História Amore Nostrum - Capítulo XXV

Um barulho metálico de algo caindo me acordou. Eu me sentei na cama atenta, mas nenhuma das minhas amigas pareceu ouvir. Sondei o quarto, até encontrar a fonte do som. A cruz se encontrava no chão, fora da porta do meu guarda-roupas. A porta se encontrava aberta. Engoli em seco, agarrando a miniatura da cruz pendurada em meu pescoço, e respirando pesadamente. Se tinha uma coisa que podia me assustar, era algo que eu não pudesse quebrar na porrada. No caso, um espírito ou demônio, que eu acreditava não existirem, até meu armário abrir sozinho e cuspir um artefato guardado numa caixa trancada, cuja chave era o colar no meu pescoço.

-Dio Mio i Santo...- sussurrei, bufando- Violette, acorda- cutuquei a garota ao meu lado, e depois joguei meu travesseiro em Rosalya e Kim. As três acordaram resmungando, mas pareceram acordar, totalmente preocupadas ao ver minha expressão aterrorizada, coisa que nunca tinham presenciado antes, já que eu nunca tive medo de nada depois que minha mãe morreu- Aquilo... Como aquilo saiu dali?- um arrepio percorreu minha espinha, enquanto eu e Violette nos movemos bem devagar até a cama de Rosalya, para longe do armário.

-Bianca... Aquele troço estava numa caixa trancada. Para de brincar com isso, eu tenho medo- os olhos amarelos de minha amiga brilhavam na escuridão, mas eu neguei com a cabeça, e alcancei seu celular na mesinha de cabeceira, desbloqueando e encontrando o número de Bernardo, ligando para acordá-lo- O que está fazendo. Isso é sério?

-Bernardo, é a Bianca. Venha até o meu quarto, o mais rápido possível, por favor. Eu estou com muito medo- nem preciso dizer que ele nem respondeu, apenas desligou e chegou em tempo recorde, esmurrando a porta, e não me surpreenderia se ele tivesse nocauteado o inspetor noturno para chegar aqui- E-eu já vou- assim que me levantei e dei o primeiro passo em direção à porta, a cruz girou no chão, e tomou um brilho vermelho sangue. Pulei a cama correndo o mais rápido que pude, destrancando a porta e encontrando Bernardo e Nathaniel, que entraram rapidamente, enquanto Kim e Violette saíram correndo porta afora na primeira oportunidade. A cruz se mexeu novamente, na minha direção, e fiz algo que nunca havia feito na vida: pulei e gritei de medo, me jogando no colo do meu irmão.

-Que merda é essa?- ele resmungou, retirando a cruz benta que carregava no bolso e apontando para aquela coisa. Mas aquilo não se importou, e ascendeu mais. Uma dor horrorosa me apossou. Eu podia senti-la correndo da ponta de meus dedos e seguindo o caminho dos vasos arteriais até a altura do meu cotovelo. Gemi e caí no chão, encarando meus braços, ajoelhada- Bianca? O que....?- caminhos finos e enegrecidos, eu parecia envenenada, e então tudo ao meu redor sumiu e eu apaguei.

POV Bernardo

Bianca tinha as veias de um roxo tão escuro que era praticamente negro, e depois, seus olhos se tornaram escuros, e ela não nos respondia mais, e nem parecia sentir a dor que sentira segundos antes. Então, se levantou e caminhou até a cruz, que ainda brilhava na cor de sangue, e a pegou. Ao mesmo tempo, a luz vermelha se foi, e ela caiu no chão. Sem me importar com mais nada, eu corri até a minha irmã, enquanto Rosalya continuava imóvel no canto, aterrorizada. Eu nunca vi isso em toda minha vida. Seu pescoço, seus braços e seus olhos, eram desenhados pelos veios negros, e todos se dirigiam para o centro de sua clavícula, e pareciam escorrer lentamente, como se preenchendo algo ali e desciam para o vale entre os seios. Eu a coloquei em sua cama, imediatamente, Rosa puxou uma cadeira e se sentou ao lado de Bianca, cruzando os braços e pernas e franzindo o cenho, enquanto mexia com a cruz pendurada em seu pescoço, que ganhara de minha irmã. Nathaniel estava sentado no pé da cama, de maneira desconfortável, e extremamente assustado e preocupado. Depois de um tempo em silêncio, Rosalya desviou seu olhar para mim, e adquiriu uma feição de severidade e nervosismo.

-Desembuchem, vocês dois. Eu tenho percebido o quanto estão estranhos, eu não sei no que vocês três estão metidos, mas o que tá acontecendo aqui? O que aconteceu com a minha amiga? Eu venho sentindo essa coisa estranha, mas nunca se manifestou assim antes, o que é isso?- Eu franzi o cenho, confuso?

-Como assim sentindo? O que você têm sentido?- ela suspirou, descruzando os braços e tocando a borda do colchão, enquanto olhava Bianca com tristeza.

-Eu vou dizer a verdade a vocês, mas por favor, me digam também- eu assenti, sério- Tudo bem, vou confiar em você, Bernardo- ela respirou fundo antes de continuar a falar- Eu sou sensível às energias das pessoas, e à.... Certas coisas que não deveriam estar aqui- religioso como era, e tendo contatos no Vaticano, eu sabia o que ela queria dizer, e acreditava plenamente nela- Quando chegaram, eu senti a luta interna da sua irmã. Eu nunca vi algo tão pesado e maculado quanto ela, mas ao mesmo tempo, parecia haver algo puro e doce, pedindo socorro. Como um tecido branco, meio manchado de sangue, que poderia ser limpo. Quanto mais tempo ela ficava aqui, mais ela parecia melhorar. Isso até... Ela achar essa coisa- desviamos todos o olhar para a cruz que ela segurava firmemente contra o peito. Depois de uma pausa encarando o artefato, ela prosseguiu sua fala- Eu tentei fazê-la esquecer isso, e ela pareceu se estabilizar. Mas seja lá o que aconteceu em Osaka, com o Nathaniel... Quando ela saiu do restaurante, era como se estivesse possuída por um mal horrível e irreparável. E ele tem estado aqui, sujo e escondido, desde então. Eu não consigo explicar o desespero que senti quando aquela coisa se moveu. Bianca estava... Sua energia, eu poderia morrer com aquele demônio, ele se alimenta de ódio e instabilidade. Onde vocês acharam isso?

-Nós somos filhos da cosa nostra- ela franziu suas sobrancelhas, tombando a cabeça.

-A... Máfia italiana?- assenti, mostrando o anel que guardava junto ao peito numa corrente. O de Bianca ficava no seu punhal, ela o encaixou no cabo. Rosa arregalou os olhos- Vocês já m-mataram pessoas?- sua respiração saía ofegante.

-Eu não, mas Bianca já- ela fez uma careta de horror- Ela é a chefe, desde que nossos pais morreram e meu irmão renunciou. Nunca soubemos como exatamente, mas minha mãe a transformou numa arma instável e poderosa. Ela é rápida, forte, enxerga e ouve tudo, sabe tudo. Sempre pensamos que fosse algum estudo laboratorial. O Nathaniel seguiu a Bianca quando ela tentava desviar a atenção dos assassinos de vocês, e ela teve que matá-los para se salvar e salvá-lo, e no fim, ele entrou para nossa organização. Você também pode ajudar, sendo especial, podemos conversar com um Monsenior do Vaticano, ele pode... Te encaixar- ela franziu o cenho.

-Eu não sei... Eu só quero salvá-la agora. Seja o que for isso, parece estar com ela a muito tempo, e parece ficar pior sempre que ela machuca e mata pessoas. Se ela não puder controlá-lo... Pode não aguentar sua presença. Na verdade, é inacreditável que ela esteja em plena consciência a tanto tempo com isso enraizado em suas veias, e em seu coração- então, Rosalya se virou com urgência para Bianca, e puxou sua gola, revelando o vale entre seus seios, onde jazia uma cruz ansata. As veias negras haviam desaparecido- Isso é... Ela mesma... Ela se protegeu. Domou a coisa, por agora. Quão incrível você é, Bibi?- Rosalya sussurrou- Esse é o símbolo da vida eterna e proteção, do deus Anúbis. Mas também pode ser misturado ao catolicismo. É complicado de explicar, toda a verdadeira história escondida.

-Parece que agora eu sou uma garotinha assustada, também- minha irmã sussurrou, e abriu os olhos. Todos a rodeamos, preocupados. Franzi meu cenho e perdi o ar quando vi. Um de seus olhos tinha a íris de um preto desbotado, um cinza bem escuro, e o outro continuava intacto- O que foi? Tem algo no meu rosto? O capeta arrancou a minha pele, ou algo assim?

-Seu olho...- ela piscou alcançando o espelho ao lado da cama. Seus olhos se arregalaram- Podemos comprar lentes, por enquanto. Você sabe, até resolvermos isso?- ela pareceu sentir uma pontada de dor e se encolheu incomodada, e olhou para o próprio peito, franzindo o cenho.

-O que é essa coisa? Não me lembro de ter feito uma tatuagem- mesmo no momento mais aterrorizante e confuso, ela fazia piadas e tentava parecer bem- Vocês estão todos bem?- assentimos, rindo descrentes que ela estava mais preocupada conosco. Eu resumi o que aconteceu, e Rosalya recontou tudo que tinha dito antes, enquanto Nathaniel já estava mais tranquilo e tinha se deitado na cama ao lado para tirar um cochilo.

-Eu nunca tentei sentir você antes, mas se me der a sua mão, posso tentar- Bianca pareceu muito interessada, e estendeu sua mão a ela imediatamente. No entanto, eu não sentia essa segurança toda quanto a isso.

-Hm, Rosa, eu não acho que seja a melhor ideia...- Antes que eu terminasse, ela tocou a mão de Bianca, e imediatamente seu sorriso sumiu, e seu olhar se tornou desfocado. Seu rosto tomou uma expressão de horror novamente, e ela soltou a palma da minha irmã com certa brusquidão.

-Bianca...- ela respirava fortemente, e muito nervosa. Eu esperava que corresse pra longe, e já esfregava as têmporas, estressado, mas ela fez o contrário: abraçou minha irmã com força- Eu sinto tanto, eu queria poder tirar todo esse peso de você. Meu Deus, ninguém merece isso. E essa coisa, alguém colocou isso aí. E nós vamos encontrar um jeito de tirar, ou ao menos de domar. Acredite em mim, eu nunca vou desistir de você, nunca- Bianca não parecia saber como reagir, ela nunca teve isso antes, minha mãe a matinha bem longe de lealdade e amor, e a ensinava sobre medo, poder e superioridade, então, tudo que conhecia era a chacina, o ódio, e a força que tinha que exercer sobre todos. Mas pude ver uma rara lágrima descer por sua bochecha, assim como tive a impressão de ver aquele olho se enegrecer um pouco mais, o que também me deixou preocupado.