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História Pra Sempre Seu Anjo - O fim dos ciclos


Escrita por: 16nights

Notas do Autor


penúltimo ♡

Capítulo 44 - O fim dos ciclos


Fanfic / Fanfiction Pra Sempre Seu Anjo - O fim dos ciclos

Ponto de vista da Roxie:

— Você vai acabar comendo seus dedos se não parar de roer a unhas. 

Só então despertei do transe que roer as mesmas unhas por incontáveis horas seguidas me proporcionou, desviando a atenção para o carinha que tocou meu joelho e estava deitado no chão por um bom tempo. Além de pálidos os olhos verdes mal conseguiram se manter abertos de tão pesados. Jack estava preocupado e muito abatido, Dallas era certamente seu ponto fraco. 

Depois dessa viagem e de descobrir que ele tinha um irmão, passei a notar cada vez mais como seu incondicional amor deixava-o ligado a tudo aquilo (por mais mínimo) que envolvesse Cameron e, dessa vez, não era diferente, Jack estava suficientemente envolvido e disposto a enfrentar um momento nada fácil de lidar com a verdade junto a ele.

Lembrar a todo minuto da noite anterior bizarra me causou náuseas e arrepios além de atrapalhar todas as minhas tentativas de sono. Minhas consultas com um terapeuta pareceram estar em um futuro próximo. Fora de uma produção de terror do cinema, era absurdo e assustador pensar que tive convívio por quase um mês com uma mulher obsessiva que planejou matar a própria irmã para poder ficar com o noivo dela.

— Minha cabeça não para de pensar que ela faria comigo o mesmo que fez com Brinley pra ter o Cameron de volta.

Tirei os dedos doloridos e úmidos da boca e fechei as mãos decidida a não roer mais as unhas. Estiquei as pernas dormentes, encostando meus pés no rodapé da outra parede como Johnson fazia. O carpete macio do corredor que agora não parecia tão macio assim foi o lugar onde passamos a madrugada inteira preocupados, inquietos e absolutamente atentos à porta entreaberta do quarto de Cameron, que continuava dormindo.

— E por que ela não fez isso antes? – continuei murmurando sozinha. 

A esse momento, conversar comigo mesma pareceu ser o único sinal de sanidade que pude ter. Pelo menos eu me conhecia o suficiente para garantir que não sou uma assassina.

— Matar você? 

— Eu estive aqui todos os dias, dormimos sob o mesmo teto, ela poderia ter me envenenado ou me sufocado ou... – suspirei, tentando não me sobrecarregar com meus próprios pensamentos. — Tudo bem, talvez ela só seja inteligente e fria demais, deve estar pensando em algo mais doloroso que eu não quero imaginar.

— Por que você ainda fala sobre isso? É desconfortável pra cacete, Roxie.

— Jack, essa loucura toda é desconfortável pra cacete. Parece um delírio, mas foi só uma quinta feira de abril. Na verdade, era pra ser uma quinta feira de abril. – eu o encarei, sentindo minha boca seca. — Ela só considerou contar do tiro porque acertou você, o alvo errado. Como seria suportar a sua morte quando era pra ter sido eu? E como posso saber se aquela doente não vai tentar me matar outras vezes?

— Para! – Johnson apoiou os cotovelos no chão ao usar um tom de voz áspero que pouco escutei em nosso tempo de amizade. — Para de pensar que algo "deveria", de algum jeito, ter acontecido com você. Não aconteceu e não vai acontecer!

— Desculpa se sou egoísta ao me preocupar com a minha existência. É que no conforto de casa eu tenho a certeza de que ninguém nunca tentaria me matar então essas preocupações são novas, sabe?

 — Roxie. – ele ergueu os ombros, perto o suficiente para que eu mantivesse a atenção nos seus olhos. — As últimas horas foram piores do que um dia eu pude imaginar e nós estamos estressados com tudo o que aconteceu. Se você está essa pilha, imagine eu, ou pior, o Cameron. Eu e você vamos voltar pra casa o mais cedo que pudermos, tá? Mas eu não posso deixar o meu irmão agora. – a paciência pareceu se dissipar quando as palavras grunhidas entredentes flutuaram no ar e seus olhos se encheram de água. — Eu estou quebrado, por mim e pelo meu irmão. E a coisa que eu menos quero ter que pensar agora é no que a Liza poderia ou não ter feito pra machucar qualquer outra pessoa. Pode, por favor, me ajudar?

Não respondi e nem conseguiria abrir a boca sem começar a chorar como a garota emocionalmente sensível que existia dentro de mim e era ativada por episódios estressantes. O que Jack não precisava naquele momento era uma chorona inconsolável. Ele sentiria as dores junto a Cameron e essa parceria tão forte consolava meu coração. A certeza é única: ele sempre estaria ali. Descansei minha cabeça em seu ombro e o abracei, quieta, deixando claro que eu também estava com ele ali e pra sempre, como nossas pulseiras da amizade bem lembravam.

— É bizarro viver com alguém por tantos anos e não conhecer nada sobre o que a pessoa realmente é. – ele desabafou sem se afastar e eu continuei acariciando suas costas. — A porra de uma psicopata.

— No final das contas a gente não conhece ninguém de verdade, Jay. Os segredos sempre vão existir, uns mais pesados que outros. Seja um pavor de ratos ou um planejamento de morte.

Jack afastou nossos corpos e se encostou na mesma parede que eu.

— A essa hora Alex já deve ter sumido junto com a Liza, era o que ele mais queria. – o ódio que acompanhou o nome dela quase em um latido foi completamente nítido aos meus ouvidos. — Outra pessoa que eu não tenho a droga da menor ideia de quem seja.

— Te garanto que, pra não enxergar problema em causar tanto mal às pessoas, é tão doente quanto ela.

Ele não falou mais nada por uns dez minutos, eu também estava cansada para manter um diálogo. Pensei que Jack tivesse conseguido pegar no sono quando notei o olhos e a respiração tranquila, mas estava acordado quando retribuiu o carinho que fiz em sua mão.

— Não sei que horas são, mas sei que o sol já nasceu em algum lugar do planeta e eu vou fazer um café para nós dois. – analisei olhando de longe a janela do final do corredor. — Vem!

Não devia ser mais do que sete da manhã, o céu ainda estava entre a mistura de laranja e lilás. Quando levantei, esperei Jack me acompanhar, mas ele hesitou. Tirá-lo daquele corredor, que nunca antes fora tão abafado, silencioso e agoniante como se as paredes fossem se fechar com nós dois no meio, era uma necessidade. 

Meu melhor amigo precisa de apoio e eu lhe demonstraria isso pacientemente com todo o amor do mundo. Primeiro, respirei fundo e mentalizei que aquela situação aos meus olhos nunca teria o mesmo baque do que pra ele e Cameron, então eu deveria ser compreensiva e parar de pensar na minha ruína por algumas horas. Alguém tinha que dizer que as coisas ficariam bem (mesmo que esse alguém não soubesse como fazer para que as coisas ficassem bem). Ou então fazer um cafezinho.

O olhar dele foi direcionado para a porta do quarto do irmão.

— Ei. Olhe pra mim. – me abaixei na frente dele. — É melhor que seu irmão continue dormindo por um tempinho, não acha? Pelo menos assim ele pode fugir um pouco de ter preocupações e aproveitar bons sonhos com golfinhos do SeaWorld.

Jack deu um risinho, uma sutil sugestão de sorriso que, pela primeira vez em longas horas, fez meu coração aquecer me lembrando que estou viva. Com a bunda dormente e a barriga roncando, mas viva.

— Você tem razão.

— Então, omelete ou panqueca? Ok. Não precisa dizer, a Chefe Rosatti sabe o que você quer. Venha comigo.

Jack se sentou em uma banqueta com as mãos estendidas e unidas sobre o balcão. Caminhando pelo outro lado, coloquei pó de café na cafeteira com água e abri os armários para pegar os ingredientes das panquecas.

— Ele te falou sobre o Gilinsky?

Engoli em seco ao reviver involuntariamente as memórias do dia em que Cameron contou que matou alguém e talvez ele tenha percebido a tensão quando sem querer deixei um ovo cair no chão.

— Sim. Ele… – puxei algumas folhas de papel toalha para limpar o chão antes que a bagunça ficasse maior. — Ele teve um ataque de pânico quando chegou em casa nesse dia. Mas você, melhor do que eu, sabe que o seu irmão nunca-

— Eu sei. Conheço o coração do meu irmão. O que Cameron fez não tem nenhuma comparação com o que Liza fez. Ele pensou em nos proteger, pensou no bem de todos nós.

— Como um super herói. – brinquei, misturando os ingredientes em um recipiente. 

— Como um super herói que não tem medo de nada.

Com o súbito silêncio e a distração com seus próprios dedos, percebi que os olhos dele brilharam como se tivesse boas memórias aparecendo em sua mente.

— Quando éramos crianças, ele sabia que eu morria de medo de baratas e, na casa do lago, algumas baratas daquelas enormes eram bem comuns. Mas, enquanto moramos juntos lá, Cameron nunca deixou que uma barata se quer chegasse até mim sem que antes ele acabasse com ela. Meu irmão sempre foi o mais foda dos heróis.

— Dá pra perceber que entre você e ele existe muito amor. Das duas partes. E eu notei isso no segundo que você começou a falar dele quando saímos de Long Beach e aquele primeiro abraço assim que chegamos gritou saudade.

Johnson me observou com certo pesar quando percebeu que estávamos falando sobre algo delicado pra mim: irmãos. Resolvi mudar de assunto antes que eu tivesse que mudar a receita e usar o sal das minhas lágrimas na massa das panquecas doces que acabei de misturar.

— Você acha que… Ele perdoa ela?

— Nem por um caralho. – Jack respondeu tão rápido e firme que me fez deixar um riso escapar. 

— Mas e quanto ao bebê? Se isso não for uma invenção, claro, até porque eu nunca duvidei do potencial dela.

— Eu não tenho ideia de como vai estar a cabeça do Cameron quando ele acordar, mas pelo que o conheço… O sentimento pela Brinley vai prevalecer de algum jeito e ele não deve conseguir ter ligações com quem matou a mulher dele.

— Justo.

— E eu também não vou perdoar ela, foda-se. Aquela louca é como um demônio agora. – aquelas foram duas das frases mais irritadas que já ouvi Jack dizer em toda a vida.

— E você tem medo de demônios.

— Sim, mas isso não é o que mais me assusta nesse momento. Na verdade, estou pouco me fodendo para essa mulher.

A cafeteira emitiu um único apito quando o café se aprontou e eu ignorei, ligando o fogão e deixando a frigideira aquecer. Serviria os cafés depois que as panquecas estivessem prontas.

— O que é então? – encarei seu rosto com curiosidade.

— O que aconteceu ontem pode ter servido de gatilho pra ele. E, por tudo o que eu sei que foram esses últimos anos infernais, Rox, meu irmão não pode voltar a ser um perigo autodestrutivo como antes. Nunca mais. Nunca.

E então seus cílios loiro escuro estiveram molhados de um instante a outro. Dei a volta no balcão e parei de frente pra ele, apertando suas mãos que pareciam dez vezes mais suaves do que as minhas cheias de farinha e açúcar.

— Cameron é um homem forte que já lidou com muito coisa. Sinto que ele vai sair dessa situação mais forte, sem que se torne o perigo autodestrutivo, Jay. E nem mesmo iremos deixar que isso aconteça, certo? Os bons super heróis também precisam de apoio de vez em quando.

 Beijei suas bochechas e voltei para o fogão, despejando um pouco de massa na frigideira.

— Foi o segundo ataque de pânico essa semana. – ele observou como se apenas para si mesmo. — Meu irmão não merece nada disso.

— Ele costumava ter ataques antes da morte da Brinley ou começaram a acontecer depois?

— A segunda opção. Foram os ataques de pânico recorrentes que o fizeram passar mais um mês no hospital depois que ela morreu. Ele deve ter tido praticamente um por dia durante várias semanas. Foi péssimo. Até que nos últimos oito meses Cameron não teve nenhum, mas agora é difícil dizer se ficam ou vão embora.

— Tudo pareceu se tornar três vezes mais delicado depois do furacão que atingiu essa casa. Só o tempo dirá.

Jack não falou mais nada, os únicos sons no cômodo eram dos meus passos derrapantes de um lado a outro e o choque da massa com a frigideira no fogo. Terminei as panquecas e arrumei alguns potes de cobertura e geleia que encontrei na geladeira sobre a mesa da sala de estar, onde pensei que as cadeiras estofadas pudessem fazer nossas colunas cansadas sofrerem menos. Servi o café quente e me sentei ao lado dele. O estômago revirou, pude sentir perfeitamente o momento que o nó se formou. Lembrei de Brinley sentada à minha frente naquele mesmo lugar. Se eu não contasse a Jack, não conseguiria comer.

 — Brinley apareceu pra mim.

 Como previ, o som dos talheres tilintando no prato dele vibrou no ar e ele demorou ainda alguns segundos para me olhar, precisando de alguns goles de café para o pedaço de panqueca em sua boca descer pela garganta.

— E sim, eu sei diferenciar um sonho da vida real. Nunca nem fui sonâmbula. – adiantei. — Pra ser sincera, acho que foi a mulher real mais angelical que já vi em toda a minha vida.

— Por que ela… Por que apareceu pra você?

— Bem… Ela me disse algumas coisas. Pareceram importantes.

Contei todos os detalhes que pude me lembrar daquela madrugada e ele pareceu notar que as aparições não eram um delírio da cabeça do Cameron. Ou talvez estivesse pensando com sua teimosia que não era um delírio de Cameron, mas meu também. E convencê-lo do contrário naquele momento não era uma prioridade.

— Ela sempre soube. O quão amargo isso é? Saber que a sua própria irmã te matou? Eu não aguentaria ser um fantasma sob essas circunstâncias absurdas.

— Ainda bem que você não é. O pior deve ter sido acompanhar a vida dos dois nos últimos anos, não acha?. É uma puta traição da parte da Liza desde o começo.

— Entendo que Liza conheceu Cameron primeiro, mas nunca ter superado que ele escolheu a irmã ao invés dela foi o que estragou tudo.

— A sensação de estar no pódio de segundo lugar nunca foi tão satisfatória quanto a de estar no primeiro e isso é um fato.

— De uma coisa eu tenho certeza, se Brinley aparecer no momento atual de toda essa grande merda... Dou três minutos para que meu irmão faça esse prédio vir inteiro a baixo. Entraremos em colapso.

— Ela não vai. – abri o pote de geleia de manga. — Não vai aparecer mais.

— E como você sabe?

— Eu… Hum... Fui a última pessoa. Ela contou que cuidaria do seu irmão sempre que fosse preciso, mas agora ele não precisa mais dela porque… Porque…

Por mais que os sentimentos de Cameron correspondessem aos meus, dizer aquilo me deixou nervosa e ansiosa.

— Porque você apareceu. – Jack analisou meu rosto com um ar especulativo no curto silêncio que fez depois de me completar. — Não acredito...

Tentei entender sua expressão de descoberta antes de perguntar em que ele não acreditava, mas não consegui fazer meu cérebro funcionar tanto.

— Sempre foi você, Roxie. Puta merda! Caralho! – Jack deu um soco no ar e abriu um lindo sorriso eufórico que me fez pensar se exagerei na quantidade de açúcar em seu café. — Só alguém como você poderia ter conseguido colocar um fim nesse ciclo de tormento. Em todo o ciclo! Em Liza e Brinley ao mesmo tempo.

 Ele balançou a cabeça algumas vezes como se concordasse com o que se passou em sua mente.

— Cameron ama você. Ele ama alguém de novo. Você tem todo o coração do meu irmão, Roxie Rosatti.

Não sei se foram suas palavras ou o sorrisinho bobo em seu rosto cansado que me fizeram sorrir.

— Como esse pode ser um dos piores dias da minha vida e eu me sentir tão empolgado?

— Acho que você está exagerando no açúcar, chega de cobertura de chocolate.

~

Tentamos assistir televisão na sala depois de um almoço improvisado com hot pockets que encontramos no congeador, mas a verdade era que nossa atenção não estava ali por inteiro e todo aquele silêncio não estava sendo tão agradável como em qualquer outro dia. Era a casa do Cameron e a falta dele naquele sofá me incomodou de um jeito que, algumas semanas atrás, não pensei que fosse possível.

Ora ou outra Jack subia até o quarto para garantir que o irmão estivesse descansando bem, depois eu fazia o mesmo e seguimos essa sequência até cansarmos de não receber nenhum sinal, a não ser uma única troca de posição, nas últimas dezesseis horas em que ele dormiu. Então nos sentamos na sacada do quarto proibido. 

Aquela tarde de sexta feira pareceu movimentada, na areia pessoas curtiam o sol e o mar por outra perspectiva. A atenção que direcionei ao movimento das ondas do outro lado da rua restaurou uma parte das minhas energias. O vento beijou minhas bochechas graciosamente. De olhos fechados, pude jurar conseguir sentir o cheiro de churros de uma barraquinha lá de baixo, o que, claramente me alertava de que eu estava perdida na imaginação.

— O que você vai fazer? 

— Hum? – abri os olhos e apertei o abraço as minhas pernas em cima da cadeira.

— Tem uma pessoa correspondendo ao seu amor em uma cidade que não é a que você mora. Como vai ser?

— Bem, Long Beach é a cidade que eu moro, mas só até a faculdade começar em agosto.

— É… – ele entortou a boca em uma careta. — Eu tinha esquecido desse detalhe importante.

— Você não decidiu sua cidade ainda?

— Não, mas parece mais fácil quando duas das pessoas que eu mais amo na vida estarão na mesma.

Sorri e ele retribuiu suavemente antes de voltar a atenção para a praia.

— Acho que volto aqui no mês que vem para conhecer meu dormitório. Você devia vir comigo. Poderíamos fazer uma visitinha ao seu irmão.

— Parece uma ótima ideia.

Jack tirou tão rápido os pés da mesa quando observou o quarto por cima do ombro que eu me assustei. Ele se levantou num sobressalto e se aproximou do irmão como se seu “sentido aranha” estivesse apitando. Caminhei atrás dele na ponta dos pés. 

— Está queimando. – disse assim que tocou a testa de Cameron.

Um arrepio percorreu meu corpo inteiro, da ponta do calcanhar até a cabeça. Não consegui dizer nada.

— Vou pegar algumas toalhas. Não tira os olhos dele.

Maneei a cabeça para o pedido e me sentei na beirada da cama sem desviar o olhar da película brilhante de suor que se alongava pelo pescoço e clavículas. Toquei seu rosto sereno e suspirei. Ao mesmo tempo em que eu desejava que ele abrisse os olhos, desejava que descansasse um pouco mais para não ter que lidar com toda a dor da realidade. Puxei devagar um pouco do edredom para descobrir a pele nua de seu peito levemente caramelo, como se não visse sol há meses, e notei que seu coração bombeava sangue agitado demais para a tranquilidade daquele ser dorminhoco.

— Ei. Eu estou aqui com você. – segurei uma de suas mãos, apoiando-a sobre minhas pernas. — E não vou embora até garantir que esteja bem. – beijei os nós de seus dedos.

Jack voltou com algumas toalhas frias e eu o ajudei a colocá-las ao redor dos pulsos de Cameron.

— Vamos ficar bem. Eu prometo que vamos. Nunca vou deixar você, por mais insuportável que seja. – ele murmurou baixinho, cuidadosamente ajeitando uma das toalhas sobre a testa do irmão.

Me peguei sorrindo por participar de um momento tão íntimo e sincero. Cruzei as pernas no lado vazio da cama e abracei um dos travesseiros, sendo atingida pelo cheiro único daquele cara grande e mal humorado deitado a minha frente. Imediatamente pude me transportar para dentro das boas e inesquecíveis memórias que construímos naquela cama.

— Podemos fazer mais alguma coisa? – perguntei ao meu melhor amigo, que se sentou no chão e encostou-se na pequena cômoda.

— Agora, esperamos a febre baixar. Depois, não sei.

— Ok.

Quando tentei abrir os olhos, tive a impressão de ter conseguido dormir por algum tempo – até então indefinido já que a luz do sol tinha ido quase inteira embora e o quarto encontrava-se numa escuridão confortável de fim de tarde. Deitada na cama, ainda em um abraço com o travesseiro de penas de gansos francesas como se fosse o objeto mais precioso do mundo, senti o toque de uma mão grande em meu ombro que deslizou por todo o braço e voltou até a minha bochecha.

— Eu morri?

— Não. 

A voz grave em seu tom mais manso ecoou nos meus ouvidos. Senti de modo automático que meu jardim de borboletas estava vivo e elas tinham acabado de despertar.

— Desculpa te acordar, mas eu precisava muito ver os seus olhos, linda.

O cheirinho mentolado e fresco agraciou minhas narinas antes que eu pudesse estabilizar a nitidez da visão. Com o par de olhos castanhos finalmente abertos, eu poderia me perder. Estranhamente não estiveram tomados pela escuridão como pensei que pudessem estar, pelo contrário, pareceram ainda mais claros como se tivéssemos acabado de acordar de uma noite de amor. 

E sob um tipo de sentimento inexplicável, as lágrimas nublaram minha visão de seu rosto, sorrir pareceu inevitável e eu não perdi mais um segundo sem lançar meus braços na direção de Cameron para afundar meu rosto em seu pescoço, praticamente me deitando sobre o corpo dele, recebendo o mesmo aperto envolta da minha cintura. Acariciando sua nuca, os fios de cabelo úmidos passearam entre os meus dedos.

— Acordou há muito tempo? Fiquei preocupada. – deitei de lado, atenta ao rosto a poucos centímetros do meu.

— Não tenho muita noção do tempo agora, sinto que dormi por uma década. Mas fui obrigado a tomar um banho tem uns minutos.

Pousei minha mão em sua bochecha e conclui, com a pele morna quase gelada sob meu toque, que a febre tinha ido embora.

— Como você está se sentindo? Honestamente.

Ele desviou a direção do meu rosto para o teto sem cor, fazendo minha mão deslizar e parar em seu pescoço. O suspiro antes da resposta apenas confirmou o que eu já sabia: era uma pergunta difícil e uma resposta mais ainda.

— Honestamente, como se Brinley tivesse morrido duas vezes. – sua garganta se movimentou quando ele engoliu em seco. — Mas ao mesmo tempo…

— Mas ao mesmo tempo… – repeti, com a mesma mansidão que ele, depois que se calou.

— Eu não tenho a melhor palavra. Não sei como descrever o quão absurda é a sensação de não ter que carregar a culpa da morte dela. Nunca me perdoei e nunca me perdoaria por machucar quem eu mais amei em toda vida.

— Você sabe que causar mal a ela jamais foi ou seria uma intenção sua. E se a Liza-

— Não, linda. Eu não quero falar sobre essa filha da puta, se não se importa. – Cameron me repreendeu sem aumentar o tom de voz ou ser rude, apenas aparentando uma pequena impaciência sobre o assunto.

 — Claro. – sorri. — É melhor assim. O que importa é a sua consciência limpa de saber que tudo o que fez foi amar Brinley com todo o seu coração.

Os olhos que me encararam pareciam estar em paz o bastante para que o assunto da noite anterior fosse esquecido pelo tempo necessário a fim daquela tranquilidade permanecer. Sobrepondo minha mão em seu rosto, ele carinhosamente segurou meu pulso, beijou-o e subiu os beijos até meus dedos.

— Qual o significado? – perguntou analisando o pingente de letra B entre seu polegar e o indicador. — Garanto que tem algum.

Além do pingente, 16 bolinhas azuis de diferentes tamanhos, tons, brilhos e opacidades faziam parte da pulseira que nunca tirei do pulso desde que ganhei.

—  Meu irmão me deu de presente de aniversário quando fiz dezesseis. Ele mesmo fez. São dezesseis pedrinhas.

— Por que o "B"?

— Benjamin. O nome dele. Tinha a minha inicial quando ganhei, mas depois que ele morreu eu troquei a letra. Agora é como um amuleto da sorte.

A carga emocional que me atingia e prensava meus pulmões todas as vezes que eu pensava nele ainda poderia me sufocar um dia.

Lembranças ON

Aprendi a gostar de sextas feiras e considerá-las com carinho aos meus cinco anos quando meu pai costumava sair cedo do emprego e, como numa agradável rotina, nós dois podíamos pegar o pôr do sol na praia. Mas o que, periodicamente, estragava meu favoritismo era o pior evento do ano acontecendo no melhor dia da semana. Eu até gosto de aniversários e festas de aniversários. Quando não são meus. Minha família sempre soube do quanto eu fico chata em todo 1º de outubro sem nenhum motivo ou trauma. Mas, sendo sincera, desde que Benjamin nasceu não fico tão mal humorada nesta data.

— Você pode continuar com a cara emburrada, querida, nós entendemos. Mas venha tomar café com a gente. – minha mãe insiste com a voz calorosa enquanto ainda estou de bruços na cama.

— Por favooooor. – meu irmão chacoalha um dos meus ombros e eu abro os olhos, tendo a visão daquele rostinho pálido eufórico e banguelo apoiado na beira do colchão bem próximo ao meu.

Sorrio sem conseguir – ou querer – evitar. Droga, Benjamin, me deixe ficar emburrada ao invés de querer apenas derreter de amor por você, resmunguei mentalmente.

— Eu prometo que é só um café comum numa manhã de sexta antes da escola.

— O papai fez cookies. – ele sussurrou em meu ouvido com a discrição de quem conta um segredo, cobrindo o redor da boca com as pequenas mãos.

— Esse é bom jeito de me convencer, pequeno. – ri, virando meu corpo. — Já desço, vou tomar um banho.

— Certo. – ela assente e não contém o sorriso. — Venha, Ben.

Depois do banho me visto com a camiseta de listras vermelhas que meu irmão adora por ser como a de seu boneco Wally de “Onde Está Wally?”. Só percebo que preciso o mais rápido possível de um novo corte de cabelo quando estou na frente do espelho e reparo que minhas pontas estão secas a ponto de servirem como palha se alongando na altura do umbigo. Penteio os fios desajeitados e prendo-os em uma trança.

Na cozinha, apenas meus pais estão sentados ao redor da pequena mesa de quatro lugares. E com o sorriso que me encaram, sei que estão contendo com esforço a animação e vontade de levantar e gritar "feliz aniversário, coração" enquanto balançam balões que eles mesmos encheram.

— Bom dia, coração. – meu pai diz, empurrando discretamente um prato com a sua melhor receita de cookies em minha direção. — Chocolate 60%, claro. É o que minha filha gosta.

— Bom dia de novo, Rox. – minha mãe, mais sutilmente, despeja um perfumado suco de manga no meu copo.

Cookies favoritos, check. Suco favorito, check. É impossível manter a postura de Odiadora De Aniversários quando há tanto carinho envolvido. Eu não conseguiria ficar brava com nenhum deles, mesmo que uma faixa brega de aniversário fosse erguida a qualquer momento.

— Vocês sabem mesmo como me mimar. Onde está Benji? – pergunto antes de morder a metade de um cookie.

— Seu irmão passou a noite te preparando um presente muito especial.

— Ele se esforçou. – garante meu pai. — Foi tudo feito com aqueles dedinhos minúsculos.

— Não acredito que já quero chorar antes mesmo de ver o que é.

— Ben? Pode vir, querido.

E então vejo o pequeno sair do seu esconderijo ao lado da geladeira e sorrio por não ter percebido sua presença ali antes. Ele me entrega um pequeno embrulho azul marinho. Cor favorita, check. Benjamin, sonolento por acordar cedo naquela manhã, dá pulinhos eufóricos acho que ansioso para minha reação.

— Vem aqui, pequeno. Me dá um abraço. – afastei a cadeira e ele pulou em meu colo. — Obrigada pelo presente. Ainda não sei o que é, mas é perfeito.

— Feliz aniversário, Rox. – Benji cochichou com as mãozinhas sobre a boca, se afastando quando o coloquei no chão.

— Shhhh! Sua irmã não gosta dessa frase, rapazinho. – meu pai o repreende sem ser rude, puxando-o para seu colo.

— Eu gosto de aniversário, papai.

Tenho que rasgar o papel para conseguir abri-lo e faço isso com a maior delicadeza que consigo exercer através das minhas mãos. Em segundos, minha visão é embaçada por uma enxurrada de lágrimas e eu mal consigo reparar nos detalhes da linda pulseira azul que estou segurando.

— Ah, meu Deus, Benji! – escapa um sussurro emocionado.

— São dezesseis pedrinhas. Ele mesmo contou, coração.

— Azul é a minha cor favorita também. – comentou Benjamin balançando a camiseta com mangas azuis do pijama de carneirinhos.

Todos os tons de azul, desde o mais claro e opaco ao mais escuro e cintilante, colorem meu pulso pálido agora e para sempre. Completamente encantada, observo meu presente como se ele fosse a única coisa daquele ambiente. Noto o delicado pingente prata da letra R que balança numa caligrafia bonita e cheia de curvas. 

— Essas lágrimas querem dizer que você gostou, não é?

— Claro que sim, mãe! Sem dúvidas, é a coisa mais linda que eu já ganhei.

— Os ingressos que papai te deu daquele show do Coldplay no ano passado estão ouvindo, fale mais baixo.

— Eu queria que você gostasse de aniversários, Rox. Eu adoro o meu aniversário. E o seu também.

Encaro os límpidos olhos azuis e as janelinhas de seu sorriso tímido, querendo esmagar suas bochechas fofas, e branquinhas como as nuvens, com muitos apertos de puro carinho. Surpreendentemente sinto o que seria a magia de aniversário invadir meu peito e quero comemorar por todos os dezesseis que passaram e, principalmente, por Benjamin.

— Não acredito que essa criança desse tamanho acaba de despertar em mim a vontade urgente de cantar parabéns ao redor de um bolo cheio de glacê.

— Ah, Richie, ouça só o que ela diz! – ela junta as mãos novamente, aliviando os ombros. — Pode ter certeza que seu bolo cheio de glacê será a primeira coisa que você verá quando chegar da escola.

— Filho, você mandou muito bem, estou orgulhoso. – ele deposita um beijo no alto dos cabelos finos e curtos de Benjamin.

— Vem cá de novo, por favor. – abro meus braços, esperando para apertá-lo como um ursinho de pelúcia. — Eu amo você, eu amo você, eu amo você. – encho seu rosto de beijinhos que o fazem gargalhar e paro com a bochecha colada na sua. — E, a partir de agora, quero que digam a frase proibida. Digam, digam!

Posso ver brilharem os olhos azuis da minha mãe que estão marejados enquanto ela comemora silenciosamente encarando meu pai, que tem as sobrancelhas franzidas em surpresa na outra ponta da mesinha. Os dois soltam o bendito grito de feliz aniversário mais empolgante que já recebi na vida e juntam-se a mim e Benji no abraço.

Lembranças OFF

— Se você soubesse o quanto cresci detestando aniversários, você riria da Roxie adolescente ranzinza e resmungona que um dia existiu. Mas Benji sempre gostou de comemorar e ficava ansioso por dias até que o dele chegasse. – ri, sentindo uma lágrima escorrer e parar no travesseiro. — Foi por ele que eu comecei a me importar de verdade com os últimos três primeiros de outubro.

— 1º de outubro. Certo. – ele murmurou ao fechar os olhos em uma longa piscada.

— Está fazendo uma anotação mental?

— Sim. Não odeia aniversários ainda, odeia? 

— Acho que não, mas continuo detestando festas muito grandes. Quando é o seu?

— 8 de julho.

— Posso aparecer com balões coloridos sem que você fique bravo?

Cameron sorriu, voltando a analisar o pingente como se estivesse se lembrando de alguma coisa ou, talvez, Brinley por causa da letra.

— Não consegui lembrar do dia do meu aniversário nos últimos anos, estive muito mal para me ligar a esse detalhe. Seria bom ver alguns balões coloridos no próximo.

— Certo. – imitei sua piscada.

— E acho que você deveria adicionar uma pulseira dessa aos meus balões. Com a letra R do meu amuleto da sorte e as bolinhas da cor dos seus olhos.

— Merda! Eu amo você, Cameron Dallas.

As palavras tiveram vida própria para saírem da minha boca. Consegui sentir meu sangue como um zumbido nos ouvidos e minhas pernas formigando enquanto meus olhos estiveram presos aos dele. Não havia motivo para guardar aquilo por mais tempo. Sua mão quente se abriu em minha nuca, o polegar acariciou minha mandíbula e nossos lábios se colaram como se fossem magnéticos. Estive flutuando pela incontável vez.

Ir embora se tornou um pensamento terrível e doloroso, não estava escrito nos meus planos abandoná-lo justo quando nos apaixonamos. Eu queria ficar, queria mesmo. Sei que haveria paciência e companheirismo o suficiente da minha parte para acompanhar Cameron em seu novo recomeço, mas era hora de tentar fazer isso sozinho.

— Pensei que não fosse dizer, linda. As pessoas já começaram a reparar que estou apaixonado, preciso que você também saiba que meu amor é seu.

~

— Ou você pede a comida ou escolhe o filme. São duas decisões muito sérias para uma pessoa só. – Jack se esticou com o controle da televisão para a ponta oposta do sofá que estávamos eu, Cameron e ele sentados.

— Como você pode aguentar esse cara? – Dallas virou o rosto pra mim e eu ri, dando de ombros. — Sei o que seria ótimo esta noite. Você ainda sabe onde ficam os pacotes amarelos, não sabe, Johnson?

Meu melhor amigo abriu um sorriso cúmplice para o irmão, se levantou do sofá, enfiou o controle no bolso da sua calça de moletom e caminhou tranquilamente em direção a cozinha.

— Eu escolho o filme.

— São só biscoitos! – Dallas rebateu e Jack respondeu com uma risada. — Não escaparemos de pedir comida.

— Não mesmo. – ele gritou de longe.

Menos de cinco minutos depois, duas caixas amarelas que eram a metade do tamanho de uma caixa de cereal caíram entre minhas pernas cruzadas. 

— A Chave Do Paraíso? – perguntei analisando a embalagem, lembrando da primeira noite aqui.

Não, não era aquele nome brega estampado na caixa. Na verdade, olhei para o que seria a marca em roxo, mas não consegui ler, as letras pareciam embaralhadas. Definitivamente não era meu idioma. Quando notei o silêncio, Dallas tinha suas sobrancelhas franzidas em minha direção como se eu soubesse demais ao ter perguntado sobre aquele nome alternativo para os biscoitos.

— Van Stapele Koekmakerij. – Cameron pronunciou naturalmente com sua expressão serena como se tivesse facilidade com o idioma que nem consegui identificar. — Você não pode já ter comido os melhores biscoitos da Holanda.

Ah, ok. Era holandês. Nunca soube uma única palavra.

— E não comeu. Garanto. – Johnson interferiu, se sentando também com duas caixas depois de entregar a mesma quantidade para o irmão.

—  Jack me ofereceu na primeira madrugada aqui e eu recusei no mesmo minuto em que soube que era seu.

— Perdeu uma ótima oportunidade, você se apaixonaria de primeira.

— E você gritaria muito comigo, Cameron.

— Está bem, esqueça isso. Coma. Quero ver sua reação e ouvir da sua boca que é a Chave Do Paraíso.

— É uma casquinha de chocolate com recheio de chocolate branco. Não tem como não gostar, Rox.

Inclinei meus ombros para frente, podendo ver Jack melhor na outra ponta e nós três abrimos as caixas juntos. Rasguei o pacote amarelo interno e o aroma delicioso de um chocolate que eu nunca experimentei antes subiu às minhas narinas.

— Uma pergunta: por que vieram de tão longe? Não existem mais casquinhas de chocolate na Califórnia?

— Foram duas perguntas. Coma isso logo. Prometo que você vai se sentir nas nuvens. – o modo como Cameron falou isso com um sorriso malicioso nos lábios pude saber que não eram só casquinhas de chocolate.

Abocanhei um pedaço e, em segundos, pude ter uma experiência incrivelmente prazerosa com a explosão de sabores que senti passeando pela minha língua. Mordi o restante do biscoito e sinto ter enlouquecido, eu não podia parar de mastigar a oitava maravilha do mundo moderno.

— Eu sei que esses biscoitos não são tão inocentes quanto parecem. O que tem aqui dentro?

— Maconha. – Johnson respondeu despreocupado com a boca cheia, ligando a televisão.

— É a casquinha de chocolate mais gostosa que eu já experimentei em toda a minha existência!

— Não são essas palavras que estou esperando você dizer, linda. – ele me desafiou, gostando da situação e atento a me ouvir dizendo:

— Essa aqui é, com certeza, a Chave Do Paraíso. E eu… – voltei a me encostar no sofá. — Destranquei o paraíso e nele tem os dois Edward. Puta merda.


Notas Finais


espero que tenha se deliciado com a leitura, viu? 💚


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