retardado para começar a fazer apostas em um clube de luta clandestino? Ele é louco. Senti uma mão quente em meu braço, me fazendo olha-la. Michael me segurava calmo, tentando passar esse sentimento pela sua dominância, o problema, é que isso estava me deixando incomodada. Pois eu sei que ele não é mais dominante do que eu, mas ele sabe como usar ela para tranquilizar os outros, mesmo que seja alguém mais dominante que ele.

— Não faça isso. Nem tente fazer isso. — Falei soltando o seu aperto em meu braço.

— Você precisa se acalmar. — Ele me advertiu, tentando me segurar de novo, mas me esquivei.

— Eu preciso encontrar o Jake. — Afirmei, dando-lhe as costas, pronta para procurar por ele.

— Você não vai atrás dele às cegas, vai? — Ele perguntou alto, olhando para mim enviesado.

— Claro que sim! Não vou ficar deixando ele fazer merda por aí.

— E eu não posso deixar uma fêmea ir atrás de problemas. Ainda mais uma fêmea do Letum! — Ele exclamou, indicando a mesa novamente, me fazendo bufar alto ao me sentar ali.

‘Ele está certo. Se dermos problemas, quem vai carregar a fúria do Letum vai ser ele.’

Eu sei, Loba, eu sei.

— O que você quer que eu faça então? — Perguntei me sentando na mesa, sentindo que meu tom ainda contém raiva.

— Quero que faça isso do jeito certo. — Franzi o cenho, estranhando sua fala. — Não saia pela noite procurando em toda a Quebec, vá ao lugar certo.

— Espera um pouco, você sabe aonde fica esse clube? — Perguntei, achando que Michael estava tirando uma comigo.

— Depois de muita procura, sim, eu achei esse clube. Só estava esperando a hora certa para ir procura-lo, mas como o Letum mandou novos lobos para cá, eu tenho que ficar de olho neles. — É Michael, você tem deveres de Alpha. — Mas se você quer ir até lá, fique à vontade. Sei que é mais do que capacitada para isso.

‘Estou confusa.’

— Você está me deixando ir atrás do Jake? — Perguntei para ter certeza.

— Estou.

— Sem qualquer problema?

— Eu vou ter muitos problemas se você não voltar inteira, mas se você conseguir, vou estar te devendo um favor. — Eu realmente não sei o quão difícil foi para ele dizer essas palavras, realmente.

— Está falando sério? — Eu tenho que ter certeza antes de tudo.

— Quantas vezes você vai perguntar? Sim, está tudo bem. Mas antes você tem que saber de algumas coisas. — Ele então pegou alguns papeis que estavam em uma gaveta na mesa em que estou sentada. — O clube não é apenas de lobisomens. É de todas as espécies.

— Todas? Quer dizer vampiros, selvagens e bruxas? — Perguntei tentando olhar aqueles papeis, que eram vários desenhos juntos.

— E Transmorfos.

— O que diabos são Transmorfos? — Perguntei sem saber que existia algo assim.

— Basicamente são primos dos selvagens, um bando de zoológicos ambulantes. Podem se transformar em outros animais, como os selvagens, mas tem mais liberdade de transformação, podem ser mais do que apenas um animal.

— Isso só pode ser brincadeira. — Falei, desacreditada.

— Não estou brincando, eles provavelmente têm uma segurança pesada. — Ele me passou os papeis, me fazendo ver várias versões do mesmo desenho. — Esse daqui é o símbolo deles, quase ninguém me deu a mesma versão, então você tem que contar sempre com esses elementos. Flechas e espada, que significam combate, sol os Vampiros, lua, nos Lobos, pentágono, as Bruxas e a estrela — que pode ou não ser flamejante — que significa os Selvagens e os Transmorfos.

Olhei todos os papeis, vendo as diversas versões do mesmo símbolo, deixando tudo mais confuso. Porém, se Jake está lá, eu não vou deixa-lo a mercê de uns brutamontes das mais diversas raças.

— Vai querer mesmo embarcar nessa? — Ele me perguntou, fazendo nossos olhos se encontrarem. Eu via a preocupação nos olhos dele, mas ele sabe que não pode me impedir.

— Vou. — Afirmei, deixando os papeis ao meu lado na mesa.

— Então lhe desejo sorte. — Ele desejou, bagunçando meus cabelos. — Vai precisar disto.

E jogou para mim as chaves de seu carro.

 

 

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Olhei para os dois lados da rua, que era quase completamente em paralelepípedo, apesar de que a minha esquerda, ele começava a se transformar em asfalto batido e logo depois, em tábuas grossas e longas de madeira fosca, que dava acesso as filas de barcos de diferentes tipos e portes. Tentei avistar qualquer pessoa suspeita ou com pinta de — no mínimo — perigoso. Mas as únicas pessoas que achei com meus olhos foi alguns pescadores que acabaram de chegar e estavam prendendo seus barcos, mas que logo iam embora. Olhei para trás, vendo o GMC Terrain parado longe da entrada do porto, me certificando que ele não iria ser notado por qualquer membro daquele clube. Esperei que o porto estivesse vazio o suficiente para que eu pudesse assim, adentrar e procurar pelo símbolo que Michael citou. 

Coloquei meu capuz, me certificando de que meu longo cabelo de fios negros não aparecesse. Duvido que qualquer pessoa que possa aparecer neste lugar me reconheça, mas é sempre bom prevenir. Olhei atenta para todos aqueles barcos, mas nenhum parecia um clube de luta clandestino de seres sobrenaturais. Agucei minha visão e meu olfato o máximo que pude, me semitransformando para que minha loba pudesse me ajudar na procura. Respirei bem fundo, tentando sentir qualquer cheiro que pudesse me ajudar na busca. Ao passar por uma lancha, vi como meus olhos estavam verdes vibrantes naquela noite, minha loba tomando metade de meu corpo apenas por estar seguindo seus instintos. 

Um cheiro bem familiar para mim veio lentamente em minha direção, o usual cheiro de um lobisomem, que identifica-nos como lupinos. Segui o odor, sabendo como é estranho ter lobos por aqui sem serem os de Michael, afinal, é território dele. Com cautela, me aproximei lentamente, tomando cuidado para não ser notada ao me esconder atrás de uma estrutura branca. Antes que eu pudesse ver os lobos, vi um grande navio transatlântico com quase todas as suas luzes acesas. Ele é tão imensuravelmente grande, que tive que erguer a cabeça para vê-lo por inteiro, com sua pintura branca e preta, e em uma de suas janelas, o símbolo oficial — e não um dos que Michael me mostrou. Duas flechas cruzadas, com uma espada no meio com rosas enrolando ela com seus espinhos, e em cada extremidade das flechas, há um símbolo, somando no total quatro. Que são o sol, dos vampiros; a lua, dos lobisomens; o pentágono, das bruxas; e por fim, a estrela de nove pontas flamejante, que representa os selvagens e transmorfos. 

Fiquei contente ao saber que achei o navio tão rápido, porém, como eu vou entrar lá dentro com lobos de guarda, que no caso, não faço a mínima ideia em quantos eles estão? O cheiro está forte, mas isso apenas representa o quão perto eu estou deles, e não a quantidade. Se eu puder me concentrar e sentir cada um dos cheiros deles, então talvez eu possa armar um jeito de passar por eles de uma forma ou de outra. Porém, se eu me demorar em me concentrar e em diferenciar o cheiro de cada um deles, tenho certeza de que serei notada. 

A única forma plausível é que eu me esconda em algum lugar — de preferência, acessível — para que eu tenha visão deles e assim, poderei saber em quantos eles estão. Olhei para os lados, procurando qualquer lugar que eu pudesse ficar invisível para eles, mas não havia qualquer coisa ali, apenas... Barcos. Ergui os olhos, ignorando os comentários baderneiros de minha loba, que começou a se crucificar ao notar o quão estúpidas fomos. Tem esconderijos em todos os lados aqui. Afinal, quantas banheiras flutuantes tem neste porto? Definitivamente, mais do que eu posso contar nos meus dedos. 

Me virei para trás, notando só agora que estava me encostando em um iate alto, mas de tamanho médio. Respirei fundo, sabendo que se fosse pega, eu com certeza estarei em menor número e posso me fuder mais do que posso imaginar. Funguei, sentindo que eles não haviam se movido em minha direção. 

‘Vamos com cautela. Conseguiremos.’

Garanti que meu capuz estava sobre minha cabeça e ergui minha cabeça para checar que era deste lado que há o buraco que cai a âncora, pois vai ser por ele que eu vou subir neste iate. Confirmei minha teoria ao ver uma fenda de trinta a quarenta centímetros, com um pouco menos de altura. Não estava a mais de dois metros de altura, então respirei fundo e esfreguei minhas mãos, sacudindo-as e tomando impulso nos joelhos para saltar. O pulo foi alto e consegui de primeira — se não conseguisse, iria fazer barulho — e fiz questão de não me pendurar, segurando meu peso e me erguendo, como fui ensinada a fazer.

Segurei o mais forte que pude naquele buraco, firmando o aperto e me elevando, se forma que apenas meus braços se movessem, como um elevador. 

Assim que tive visão do convés do iate, rapidamente troquei o lugar em que minhas mãos mantinham o aperto e transferi para a extremidade de cima do buraco, sem perder o equilíbrio. Tive que resistir ao impulso de soltar um suspiro de alívio e me concentrei nos meus movimentos. Rapidamente trouxe meus joelhos ao meu peito, sem me desligar do aperto que exerço sobre minhas mãos, colocando em um movimento ligeiro meus pés no buraco também, fortificando minha estabilidade a apenas dois metros do píer. Senti uma gota de suor escorrer até meu pescoço, me agoniando. Soltei uma mão e limpei a mesma, me surpreendendo comigo mesma ao notar o quanto estou firme. Assim, segui para a próxima etapa. 

O convés é cercado por uma grade de duas barras de ferro aparentemente bem resistente, pois este iate não é nem de longe novo — algumas manchas de ferrugem podem ser vistas em alguns lugares bem escondidos. Me estiquei até alcançar uma das barras, não sendo necessário que eu tivesse de me esticar acima do meu limite, pois a distância é no mínimo, um pouco menor que a extensão de meu braço. Rapidamente juntei ambas as mãos no aperto da barra, fazendo um movimento que custei a aprender. Paralisei meus braços, os deixando o mais rijo que pude, elevando meu corpo como uma atleta de ginástica. Elevei ele até que estivesse de ponta cabeça, meu corpo totalmente ao inverso do que deveria estar, a gravidade plenamente me ajudando a manter o equilíbrio. Eu já não tinha a visão do convés, porém, agora garanto que não tem ninguém neste porto — ao menos, não daquele lado. 

Respirei fundo, separando minhas mãos, que estavam lado-a-lado até estarem a cerca de trinta e cinco centímetros separadas. Calmamente, comecei a me curvar para o lado esquerdo, em um movimento que rapidamente poderia me fazer cair em uma queda de pouco mais de dois metros. Assim que me senti perder o equilíbrio, flexiono meus braços e dou um impulso para cima, me fazendo pular e girar em 360 graus. Mas a falta proposital de equilíbrio me fez aterrissar com os pés firmes nas barras. 

‘Não acredito que isso tenha dado certo.’ Eu também não, mas os treinos valeram a pena. ‘Valeu Maya por pagar as aulinhas de ginástica olímpica!’

Mentalmente, também agradeci. Sem elas, não saberia fazer isso. 

Assim, desci calmamente daquelas barras, pousando silenciosamente no convés daquele iate de dono desconhecido. Rapidamente me curvei e me aproximei a passos lentos da outra extremidade do convés, me agachando completamente ao alcançar as barras. Olhei para baixo, tendo a vista do final do porto, aonde o único transporte aquático era o navio transatlântico. Para subir no mesmo, tem uma rampa extensa até o convés do navio, onde logo na entrada há um garoto de no mínimo vinte anos, sentado em um banco alto, parecendo entediado. Da onde estou, não dá visão de como ele é, mas obviamente ele faz parte da comissão de empregados daquela enorme banheira, e neste caso, ele é o porteiro. 

Percorri meus olhos pelo convés gigantesco, contando cerca de apenas vinte pessoas espalhadas pelo mesmo, e a única porta que dá para dentro do navio, tem uma fila de cinco pessoas vestindo roupas de gala que estavam esperando para entrar. Resmunguei alguns xingamentos, não conseguindo imaginar que tipo de gente vem ver várias pessoas tentando se matar, e ainda se divertir com isto. Desci meus olhos até o píer, e logo ao lado da entrada até a rampa que dá acesso ao clube clandestino, havia cerca de doze lobisomens transformados, com diferentes tamanhos e pelagens diversas. Há também duas pessoas normais em meio a eles, mas por estarem no meio deles, já dá para supor que não são humanos e muito menos lobisomens. Mas, como eu posso saber que não são lobisomens também? 

Simples, eles não têm a mesma aura. Os lobisomens estão impacientes, posso dizer que estão com tédio ou até mesmo com sono. Já as duas pessoas, que reconheci como sendo um homem e uma mulher, estavam mais ligados e dava para sentir que são diferentes. Eles não parecem lobos, parecem outro animal. Talvez selvagens. 

‘Ou transmorfos.’

Pode ser também. Observei atentamente todos os quatorze seres sobrenaturais por, no mínimo, vinte minutos, constando que, por mais que estivessem entediados, sentindo sono ou qualquer outra coisa, estavam bem atentos. Qualquer barulho que fosse, faria com que, pelo menos, um deles fosse averiguar; até mesmo se fosse algo ridículo, eles iriam checar e ter certeza que não é perigoso. Me virei de costas a meus atuais adversários, afinal eles estão de guarda e eu tenho a intenção de invadir, isto nos torna inimigos. Lembrei-me antes de procurar meu celular, que havia deixado no carro de Michael, para ter certeza de que o aparelho não me denunciasse de qualquer forma.

O que poderia acontecer se eu recebesse uma ligação neste exato momento? Iria ser a “operação” mais decadente que eu já tivesse realizado em toda minha vida. Lembre-se de nunca fazer isso consigo mesmo, Lea.

‘Deixe que eu te lembro.’ Ela pediu, me fazendo concordar com ela.

Fechei meus olhos e me concentrei, pensando em maneiras de entrar lá dentro. A mais fácil, por assim dizer, é pela porta da frente, me fazendo seguir sem medo até lá e falar que gostaria de participar das lutas, porém, isto poderia me colocar em risco. Michael me deu certeza de que eles têm alguma maneira de saber quando alguém foge de lá, ou quando entram com intensões erradas. Não há como entrar pela porta da frente, resumindo, entretanto, também não é como se eu quisesse usar esta alternativa. A invasão é um modo muito mais envolvente, muito mais emocionante, sem qualquer sombra de dúvidas. É mais excitante porque é a mais perigosa, é a que tem mais risco de ferrar com tudo.

E vou com esta mesmo. Se meu destino é ser morta tentando invadir essa porcaria de banheira flutuante gigante, que seja! Irei morrer tentando tirar meu amigo, aquele que mais me compreende deste lugar horrendo que apenas quer que ele use todas suas forças em questões ridículas. Tentarei, e, se tiver que morrer, morrerei com honra em ir em busca de algo que eu quero fazer com todas minhas forças.

Me virei novamente para aqueles lobos, não fazendo questão de contar novamente o número que inimigos que eu iria ter que enfrentar, afinal há muito mais dentro do navio, o número irá aumentar de uma forma ou de outra. Me afastei a passos silenciosos, praticamente me arrastando por aquele convés, me levantando conforme tive certeza de que não estava no campo de visão deles. Iria ir até o final do iate, para que eu pudesse ir para o barco em seguida, até chegar ao que estivesse mais perto do navio. Porém, ouvi o que não gostaria de ser ouvido.

Um rosnado gutural saindo do fundo da garganta de um lobo que não estava nos meus planos.

Me virei para ele. Estava a pouco mais de dois metros de mim, visto que ele deveria ter acabado de subir no convés e eu não havia notado. Porra! Por que ele não apareceu alguns minutos depois, quando a porcaria do meu plano já estivesse entrado em ação?! Não, esse merda tinha que aparecer agora, esse bastardo!

Rosnei ainda mais alto em resposta, não precisando chamar minha loba para que ela mostrasse seus olhos. Deixei minha raiva ser demonstrada por todo meu corpo, mostrando o quão revoltada estava com seu aparecimento. Ele continuou me encarando e analisando a situação, provavelmente notando que sou fêmea e que estou em posição agressiva. Isso não pareceu assusta-lo.

‘Ele também não nos assusta.’ Concordei esbanjando felicidade para ela e apenas ela. ‘Olhe seu tamanho, não é maior que Zack. Esses olhos dourados aí não congelam ninguém, olha esses pelos, faz ele parecer um beagle.’

É um risco olhar para trás e garantir que minha ação não havia piorado, pois o lobisomem pode muito bem me atacar neste tempo, mas eu tenho que me assegurar, acima de tudo, que não vão me atacar pelas costas. Desviei meus olhos do lobo a minha frente e olhei para baixo, no lugar em que os lobos estavam. Cinco deles estavam atentos, cheirando o ar e olhando para os lados.

‘Agora eles sabem que tem algo errado.’ Concordei.

Assim que eu me virei para frente, tive tempo o suficiente para desviar da mordida que o lobisomem tentou me dar, fazendo ele morder o ar, e aproveitando a chance de tê-lo tão perto de mim, chutei, com o máximo de força que tenho, sua cabeça. Ele tombou para o lado, sentindo o impacto da batida. Não esperei ele se recuperar para correr pelo convés até a parte de trás do barco, procurando algum meio para fugir.

Ouvi seus passos pesados atrás de mim, não vou esperar para ele me ferir! Agarrei na barra de ferro que cerca o convés e puxei-a com toda a força que meu corpo me permite ter nessa forma, fazendo ela se quebrar e se separar do barco. Empunhei a barra com as duas mãos e me virei, acertando o lobo com força com minha barra de dois metros, longa o bastante por agora.

Ele rosnou furioso e vi o dano que ele sofreu com meu golpe. Rasguei a boca dele até chegar as orelhas, sangue pingando com uma velocidade incrível, ensanguentando seu pelo, e a madeira do iate. Ele tentou me arranhar, mas me esquivei e rapidamente consegui atingir uma de suas pernas com a barra, abrindo outro corte feio. Ele soltou um rosnado tão alto que, imediatamente, ouvi os lobos lá de baixo vindo em seu auxilio. Não olhei para os lados, mas larguei a barra que arranquei e corri, pulando as barras do convés.

Não acreditei que pousei em outro barco, mas, aproveitando minha sorte, olhei para os lados com tempo o suficiente para ver que aqueles cinco lobos vieram ao auxilio do lobo ferido e mais três estavam lá embaixo, apenas esperando que eu descesse. Tentei buscar formas de sair dali, mas nenhuma parecia viável. Os lobos que estavam no iate decidiram que iriam vir atrás de mim e me comerem viva.

— Vocês não vão conseguir me vencer sem antes ter uma batalha, babacas!

Senti minha loba em fúria dentro de mim e decidi que já estava na hora ela vir à tona. Iniciei minha transformação, não sentindo quase nenhuma dor, apenas a fúria que minha loba estava sentindo. Assim que pousei nas quatro patas, os cinco lobos pisaram no barco em que eu estava.

Não me contive. Soltei à tona a dominância que eu estava segurando por tanto tempo, a fúria da minha loba fazendo minha dominância trazer agressividade a toda a situação. Os lobos se afastaram, muitos deles se abaixando em submissão, e os únicos dois que estavam aguentando minha dominância tentavam inutilmente me atacar, eu fiz questão de morder o mais profundo que pude o pescoço do mais próximo e arranhei profundamente o rosto de outro. Soltei o pescoço dele assim que senti minha boca cheia de sangue.

Cuspi o liquido e rosnei para os outros, que continuaram submissos.

Me virei para o transatlântico, pulando daquele barco e pousando nas madeiras do porto, e, sem mais me segurar, minha dominância atacou os lobos que me esperavam, fazendo eles ficarem imobilizados perante mim. Corri em direção a rampa, mas os seis que permaneciam guardando-a já estavam esperando por mim, e, assim que me viram, vieram me atacar. Um, mais rápido que os outros, estava a frente com sua pelagem quase branca, e, assim que chegou perto o suficiente, pulei contra ele e caí em cima do mesmo, mordendo sua orelha e tomando parte de seu pescoço. Segurei firme em sua carne e o lancei para longe, não o matando, mas nocauteando.

Não esperava que outro avançasse sobre mim depois que soltei a carne do que me atacou primeiro, mas não deixei que ele me mordesse. Ele estava afetado pela minha dominância, sua mordida não me segurou quando me sacodi e ele me soltou, avancei sobre ele, dando-lhe ela patada forte em seu focinho, sangrando imediatamente. Ele não teve coragem de continuar me atacando, pois, se tentasse, eu lhe arrancaria a vida.

— Parem! Não ataquem!

Olhei para onde vinha a voz. Esbulhei os olhos ao ver um homem robusto vindo seguido de perto pelas duas pessoas que não pude identificar a raça. Os lobos me cercaram, mas abriram espaço assim que ele se aproximou, sem tirarem os olhos de mim. O homem que vinha com uma calma tão adversa a situação, era ninguém menos que o Reinhard. Rosnei alto, com uma raiva ainda maior por tê-lo recebido em minha galeria, sendo que ele faz parte desse clube imundo.

‘E deve ser um dos chefes, para esses lobos o obedecerem!’

— Não queremos conflitos hoje. — Ele começou a falar, me analisando. — Loba.

Rosnei mais alto em respostas, ele franziu o cenho, dando um passo para trás e abrindo um sorriso.

— Já nos conhecemos, não é? Você é Lea Harrison. — Ele afirmou, me fazendo vacilar.

Como ele sabe que sou eu em forma lupina?

— Volte a sua forma humana. Eu prometo que não lhe atacarão. — Ele fez alguns gestos, e os lobos se afastaram o suficiente para deixarem de serem parcialmente um risco para mim.

Rosnei, desconfiada. Ele curvou a cabeça, um gesto submisso, para mostrar que não estava mentindo. Estreitei os olhos, mas decidi entrar nesse jogo. Se resolvessem me atacar, eu o mataria sem hesitar.

Iniciei minha transformação de volta, logo, estando nua em frente a diversos lobos, com meu cabelo caindo em meu rosto. Encarei o homem a minha frente, que começou a se aproximar de mim com um sorriso sutil em seu rosto.

— Que olhos lindos. — Ele elogiou, a poucos passos de mim. Ele tirou seu blazer e passou para mim. — Acho que não está confortável nua em frente a várias pessoas... Inimigas, em sua concepção.

— Então faz parte deste clube, Reinhard? — Perguntei seca, pegando o blazer se sua mão e o vestindo, mas ele só cobriu até minhas partes intimas, chegando precariamente em minhas coxas.

— Me chame de Darius, e eu lhe chamarei de Lea. — Ele sugeriu, me fazendo afirmar a contragosto. — O que quer aqui, Lea?

— Estou procurando alguém que veio apostar neste lugar. — Respondi segura, em alto e bom som.

Ele sorriu, como se aquela fosse a melhor notícia de seu dia. Ele me estendeu a sua mão, olhei para ela e a recusei, ele não pareceu se abalar.

— Então vamos entrando. Seja bem-vinda a Arena dos Imortais. 


Notas Finais


O que acharam??? Por favor, digam que gostaram kkkkk

O pov do Adrian foi algo que eu queria fazer a muito tempo, explorar o ponto de vista dele foi tão benefico kkk. Quero muito saber o que vocês acharam leitores, o que poderia melhorar, e a opinião de vocês sobre o que o Lewi fez naquele finalzinho polêmico rsrs

Finalmente revelei o nome do Darius, meu deus, como eu queria revela-lo! Ele é apenas um dos personagens que eu mais estava ansiando para inserir, pq ele realmente é bom demaaaaais <3

Alguns fatos a citar: Lilith Ventrue e Fiona Ventrue são personagens de Arcanus, um dos spin-offs de Dominante, escrito pela @Krystle. E a raça dos Transmorfos é criação da @KerinaLannister, ela é escritora de Wolf Moon, também um dos spin-offs de Dominante. Caso estejam interessados sobre o que foi contado deles nesse cap, leiam as fics delas. Garanto que são muito boas e valem a pena.

Jornal do Frank&Roger: https://www.spiritfanfiction.com/jornais/personagens-de-alma-de-lobo-xv--frank-harrison-e-roger-hughes-11406977
Jornal sobre Spin-Offs: https://www.spiritfanfiction.com/jornais/spin-offs-oficiais-de-dominante-e-valente-11364834
No jornal sobre Spin-Offs é mais um esclarecimento para vocês não ficarem confusos sobre quais fanfics fazem parte do universo Dominante. Lá ta tudo explicadinho, e caso ainda tenham dúvidas, é só perguntar lá que eu respondo.
E lembrando que a votação para o próximo jornal pode ser feita tanto nos comentários deste capítulo, quanto no jornal. Porém, é preferível o jornal pois já é algo mais organizado e fala apenas do jornal (que obvio ana). Ah, e não percam esse jornal, sabem de quem ele fala? Do pai da Lea. Exatamente!

Do pai da Lea e do Roger.

Até mais, votem, e me falem a opinião de vocês sobre esse comentário. A participação é sempre importante, mas não é obrigatória. Eu só me sinto muito alegre e impressionada ao ver o que estão achando da minha fic.


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