1. Spirit Fanfics >
  2. Amortentia >
  3. Todos os caminhos levam a um só

História Amortentia - Todos os caminhos levam a um só


Escrita por: MxrningStar

Notas do Autor


Olá, minha gente! Tudo bom com vocês?
Essa semana apareci antes do tempo e aproveito pra informar que a fic está se encaminhando para o final e que talvez em mais quatro capítulos ela termine. Agradeço a quem chegou até aqui.
Alguns esclarecimentos sobre o capítulo de hoje:
Explosivim: criatura híbrida que se parece com um caranguejo ou um escorpião. Parecem umas lagostas deformadas, crescem até 3 metros, soltam fogo pela cauda e tem ferrões nas costas.
Araramboia: conhecida no Brasil como cobra-papagaio, tem um tom verde nos machos e castanho nas fêmeas que serve pra camuflagem.
Chave de portal: na maioria das vezes a chave de portal é um objeto cotidiano que não chamaria a atenção dos trouxas. Quase todos os objetos inanimados podem ser transformados em uma Chave de Portal. Uma vez enfeitiçado, o objeto irá transportar qualquer um que o agarre para um lugar pré-determinado.

No mais, é isto. Boa leitura!

Capítulo 19 - Todos os caminhos levam a um só


Ellen, Tina, Keyla e Benê precisavam estar revisando as matérias para os exames finais. Em lugar disso, estavam devotando todas as energias a ajudar Lica a se preparar.

- Não se preocupa – disse Ellen brevemente, quando a menina comentou isso com elas e disse que não se importava de continuar a praticar sozinha – Pelo menos vamos tirar notas máximas em Defesa Contra as Artes das Trevas, nunca teríamos descoberto tantas azarações em aula.

- Bom treinamento para quando você for auror, Lica – comentou Keyla deixando um soquinho no ombro dela.

E de fato ela não tardou a dominar a Azaração de Impedimento, um feitiço para retardar e obstruir ataques; o Feitiço Redutor, que lhe permitia explodir objetos sólidos em seu caminho e o Feitiço dos Quatro Pontos, uma descoberta útil de Benê, que faria sua varinha apontar para o norte, permitindo-lhe, assim, verificar se estava se deslocando na direção certa ao centro do labirinto. Mas Lica ainda estava com problemas com o Feitiço Escudo. Este lançava uma parede temporária e invisível em torno dela e a protegia de pequenos encantamentos. Samantha conseguiu desfazê-lo com uma bem colocada Azaração das Pernas Bambas. Heloísa bambeou pela sala uns bons dez minutos até a garota ter tido tempo de achar a contra-azaração.

- Mas você continua se saindo realmente bem, amor – disse Samantha encorajando Lica e deixando um beijinho nos lábios dela. Foi consultar a lista que Benê fizera para riscar o que ela já aprendera – Alguns desses devem ser uma mão na roda.

O nervosismo foi crescendo à medida que as horas passavam e a noite se aproximava, só que nem tanto quanto nas tarefas anteriores. Por um lado, Lica se sentia confiante de que, desta vez, fizera tudo que pudera para se preparar para a tarefa. Por outro lado, esse era o último esforço e, independentemente de se dar bem ou mal, o torneio enfim terminaria, o que seria um enorme alívio.

O jantar foi uma reunião barulhenta à mesa da Grifinória naquela noite. Só que cada um se enfiou nos próprios afazeres, o que terminou com Lica jantando sozinha sem as amigas no meio daquela algazarra. Dóris vinha contornando a mesa em direção a ela.

- Heloísa, querida, os campeões vão se reunir na câmara vizinha ao salão depois do jantar – anunciou ela.

- Mas a tarefa é só mais tarde – exclamou Lica, derramando, sem querer, os ovos mexidos na roupa, receosa de que tivesse se enganado na hora.

- Eu sei disso, minha querida. As famílias dos campeões foram convidadas para assistir à última tarefa, entende? É apenas uma oportunidade de você cumprimenta-los – ela se afastou e Lica acompanhou-a com o olhar.

- Ué, meu pai é dono da escola, mora aqui, e a minha irmã estuda com a gente – observou sem entender.

Lica terminou o jantar num salão que ia se esvaziando lentamente. Viu Thaís Dayanne se levantar da mesa da Corvinal, onde comera com Juca, e se juntar a Rafael na hora em o rapaz atravessava o salão para entrar na mâmara. Provavelmente a mãe do garoto fosse, já que o pai estava foragido. Dogão saiu daquele seu jeito curvado para se reunir a eles logo depois. Heloísa continuou onde estava. Na realidade, não queria entrar na câmara. Sua família era toda esfacelada e devia ser uma piada perto do histórico familiar dos outros campeões, excetuando-se Rafael.

No instante em que começou a se levantar, pensando que seria melhor ir à biblioteca reler mais algumas azarações, a porta da câmara se abriu e Keyla pôs a cabeça para fora.

- Lica, anda! Só falta você, sua idiota!

Sem entender nada, Lica atravessou o salão e abriu a porta que levava à câmara. Rafael e a mãe estavam logo à entrada. Dogão a um canto falava depressa com o pai e a mãe de cabelos loiros escorrendo em uma cascata pelas costas. Herdara o nariz adunco do pai. Do outro lado da sala, Thaís gesticulava animada com a mãe. Sua irmãzinha segurava a mão da mulher. Ela acenou para Lica que retribuiu o aceno. Então ela viu Marta e Edgar parados diante da lareira sorrindo para ela. E junto com eles, um verdadeiro exército.

- Surpresa! – disseram Tina e Keyla em uníssono e animadas quando Lica, toda sorriso, se encaminhou para elas.

Completavam o time Ellen e Benê, claro, além de Samantha, Marco e Alice Lambertini. Nena e Das Dores também estavam ali para cumprimenta-la assim como Roney e Josefina. Até Tonico estava, nos braços do avô. Clara apareceu acompanhada de Luís e, o queixo de Lica quase foi ao chão, quando deu de cara com Malu com a cara fechada terminando de compor a cena. Heloísa quis gargalhar.

- Como vai, Lica? – Luís se aproximou e recebeu-a em um abraço.

- Nós não podíamos deixar de vir, minha querida – Alice repetiu o gesto. Aconchegou Lica em um abraço apertado e confortante. Aquela mulher exalava carinho e proteção e agora ela entendia um pouco os motivos da devoção de Samantha para com ela

- Viemos lhe desejar boa sorte, Lica. E eu estou aqui como seu sogro, não como ministro – Marco parecia animadíssimo.

- Olha, Lica... eu soube que você foi incrível na tarefa com o dragão – Roney se aproximou com Tonico e o menino se inclinou na direção dela soltando um gritinho esganiçado. Arrancou um “ooown” comovido dos demais. A menina o pegou com jeito e segurou firme sorrindo de orelha a orelha.

- Valeu, Roney – agradeceu e se dedicou ao afilhado – E aí, Tonicão? Como que está essa força, hein? Estava com saudades da tia, hum? ‘Cê está grandão, hein? Daqui a pouco está maior que eu.

Outro gritinho esganiçado. A pureza da cena só não comoveu ninguém como comoveu a uma certa sonserina de cabelos ondulados e olhar penetrante. Samantha observava Lica com Tonico completamente rendida e sua cara não passou despercebida.

- Que foi, amiga? – Clara debochou.

- Meu útero, Clara – ela deixou sair – Ele está coçando.

- Pois controle ele – Marco também ouviu e arrulhou – Por favor, não pense em me dar netos agora, planejem e só depois executem. Avise à Lica também, nós não queremos atropelos.

- Olha o drama, meu amor! – Alice ouviu e respondeu – Eu ia adorar ter um netinho. Os filhos da nossa menina vão ser lindos!

- Se não nascerem com o nariz da Lica, está ótimo! – Clara debochou no instante em que a irmã usava justamente o nariz para dar fungadinhas gostosas em Tonico e ele ria que esganiçava em deleite.

- Filha – Marta se aproximou, passando a mão pelo ombro dela – Como você está, hum? Muito nervosa? Com medo...?

- Eu pensei que estaria pior – Lica comentou aérea, mas Marta não pareceu se convencer – Sério, mãe, estou de boa. Desta vez estou consciente que fiz tudo o que podia pra me preparar e... – a menina relanceou Malu mais afastada com a expressão séria. Edgar ao seu lado conversava algo com Josefina – Pude contar com a ajuda das pessoas certas – proferiu sem desviar o olhar da professora.

Marta o seguiu e arqueou as sobrancelhas. Lica deixou um beijinho na mãe e saiu balançando Tonico em direção às amigas. Foi recebida com outro beijinho pela namorada. Mas a Gutierrez Mãe ali não perdeu tempo. Lentamente, se aproximou de Malu. Uma Malu que já se armou inteira.

- Obrigada – foi tudo que disse – Eu sei que pra você deve ter sido um sacrifício e tanto, mas eu nunca vou esquecer o que você fez pela minha filha, Malu. Nunca.

A professora se virou para ela e foi um erro. Vacilou o que demorou anos para não vacilar. Engoliu no seco quando suas orbes encontraram com as de Marta e ela não soube sequer onde pôr as próprias mãos.

- Eu não fiz pela Lica – afirmou certeira – Não queria ver uma aluna minha em maus bocados.

- Nem você acredita nisso – Marta devolveu debochada e Malu entendeu de onde foi que sua aluna herdara aquela petulância ridícula. Ai, Marta....

- Eu não vou perder meu tempo – foi o que ela respondeu e fez menção de sair, só que a Gutierrez tocou sutilmente seu braço em um claro pedido para que ela ficasse. Um toque e Malu Becker já era. Deu errado, muito errado.

- Eu acho que perder tempo é uma coisa que nós duas já estamos cansadas de fazer.

Entraram em uma bolha. Mas foram tiradas dela por força maior: Lica, que vira tudo, tratou de devolver Tonico para Keyla e ir se enfiar entre a mãe e a professora mesmo sob os protestos de Samantha.

- Tudo certo aqui? – inquiriu parecendo aleatória, mas não tanto.

- Tudo – foi Malu quem respondeu – Não morra hoje na prova. Boa sorte.

Sem mais, Malu se desvencilhou gentilmente de Marta e se retirou sob o olhar de um Edgar que parecia não ter entendido nada.

- Vocês já brigaram? – inquiriu à ex-mulher e à filha.

- Não, seu Ed, mas o senhor devia abrir o olho – Lica riu debochada e provocadora – Ou vai acabar solteiro.

Edgar parecia realmente não ter compreendido a coisa, mas ficou na dele tentando processar ao passo que Marta bufou, revirou os olhos e retornou para a rodinha.

- Ei – Samantha foi que a arrastou Lica para um canto mais afastado do burburinho – Tudo certo aí?

- Acho que minha barriga está doendo – a menina parecia mesmo meio verde à medida que os minutos passavam. Só que qualquer mal-estar foi embora no instante em que a namorada a envolveu carinhosamente pelo pescoço e plantou um beijinho casto em seus lábios. E aí o gesto se aprofundou.

Com o roçar de bocas e línguas, Samantha lhe transmitiu toda a paz e tranquilidade que ela poderia desejar. Parecia dizer em gestos que tudo terminaria bem, que não precisava medo ou preocupação porque ela estava ali e sempre estaria.

- Olha pra mim – Samantha pediu quando as bocas se separaram – Eu estou aqui, hum? E confio cegamente em você e na sua capacidade. Você vai entrar nesse labirinto, fazer o que tem que fazer, com sorte ganhar essa taça e voltar pra mim sã e salva. Promete?

Lica engoliu no seco, mas não tinha como negar aquilo à menina que amava. Queria sim um futuro com Samantha, na verdade já o vislumbrava e não era de hoje. Aquela prova ali seria só mais uma como foram as outras: ela tiraria de letra e terminaria bem. Inteira e toda de Samantha.

- Prometo – externou com confiança exalando pesado – Eu prometo, Sammy. Eu vou voltar sã e salva e a gente vai casar e ter um monte de Limanthinhos.

- Que bom, porque eu vou cobrar essa promessa e todas as outras – a menina brincou e deixou-se envolver por mais outro beijo cálido e devoto – Eu te amo, Lica. Não esquece disso quando entrar nessa coisa. Eu te amo e vou te amar independente de qualquer coisa.

- Eu também te amo, Sammy. Mais que tudo nesse mundo.

- Juntinhas? – a Lambertini estendeu o mindinho a ela em um acordo.

- Juntinhas – e Lica o selou repetindo o gesto e em mais um beijo de entrega.

Seria por Samantha e para ela. Foda-se aquele labirinto. Ele podia ser gigantesco e vivo, mas maior e mais vivo ainda era o sentimento que a movia.

- Eu vou pedir que todos se encaminhem para o estádio de quadribol para assisti à terceira e última tarefa do Torneio Tribruxo. Os campeões, por favor, queiram acompanhar seus diretores ao estádio agora – o ministro da Magia anunciou.

Lica despediu-se de Samantha com mais um beijo, saiu recebendo aplausos por parte dos demais e desejos de boa sorte das amigas e de Clara. Dirigiu-se à porta do Salão Principal com Thaís, Rafael e Dogão.

- Como você está se sentindo, Lica? – Bóris lhe perguntou.

- Estou ok, eu acho – era um pouco verdade. Estava nervosa, mas não parava de repassar mentalmente todas as azarações e feitiços que praticara enquanto andavam até o estádio. A ideia de que era capaz de lembrar de todos eles a fazia se sentir melhor.

Os campeões entraram no estádio de quadriibol, que estava totalmente irreconhecível. Uma sebe de seis metros corria a toda a volta. Havia uma abertura bem diante deles: a entrada para o imenso labirinto. A passagem além parecia escura e sinistra.

Cinco minutos mais tarde, as arquibancadas começavam a se encher. O ar vibrou com as vozes excitadas e o ruído dos pés de centenas de estudantes que ocupavam seus lugares. O céu se tornara de um preto profundo e limpo e as primeiras estrelas começaram a surgir. Dóris, Josefina, Ernesto e Malu se aproximaram de Marco e dos campeões. Usavam grandes estrelas luminosas nos chapéus.

- Vamos patrulhar o lado externo do labirinto – disse Malu aos campeões – Se estiverem em apuros e quiserem ser socorridos, disparem faíscas vermelhas para o ar e um de nós irá lhe buscar, entenderam?

- Podem começar, então! – disse Marco animado para os quatro patrulheiros.

- Boa sorte, Heloísa – sussurrou Dóris, e os quatro saíram em diferentes direções para se postar em torno do labirinto. Marco, então, apontou a varinha para a garganta e murmurou “Sonorus”, e sua voz magicamente amplificada ressoou pelas arquibancadas.

- Senhoras e senhores, a terceira e última tarefa do Torneio Tribruxo está prestes a começar! Deixe-me lembrar a todos o placar atual. Empatados em primeiro lugar, com oitenta e cinco pontos cada, o Sr. Rafael Gimenez e a Srta. Heloísa Gutierrez, os dois do Colégio Grupo! – os vivas e palmas fizeram os pássaros saírem voando da Floresta Proibida para o céu crepuscular – Em segundo lugar, com oitenta pontos, o Sr. Douglas Moreira, da Escola da Aclimação! – mais aplausos – E, em terceiro lugar, a Srta. Thaís Dayanne Ribeiro, da Escola Cora Coralina!

A menina recebeu um salva de palmas animada por parte dos alunos da Corvinal puxados por Juca, e por alunos da Lufa-Lufa e da Grifinória, puxados por Benê e Keyla. Na Sonserina, Lica distinguiu Tina soltar um assobio em comemoração pela aluna do Cora acompanhada de Clara, Gabriel, Guto e Samantha. E foi interessante perceber como houve mais comemoração por Thaís na casa dos verde e prata do que pelo próprio campeão deles.

- Quando eu apitar, Gimenez e Gutierrez! – anunciou Marco – Três.... Dois.... Um... – o bruxo soprou com força o apito e Lica e Rafael correram para a entrada do labirinto.

As sebes altaneiras lançavam sombras escuras sobre a trilha e, talvez porque fossem tão altas e densas ou porque fossem encantadas, o barulho dos espectadores que as cercavam silenciou no instante em que eles entraram no labirinto. Lica quase se sentiu novamente embaixo da água. Puxou a varinha, murmurou um “Lumos” e ouviu Rafael fazer o mesmo atrás dela.

Depois de andarem uns cinquenta metros, os dois chegaram a uma bifurcação. Entreolharam-se.

- Boa sorte – disse Lica e tomou a trilha da esquerda, enquanto Rafael tomou a da direita. O apito de Marco soou ao longe uma terceira vez. Todos os campeões agora estavam no interior do labirinto. Lica não parava de olhar para trás. Tinha a sensação familiar de que alguém a vigiava. O labirinto foi ficando mais escuro a cada minuto que se passava, porque o céu no alto ia ganhando um tom ainda mais escuro. Ela chegou em uma segunda bifurcação – Me oriente – sussurrou à varinha, segurando-a deitada na palma da mão.

A varinha fez um giro completo e apontou para a direita, para a sebe maciça. Para ali ficava o norte, e ela sabia que precisava seguir para o noroeste para chegar ao centro do labirinto. Faria melhor se tomasse a trilha da esquerda e tornasse a seguir para a direita assim que pudesse.

A trilha à frente também estava vazia e quando Lica chegou a uma curva à direita e entrou por ela, encontrou mais uma vez o caminho livre. Ela não sabia porquê, mas a falta de obstáculos começava a deixa-la nervosa. Com certeza já deveria ter encontrado algum a essa altura? Tinha a impressão de que o labirinto a estava induzindo a uma falsa sensação de segurança. Então ouviu um movimento bem atrás dela. Ergueu a varinha pronta a atacar, mas seu facho de luz recaiu sobre Rafael, que acabara de sair correndo da trilha do lado direito. O menino parecia gravemente abalado. A manga em suas vestes fumegava.

- Explosivins – sibilou ele – Enormes, escapei por um triz!

Rafael sacudiu a cabeça e desapareceu de vista por outra trilha. Interessada em guardar uma boa distância entre ela própria e os explosivins, Lica retomou depressa seu caminho. Então ao fazer uma curva, ela viu.... Um dementador deslizada em sua direção. Três metros de altura, o rosto oculto pelo capuz, as mãos podres cobertas de feridas estendidas à frente, ele avançava às cegas, tateando em direção à garota. Heloísa ouviu a respiração vibrante, sentiu um frio pegajoso se apoderar dela, mas sabia o que precisava fazer.... Chamou à mente o pensamento mais feliz que pôde, se concentrou com todas as forças na ideia de sair o labirinto e comemorar com Samantha e as amigas, ergueu a varinha e exclamou:

- Expecto Patronum!

O cervo prateado irrompeu da ponta da varinha de Lica e avançou à galope para o dementador, que recuou e tropeçou na barra das vestes... Ela nunca vira um dementador tropeçar.

- Ai, fala sério! – gritou ela, avançando na cola do seu patrono prateado – Você é um bicho-papão! Riddikulus!

Ouviu-se um grande estalo e o transformista explodiu, deixando atrás apenas uma fumacinha. O cervo prateado desapareceu de vista. Lica desejou que ele tivesse podido ficar, seria agradável ter uma companhia.... Mas continuou o seu caminho o mais depressa e silenciosamente que pôde, apurando os ouvidos, a varinha mais uma vez erguida no alto.

Esquerda... direita... novamente à esquerda... em duas ocasiões, ela foi dar em trilhas sem saída. Lica executou o Feitiço dos Quatro Pontos mais uma vez e descobriu que se afastara demais para o leste. Retrocedeu, tomou a trilha da direita e viu uma estranha névoa dourada flutuando mais adiante. Aproximou-se cautelosamente, apontando para a névoa o facho de luz da varinha. Parecia algum tipo de encantamento. Ela se perguntou se seria capaz de explodi-la para desimpedir o caminho.

- Reducto! – ordenou.

O feitiço atravessou a névoa, deixando-a intacta. A garota concluiu que devia ter sabido: o Feitiço Redutor só servia para objetos sólidos. O que aconteceria se ela atravessasse a névoa? Valia a pena arriscar ou deveria retroceder?

Ela ainda hesitava, quando um grito rompeu o silêncio.

- Thaís? – berrou Lica.

Silêncio. Ela olhou para os lados. O que acontecera com a garota? Seu grito parecia ter vindo de algum lugar à frente. A garota inspirou profundamente e atravessou a névoa encantada. O mundo virou de cabeça para baixo. Lica ficou pendurava no chão, os cabelos em pé, a varinha na mão ameaçando cair no céu infinito. Ela a segurou firme e permaneceu ali, aterrorizada. Tinha a sensação de que seus pés estavam grudados na grama, que agora se transformara em teto. Abaixo, o céu pontilhado de estrelas se estendia infinitamente. Lica sentiu que se tentasse mexer o pé, despencaria da Terra de vez.

Pense, disse a si mesma, enquanto todo seu sangue afluía à cabeça. Pense....

Mas nenhum dos feitiços que praticara se destinava a combater uma repentina inversão de terra e céu. Ousaria mexer o pé? Ela ouviu o sangue latejar com força em seus ouvidos. Tinha duas opções: tentar se mexer ou disparar faíscas vermelhas e ser socorrida e desqualificada da tarefa. Lica fechou os olhos para evitar contemplar o espaço infinito abaixo dela e puxou o pé direito com toda a força que pôde do teto de gramado.

Imediatamente o mundo se endireitou. Lica caiu para frente de joelhos num chão maravilhosamente sólido. Sentiu-se por algum tempo mole de susto. Inspirou profundamente para se firmar, então tornou a se levantar e avançou correndo, lançando olhares para trás por cima do ombro, enquanto fugia da névoa dourada, que piscou para ela inocentemente ao luar.

A garota parou na junção de duas trilhas e olhou para os lados à procura de algum sinal de Thaís. Tinha certeza de que fora a garota que ouvira gritar. Com que será que ela se deparara? Estaria bem? Não havia faíscas vermelhas no alto. Será que isto significava que conseguira se livrar do problema ou estaria em tal apuro que nem conseguira apanhar a varinha? Lica tomou a trilha à direita com uma sensação crescente de inquietação... mas, ao mesmo tempo, não conseguiu deixar de pensar: menos um campeão.

A Taça estava em algum lugar ali perto e, pelo jeito, Thaís não estava mais competindo. Ela chegara até ali, não chegara? E se, de fato, conseguisse vencer? Por um instante fugaz, e pela primeira vez desde que fora feita campeã, ela reviu aquela imagem de si mesma erguendo a Taça Tribruxo diante do resto da escola....

Por uns dez minutos não encontrou nada, exceto trilhas sem saída. Duas vezes tomou a mesma trilha errada. Finalmente encontrou um novo caminho e começou a andar depressa por ele, a luz da varinha oscilando, fazendo sua sombra bruxulear e se distorcer pelos lados da sebe. Então ela virou mais uma vez e deu de cara com um explosivim.

Rafael tinha razão – era enorme. Três metros de comprimento, lembrava mais um escorpião gigante do que qualquer outra coisa. Seu longo ferrão estava revirado para trás. A grossa armadura refulgia à luz da varinha, que Lica apontava para ele.

- Estupefaça!

O feitiço bateu no escudo do explosivim e ricocheteou; Heloísa se abaixou bem a tempo, mas sentiu cheiro de tecido queimado. Chamuscara a barra da camisa. O explosivim soltou um jorro de chamas da cauda e voou para cima da garota.

- Impedimenta! – berrou Lica. O feitiço bateu mais uma vez no escudo do explosivim e voltou. A menina cambaleou alguns passos para trás e caiu – IMPEDIMENTA!

O explosivim estava a centímetros dela quando se imobilizou. Lica conseguira atingi-lo na barriga carnuda e sem escudo. Ofegando, a garota se impeliu para longe e correu com todas as forças na direção oposta. A Azaração do Impedimento não era permanente, o explosivim recobraria o uso das pernas a qualquer momento.

Lica seguiu pela trilha da esquerda e não encontrou saída. Seguiu pela da direita e tampouco encontrou saída. Obrigando-se a parar, com o coração acelerado, ela executou mais uma vez o Feitiço dos Quatro Pontos, retrocedeu e escolheu uma trilha que a levasse para noroeste.

Já ia caminhando apressada pela nova trilha havia alguns minutos quando ouviu uma coisa na trilha paralela à sua que a fez estacar.

- O que é que você está fazendo? – berrou a voz de Rafael – Que diabos você pensa que está fazendo?

E então Lica ouviu a voz de Dogão.

- Crucio!

O ar se encheu repentinamente com os gritos de Rafael. Horrorizada, Lica avançou correndo por sua trilha, tentando encontrar uma passagem para a de Rafael. Quando não apareceu nenhuma, ela tentou novamente o Feitiço Redutor. Não foi eficiente, mas queimou um buraquinho na sebe pelo qual Heloisa enfiou a perna, chutando os galhos emaranhados até eles cederam deixando uma abertura; com esforço, ela a atravessou, rasgando as vestes e, ao olhar para a direita, viu Rafael se debatendo e se contorcendo no chão sob o olhar de Dogão.

Lica se endireitou e apontou para Dogão na hora em que o rapaz ergueu a cabeça. Ele deu as costas e começou a correr.

- Estupefaça! – berrou Lica.

O feitiço atingiu Dogão pelas costas. Ele parou instantaneamente, caiu de borco e ficou imóvel, com a cara na grama. Lica correu para Rafael, que parara de se contorcer mas continuava deitado no chão arfando, as mãos cobrindo o rosto.

- Que merda foi essa? – perguntou ela rouca e exausta.

- Ele se aproximou de mim pelas costas... eu o ouvi e quando me virei, ele estava empunhando a varinha apontada pra mim....

Rafael se levantou. Ainda tremia. Ele e Lica olharam para Dogão.

- Eu não acredito que ele teve coragem de usar uma maldição imperdoável – comentou Heloísa contemplando o rapaz.

- As pessoas mudam no labirinto – Rafael repetiu a frase que ouviram do ministro da Magia no dia anterior – Esse filho da puta quase me matou.

- Você ouviu a Thaís gritar há algum tempo?

- Ouvi. Capaz desse maluco ter pego ela também.

- É pra deixar ele aqui? – Lica realmente não sabia – Eu vou disparar as faíscas vermelhas, alguém vai vir apanhá-lo, ou do contrário ele vai ser comido por alguma criatura horrorosa aqui dentro.

- Ia ser bem merecido – o tom de Rafael havia mudado. Lica o mirou mais atentamente. Suas orbes acinzentadas pareciam encobertas por uma espécie de névoa, um brilho um tanto alucinado e assustador na verdade – Eu vou matar esse filho da puta. Eu vou matar!

E sem aviso, Rafael se jogou sobre um Dogão inconsciente de varinha em punho.

- Ei, sai daí! – Lica tentou tirá-lo de cima, mas ele a afastou com um forte empurrão. Sua força parecia ter triplicado e sua fúria tomado de conta. Heloísa rolou pelo chão feito um cão que acabara de levar um chute – PARA COM ISSO, SEU IDIOTA! Ele já está inconsciente! ELE JÁ ESTÁ INCONSCIENTE! – tentou agarrar Rafael pelos braços. Ele a jogou longe com um movimento de varinha

- Avada... – o jato de luz verde começou a se formar na ponta da varinha dele.

- EXPELLIARMUS! – Lica berrou se arrastando pelo chão. A varinha de Rafael voou longe – VOCÊ FICOU MALUCO? VAI MATAR UMA PESSOA INCONSCIENTE?

Por breves instante, Rafael parecia perdido. Piscou ligeiramente fora de órbita até seus olhos atingirem Dogão desacordado sob ele mesmo. Saiu de cima do rapaz caindo para o lado. O silêncio que se instalou foi aterrador. Lica só consegui ouvir o tum-tum-tum acelerado de seu coração e sua respiração cortada.

- Eu vou disparar as faíscas. Alguém vai vir pegá-lo – Heloísa ergueu a varinha e disparou uma chuva de faíscas vermelhas para o ar, que pairaram sobre Dogão, marcando o local em que ele se encontrava.

Lica e Rafael ficaram ali no escuro por um momento olhando em volta. Então Rafael se ergueu já sem aquele brilho alucinado nos olhos.

- Obrigado por isso – catou a própria varinha caída mais adiante – Por não me deixar....

- As pessoas mudam dentro dessa merda – Lica repetiu – Ou ele só potencializa o que a gente tem de pior. Nosso maior inimigo aqui somos nós mesmos Lembra disso da próxima vez.

Agora ela entendia o que Malu quis dizer sobre ela não esquecer de quem era e não se deixar leva pelo afã de ganhar a todo custo. Isso sim seria seu maior erro dentro daquele labirinto.

Foi um momento estranho com Rafael, mas agora o fato de serem adversários ocorria em ambos. Lica seguiu seu caminho, continuando a usar o Feitiço dos Quatro Pontos para se certificar de que caminhava na direção certa. Agora a competição estava entre ela e seu colega de escola. O desejo de chegar à taça primeiro ardia em seu peito como nunca antes, mas ela não conseguia acreditar no que acabara de ver Dogão e Rafael fazerem. O uso de uma Maldição Imperdoável em um ser humano significa uma sentença de prisão perpétua em Azkaban. Dogão com certeza não poderia ter desejado a Taça Tribruxo tanto assim. E nem Rafael. Ou poderiam?

Lica se apressou.

De vez em quando chegava a trilhas sem saída, mas a escuridão crescente lhe dava certeza de que estava se aproximando do centro do labirinto. Então, quando seguia por uma trilha longa e reta, ela mais uma vez percebeu um movimento e a luz de sua varinha incidiu sobre uma criatura extraordinária, uma que ela só vira sob a forma de ilustração no seu O Livro Monstruoso dos Monstros.

Era uma esfinge. Tinha o corpo de um enorme leão, grandes patas com garras e um longo rabo amarelado que terminava em um tufo de cabelos castanhos. A cabeça, porém, era de mulher. Ela virou os olhos amendoados para Lica como se fosse saltar, mas andava de um lado para outro da trilha, bloqueando seu avanço.

Então falou com a voz profunda e rouca.

- Você está muito próxima do seu objetivo. O caminho mais fácil é passando por mim.

- Então... então será que a senhora podia se afastar um pouco? – disse Lica, sabendo qual seria a resposta. Ellen teria vergonha.

- Não – disse ela, continuando sua patrulha – Não, a não ser que você decifre o meu enigma. Se acertar de primeira, deixo-a passar. Se errar, eu a ataco. Permaneça em silêncio, e eu a deixarei partir ilesa.

O estômago de Lica escorregou alguns centímetros. Ellen que era boa nesse tipo de coisa e não ela. A garota avaliou suas chances. Se o enigma fosse muito difícil, ela podia se calar, ir embora sem se machucar e tentar encontrar um caminho alternativo para o centro.

- Ok – ela respondeu – Pode me dizer o enigma?

A esfinge se sentou nos quartos traseiros, bem no meio da trilha, e recitou:

 

“Primeiro pense no lugar reservado aos sacrifícios. Seja em que templo for. Depois me diga o que é que se desfolha no inverno e torna a brotar na primavera? E finalmente, me diga qual é o objeto que tem som, luz e ar e flutua na superfície do mar? Agora junte tudo e me responda o seguinte: que tipo de criatura você não gostaria de beijar?”

 

Lica encaro-a boquiaberta.

- Podia, por favor, repedir... mais devagar? – pediu hesitante.

A esfinge pestanejou, sorriu e repetiu o enigma.

- Todas as pistas levam ao nome da criatura que eu não gostaria de beijar? – perguntou Lica.

A esfinge meramente sorriu aquele sorriso misterioso. Lica interpretou-o como um “sim”. Começou a pensar. Havia muitos animais que ela não gostaria de beijar; seu pensamento imediato foi um explosivim, mas alguma coisa lhe disse que não era a resposta correta. Ela teria que tentar decifrar as pistas....

- Um lugar reservado aos sacrifícios – murmurou Lica, encarando a esfinge – Seja em que templo for... hum... seria... um altar? Não, esta não seria minha resposta. Uma... ara? Vou voltar a isso depois... poderia repetir as pistas seguintes, por favor?

O animal fabuloso repetiu as linhas seguintes do enigma.

- A última coisa a desaparecer no inverno e reaparecer na primavera nas árvores da floresta – repetiu Lica – Hum... não faço ideia... arvores... galhos... rama. Pode me dizer o último trecho outra vez?

Ela repetiu as últimas quatro linhas.

- O objeto que tem som, luz e ar e flutua na superfície do mar... – disse Lica – Hum.... Isso seria uma boia?

A esfinge sorriu.

- Ara... hum... ara... rama... – disse Lica. Agora era ela quem estava andando para lá e para cá – Uma criatura que eu não gostaria de beijar... uma araramboia!

A esfinge sorriu um sorriso maior. Levantou-se, esticou as pernas dianteiras e então se afastou para um lado e a deixou passar.

- Obrigada! – disse Lica e, admirada com a própria genialidade, prosseguiu correndo.

Tinha que estar perto agora, tinha que estar... a varinha lhe dizia que estava na direção exata. Desde que não se deparasse com nada horripilante, ela poderia ter uma chance....

À frente, precisou escolher entre duas trilhas.

- Me oriente! – sussurrou mais uma vez à varinha, ela deu um giro e apontou para a da direita. Lica saiu correndo por ela e viu uma luz adiante.

A Taça Tribruxo brilhava num pedestal a menos de cem metros à sua frente. Lica mal saíra correndo quando um vulto escuro se precipitou sobre a trilha à sua frente. Rafael ia chegar primeiro. O rapaz estava correndo o mais rápido que podia em direção à Taça e Lica percebeu que nunca o alcançaria, ele era muito mais alto e tinha pernas muito mais compridas....

Então Heloísa viu um vulto imenso por cima da sebe à sua esquerda, deslocando-se ligeiro pela trilha que cortava a sua. Ia tão depressa que Rafael estava prestes a colidir com ele. Com olhos na taça, o rapaz não viria o vulto...

- Rafael! – berrou Lica – À sua esquerda!

O garoto virou a cabeça em tempo de se atirar para além do vulto e evitar colidir com ele, mas, em sua pressa, tropeçou. Lica viu a varinha voar da mão dele ao mesmo tempo que uma enorme aranha entrava na trilha e começava a avançar no rapaz.

- Estupefaça! – berrou Lica. O feitiço atingiu o gigantesco corpo da aranha, negro e peludo, mas produziu tanto efeito quanto se a garota tivesse atirado uma simples pedra nela. A aranha deu um estremeção, virou-se e correu para Lica.

- Estupefaça! Impedimenta! Estupefaça!

Mas não adiantou. A aranha ou era demasiado grande ou tão mágica que os feitiços só conseguiram irritá-la. Lica viu de relance, horrorizada, oito olhos negros e brilhantes e pinças afiadas como navalhas, antes que a aranha estivesse sobre ela. O inseto ergueu-a no ar com as patas dianteiras. Debatendo-se como louca, Heloísa tentou chutá-lo, sua perna fez contato com as pinças e no momento seguinte ela sentiu uma dor excruciante. Ouviu Rafael gritar “Estupefaça!” também, mas o feitiço do rapaz produziu tanto efeito quanto o de Lica. O garoto ergueu a varinha quando a aranha tornou a abrir as pinças e gritou “Expelliarmus!”.

Funcionou. O feitiço para desarmar fez a aranha larga-la, o que significou que Lica caiu três metros e tanto sobre uma perna já machucada, que se dobrou sob seu corpo. Sem parar para pensar, ela mirou bem alto sob a barriga da aranha, como fizera com o Explosivim, e gritou “Estupefaça!” na mesma hora em que Rafael gritava o mesmo. Os dois feitiços combinados fizeram o que um sozinho não conseguiria – a aranha tombou de lado, achatando uma sebe próxima e espalhando na trilha um emaranhado de pernas peludas.

Lica examinou a perna. Sangrava muito. Ela viu uma secreção grossa e pegajosa que saíra das pinças da aranha em suas vestes rasgadas. Então, tentou se levantar, mas a perna tremia demais e se recusava a sustentar seu peso. Ela se apoiou na sebe, tentando recuperar o fôlego e olhou para os lados.

Rafael estava a pouquíssima distância da Taça Tribruxo que refulgia às suas costas.

- Pega a taça – disse Lica arfante para Rafael – Pega logo, apanha. Você chegou ao centro.

Mas Rafael não se mexeu. Continuou parado olhando para Lica. Em seguida virou-se para olhar a Taça. Ela percebeu a expressão desejosa no rosto do rapaz à luz dourada do objeto. Rafael se virou mais uma vez para Lica, que agora se amparava na sebe para se manter em pé. O rapaz inspirou profundamente.

- Você pega. Você que chegou antes.

- Não é assim que a coisa deve funcionar – disse Lica. Sentiu raiva, sua perna doía muito, seu corpo doía inteiro do esforço para se desvencilhar da aranha e, apesar de tudo isso, Rafael a vencera – Quem chegar à Taça primeiro ganha os pontos. E foi você. Não vou vencer nenhuma corrida com essa perna assim.

- Mas...

- Pega logo essa Taça pra gente poder ir embora daqui! – ela gritou em um misto de dor com frustração.

Sendo sincera? Lica queria sim a taça, queria ganhar o Torneio Tribruxo e receber a glória eterna. Quem sabe assim as pessoas que duvidavam de sua capacidade e viviam lhe jogando na cara que ela só conseguia tudo que conseguia porque era filha do dono da escola, parassem de lhe importunar. “A Lica não sabe fazer nada. Se o campeonato fosse de quem bebe mais, com certeza ela ganharia. Vai herdar essa escola e não tem habilidade nenhuma. Seu desempenho foi deplorável, Gutierrez”. Às vezes ouvia em tom de piada, às vezes em tom de deboche e era sempre horrível.

Sabia jogar quadribol? Sim. Fora isso, era sim um tanto desastrosa em feitiços, tinha zero paciência para a arte da adivinhação e vivia queimando as poções na aula de Ernesto. Poderia, com aquela merda daquele torneio, provar para si mesma que conseguia fazer mais que voar atrás de um pomo e vencer jogos. Mas, como sempre, na hora do vamos ver, a coisa sempre degringolava.

- Você também merece ganhar – hã? Lica quase caiu de susto – Você foi a melhor na prova do dragão, ficou para trás para salvar todos os reféns da segunda tarefa....

- Eu fui a única campeã suficientemente burra pra levar aquela música dos sereianos a sério – Lica disse com amargura – Pega a Taça!

- Eu tenho vontade de te matar, Heloísa, de te trucidar. Mas também tenho um pouco de inveja de você, sabe? – ah, não... desabafo ali não – Você tem amigos e sua família, mesmo que seja meio esquisita, ainda se apoia. Já comigo... as pessoas só se relacionam comigo por interesse e agora que meu pai fez o que fez e jogou nosso nome na lama... aí mesmo que ninguém olha pra mim. Eu virei um indesejável tanto quanto ele. E entendi que nome e status não servem pra nada.

- Você está se ouvindo? – Lica quase gritou – Para de enrolação, pega logo a merda dessa taça, eu estou com dor e quero sair dessa porra, Rafael! Deixa o momento redenção pra depois!

- Os dois.

- Quê?

- A gente pega a taça, nós dois. Ainda é uma vitória do Grupo. Empatamos – Rafael encarou Lica e descruzou os braços – Nós dois chegamos aqui e podemos levar a taça juntos.

- Me ajuda aqui, eu só quero ir embora dessa merda e ver minha namorada – Heloísa cambaleou. Rafael agarrou o braço dela pela axila e a ajudou a mancar até o pedestal onde estava a Taça. Quando a alcançaram, os dois estenderam a mão para cada uma das asas.

- Quando eu disser três – disse Lica – Um.... Dois.... Três!

Ela e Rafael apertaram as asas. Instantaneamente, Lica sentiu um solavanco dentro do umbigo. Seus pés deixaram o chão. Ela não conseguiu soltar a mão da Taça Tribruxo, ela a puxava para diante num vendaval colorido. Rafael ao seu lado.

Lica sentiu seus pés baterem no chão; a perna machucada cedeu e ela caiu para frente; Por fim, sua mão soltou a Taça Tribruxo. Ela ergueu a cabeça.

- Onde estamos? – perguntou.

Rafael sacudiu a cabeça. Levantou-se, ajudou Heloísa a ficar de pé e os dois olharam a toda volta. Estavam inteiramente fora dos terrenos do Grupo. Era óbvio que tinham viajado quilômetros – talvez centenas de quilômetros – porque até as montanhas que rodeavam o castelo haviam desaparecido. Em lugar do Grupo, os garotos se viam parados em um cemitério escuro e cheio de mato. Para além de um grande teixo à direita podiam ver os contorno escuros de uma igrejinha. Um morro se erguia à esquerda. Muito mal, Lica conseguia discernir a silhueta escura de uma bela casa antiga na encosta do morro.

Rafael olhou para a Taça Tribruxo e depois para Lica.

- Alguém lhe disse que a Taça era uma chave de portal? – perguntou.

- Não – Lica examinou o cemitério. Estava profundamente silencioso e meio fantasmagórico – Será que isso faz parte da tarefa?

- Não sei – respondeu Rafael. Sua voz exalava um certo nervosismo. Os dois puxaram as varinhas no automático. Lica não parava de olhar para todo lado. Tinha, mais uma vez, a estranha sensação de que estava sendo observada.

- Vem alguém aí – disse de repente. Apertando os olhos para enxergar na escuridão, eles divisaram um vulto que se aproximava andando entre os túmulos sempre em sua direção. Lica não conseguia distinguir um rosto, mas o jeito que caminhava lhe parecia estranhamento familiar – Você?!

Lica reconheceu as feições de Felipe, quando ele estacionou a dois passos dela e baixou o capuz. Seu rosto parecia sofrido, a pele desgastada e coberta por uma camada espessa de barba. Largado e maltrapilho como ela nunca vira nem imaginara. Felipe Lacerda podia ser definido em uma expressão: sem vida.

- Felipe? – até Rafael se assustou. Só que ele não entendeu o que Heloísa havia entendido. Não, aquilo não era parte da tarefa, Felipe não era mais um desafio do Torneio Tribruxo, ele estava com alguém, estava ali a mando de alguém e ela sabia bem de quem.

- Vambora daqui – sem nem se preocupar em entender nem discutir nada, a Gutierrez se apressou mancando para a taça. Sequer compreendeu porque ainda se preocupou em chamar Rafael – Anda, Rafael, vamos embora daqui!

- O que está acontecendo? O que você...? – o rapaz parecia alheio a tudo – O que você está fazendo aqui, Felipe? Está todo mundo atrás de você no Ministério!

- É uma longa história – foi tudo que o Lacerda disse – E-eu... Eu não q-queria, mas....

- Se vocês vão ficar aí de papinho, me desculpem, mas eu vou me mandar dessa merda! – Lica, do outro lado, se agachou para tocar na taça na esperança de retornar para onde realmente devia estar, mas não teve tempo. Um pé chutou o objeto para longe fazendo-o ir parar em uma lapide. O brilho perolado que ele tinha iluminou a inscrição na pedra.

 

CORNÉLIO F. GIMENEZ

 

O dono do pé que chutara a taça se dirigia agora a Rafael e Felipe.

- Por que você está demorando tanto, Lacerda? Amarelou? – o homem meio disse, meio rosnou. A voz dele dava asco em Lica – O plano era a herdeira do Grupo vir sozinha, mas nem isso você consegue fazer. Lá vou eu ter que consertar suas merdas de novo – ele ergueu a varinha – Avada Kedavra!

Lica automaticamente fechou os olhos. Um relâmpago verde perpassou suas pálpebras e ela ouviu alguma coisa pesada cair ao seu lado no chão. Aterrorizada com o que iria ver, ela abriu os olhos. Rafael estava estatelado no chão ao seu lado, os braços e pernas abertos. Morto.

Por um segundo que continha toda a eternidade, Lica fitou o rosto do colega de escola, seus olhos cinzentos abertos, vidrados e inexpressivos como as janelas de uma casa deserta, a boca entreaberta num esgar de surpresa.

- O que foi que você fez? – Felipe berrou para o homem coberto com a capa preta. Ele riu parecendo rosnar, desfez-se do capuz e Lica pôde ver um brilho alucinado em seus olhos. O rosto com uma cicatriz enorme de um lado a outro, dentes meio podres e a testa repleta de vincos.

- A ordem era clara, ela tinha que vir sozinha – ele falou. Lica não o reconhecia. Também não fazia questão de saber quem era. Sua mente, em câmera lenta, ainda tentava processar o que acabara de acontecer.

- É o filho do Gimenez, seu idiota! – Felipe correu para o corpo inerte de Rafael. E o sorriso mórbido do homem se desfez à medida que ele processava a informação – Você matou o filho do Gimenez!

O homem pareceu engasgar com a própria saliva. Lica engoliu no seco esquadrinhando com os olhos a distância até a taça. Quando ouviu aquele homem dizer “o plano era a herdeira do Grupo vir sozinha” entendeu que se não se mexesse, a próxima a levar um relâmpago verde na cara seria ela. Faria o que podia para tentar ao menos levar o corpo de Rafael consigo, mas também tinha que pensar em si em primeiro lugar.

Sacou a varinha e gritou “Expelliarmus!” contra o homem antes de correr para a taça. O homem voou até bater de costas na estátua de um anjo do outro lado. Felipe, assustado, sacou a própria varinha e se virou para ela, mas Lica foi mais rápida. Repetiu o mesmo feitiço e o objeto chispou da mão dele. Só que antes de conseguir ao menos tocar na Taça Tribruxo, esbarrou em pernas que apareceram do nada em seu caminho.

- Ora, ora... vejo que temos uma covarde aqui – aquela voz, aquele timbre fez cada pelinho do corpo de Lica arrepiar. Ergueu o olhar para encontrar Danilo Gimenez estacionado lhe encarando de cima para baixo com um sorrisinho de canto de boca que beirava algo doentio – Que foi, Gutierrez? Sem a ajuda dos seus amiguinhos e da sua professorinha, você não é nada, é isso? É só uma menina birrenta, mimada e medrosa demais para honrar o nome que tem?

Merlim do céu, esse homem não vira o que aconteceu? O filho dele estava caído morto a meros dez passos, ele não enxergava? E só aí Lica se deu conta. Gimenez havia acabado de aparatar. E da mesma forma que ele aparatou, o bruxo que tirara a vida de Rafael desapareceu no ar. E o homem diante dela percebeu o movimento, porque negou com a cabeça.

- Quantos terão suficiente coragem para permanecer na minha presença sem vacilar? – sussurrou ele, fixando seus olhos nas estrelas – E quantos serão bastante tolos para ficar longe de mim? – encarou Lica – E então, Heloísa? O que eu faço com você?

Mas ela não teve tempo de responder. Gimenez bradou “Crucio!” e sacudiu a varinha no ar. Lica se curvou e caiu no chão se retorcendo toda. Foi uma dor que superou qualquer coisa que a menina já sofrera; seus próprios ossos pareciam estar em fogo, sua cabeça, sem dúvida alguma, estava rachando, seus olhos giravam descontrolados dentro de sua cabeça. E ela só queria que tudo terminasse... que perdesse os sentidos.... Morresse. E na velocidade em que surgiu, a dor se foi. Lica ficou encolhida no chão perto da lápide do pai de Gimenez sabendo que aqueles brilhantes olhos alucinados lhe fitavam sem piedade. A noite ressoava com o estrépito das risadas dele.

- Está vendo a tolice que é supor que um Gutierrez algum dia pudesse ser mais forte que eu? – ponderou Gimenez – O erro do seu avô foi subestimar meu pai e tratá-lo feito lixo. Eu vim para fazer com que a história honre quem de fato a escreveu e não relegue seus verdadeiros heróis ao esquecimento. E eu vou provar, matando-a aqui e agora, diante dos restos mortais do meu pai, que, onde não há Bóris e Malu para ajudá-la nem seus amigos para se sacrificar por você, você não é nada, Heloísa Gutierrez. NADA! Mas... vou te dar a chance de ter uma morte digna – sussurrou a meros centímetros do rosto dela – Você vai duelar comigo.

Ele a chutou, fazendo-a rolar pela grama seca e, com um movimento de varinha, a fez se se erguer. O corpo inteiro de Lica ardia. Houve uma fração de segundo em que ela poderia ter pensado em fugir, mas sua perna machucada estremeceu sob o peso do corpo quando firmou os pés no túmulo malcuidado ao mesmo tempo em que um círculo de fogo fechou o cerco em torno dela e de Gimenez.

- Você aprendeu a duelar, Heloísa? – perguntou ele suavemente – Como o Bóris deve ter lhe ensinado, no duelo nós praticamos boas maneiras. Você deve se curvar ao seu oponente antes de começar a luta – e vendo que Lica se manteve imóvel – Eu disse curve-se! – Gimenez ergueu a varinha e ela sentiu sua coluna se curvar como se uma mão enorme e invisível a empurrasse impiedosamente para frente – Muito bem. Agora você me enfrenta como a boa bruxa que é. De costas retas e orgulhosa, é assim que eu quero matá-la – e antes que Lica pudesse abrir a boca, outra maldição Cruciatus. Suas pernas cederam. A dor foi tão intensa e tão devoradora, que ela já nem sabia onde estava. Facas em brasa perfuravam cada centímetro de sua pele, sua cabeça, sem dúvida alguma, iria explodir de dor. Ela gritava mais alto do que jamais gritara na vida.

Então tudo parou. Lica se virou tentando ficar em pé, tremeu descontrolada, cambaleou para os lados na direção do círculo de fogo, mas foi como se mãos invisíveis tivessem lhe empurrado de volta a Gimenez.

- Uma pequena pausa – disse ele, o rosto se contorcendo em um sorriso de excitação – Isso doeu, não foi, Heloísa? Você não quer que eu faça isso outra vez, quer?

Lica não respondeu. Ia morrer como Rafael, era o que aqueles olhos alucinados e cruéis estavam lhe dizendo. Ia morrer e não havia nada que pudesse fazer para evitá-lo. Ia ver sua vida se esvair sem ter vivido nada, simplesmente nada dela. Sem ter concretizado nenhum de seus sonhos, sem ter conquistado realmente algo que lhe fosse de vital importância. Iria simplesmente deixar de existir sem ver Benê se tornar a melhor professora que o Grupo já viu, quem sabe diretora; sem ver Ellen se tornar a primeira mulher ministra da Magia. Sem ver Keyla ser a maior estrela do cinema que o mundo bruxo já viu e sem ver Tina se tornar a DJ número um do mundo. Sem conseguir acompanhar o crescimento de seu afilhado e sem sequer deixar herdeiros para perpetuar seu nome.

Sem ter vivido nada do que planejou com a mulher que mais amou na vida. Sem poder ter sentido Samantha com realmente queria e gostaria, sem poder amá-la em toda sua plenitude dia após dia. Sem dizê-la “sim” diante de um juiz de paz e depois discutir sobre os nomes dos filhos que teriam. Não iria sequer ter a chance de levar seus herdeiros até o Expresso do Grupo e dizer-lhes que não importava quantas regras houvesse, o importante era quebrá-las e viver. E com certeza levaria uma chamada de atenção de sua mulher, mas não se importaria, porque ela lhe sorriria, lhe beijaria e tudo ficarão bem no final. Não haveria sequer um final. Nem a chance de se despedir direito de Samantha tivera. Nem de ninguém. Isso não era justo, era cruel e desumano.

- EU NÃO QUERO MERDA NENHUMA! VAI PRO INFERNO, GIMENEZ!

Essas palavras explodiram da boca de Lica, ecoaram pelo cemitério e o estado onírico em que ela mergulhara se dissolveu repentinamente como se tivessem lhe atirado um balde de água fria – renovaram-se as dores que a Maldição Cruciatus deixara por todo seu corpo, renovou-se a consciência de onde estava e do que estava enfrentando. E a consciência de que precisava sobreviver por aqueles que amava, pela mulher que amava. Prometera a Samantha que sairia viva e inteira daquele labirinto. Iria cumprir cada palavra.

Lica não ia obedecer Gimenez, não ia suplicar. O homem ergueu a varinha, mas desta vez ela estava preparada. Com os reflexos nascidos da prática do quadribol, ela se atirou para um lado no chão, rolou para trás da lápide de mármore do pai do ser insano à sua frente e a ouviu rachar quando o feitiço errou o alvo.

- Não estamos brincando de esconde-esconde, Heloísa – disse Gimenez com a voz fria e suave, se aproximando – Você não pode se esconder de mim. Será que isso significa que você já cansou do nosso duelo? Será que significa que você prefere que eu encerre agora, Heloísa? Saia daí... Saia e venha brincar, então. Será rápido, talvez indolor.

Lica continuou agachada atrás da lápide e percebeu que chegara seu fim. Não havia esperança... nenhuma ajuda de ninguém. Quando ouviu Gimenez chegar mais perto, ela soube apenas uma coisa que transcendeu o medo e a razão: ela não iria morrer agachada ali como uma criança brincando de esconde, não ia morrer ajoelhada aos pés de Gimenez. Ia morrer de pé e sendo seu melhor assim como seu avô lhe ensinara a nunca abaixar a cabeça e sempre se fazer ser vista e ouvida. Ia morrer tentando se defender, mesmo que não houvesse defesa alguma possível. Antes que Gimenez pudesse meter a cara atrás da lápide, Lica se levantou, agarrou a varinha com força, empunhou-a à frente e saiu rápido de trás da lápide. O bruxo estava pronto. Quanto Heloísa gritou “Expelliarmus!”, ele gritou “Ava Kedavra!”.

Um jorro de luz verde saiu da varinha de Gimenez na mesma hora em que um jorro de luz vermelha disparou da de Lica – e os dois se encontraram no ar – e, de repente, a varinha de Lica começou a vibrar como se uma descarga elétrica estivesse entrando por ela. Sua mão estava presa à varinha, ela não teria podido soltar nem se quisesse – e um fino feixe de luz agora ligava as duas varinhas, nem vermelha e nem verde, mas um dourado intenso e rico. Lica, acompanhando o feixe com o olhar espantado, viu que os dedos longos de Gimenez também agarravam uma varinha que sacudia e vibrava.

E então, o fio dourado que ligava os dois se fragmentou: embora as varinhas continuassem unidas, mil e outros fios brotaram e formaram um arco sobre os dois e foram se entrecruzando a toda volta até encerrá-los em uma teia dourada como uma redoma, uma gaiola de luz na qual nada podia penetrar. Então um som belo e sobrenatural encheu o ar. Vinha de cada fio de luz da teia que vibrava em torno de Lica e Gimenez. Era um som que a garota reconhecia, embora só tivesse ouvido uma vez na vida: a canção de uma fênix. Era o mais belo e mais bem-vindo que ela já escutara, a menina sentia como se estivesse dentro dela e não apenas à sua volta. Era o som que ela associava a seu avô, Maurício. Era quase como se um amigo estivesse falando em seu ouvido.

“Não rompa a ligação”.

Só que sua varinha começou a vibrar mais violentamente do que antes e agora era se como contas de luz estivessem deslizando para frente e para trás ao longo do fio que unia as varinhas. Quando a conta de luz mais à frente se aproximou da ponta da varinha de Heloísa, a madeira em seus dedos esquentou de tal forma que ela receou que ela fosse se romper em chamas. O objeto parecia prestes a esfacelar em sua mão.  Lica concentrou cada célula de seu corpo em fazer aquela conta de luz retornar para Gimenez e muito lentamente ela foi se deslocando. E então fez contato com a madeira que ele segurava. Na mesma hora, o objeto começou a emitir gritos ressonantes de dor. Algo começou a botar da ponta dela, algo imenso, acinzentado, que parecia ser feito da mais sólida e densa fumaça. Era uma cabeça, depois um peito e os braços...

Se em algum momento Lica pudesse ter soltado a varinha de susto, teria sido então, mas o instinto a fez continuar segurando-a com força, de modo que o fio de luz continuou intacto embora um fantasma de uma pessoa emergisse em sua inteireza da ponta da varinha de Gimenez.  Era grisalho como uma estátua de fumaça. Era uma mulher.

- Não solte! – exclamou e sua voz ecoou como a do fantasma anterior, como se viesse de muito longe – Não deixe ele pegar você, Lica, não solte a varinha!

Lica arregalou os olhos atordoada e assustada. Era sua avó, dona Maria Heloísa Gutierrez, lhe falando.

- V-vó?

- Se concentre, minha querida. Seu avô está vindo... Ele quer que você... Vai dar tudo certo, aguente firme.

Agora outra cabeça vinha emergindo da ponta da varinha do bruxo. E Lica soube, ao vê-lo, quem seria. Ela sabia, como se esperasse isso desde o momento em que entendeu o que estava acontecendo. A sombra esfumaçada de um senhor de longos cabelos brancos e uma barba igualmente longa presa ao meio por um fino fio dourado com um pingente perolado. Maurício Gutierrez brotou da ponta da varinha de Gimenez, caiu no chão e se levantou. Ele se aproximou de Lica, fitando a neta, e falou na mesma voz distante e ressonante demais, mas em tom baixo de modo que o outro bruxo não pudesse ouvir.

- Quando a ligação for interrompida, permaneceremos apenas uns momentos, mas vamos lhe dar tempo... Você precisa chegar à chave de portal, ela o levará de volta ao Grupo, entendeu, Lica?

- Entendi – ofegou Lica lutando para manter firme a varinha que agora começava a escapar e a escorregar de seus dedos.

Só que outra cabeça brotava da ponta da varinha de Gimenez. E de repente algo enorme saiu de dentro dela. Algo maior e acinzentado. O tronco de Rafael Gimenez.

- AAAAAAH! – o Gimenez pai vacilou quando seus olhos assustados encontraram com os do filho.

- Foi você – o fantasma disse – Foi você. Isso é culpa sua. Minha tortura em vida e meu fim.

Danilo Gimenez cambaleou para trás.

- O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

- M-milorde... – do silêncio ao fundo, veio a voz incerta de Felipe, que parecia ter se apagado completamente da cena. Estava ajoelhado junto ao corpo de Rafael atrás de uma lápide e que, até ali, passara despercebido por Gimenez – N-nã.... N-n....

- MEU FILHO! – berrou descontrolado – VOCÊ MATOU MEU FILHO, SEU.... – alucinado, Gimenez se voltou para Felipe, o que desfez o contato com Lica, Ergueu a varinha para o rapaz – AVADA KEDAVRA! – Heloísa só teve tempo de ver o corpo de Felipe cair inerte sobre o de Rafael após ser atingido por um lampejo de luz verde – RAFAEEEEEEEEEL! – Gimenez bradou e correu até o filho.

- Agora, Lica! Agora! – ordenou o fantasma de Maurício e com um puxão violento, o fio dourado se rompeu. A gaiola de luz desapareceu, a música da fênix silenciou, mas as sombras não desapareceram. Avançaram para Gimenez escudando Lica do seu olhar e da sua mira. E ela correra como nunca correra na vida. Saltou pelo círculo de fogo que a cercava, ziguezagueou por trás de lápides correndo em direção à Taça. Mas foi parada por vozes.

- Lica, leva meu corpo – o fantasma de Rafael pediu – Leva meu corpo pra minha mãe.

- Querida – dessa vez quem chamou foi o fantasma de sua avó – Diga à Malu que eu sinto muito por não ter procurado conhece-la antes de julgá-la. Ela me deu mais uma neta linda e cuidou de você, meu maior bem.

Lica limitou-se a assentir e dar uma última olhada no cenário que se formava. Gimenez desesperado gritando mil maldições sobre o corpo inerte do filho. Corpo cujo fantasma mirava a ela, Heloísa, com algo perto de condescendência.

- Desculpa por tudo que eu te fiz. Você é decente e uma das bruxas mais talentosas que eu já conheci – Rafael proferiu.

De novo, a menina nada disse. Parecia estar sem voz. A dez passos do corpo de Rafael, lançou um “Estupefaça!” em Gimenez, o fez voar e cair inconsciente do outro lado, correu até lá, fechou a mão nos pulsos do rapaz e de Felipe, ergueu novamente varinha e pronunciou um “Accio!” alto e claro para convocar a taça. Ela voou até sua mão livre. Samantha se orgulharia. Sentiu um solavanco no umbigo, que significava que a chave de portal fora acionada. Ela se afastou em alta velocidade num turbilhão de vento e cor levando Felipe e Rafael juntos. Os dois, sem vida.

Benê tinha razão. As pessoas morria naquele torneio. E Ellen também estava certa. Ele devia ser proibido.


Notas Finais


Pois bem, eu nem vou falar nada, porque né? De longe esse foi o capítulo mais tenso. O que acharam do labirinto? Fácil, médio ou "Deus me livre"?
Sobre o Gimenez: achei merecido sim ele acabar sem nada e sem o filho por culpa dele mesmo. Bora ver o que vai ser dele agora. E o Felipe... foi merecido também ou não?
A Lica a gente sabe que sobreviveu, eu só não sei se quem sobrevive é o ministro da Magia depois que a filha dele entender que a namorada quase morreu por causa do torneiozinho dele kkkkkkk. Podem esperar, Samantha vem aí rsrs.

No mais, eu agradeço pela leitura e nos vemos no próximo capítulo!


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...