— P-por que você d-diz isso? – indagou Jonathan, ainda se sentindo pressionado com a afirmação tão incisiva da Dra. Pendleton.
Ela suspirou ante ao olhar de cão amedrontado do paciente.
— Duas coisas – disse ela: — A primeira é que você disse não ser um viciado em calmantes e, bem, acredito em você... Na verdade, o resultado dos seus exames não condiz com o de um viciado. E seu irmão afirmou que você também não é hipocondríaco. Por isso, acredito que você foi o único preocupado em não causar qualquer mal ao ômega quando descobriu que ele estava no cio, tomando essa quantidade absurda de remédio num ato desesperado. Do contrário, não era você que estaria aqui e, sim, o ômega.
Jonathan, que até então sentia os seus músculos tensionados, com dores sobre os ombros e receio de uma possível consequência de seu relato, embora sem muito detalhes, se deu ao luxo de relaxar por um momento. Não sabia bem o porquê, mas a jovem doutora não parecia que denunciaria o caso à diretoria da universidade e ele tratou de acreditar em seu instinto.
— E a... segunda coisa? – Sequer tentou antecipar o que viria.
Desta vez, Dra. Pendleton sorriu discretamente.
— Bem, seu irmão me contou o que você disse pra ele.
Jonathan arregalou os olhos.
— Espera! O quê!? – Quase se amaldiçoou por seus relapsos.
— Jonathan... – Dra. Pendleton sentou-se na beirada da cama com um olhar relutante sobre ele, que pôde notar com mais clareza a hesitação dela. — Como você mesmo parcialmente presumiu, o ômega não entrou no dormitório de propósito, não com o intuito de provocar os alfas ou qualquer absurdo que possam acusá-lo. Ele só estava...
— Entregando panfletos. Eu sei... – Jonathan a interrompeu ao sussurrar, finalmente se dando conta que a doutora sabia muito mais sobre o ocorrido do que ela demonstrava. — Ele deixou alguns caírem no chão quando fugiu.
— Sou amiga dele – revelou ela.
Jonathan assentiu com a cabeça em compreensão.
— E... como ele está? – indagou, inseguro se devia mesmo perguntar.
Dra. Pendleton repousou a sua pequena mão sobre a mão de Jonathan, livre da agulha coberta de esparadrapos que o medicava com o soro, dando leves tamboriladas com os dedos.
— Fico feliz que esteja preocupado, de verdade. Ele está bem. Quer dizer, se eu soubesse pra onde ele foi, seria mais fácil afirmar...
— Como assim? O que aconteceu? – Deixou escapar inquietação em seu tom de voz, não sem compunção.
— Nada, ele só... – A doutora ergueu as sobrancelhas, tomando certos cuidados com as palavras. — Está assustado, apesar de que ele nunca vai admitir isso... Eu queria que ele tomasse um block mais forte, que pudesse ajudá-lo nesse período... – Suspirou, resignada, como se lembrasse de algo e preferindo seguir por outro rumo na conversa. — Bom, estou aqui porque quis me certificar que você não fosse um alfa babaca e, devo te tranquilizar, estou satisfeita. Mas, preciso te alertar que o ômega que você despertou é muito mais complicado do que possa imaginar...
Jonathan engoliu em seco, a julgar pela escolha de palavras da doutora, era evidente que ela sabia o que esse fenômeno natural significava para os envolvidos.
Tratava-se dos despertos; quando mesmo com os esforços de inibidores e calmantes, um alfa engatilha o cio de um ômega, assegurando-se assim a ligação inquestionável do casal. Algo que poderia valer mais que qualquer casamento arranjado, era uma garantia de prole saudável e união estável e duradoura das ditas almas gêmeas.
Diz a lenda que, durante a Grande Extinção, casais apaixonados e com medo de não estarem mais juntos após a morte, tiveram as suas almas seladas em um estranho ritual que marcava a fogo a pele dos amantes, para que se encontrassem e “despertassem” suas almas para viver continuamente o amor, inseparáveis, no pós vida.
Agora, dizem que esse fenômeno acontece cada vez menos, porque, por alguma fábula mística que deixava a lenda ainda mais interessante, alegavam que as almas começaram a despertar em épocas diferentes e se desencontraram para nunca mais reencarnarem juntas.
Era tudo muito poético e trágico, mas a explicação histórica e bioquímica, apesar de não atrair os corações dos românticos, era mais simples e um tanto óbvia.
O uso contínuo e sem restrições dos bloqueadores – assim que foram fabricados – retardava a produção de feromônios do indivíduo; leia-se ômega, já que, na época, a sociedade estimulava muito mais os alfas no quesito vida sexual ativa.
E após anos de luta dos omegas por supressores menos danosos e por medicamentos que também controlassem os feromônios alfas, a medicina se voltou em prol à causa e realizou novas pesquisas com inibidores mais eficazes, sem efeitos colaterais graves de curto a longo prazo, além da criação dos calmantes para os alfas.
Com o tempo, a produção natural de feromônios dos omegas voltou a níveis normais, o que aumentou as chances de serem detectados pelos alfas e consequentemente provocarem reações fisiológicas em seus ciclos reprodutivos. Era apenas a ciência corrigindo os seus erros passados.
E Jonathan tinha agora dois bons exemplos bem próximos – ele mesmo e Jotaro – para provar.
Contudo, nada disso era uma justificativa que faria Jonathan jogar a sua carreira para o alto e viver um relacionamento com alguém que sequer conhecia.
— Serei franco – anunciou ele com cautela —, preciso dizer que não vou procurá-lo por agora. Tenho como objetivo seguir a minha carreira antes de qualquer coisa. Além disso, não importa se sejamos ligados pelo destino ou como queiram chamar, o senhor meu pai não vai aprovar uma união que não seja benéfica à família, entenda-se “da escolha dele”.
Não entraria em detalhes sobre a principal discussão que tinha com Sr. George Joestar I, mas sentiu-se feliz quando a jovem doutora compadeceu-se.
— Pais antiquados, entendo bem como é... – disse, sorrindo de maneira cúmplice. — Mas... não tem nenhuma curiosidade de, ao menos, saber quem ele é?
Claro que tinha, mas Jonathan preferiu soterra-la no monte das prioridades, torcendo para que fosse forte o suficiente para não ceder e tirá-la de lá. Talvez, era desse tempo que precisava para pensar com clareza e não tomar qualquer atitude precipitada com a mente tomada de feromônios.
— Eu... prefiro não saber, de verdade.
Sua resposta pareceu surpreender a Dra. Pendleton, que se levantou da beirada da cama e ajeitou o jaleco branco passando as mãos sobre os bolsos da frente.
— Tudo bem – limitou-se a dizer. — Obrigada.
— Pelo quê? – Jonathan franziu as sobrancelhas.
Dra. Pendleton deu alguns passos, afastando-se, antes de respondê-lo:
— Por protegê-lo mesmo sem saber quem ele é... A propósito, amanhã você terá a sua alta. Então, descanse.
Ela se aproximou de um leito vizinho com o intuito de checar os demais pacientes ali presentes. De repente, Jonathan se viu sem qualquer controle de sua própria voz, que saiu perguntando:
— Qual é o... nome... – Prendeu a respiração, com uma careta engraçada de bochechas cheias de ar e olhos fortemente fechados. Sentiu-se ridículo por se contradizer tão rápido. Se não queria saber nada, por que perguntar o nome? Embora não entendia a fonte dessa impulsividade incomum, soltou o ar de maneira barulhenta e falou: — Não, deixa pra lá.
Dra. Pendleton riu e tornou-se para perto da cama.
— Talvez você já tenha ouvido falar... Se não mora debaixo de uma pedra – ela retrucou, rindo e tirando risos de Jonathan. — Chama-se Dio, ele é baterista da “The Phantom Blood”, foi por isso que ele estava entregando panfletos, precisamos urgentemente de um novo guitarrista...
— Precisamos? – Interrompeu, intrigado.
— É, difícil acreditar, mas faço parte da banda também, sou baixista. – Ela parecia gostar das reações incrédulas de Jonathan, que de fato não conseguia conceber que a jovem doutora tivesse uma surpreendente faceta. — Ainda que eu seja mais requisitada como motorista por ser a única com habilitação e uma van.
Apenas diante do próprio reflexo num espelho Jonathan poderia se ver com os olhos brilhando de encantamento. Sequer deu atenção à reclamação não tão velada de Erina sobre a própria participação na banda tão famosa da faculdade.
A expressão maravilhado se dava ao simples fato de que àquele a quem despertou era um músico que seguiu e ainda persistia no sonho de ser reconhecido – como toda banda pretende ser – por aquilo que ama fazer. A diferença disso para a carreira escolhida por Jonathan era que a arqueologia não tinha fã clube, não enlouquecia multidões de fãs a cada pincelada na areia sobre uma relíquia histórica. Mas isso era apenas um mero detalhe.
Ah, ele – que agora tinha até mesmo um nome – Dio era um percussionista que, com toda a certeza, saía batucando o tempo todo, em tudo que era lugar, sempre tirando o som das coisas e objetos a seu alcance como se o mundo inteiro fosse um grande palco cheio de ramificações de pratos, tambores e bumbos, com uma plateia cheia de expectativas apenas para ouvi-lo.
Sabendo disso, sabendo um pouco do ômega, Jonathan sorriu e compreendeu basicamente tudo o que aconteceu naquele dia.
Dio deveria estar tão certo que encontraria alguém para completar a sua banda desfalcada que não se negaria a entrar até mesmo no covil dos alfas. O que ele não esperava fora o cio engatilhado enquanto ouvia o solo de Jonathan no violão... e isso apenas confirmava que tudo acontecia por algum propósito, ou então em decorrência de outras causas, gerando essas consequências caóticas em suas vidas.
Se Dio não precisasse de um guitarrista, ou mesmo se ainda procurasse por um, mas se Jonathan não estivesse dentro do seu quarto, dedilhando as cordas do seu violão no momento em que Dio resolveu entrar no dormitório, nada disso teria acontecido.
— Jonathan? Está tudo bem? – Erina o arrancou de seus devaneios, muito preocupada com o seu repentino silêncio.
— Sim! Desculpa... estava me lembrando que um amigo comentou sobre a banda de vocês... – contornou ele. — E, bem, eu não moro debaixo de uma pedra, só pedi transferência à Alnino Stone há pouco tempo. Infelizmente, nunca vi um show de vocês, mas meu amigo tem bom gosto pra música, se ele disse que vocês eram bons, então, eu acredito.
Erina demorou para falar, parecia avaliar Jonathan, atrás da causa de seu devaneio, mas vencida pela desistência, voltou ao assunto:
— Nós ainda somos, se Dio não fosse tão cabeça dura e exigente, já teríamos um novo guitarrista há eras. Conhece alguém com potencial para progressivo e de muita paciência em interação social? – inquiriu ela, de repente, esperançosa e brincalhona.
Jonathan pôde vislumbrar a paixão que a doutora também tinha pela música, além de sua dedicação para com a medicina. Ela conciliava as duas coisas sem que uma prejudicasse a outra. Ao menos, era essa impressão que se tinha.
Então, dentro de sua mente, Jonathan se colocou numa situação importante; uma questão decisiva que podia mudar para sempre a sua vida.
Embora a escolha que estava preste a fazer, o incentivava a pegar o seu estado anterior de pura negação e cautela em excesso e o jogasse numa caçamba de lixo sem dó ou piedade, contrariava apenas a sua própria postura relutante em se encontrar com o ômega de feromônios tão adocicados, percussionista destemido, um talentoso músico que escolheu começar pelo gênero mais difícil, senão o mais trabalhoso, de se ganhar a fama.
E era com pessoas assim que Jonathan sentia-se aflorado, preenchido ou possuído com o real desejo de também mostrar o que sabia fazer e o que também o motivava. Trazendo aquele gosto todo especial pela vida.
Valeria a pena correr esse risco de viver algo que não fora planejado? Não saberia se não tentasse.
— Eu.
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