Os dias de primavera sempre eram radiantes. Ainda mais depois de um inverno denso como foi o de outrora em que os deuses se questionaram porque os dias estavam mais cinzentos a cada ano que se passava e Odin apenas coçou sua grande barba prateada, dizendo que tudo no mundo era mutável, assim como o tempo e as nuvens e com isso todos se sentiram satisfeitos com tal resposta, apesar de o Pai de Todos saber muito bem o motivo de tamanha escuridão que avançava.
Mas a primavera agradava em especial um deus. Seu nome era Baekhyun, o deus mais bonito que já pisou e ousou existir em Asgard. Filho de Odin e Frigga, o aesir tinha a pele que reluzia saúde, as maçãs do rosto rosadas em harmonização com os cabelos negros como a noite que recaiam descendo pelas costas. Os ombros largos como paredões, o dava o ar de masculinidade invejável, assim como o peitoral marcado. A boca vermelha como a do primeiro morango que surgiu em solo sagrado. As sobrancelhas expressivas davam um ar de astúcia ao sorriso que fazia todos os seres vivos agradecerem por presenciar sua felicidade.
Baekhyun tinha a capacidade de deixar dias de primavera ainda mais iluminados por onde passava. O sorriso aberto e gentil, era conhecido de todos os deuses e criaturas dos nove reinos. Só que nos últimos tempos andava pelo grande salão pensativo demais.
— Posso saber o que nos impede de ver o rosto sereno de vosso mestre? — o servo de Baekhyun o questionou, recebendo um sorriso pequeno como resposta.
— Nada demais, Skírnir. Nada demais.
O servo não pareceu satisfeito com a resposta de Baekhyun. Tinha algo de diferente em seu senhor, tanto que o sol brilhava naquela manhã, mas não com a mesma intensidade. Skírnir era um elfo de luz sábio e bonito. Não poderia se contentar em deixar seu senhor com o rosto tão distante e que os deuses o livrasse de tamanha desgraça, até mesmo triste.
— Milorde, o que lhe aflige? A minha existência é designada a lhe compreender e melhorar todo os seus dias sob o solo sagrado de Asgard.
Baekhyun cumprimentou com um meio sorriso as pessoas que passeavam na porta de grande salão e saiu pelo jardim com Skírnir em seu encalço. Suspirou como se estivesse cansado e olhou para além do horizonte.
— Você já se sentiu vazio, Skírnir? — perguntou em um tom comedido, como sempre costumava falar.
O servo franziu as sobrancelhas e pensou por alguns segundos.
— Creio que não compreendo o seu questionamento, milorde.
— Eu digo no sentido de saber que algo falta na sua existência.
— Mas tu és Baekhyun, o belo. Nada jamais deve faltar em tua existência. O que o senhor tem vontade? Posso mandar procurar nos vales mais distantes e se não encontrarmos, os anões podem forjar qualquer coisa que seja de tua vontade.
Baekhyun sorriu. Um sorriso que não mostrava os belos dentes e na verdade era carregado de uma grande frustração. É lógico que ele não o entenderia.
— Não é uma questão material. É um vazio em minha alma. Não me sinto triste e nem mal agradecido por dividir a mesma era e espaço tempo com meus irmãos e irmãs e sobre a graça do Pai de Todos, mas eu sinto que não tenho algo que complete aqui dentro. — pôs a mão sobre o próprio peito.
— Ah… — Skírnir se limitou a dizer. Se não podia dar os conselhos que seu senhor queria, era melhor que ficasse calado. — O senhor já tentou procurar vossa mãe? Talvez ela o compreenda mais que teu humilde servo.
Baekhyun avistou crianças brincando sob as poças formadas pela neve derretida. Felizes e com seus rostos cheio de vida.
— Pode ser que sim. — assentiu por fim.
☼
Baekhyun teve um sono agitado naquela noite de primavera. Um rosto muito bonito e bem diferente de tudo que já tinha visto na vida, o olhava com ternura. Estava em seu corpo e podia ver que quem o sorria era alto e de uma pele beijada pelo sol. Os olhos grandes tinham uma bondade que não se via todos os dias. A boca cheia e vermelha chamava a atenção de um Baekhyun que sentia uma felicidade que nem todas as eras foram capazes de proporcionar. Quando o estranho estava prestes a dizer algo, tudo ficou escuro e Baekhyun acordou atordoado.
Sentou-se na cama do quarto gigantesco de sua casa em Álfheim, o lar dos elfos de luz que o tinham como senhor supremo. Apenas a claridade da lua alta entrava pela janela. Os cabelos escuros e lisos tampavam boa parte da nudez de Baekhyun e esta foi sua posição até que o dia clareasse.
☼
— Acordado tão cedo, milorde. — Skírnir passou pelo portal e trazia em mãos as vestes do Deus.
— Eu tive um sonho. — olhou para o servo que tinha toda a sua atenção a encher a banheira de mármore com água cristalina.
— Acha que deve me contar? — ele questionou o chamando com aceno de mão.
Baekhyun entrou na banheira e se arrepiou com a água.
— Sim. Eu estava com alguém cuja beleza eu jamais havia visto em todos os nove reinos. — encostou a cabeça no vão do mármore.
Skírnir ouvia atento enquanto lavava os longos cabelos de seu senhor.
— Uma aesir? Ou talvez um vanir?
Baekhyun sorriu pequeno.
— Não poderia ser, conheço todos. Ele tinha uma pele beijada pelo sol, Skírnir. Não de nascença como Kai, mas forjada por esforço, aparentemente.
— Sonhou com um servo, meu senhor? — levantou-se pegando o tecido mais macio e entendendo a mão para que o deus saísse da água.
— Não sei. Não tive tempo de saber. — Baekhyun ficou pensativo. — Quero ir a Valhala. — disse por fim.
E o elfo apenas assentiu.
☼
Quando chegaram ao grande salão, centenas de milhares de guerreiros lutavam entre si. Apenas os que morreram de forma honrosa tinham o privilégio de estar em Valhala.
— Como pode caber tantas pessoas em um só salão, milorde? — Skírnir questionou sentado ao lado de Baekhyun que observava tudo com aparente desinteresse.
— O mundo já não é mais o mesmo. As guerras a cada dia mais se proliferam. Mesmo que se tenha centenas de milhares deles será preciso mais milhões contra o grande lobo no juízo final.
O servo achou a forma com que Baekhyun dizia tais palavras, assustadoramente mórbido, mas teve sua atenção retirada quanto todos cessaram suas disputas e foi dada por encerrada a batalha daquele dia.
O banquete que era servido para todos era capaz de tirar a fome de Midgard e não importava quantos mais chegassem, ele sempre satisfazia à todos. Baekhyun observava o Pai de Todos na outra ponta da mesa quilométrica. Nada comia e apenas entornava uma grande caneca de hidromel, o melhor dos nove mundos.
Baekhyun levantou-se com o elfo em seu encalço e foi até o salão de Odin, onde era localizado o ponto de observação, Hlidskjalf. Onde poderia ser visto qualquer cantos dos nove reinos
— Me espere aqui. E não me questione. — não olhou para trás e não foi capaz de ver o semblante confuso do servo.
O deus sentou-se no trono e olhou para o norte, mais a frente. Não encontrou o que procurava. Olhou ao sul e também não teve sucesso. Olhou ao leste e nada o remetia ao que almejava. Porém, quando olhou para o oeste, além de Asgard, em um ponto em Midgard o viu. O rosto mais belo e perfeito que poderia ter a graça de enxergar em vida. Saiu com pressa do trono e passou pelos portões.
O rosto não esboçava nada e Skírnir não gostou da reação de seu mestre.
— O que viu, milorde? — questionou apreensivo.
Baekhyun não respondeu. Adentrou sua residência, fechando a porta com a força de mil homens e deixou o servo de fora sem nenhuma resposta.
☼
No terceiro dia Odin mandou chamar Skírnir. O elfo veio apressado pelos corredores do grande salão do Pai de Todos.
— Faz três dias que Baekhyun não sai do quarto. Ele estava estranho em Valhala e ouso dizer que estava com um olhar muito pesaroso. Você só anda pendurado nele, me diga o que aconteceu.
— Meu senhor, há três dias atrás o mestre me contou sobre um sonho. Neste sonho ele viu alguém que não sabe quem é e um pouco antes disso me fez questionamentos deveras estranhos.
Odin coçou a barba prateada e pensou por um tempo.
— Um sonho? — questionou.
— Sim, senhor.
— Vá até o quarto de Baekhyun e descubra o motivo dele estar cabisbaixo. É de sua incumbência a felicidade de seu senhor.
O elfo assentiu e se afastou depressa. Odin olhou para Frigga que tinha um rosto impassível como se já soubesse o que o marido iria dizer, antes mesmo que ele pensasse.
— Chegou a hora, Odin.
— O que ele decidir estará decidido, e a nós restará somente acatar.
☼
— Milorde… — Skírnir bateu mais uma vez na porta. — Seu pai está preocupado. O senhor não come fazem três noites e dois dias. O que lhe aflige?
Não foi recebida nenhuma resposta. O servo já não sabia mais o que fazer. Até que um deus de cabelos tão escuros quanto os de Baekhyun e um par de esmeraldas nas orbes, ouviu os lamentos do elfo na porta do deus das estações.
— O que se passa, Skírnir? — Loki perguntou com o ar astuto de sempre.
— Meu senhor não sai de dentro de seu quarto já fazem três noites e dois dias e não sei mais o que fazer.
Loki pensou um pouco. Mesmo que fosse um trapaceiro e quase todos os deuses tivessem os dois pés – e às vezes até o corpo todo – atrás consigo, Baekhyun sempre era muito gentil e ria muito de suas piadas.
— Deixe comigo. — Loki se transformou em um animal peçonhento diante dos olhos do servo e rastejou pela fresta da porta de Baekhyun.
O deus das estações estava deitado em completo breu dentro do quarto. Loki voltou a forma humana e sentou na ponta da cama.
— Posso saber o que tira tua fome e teu sono, Baekhyun? — perguntou tendo certeza que ele o ouvia.
A resposta veio somente vários segundos depois. Baekhyun levantou um pouco a cabeça e olhou direto nos olhos verdes brilhantes do tio.
— Eu me sentia vazio. — começou falando baixo. — E não entendia o porquê. Até que cometi o crime de me achar digno de sentar no trono do Pai de Todos e tentar achar a resposta de tamanha solidão. E eu encontrei, Loki. — Baekhyun fez uma pausa olhando para além do rosto do homem, contemplando o vazio. — E por tamanha audácia, eu pago o preço vendo o que mais ansiei na vida, vivendo como um humano comum em Midgard.
Aí então Loki entendeu. Baekhyun estava no momento tendo o sentimento mais humano possível. O amor. Veja bem, quando um aesir se apaixona no meio de outros, ele sabe que será eterno e nada e nem ninguém será capaz de separar porque um nasceu para o outro e a linhagem está garantida e perfeita. Só que se apaixonar por um humano era correr o risco de ter seu coração despedaçado porque mesmo que um deus pudesse ter quem quisesse, não era amor, era adoração.
— O que você pretende fazer em relação a isso? — Loki perguntou se sentindo estranho. Como se Baekhyun tivesse o poder de mudar todas as maldades que maquinavam em seu cérebro e deixar apenas a mais pura compaixão. Era horrível se sentir vulnerável.
— O que eu poderia fazer? ,— ele perguntou confuso. — Viver em completa amargura é o que me resta.
Loki levantou e foi até a grande janela fechada por cortinas gigantescas. Abriu uma fresta e viu o tempo que já não estava muito bonito, ficar ainda mais cinzento. Ameaçando cair gotas grossas de chuva.
— Eu iria a Midgard. — sugeriu astuto, se voltando novamente para o jovem. — O conheça e quem sabe isso não gere algo bom.
Baekhyun estreitou os olhos. Nada que saia da boca de Loki poderia ser cem por cento bom. Mesmo que gostasse muito do tio sabia como ele era maldoso.
— O que ganhas com isso? — questionou desconfiado.
— Nada, oras. Na verdade... — Loki fez uma pausa dramática. — Eu ganho apenas o amor de meu sobrinho preferido. — sorriu mostrando todos os dentes.
Loki era um dos deuses mais bonitos que já haviam habitado Asgard. Os cabelos negros e as orbes verdes eram únicas. Assim como rosto belo e delicado como se tivesse sido esculpido a mão. Não podia negar que isso o ajudava e muito a conseguir qualquer coisa que almejava. Ele arqueou as sobrancelhas incentivando o sobrinho.
— Odin não ficará satisfeito. — Baekhyun disse por fim.
O deus do trapaça de virou por um instante revirando os olhos sem paciência e maquinando algo para convencer o mais novo. Até que sorriu e se virou novamente.
— Odin me mandou até aqui, Baekhyun. Frigga não aguenta seu sofrimento e desde que tu te tranquastes aqui o tempo mudou de forma drástica. Agora mesmo está preparando uma chuva intensa, logo em meio a primavera. Todos estão preocupados com teus sentimentos. — Loki viu a expressão de Baekhyun mudar. Para um meio arrependimento. — E tenho certeza que Odin ficará feliz com o filho feliz.
Baekhyun ponderou por um momento. Estava talvez agindo de forma muito mimada e isso não era o seu papel. Se conversasse com o Pai de Todos, ele entenderia e tudo seria mais fácil.
— Pode ser que sim…
Loki abriu o sorriso mais iluminado possível.
— Me conte como ele é. — mordeu o inferior curioso. Sempre ficava animado antes de uma traquinagem.
— Ele é o homem mais lindo que meus olhos tiveram a graça de ver. Parece ser tão… gentil. — Baekhyun sorriu de canto.
— Ah o amor. — Loki cantarolou. — E como vai chegar nele? Tem que pensar sobre isso.
Baekhyun franziu a testa. Estava o achando animado demais, mas não podia negar que a possibilidade de encontrar o homem que via em seus sonhos o deixava ainda mais empolgado.
— Não sei ainda. Imagino que chegar como um deus não é o caminho.
— Acho que o primeiro passo é tu te livrastes de todo esse cabelo. Ele exala realeza e soberania.
O deus das estações já estava a levantar-se quando olhou para Loki como se ele tivesse proferido a pior das ofensas.
— Tu enlouquecestes? Meu cabelo é parte de mim, é o que sou. — inconscientemente já passava a mão nos fios.
— Sim e são os fios mais belos que já tive o prazer de ver, mas no momento que ele bater os olhos, verá que tu não és de Midgard. Pense, Baekhyun.
Baekhyun amuou. Amava demais os fios compridos e não se imagina sem eles. Só que pensou mais um pouco e realmente o que Loki dizia fazia sentido.
— Faça. — sentou-se na cadeira que ficava disposta na penteadeira.
Loki sempre carregava um punhal na cintura para cortar frutas que costumava colher no pé dos pomares. Juntou os fios como pode e passou a lâmina de uma só vez.
Baekhyun que antes estava com os olhos fechados com força, soltou a respiração. Passou a mão nos fios curtíssimos e se sentiu estranho. Como se tivesse deixado metade de sua alma morrer.
— O que acha? — perguntou entregando um pequeno espelho para o mais novo.
— Me sinto nu.
Loki riu.
— Acredito. Agora vá até seu pai e converse com ele. — Baekhyun assentiu vestindo-se finalmente e abrindo a porta.
Skírnir que sorria radiante por finalmente o deus ter levantado de seus aposentos, deixou a alegria morrer aos poucos.
— M-milorde… — olhava os fios curtos de seu senhor. — O que aconteceu? — fez um sinal até a própria cabeça, confuso.
Baekhyun riu aberto.
— Aconteceu que vamos a Midgard, Skírnir! — piscou saindo corredor a fora.
Todos que o avistaram pelo caminho paravam qualquer atividade para o olhar. Ele irradiava e o tempo tinha se aberto, mas as pessoas se questionavam que tipo de desgraça estava por vir.
— Pai. — Baekhyun adentrou o salão onde Odin conversava com outros deuses.
Todos calaram-se instantaneamente. Olharam entre si e a expressão do que estava sentado no trono. Odin fez um sinal com a mão para que todos saíssem.
— O que aconteceu contigo?
— Isso? — Baekhyun passou a mão nos cabelos. — Não é nada, meu pai. Eu apenas adaptei-me para poder prosseguir com um pedido.
— Tu sabes que teus cabelos eram honra, Baekhyun. Fiz algo que te desagradou e quis me punir?
— Jamais, pai! — Baekhyun exclamou. — Eu… Eu queria conversar com o senhor.
— Diga.
— Há um tempo tenho que me sentido diferente, pai. E tive um sonho.
Odin bufou insatisfeito.
— Nele encontrei o homem mais perfeito que tive a oportunidade de pôr os olhos. — Baekhyun sorriu comedido. — Mas… — hesitou um pouco antes de continuar. — Ele mora em Midgard.
O Pai de Todos levantou o olhar para Baekhyun que não desviou em momento algum, mesmo que seu coração batesse dez vezes mais rápido.
— Se isso o faz feliz. — ele se limitou a dizer e antes que Baekhyun abrisse os lábios para agradecer infinitamente a benevolência de seu pai, ele prosseguiu. — Mas ele terá de viver entre nós, caso haja firmamento de tal compromisso.
O deus das estações ficou confuso por uns instante, porém a felicidade era tanta que concordou sem pensar duas vezes.
Se ele soubesse, teria pensado mais vinte vezes.
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