Assim que entrou no quarto, Izuku se trancou, virando de costas e escorando-se na porta enquanto ignorava os apelos da mãe que pedia angustiada que ele a deixasse entrar. Toda a dor e insatisfação que vinha suplantando e escondendo dentro de si há alguns meses veio a tona, forte como se a última visita tivesse sido ontem, fazendo-o chorar amargo, sentindo-se inútil e incapaz. Deixou o corpo escorregar lentamente até que estivesse sentado, abraçando os próprios joelhos, irritado com a flexibilidade que o corpo ômega lhe conferia. Com tudo o que aquela classificação representava em sua vida.
Após longos minutos chorando pesarosamente ele finalmente se acalmou. Não podia fazer nada quanto ao fato de ser ômega, e isso não era um consolo, nem uma vantagem. Sabia que estava fadado aquela existência até o final de seus dias, sendo subjugado pelos outros, e isso o amargurava profundamente. Era menos que um alfa ou um beta, até mesmo que outro ômega normal, um belo espécime de criatura inútil que só serve para obedecer.
Demorou-se um pouco, pensando em si, no que havia acontecido e em seus sonhos e vontades que pareciam ficar sempre em segundo plano quando o assunto era futuro, sobrepujados pela sua condição maldita biológica. Ele fora treinado desde pequeno para ser um alfa, todos os seus primos eram alfas, haviam alcançado as expectativas de seus familiares, porque apenas ele não? Era tão injusto, e estava tão cansado de tudo aquilo.
Ergueu-se quando as costas doeram, marchando para a suíte que havia no quarto. Precisava de um banho urgentemente, para espairecer e tirar de si o cheiro de feromônios que havia ficado mais forte em seu descontrole. Quem sabe a água quente não o revigoraria a ponto de conseguir novamente ignorar toda aquela enxurrada de sentimentos negativos? Era uma possibilidade, afinal ele também não desejava cair naquele mar de desespero que havia sido grande parte de sua adolescência, uma fase da qual não sentia falta alguma, mas que teimava em lhe assombrar.
Despiu-se lentamente,desmotivado após ligar a torneira da banheira. Buscou no arsenal de sais de banho algum que pudesse lhe ajudar a diminuir seu aroma natural, tendo o cuidado de adicionar os específicos para sua própria condição de ômega lúpus, sorrindo desgostoso com aquilo. Era uma merda ser ômega, e uma merda ainda pior ser a porra de um lúpus e ter que tomar cuidado com cada detalhe.
Suspirou cansado pela enésima vez desligando a torneira, e se ergueu vagarosamente, detendo-se antes de entrar ao se mirar no espelho.
A imagem que ele refletia de seu corpo nu definitivamente era bela. Pele lisa, com algumas sardas charmosas, brilhante e de textura agradável ao toque, macia. Cabelos ondulados e vistosos de uma cor vívida e chamativa, com fios que parecia bailar de tão leves, ainda que não os lavasse há um bom tempo, mantendo-se com o mesmo aspecto sedoso e maleável, além de cheiroso, extremamente chamativo. Corpo esguio, pequeno e atraente, talvez diminuto demais, de músculos pouco definidos e mais arredondados que os de um alfa, delicados e graciosos.
Observando-se ele parecia até mesmo uma pintura viva: jovem, bonito e muito atraente, com curvas ligeiramente salientes em algumas áreas, sem muito exagero, pele e cabelo sempre exibindo um viço saudável e charmoso sem que houvesse um único movimento intencional de sua parte para manter-se assim.
Ele odiava isso. Detestava aquele ar de fragilidade e encantadora beleza que seu organismo propositalmente exalava para atrair a atenção dos alfas. Por isso era sempre um inferno sair de casa e ter que lidar com os olhares e aproximações de pessoas desconhecidas, movidas pelo instinto ao farejar os feromônios que ele liberava sem perceber, ainda que tentasse ocultá-los com todos aqueles artifícios. Passeava a mão pelo corpo, sentindo o toque de cada área.
Por fim subiu os dedos ao pescoço e depois de algum tempo - na verdade um verdeiro ritual- conseguiu retirar a coleira, muito mais fina do que usara na faculdade, porém ainda mais larga e espessa que as demais. A pele alva, ligeiramente mais pálida na região que vivia protegida, ainda estada estava ferida, exibindo os furos paralelos e profundos que começavam o processo de cicatrização. Não doía mais, na verdade lhe trazia arrepios e outras sensações ao toque.
Tocou a marca deixada por Shoto, deslizando suavemente os dedos por ela e mais lágrimas desceram impertinentes. Não podia negar que uma parte de si sentia-se frustrada pela marca ser temporária, enquanto outra se orgulhava e regozijava ao lembrar do momento em que ele enterrou as presas em sua carne, tomando-o como seu, exigindo-o como em um contrato de sangue. Um calafrio percorreu sua pele ao lembrar da maravilhosa sensação de submissão que se apoderara dele naquele instante, sentindo a pele queimar ao redor dos caninos salientes, pulsando ansiosa e em êxtase.
Por céus, aquilo havia sido insano. No momento, enebriado pela sensação, ele só conseguia se focar maravilhosa e vertiginosa sensação que foi se sentir ligado a Shoto, pertencendo a ele de corpo e alma.
Ao mesmo tempo o envergonhava carregar tal marca. Era prova de sua inferioridade em relação aos demais. A todas as outras classes. Shoto era forte, possuía uma presença incomparável, e feromônios que punham qualquer outro alfa no chinelo e outros ômegas em seu rastro sem que para isso ele nem precisasse se esforçar.
Um alfa poderoso. Um alfa lúpus.
Assim como ele deveria ter sido. O alfa que ele deveria ter se tornado. Poderoso, dominador e motivo de orgulho para a família, não de separação e vergonha. Por causa dele seu pai os havia abandonado e já não podia mais permanecer perto dos primos sem a presença de um ou mais betas pelo perigo de ser atacado.
Por sua culpa.
Perdeu amigos, família, prestígio e esperanças. Os demais o olhavam piedosos, sempre o cercando de cuidados, relembrando sua condição a cada segundo.
Entrou na banheira tentando esquecer tudo aquilo, porém parecia impossível. A sensação de derrota e inferioridade estava impregnada em sua alma, profundamente. Mergulhou demorando-se um pouco mais de tempo para emergir, sentindo o coração pesado e as lágrimas se misturando à água morna e aromatizada.
Erguendo um dos braços ele alcançou a esponja e esfregou a marca sucessivamente, como se aquilo fosse suficiente para tirá-la, quando só machucou sua pele sem necessidade alguma. Tentou suplantar o aroma de Shoto liberando mais feromônios, mas suas glândulas pareciam produzi-los em quantidade insuficiente para isso. Despejou outros sais de banho na banheira e quase sufocou com o excesso de aromas que ascendia da água.
Terminou seu banho, enxugando-se com certa aspereza, retornando ao quarto onde vestiu o primeiro pijama que encontrou, deitando-se. Ficaria no quarto pelo resto do dia, sem vontade nenhuma de sair e encarar o mundo lá fora, enfrentando a realidade amarga de sua existência.
Era tão cansativo passar por tudo aquilo. Só conseguia pensar em como seria bom se acabasse de vez.
Depois de alguns minutos de autocomiseração, acabou adormecendo e em seus sonhos reviveu um dos momentos mais perturbadores de sua vida.
Estavam todos reunidos para comemorar o septuagésimo aniversário de seu avô, um dos alfas mais influentes do país, mas que infelizmente não tinha mais força para muito depois de sofrer seu terceiro derrame que quase o levou da família.
Aos treze anos Izuku participava da animada roda de conversa com os demais primos, a maioria mais velhos que si. Todos falavam sobre ômegas que haviam namorado ou mesmo compartilhado o cio, enquanto disputavam território uns com os outros tentando impor a presença e lutar, empesteando a atmosfera de feromônios e sendo repreendidos a todo momento por isso.
Um bando de molecotes se divertindo.
Ele também seria como eles em breve, assim como havia acontecido com todos os Midoroiya em gerações. Não havia um único ômega nascido naquele seio, o que os obrigava a casar com alguém de fora, que era, na maioria das vezes, ômegas simples, cujos genes eram submissos ao da genética deles, com exceção de casos como sua mãe.
Izuku observava cada movimento animado e ansioso para que sua puberdade chegasse logo e ele tivesse seu primeiro hut, onde poderia finalmente disputar território com os demais, entrar em competições e provar ao mundo sua capacidade como alfa lúpus. Ansiava por esse momento com todo o coração.
O ar estava carregado de feromônios, pesado. Pela primeira vez ele sentiu que o aroma natural de sua família estava diferente.
Foi então que sentiu algo estranho, um calor seguido de algumas pontadas no baixo ventre que julgou a priori serem apenas efeito de algum mal estar digestivo. Porém o mal estar persistia, piorando a cada segundo. Seu interior pulsava, ardia e queimava e a pele poreja suor em excesso como nunca antes havia acontecido.
De repente percebeu os olhares dos primos se voltarem para si, e tanto a presença deles, quanto os feromônios ficarem ainda mais fortes, agravando sua situação. O calor era cada vez mais insuportável, a dor e a incômoda sensação de pulsar no baixo ventre também. No primeiro momento estavam todos encarando-o assustados, mas logo suas pupilas começaram a dilatar, dando-lhes um aspecto mais selvagem e primitivo. Os caninos se tornaram mais proeminentes, e os rosnados em sua direção aumentaram seu calor e dor, fazendo-o se arquear e grunhir submisso contra sua vontade.
Encarou-os confuso até perceber um cheiro adocicado subir de si, forte e atrativo. Um apelo natural que exigia a presença de um dominador.
Segundos depois caiu no chão, sentindo a dor mais excruciante que já experimentara, cercado por alfas que sentiram o aroma de seus feromônios e da lubrificação natural que despontou, preparando-o instantaneamente para o cópula. Suava, contorcia-se e gemia, desejando ser tomado e submetido a vontade de um alfa, implorando por eles com os olhos cheios de lágrimas, apenas desejando que tudo aquilo terminasse.
Os primos camaradas, que há segundos atrás conversavam animosidades, passaram a disputá-lo como loucos, e até mesmo outros alfas, como seus tios e alguns convidados entraram na disputa, afinal não é todo dia que se pode saciar o cio de um ômega, ainda mais sendo um raro lúpus.
Quase foi estuprado pelo primo que mais admirava quando ele derrubou os demais no chão com uma força insana, se atirando sobre si e sendo prontamente recebido na ânsia de ter o seu pedido atendido, querendo terminar com aquele ciclo de calor que dor que o fazia gemer e se contorcer em desejo.
No final foi salvo pelos empregados betas da mansão e passou o primeiro e mais doloroso cio sozinho. Seus gritos e gemidos altos e necessitados atraíram a atenção de tantos alfas que foi preciso recorrer a policia para manter a vigilância ao redor da casa. Ainda podia sentir a maldita sensação de desejo, a garganta rouca pelos chiados e os olhos marejados pelas lágrimas. É impossível para um ômega saciar a própria necessidade, ainda mais sendo um principiante.
Ao final do sexto dia, quando o corpo finalmente encerrou o cio, ele desabou cansado, arfante, sem voz ou força alguma nem mesmo para abrir os olhos. As incessantes e frustradas tentativas de se acalmar o machucaram de uma maneira que ainda dava calafrios relembrar.
Acordou assustado e choroso com o coração batendo violentamente. O quarto havia mergulhado no mais completo breu e pareceu momentaneamente maior e mais quente.
Detestava sonhar com aquilo.
Levantou-se para ir ao banheiro novamente, e mais uma vez encarou com asco a própria imagem no espelho. Toda aquela fragilidade e beleza, serviam apenas como um chamariz. Como alfa ele poderia escolher o que quisesse fazer, no entanto como ômega estava fadado a unicamente encontrar um alfa que o marcasse, garantindo assim que mais nenhum outro alfa tentasse algo contra si, e procriar, pois essas eram as utilidades de um ômega: pertencer ao alfa e dar-lhe filhotes.
Irado com aquela injustiça ele tocou os fios ondulados com certa agressividade, puxando alguns para frente entre os dedos. Tão bonitos e sedosos, davam-lhe um aspecto ainda mais frágil e adorável, e isso era tudo o que não queria ser naquele momento.
Pegou uma tesoura da gaveta, puxou uma mecha e cortou-a, abrindo a mão para se livrar dos fios que caíram leves, contrastando com a porcelana branca. Encarou-se e sorriu. Aquilo lhe dava um leve sentimento de libertação. Repetiu o processo mais vezes, atento unicamente ao som da lâmina cortando a fibra capilar, deixando-o um passo mais longe da candura natural que seu gênero impunha.
A medida que os cachos caiam na pia ele se deixava levar pelos pensamentos mais sombrios. Haviam sido dias difíceis depois que ele se descobriu ômega. Quem o via tão forte e decidido agora não fazia a mínima ideia do que passou para se reerguer daquela que havia sido a maior decepção de sua vida. Depressão, ansiedade, complexo de inferioridade e muitas outras mazelas haviam sido companheiras por tempo demais.
Mas no final ele havia se decidido, e a custo de muita luta conseguiu tomar coragem para encarar o mundo, o pai e quem mais fosse, resoluto e inabalável, ainda que fosse duramente criticado por sua posição. Iria até o final e essa decisão não poderia ser revogada.
Ele não se curvaria a um destino que não desejasse. Seria o que almejasse ser, e desse jeito provaria ao mundo que ele podia ser mais do que eles lhe apontavam. Criaria seu próprio destino e estava tudo certo até se deparar com Shoto.
Observou a própria imagem no espelho, agora de cabelos curtos e mal cortados, de fios que pareciam buscar a extensão que havia sido decepada. Sabia que não demorariam a crescer, e ainda que não houvesse lhe dado ar másculo que queria, definitivamente diminuiu um pouco seu aspecto delicado.
Tocou mais uma vez a marca, contemplando-a. Seria a última. Nunca mais permitiria que nenhum alfa o marcasse, mesmo que temporariamente, e definitivamente não deixaria que nenhum o marcasse definitivamente. Não seria apenas mais um ômega, não pertenceria a alfa nenhum e também não procriaria. Seguiria a vida sendo independente ou se perderia para sempre na depressão.
Limpou a pia enquanto pensava na única solução para seu problema. Se Shoto era o que lhe desviava do caminho que havia decidido trilhar então deveria se afastar dele, pelo bem de seu futuro e convicções, mesmo que soubesse que sofreria pela distância. Seria uma tarefa difícil, mas estava disposto a lutar por isso.
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