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História Lágrimas de São Pedro - Vida Real


Escrita por: CandyVanD

Capítulo 2 - Vida Real


Fanfic / Fanfiction Lágrimas de São Pedro - Vida Real

Dia sete de abril, dois dias que Stela havia escrito a carta pedindo divórcio a Victor. O mesmo encontrava-se insano, quebrando tudo o que via pela frente. Não se conformara com o desaparecimento repentino da esposa. Os poucos amigos diziam não saber dela. Os pais estavam em imensurável desespero.

Decidiu sair, respirar um pouco. No trajeto até o bar sentiu os olhos queimarem e a visão embaçar algumas vezes quando guiava a moto. As lágrimas pesavam, o homem questionava a si mesmo o que teria feito de tão ruim. 

Chegou ao estabelecimento, bebeu como se não houvesse amanhã. E por que haveria? A mulher que mais ama é uma ingrata, não reconheceu o quão louco ele é por ela!

Eram três da manhã quando totalmente alcoolizado, pegou o veículo e tentou voltar para casa. Permitiu-se chorar. Quando os gemidos de dor acompanhados das lamúrias sobrepujaram o visor do capacete, impediram o olhar, um carro vindo no cruzamento ultrapassou o sinal. O senhor Alcântara sentiu seu corpo inteiro dilacerar ao cair no chão e os pneus passarem por cima dele. Apesar das fortes dores, sentia-se mais leve.

Esbravejou que precisava ver a esposa. Bateu o pé, gritou o nome dela. O ar a sua volta lhe envolveu, carregou-o até o outro lado da Ponte Rio-Niterói*. Ficou boquiaberto, incrédulo quando viu a descaroável moça deitada ao lado da namorada de Roberta. Xingou-a, bradou que abrisse os olhos e visse o que tinha feito a ele.

“Ela não pode te ouvir, querido. Vocês não estão mais no mesmo plano”. – A voz de uma mulher ecoou por seus pensamentos.

– Como não pode me ouvir? – urrou. – Estamos no mesmo lugar! – mexeu nos braços da moça, sacudindo-a.

Viu que ela abriu os olhos, gritou e despejou lágrimas de angústia. Fora acolhida imediatamente pela irmã e pela cunhada.

– Meu marido, algo aconteceu a ele! Eu o vi no sonho, ele estava sangrando e...

– Ei, calma! – a mais nova apertou-a contra o peito. – Foi só um pesadelo. Shhh, vai ficar tudo bem, querida. É apenas sua mente projetando coisas que não deve.

“Deixe-me cuidar de você, está sagrando!”.

– Quem é você?! – vociferou procurando pela voz.

Victor, sou apenas uma amiga que quer te ajudar. Deixe Stela em paz, a missão de vocês acabou. Enquanto não aceitar que o Mundo Material não lhe pertence mais, vai sofrer e, por conseguinte irá atormentá-la também!”.

– Ficarei ao lado de minha mulher até que ela morra. Stela não pode ser feliz depois de tudo que me fez!

[...]

Dia quinze de abril, mais precisamente, segunda-feira. O despertador anuncia à hora de abrir os olhos. Stela coloca-o no modo soneca umas três vezes, até que por fim, é vencida e acorda. O cheiro do café sendo preparado ajuda a sair do automático. Passa as mãos pelo rosto algumas vezes, boceja e se arrasta até o banheiro.

Quando abre a torneira, vê a aliança. O coração aperta. Ainda está com uma ferida exposta, qualquer vento que bate em cima, machuca. Segue incrédula com a morte de Victor, o mesmo homem que a proibira de viver. A água cai sobre os braços, encara o reflexo, lembra-se das paranóias dele. Até a forma na qual estava respirando, já o deixa louco de ciúmes. Se estivesse ofegante demais, ele ligava para todos os lugares no qual esteve a fim de saber o que havia feito.

Fecha a torneira, bate a porta, tira a roupa. O som do rádio sintonizado na estação de forró lhe faz rir por alguns segundos. Joaquim e sua terrível mania de fazer da manhã uma grande festa! Contudo, a gargalhada cessa ao lembrar que precisa trabalhar num emprego que detesta, com uma formação que odeia. É locutora numa rádio. Formou-se em Comunicação Social – Rádio e TV por pura e espontânea pressão do pai. Apresenta um programa das quatorze até as dezessete. No resto do dia, fica de olho nas Redes Sociais da estação.

[...]

Chega ao prédio da Rádio Paraíso pontualmente às nove e meia. O trânsito não estava tão caótico dessa vez. Caminha em passos lentos, repara nos olhares piedosos voltados a ela. Não pisa ali desde que ficara viúva. Alguns lhe julgam mentalmente, e isso acaba por causar arrepios.

Respira fundo antes de entrar no elevador, repete mentalmente as palavras que Roberta pedira que entoasse antes de sair de casa: “São Pedro na frente, eu no meio, São Pedro atrás!”. Quando as portas se fecham, se benze, sussurra: “Sempre me rege, me guarda, me governa e me ilumina”. As costas ainda doem. Os pensamentos suicidas não deixam em paz. Mesmo um dia de sol não consegue mais lhe proporcionar nenhum tipo de prazer. Seu rosto aparenta apatia, o que de fato sente na maior parte.

[...]

É recebida por Francisco Alencar, um senhor de sorriso largo e bondade ímpar. O mesmo porta de uma caixa de paçocas, entrega a moça entre risadas.

– O senhor não existe! – ri. – Obrigada! Como estão as coisas?

– Nossos ouvintes sentiram sua falta, e nós também. Como está se sentindo?

– Agora estou feliz! Amo paçocas! Também senti saudades, mas realmente precisava de um tempo para descansar. Prometo que meu programa de retorno será o melhor!

– Não tenho a menor dúvida! Nossos caminhoneiros, donas de casa e pessoas solitárias amam você, Stela Luz! Ou devo dizer, Maria Clara?

– Não zombe do meu codinome! – continua rindo. – Ainda não estou pronta para assumir uma locução com meu nome de civil. Ora, você não vê um herói dizendo seu nome publicamente, ao menos que ele seja o Tony Stark.

[...]

– Olá, ouvintes! Sentiram saudades da Clarinha? Vocês pediram e agora o nosso programa tem dois horários! Começa nesse momento Sintomas de Saudades. Participe através do nosso telefone e das nossas Redes Sociais. Conte-nos sua história com a música! Além de relatarmos aqui, dedicaremos à canção para quem você ama. Hoje, valendo dois ingressos pro show do Humberto Gessinger e uma camisa exclusiva da rádio! Vai ficar de fora dessa? Corre, vem! Toca a vinheta, DJ!

Durante a música de apresentação, sente o coração doer. A nuca parece estar em chamas, assim como o estômago. Não faz ideia de que está sendo observada por alguém com extremo rancor por sua pessoa. Este é Victor, abraçando-a por cima dos ombros, em prantos, gritando em seu ouvido: “Você não tem o direito de ter uma vida quando deu fim a minha. Vou levar você comigo!”. Exprime os olhos, segura pra não chorar. A senhora Alcântara pode não ver ou ouvir, mas sente toda a energia negativa destinada a ela.

– Olha só, Clara! – a voz de sua colega locutora lhe traz de volta à realidade. – Temos alguém na linha!

– Que ótimo, Dani! – força uma risada. – Boa tarde! Com quem eu falo?

– Meu nome é Andrea Alcântara.

Outra pontada no peito, por conseguinte, outra distração. Uma cotovelada da loira ao seu lado lhe faz despertar.

– E qual é a sua história, Andrea? Quais são seus sintomas de saudades?

– Minha saudade já está diagnosticada. Sinto falta do meu filho que foi morto da pior forma possível, pela pessoa que mais amava. Minha ex-nora o matou. Pode dedicar a canção ao meu menino? É Vida Real do Engenheiros do Hawaii.

– Claro! Obrigada por sua ligação.

O nó na garganta aperta, traz uma falsa sensação de falta de ar. Pensa que talvez toda a família de seu falecido tenha razão e ela seja mesmo a culpada pela morte. No primeiro verso, já se desmancha em lágrimas. A amiga tenta abraçá-la, mas a morena recua. Sente-se nojenta, digna de ódio.

"Cai à noite sobre a minha indecisão
Sobrevoa o inferno minha timidez
Um telefonema bastaria
Passaria a limpo a vida inteira
Cai à noite sem explicação
Sem fazer a ligação.".

 

Levanta, corre para pegar a bolsa, tira forças de nem sabe onde quando empurra um dos funcionários que não quer deixá-la sair.

Na frente do prédio, grita o mais alto que pode, atraindo olhares assustados dos que passam pela calçada. Após o brado carregado de metanoia, faz sinal a um táxi. Adentra o veículo de cabeça baixa, se joga no banco de trás. E como se fosse um roteiro de terror psicológico, o rádio está sintonizado em sua estação.

"Na hora da canção em que eles dizem “baby”

Eu não soube o que dizer

Ah, vida real!

Como é que eu troco de canal?"

 

[...]

Ao abrir a porta da casa dos pais, é recebida por um abraço aflito da irmã.

– Estava ouvindo o programa, depois ligaram avisando o que aconteceu. Fez a reza como te pedi? Afirmou que seu Santo está em volta de você?

– Sim – sussurra. – Não adiantou.

– Vem, vamos descansar.

– Não quero.

– Precisa!

[...]

O sono não durou muito. Dentro de uma hora teve dois pesadelos seguidos. Levanta, vê que está sozinha. Veste um casaco, decide andar um pouco. O silêncio da casa está atormentando mais que o comum.

No portão, acende um cigarro. Sente calafrios a cada passo que dá. A coluna ainda dói em demasiado. Todavia, precisa de algo que lhe faça sentir viva.

Quando senta em um dos bancos da praça, fica um pouco tonta. A risada da molecada jogando futebol faz com que ela finalmente perceba que nada neste mundo conseguirá deixá-la feliz. E por que seria assim? É uma assassina! Acende outro cigarro, sente um bolo na garganta toda vez que traga. Um vento gelado toca o rosto e este parece ser cruel.

– Com licença, mocinha.

Levanta a cabeça, vê que um homem de jaleco branco está parado na sua frente, o mesmo fala de maneira gentil:

– Pode me emprestar o isqueiro?

– Claro! – força um sorriso, entrega o objeto ao homem.

Quando estende a mão para pegar novamente, volta a se sentir tonta, um clarão lhe toma por completo. Nos segundos antecedentes o desmaio, consegue ouvir o trecho da canção que lhe descontrolou mais cedo:

"Ah, vida real

Ah, vida real

Como é que eu troco de canal?".

 


Notas Finais


*Ponte que liga a cidade do Rio de Janeiro à Niterói.


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