História Amnesia - Caramel

Por alguns momentos, sinto meu corpo relaxar, mas nada estava claro ainda. Apesar das explicações, parecia que nada era real. Ainda não descartei a possibilidade de estar no purgatório, porém essa probabilidade parece cada vez mais distante. Não consigo aceitar, perdi em memória quase dez anos de vida. Minha mente se desfazia ao pensar na perda que foi. Risadas, momentos intensos, sonhos. Eu esqueci.

Encaro uma rachadura na parede, deitado naquela maca fria. Não aguentaria ficar mais nem dois minutos a sós com meus pensamentos, logo iria começar a desabar e é simplesmente desgastante voltar ao estado normal. Olho para os lados, em procura de algo para ocupar meu tempo enquanto espero os exames darem resultado.

Encontro um pequeno vaso com alguns lírios, um copo d’água fresca e aparentemente pura e alguns cartões com mensagens de incentivo. Olho mais além do meu lado e vejo um pequeno pote de plástico com caramelos. Ouço meu estômago emitir sons ao pensar em comer algo, nem que seja somente um caramelo.

Supondo que eu não posso me levantar para pegar o doce e nem para fazer qualquer outra coisa, terei que arranjar algum modo de conseguir aquele caramelo. Dou um nó forte na fina manta que me cobria e jogo em direção ao pote, com a esperança que pudesse derrubar ele. Falho, o pote nem se quer moveu-se. Inclino meu corpo em outra tentativa e novamente falho, porém o pote balançou de um lado para o outro. Última tentativa, depois eu não tento mais.

Inclino mais meu corpo e acabo me desequilibrando, caindo direto ao chão, fazendo barulho estrondoso e batendo a cabeça de encontro à pequena mesa que tinha o pote de caramelo. O mesmo cai e os caramelos caem sobre a minha cabeça. Com certeza alguém vai me xingar pelos barulhos que fiz.

A porta é aberta e já entro em desespero, correndo para voltar para a maca e fingir que nada aconteceu. Fingir que ninguém viu um retardado atrás de caramelos.

Hoseok – Licença. Tudo bem por aqui? – A voz de dele era um pouco doce, apesar de levemente grave.

- Tudo bem sim. Uma ventania derrubou o pote de caramelos. – Estava obvio na minha voz que eu estava mentindo.

Hoseok – “Ventania” – Ele ri um pouco, já sabendo da verdade – Está com fome? – Bom, eu estou com fome e ele está sendo gentil. Porque não?

- Um pouco. Sinto que minhas papilas gustativas morreram. – Tento deixar a situação um pouco mais positiva. Não é todo dia que acordo em uma maca.

Ele ri um pouco da situação. Tenho que admitir, acho seu sorriso lindo e seus olhos tem uma tonalidade forte castanha. Seu cabelo caía sobre sua testa, o que deixava seu rosto mais curto, mas não deixava de ser lindo. Paro em meus pensamentos ao realmente perceber que acho outro homem bonito.

Hoseok – Vou trazer um lanche para você. – Ele bagunça meus cabelos e sai do quarto, me deixando novamente sozinho.

Me sento na maca e encaro meus pés. Eu ainda não acreditava que havia crescido tanto, meus pés estavam enormes, meu rosto estava mais liso e meu cabelo mudou drasticamente. A única coisa que queria agora era a minha família. Meus pais, meus irmãos mais novos e a minha casa em Daegu. Meu lar, voltar ao mundo que ainda considero familiar.

Ouço duas batidas na porta e olho de modo acelerado para a mesma, já que o barulho me despertou de meus pensamentos. Vejo a maçaneta sendo girada e logo cruzo os dedos, esperando que seja somente Hoseok com os lanches ou o médico com os exames, porém, ambos estão cedo demais. A porta é aberta.

Jimin – Desculpe, posso entrar? – Havia tristeza na voz dele, juntamente com pouco da sua vontade de chorar.

Somente balanço levemente a cabeça para baixo e para cima, abaixando a mesma em seguida. Eu não queria olhar para ele, havia feito ele chorar mais cedo e isso já tinha me deixado confuso e com medo, não queria ver a cena novamente.

Ele se senta atrás de mim, deixando suas costas irem de encontro as minhas, percebendo meu medo em olhar para seu rosto. Ouço um suspiro pesado vindo dele, parece que ele carrega o mundo em suas costas.

Jimin – Me perdoe por mais cedo. Eu devo ter lhe deixado mais confuso, mas, por favor, vamos somente esquecer. – Ele fazia esse pedido como se fosse possível

É certo que eu posso me esforçar para esquecer, mas é algo doloroso. Eu não queria esquecer mais nada, já havia esquecido muito para abrir mão de outra memória, sendo que aquilo irá ficar em minha mente.

- Tudo bem – Apesar da minha mente estar peso por ter falado somente isso, não quero passar esse peso para ele.

Jimin – O médico logo virá com os exames. – A voz dele aparentava que não era aquilo que ele queria falar.

- E meus pais? – Tento desviar do assunto de exames para tentar esclarecer algumas questões – Você os conhecia?

Ouço a risada fraca dele, com um pouco de sofrimento e uma leve angustia. Ele soluça, como se fosse chorar e não entendo os motivos.

Jimin – Seus pais eram boas pessoas. Tae, eu sinto muito, mas precisa ser forte. – Eu não queria acreditar no que ele estava falando.

Eu juro que eu os vi antes de sair para o colégio. Estava incrédulo, sem chão e sem saber se devo acreditar nele. Só quero voltar ao coma e acordar no purgatório ou não acordar. Descartei a possibilidade de estar no purgatório quando ele falou isso. Eu estou no inferno.

- Me deixe sozinho... – Dou uma longa pausa até começar a chorar. Estava desabando.

Ele afaga meus cabelos e beija o topo de minha cabeça, em forma de consolo e logo sai, fechando a porta. Nada adiantava, eu não queria consolo, queria meus pais. Queria minha família reunida novamente, meus irmãos, mãe e pai sentados à mesa comendo japchae.

Me deito na cama, voltado a encarar a rachadura na parede enquanto sinto as lágrimas escorrerem por meus olhos, passando diretamente para o pequeno travesseiro. Eu queria estar de volta com meus pais e talvez eu faça besteira para encontrar eles de novo. Quero esquecer novamente, esquecer que essa conversa aconteceu.