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História Amortentia - Como é misterioso o tempo


Escrita por: MxrningStar

Notas do Autor


Olá, minha gente! Tudo certo com vocês? Como foram de entrada de ano? Prontos para um 2022 de As Five e Rebelde (que já estreia amanhã, então daremos streaming na lenda)?
Bom, vim aqui com o último capítulo de Amortentia. Primeiramente, queria agradecer a cada um de vocês por terem acompanhado essa fanficagem maluca de juntar dois universos completamente diferentes. Espero ter feito jus aos dois e não decepcionado em nenhum momento rsrs. "Segundamente", queria agradecer pelos comentários de sempre: eles incentivam demais a gente a continuar escrevendo e é legal ter essa interação com quem lê a história. Bom pra traçar rumos também.

No mais, partiu último capítulo. Boa leitura!

Capítulo 27 - Como é misterioso o tempo


Dizer que as coisas não pareciam correr depois que Samantha anunciara a gravidez seria uma mentira deslavada. Lica finalmente se recuperou dos sustos seguidos que tomou descobrindo que iria ser mãe não apenas de uma, mas de duas criaturinhas. E então o que veio foi a euforia e o desespero.

- Eu não acredito que você vai ser mãe antes de mim, Lica! – para cada frase, um tapa no braço. Heloísa sairia dali roxa, mas quem se importava com as frustrações de Clara? Refestelada na sala de estar de Marta, a Gutierrez mais velha seguia absorta em sua leitura de Como Agir como Mãe: um passo a passo. E o primeiro era: não deixe seus filhos se matarem por acidente. Ela endoidou.

- A gente tem que tapar todas as tomadas da casa e deixar todos os produtos de limpeza longe deles, Sammy. E as varinhas. Eles não podem nem sonhar em pegar nelas ou vão acabar causando uma hecatombe.

- Uma vez eu roubei a varinha da mamãe quando era criança – Samantha riu-se saudosa enquanto comia uma combinação abominável de sanduíche de peito de peru com geleia de mocotó – Transformei as Espadas de São Jorge do jardim em serpentes e elas saíram pela casa.

- Sério? – Lica se assustou – E o que aconteceu?

- O papai foi picado por uma e precisou de antídoto no Saint Mungus.

- Samantha...?

- Então você tem razão. Varinhas, nem pensar. Essas crianças são seus filhos também e Merlim sabe do que eles vão ser capazes.

Lica se ofendeu e se encolheu, deitando a cabeça no ventre da mulher. Estavam as duas deitadas no sofá da sala curtindo preguiça enquanto Samantha devorava tudo que via em casa. Vinha comendo por três.

- Vão ser os maiores bruxos que o mundo já viu – ela se empertigou e se pôs a conversar com a barriga de Samantha.

Era sempre assim e chegava a ser cômico na mesma medida em que era fofo como Lica simplesmente incluía os filhos em tudo, mesmo que eles ainda não fossem presença física. Acordava, dava um bom dia pra a esposa e se agachava para dar bom dia aos Limanthinhos, como ela os chamava. Ia preparar alguma coisa para comer e sempre perguntava se os dois também queriam ou estavam com fome.

E passou a se referir a Samantha no plural. O “vocês” aqui e acolá era lindo aos ouvidos da Lambertini. Não era mentira, afinal. Ela e os Limanthinhos ali tinham virado meio que um pacote só. Só que esse pacote, ele também lhe testava horrores, principalmente na hora de dormir com aquele dilema de não encontrar uma posição confortável. Ou fosse na leve sensação que Samantha tinha de que havia virado uma bola da noite para o dia. O cansaço nas pernas também incomodava às vezes. Carregar duas crianças não era fácil e sendo filhos de Lica então....

- Sammy, eles estão se mexendo – a Gutierrez se derreti toda.

- Ou se matando, vai saber – e ela devolvia – É o dia todinho que Merlim deu me chutando feito um balaço esses dois.

E eram dois mesmo. Um casal, para ser mais exata. A constatação veio em um exame de rotina aos quatro meses de gestação. Lica chorou de felicidade, e Samantha... de felicidade e uma pontinha de desespero. Não julguem: menino sempre é mais difícil do que menina na criação. Parece que com eles a gente precisa sempre estar desenhando cada ensinamento para que eles entendam e ponham em prática. Exigem mais atenção, mis cuidado e mais vigilância também. E, claro, era filho de Heloísa, então a vigilância não seria bem dobrada.... Seria quadruplicada.

- A gente tem que pensar nos nomes – estava uma Samantha de oito meses de gestação muito bem acomodada à cadeira na sala de Lica no Ministério, comendo uvas. E a Gutierrez só queria entender o que diabos ela fazia ali. Sim, porque a tinha deixado aos cuidados de Leide em casa e, isso, só e somente só porque tivera sua presença requisitada no trabalho.

- Sammy, amor, qual a dificuldade em entender que você tem uma barriga de oito meses de gravidez de gêmeos e que precisa descansar, hum? Eu vou ter que desenhar?

Samantha deu de ombros e seguiu engolindo uvinhas.

- Que eu saiba, gravidez nunca foi doença. Vou almoçar com o Guto e o Gabriel e eles vêm me pegar aqui. Depois, vamos fazer umas comprinhas.

- É supermercado? Existe delivery.

Samantha nem se deu ao trabalho de responder. O celular vibrou com a mensagem de Guto avisando que estavam no saguão esperando por ela.

- Vou indo. Se cuida, se der ruim, foge e não esquece. Eu te amo – deixou um beijinho nos lábios da mulher e se retirou. Lica riu fraquinho e negou com a cabeça. Sabia que não adiantava querer controlar Samantha, porque aquela ali era um espírito livre e, bom... era ela quem mandava. Simples assim.

(...)

O tempo é algo misterioso e por isso mesmo, sublime. Não perdoa, não espera por ninguém e é capaz de fazer o impensável se tornar realidade. Samantha lembrava-se de seu terceiro ano no Grupo quando Malu lhe presenteara com um vira-tempo. O colar consistia basicamente de uma ampulheta no pingente, o qual a menina girava para poder voltar no tempo e fazer aquilo que não conseguira antes porque estava ocupada em outra tarefa, em outro lugar.

Lhe fora extremamente útil para poder assistir a todas as dez matérias que pegara naquele ano. E amava ver a cara de uns e outros, leia-se Lica, quando ela aparecia do nada no meio de alguma aula.

- Como você entrou aqui? Alguém a viu entrar? – ela sempre inquiria confusa.

- Eu estava aqui o tempo todo, Lica! Eu hein.

Manipular o tempo foi algo que Samantha achou divertido de fazer. Reviver histórias, momentos.... Mas há coisas que não podem ser revividas nem com a ajuda de um artefato mágico poderosíssimo como um vira-tempo. E não é bem pela possibilidade de voltar alguns instantes no relógio, não. Era mais porque eram situações únicas. Singulares, ela dizia.

Como foi singular aquela noite de trinta e um de outubro em que a leve pontada no ventre anunciou que tinha mais gente querendo povoar o mundo. Samantha tinha acabado de sair do banho, tinha acabado de se vestir, quando sentiu um líquido quente lhe escorrendo por entre as pernas. A barriga de nove meses denunciava o porvir.

- Lica! – e o grito dela também.

Heloísa apareceu esbaforida no meio do quarto trajando avental e ligeiramente coberta de farinha. Iria fazer um pão doce que aprendera em um dos livros de Tato pra o jantar. Terminou assistindo à sua mulher se esgoelar de dor enquanto tentava trazer seus herdeiros ao mundo. A médica fora taxativa: fariam uma cesárea, porque se tratava de gravidez gemelar e seria menos arriscado para os bebês e para a mamãe ali. Uma mãe bem.... Bom, a mão de Lica sentiu.

- Eu vou precisar de uma poção para fazer nascer ossos – gemeu de dor quando sentiu o aperto nada sutil de Samantha em sua palma. Era punição, ela tinha certeza, por ela, Gutierrez, tê-la colocado naquela situação muito embora os bebês não tenham sido postos dentro dela exatamente por ela e sim com a ajuda de uma seringa.

Levada para a sala de parto no Saint Mungus, a anestesia aplicada foi local. E aí o aperto na mão de Lica não era mais bem para fazer sentir dor e sim para fazer sentir apoio. Só para Samantha saber que ela estava ali garantindo que tudo terminaria bem. E, bom... terminou sim. Com duas criaturinhas mínimas se esgoelando e mostrando para o mundo a que vieram. Pulmões potentes, eles chegaram chegando.

Só que eles não foram os únicos a chorar não.... Havia duas mães ali completamente rendidas, entregues e mais um porção de adjetivos bobos para duas pessoas bobas e completamente apaixonadas. Tinham ali a razão da vida delas. Algo impensável para a Lica e a Samantha de dezessete anos que um dia elas foram, mas que o tempo tratou de mostrar que era totalmente possível. A menininha fixou o olhar na Gutierrez e só aí pareceu se acalmar, ao passo que o rapazinho parecia ansiosíssimo em sentir a outra mãe e determinado a não calar até que conseguisse. Samantha o trouxe mais para perto, enxugando aquela lágrima teimosa quando sentiu a mãozinha dele de encontro à sua pele. Ele parecia tocá-la, reconhece-la.

- Oi, filho... – e nunca uma expressão pareceu tão certa – Você é lindo, meu amor. E tão amado... – mas a menininha ali pareceu se chatear – Vocês dois são – ela se corrigiu e buscou Lica, que parecia atônita e.... – Lica?

- Tragam um tônico! A mãe desmaiou! – uma enfermeira gritou.

Depois ela virou vexame? Virou sim, claro. MB e Tina nunca lhe deixariam esquecer que ela caíra dura no meio do parto dos filhos. Acabou tendo que ser levada para uma enfermaria e, depois de cheirar por um tempo aquele líquido de aroma marcante e enjoado, saiu praticamente correndo em busca da mulher e de suas crias. As encontrou e quase caiu dura de novo, mas não pelo susto e sim porque seu coração quase parou diante da cena que assistiu.

- Olha lá a outra mãe de vocês, meus amores – Samantha sussurrava provocando – Ela caça bruxos das trevas, mas não aguenta assistir um parto.

- Para, Sammy! – Lica se aproximou e espiou os dois pacotinhos nos braços dela – Oi, meus amores.... Vocês são lindos, hein? A cara da mãe e eu não disse qual.

- Ele tem seu nariz e ela, acho que a minha boca.

- Nossos filhos são perfeito, Sammy – Lica se inclinou e deixou um beijinho nos lábios dela. Tinha à audiência Tina, Ellen, Keyla e Benê acompanhadas de Guto, Gabriel e Clara. Marco entrou logo em seguida e... Bom, foi estranho assistir ao Ministro da Magia, autoridade máxima do mundo bruxo, se debulhando em lágrimas pelos netos. Netos, meu Merlim! Quem um dia contaria isto?

- Eles já têm nomes? – Alice quis saber. Fazia um carinho e brincava com a menininha enquanto tinha o olhar do rapazinho preso a si. Ele parecia bem curioso – Ei, meus meninos....

Samantha buscou o olhar de Lica em um diálogo mudo e sorriu como se assentisse algo.

- Alice... Você sabe que entre eu e a Samantha não existe segredos. Nós conversamos sobre tudo uma com a outra e, bom.... Ela me contou sobre... o que houve no nascimento dela. Sobre vocês terem perdido uma filha e ela, a irmã – a mulher assentiu consternada. Marco emudeceu – Então eu e ela decidimos... fazer essa homenagem. Você não teve suas duas filhas, mas têm dois netos agora e.... Bom, nós vamos chamar nossa menininha de Olívia. Olívia Lambertini Gutierrez.

Sabem o significado da palavra “devoção”? Ele podia ser traduzido no olhar de Alice. A mulher retorceu as mãos e apertou os lábios. Envolveu Lica em um abraço e virou-se para a filha, tentando conter o choro sem muito sucesso.

- Vocês me deram aquilo que eu tenho de mais precioso na vida. Mais dois coraçõezinhos batendo fora do meu peito – deixou um beijo na fronte da filha – Olívia vai ser muito amada, podem ter certeza. E esse outro rapazinho, hum? Vocês não falaram sério quando disseram que o chamariam de Limantho, não é? – a mulher se preocupou – É um nome bem... peculiar.

Samantha riu baixinho e mordeu o lábio.

- A Sammy disse que queria escolher o nome dele. Rejeitou todas as sugestões que eu dei porque disse que já tinha um. Só falta ela me contar. Eu acho que também preciso saber como chamar meu filho.

- Maurício – ela simplesmente anunciou e fez um carinho no queixinho dele, que soltou um esganiçar. Parecia ter aprovado.

- O-oi?

- O nome do... nosso avô? – Clara se manifestou. Lica engoliu no seco e buscou o olhar de sua mulher.

- E poderia ser outro? Maurício é um nome simples, forte e lindo. Eu achei justa a homenagem, já que você concordou com o nome da Olívia, Lica. Esse menininho aqui vai ser um bruxo tão poderoso quanto o avô dele foi – Marco pigarreou – Eu não estou falando só do seu Maurício, pai.

Arrancou uma risadinha dos demais e virou-se para os filhos.

- Maurício e Olívia Lambertini Gutierrez – anunciou por fim – Eu espero que vocês tenham piedade das mães de vocês, porque com esses nomes, têm cara de que vão fazer miséria.

E fizeram mesmo. Todo dia, vinte e quatro horas por dia, se deixasse. Defina furacão, duzentos e vinte volts, tsunami, o que for.... Quando aquela dupla resolvia agir em conjunto, não tinha casa que terminasse em pé. Um belo dia. Aos dois aninhos de idade, Maurício apareceu brincando de pega-pega com Olívia na sala de estar segurando nada menos que a réplica da espada de Maurício, seu avô, arrastando pelo chão. Foi uma confusão para Samantha conseguir tirar aquele troço das mãos do filho sem precisar usar feitiço. Tinha medo de convocar a espada e a lâmina se soltar rápido demais e acabar machucando Maurício.

Mas não se enganem: Olívia também adorava pregar uma peça. Lica lembrava-se bem do dia que foram passar um final de semana em família no sítio de Campos do Jordão da família de Samantha. Ela teve que ir ao Ministério em caráter de urgência por problemas em seu departamento e, quando retornou pela rede de Flu, encontrou a filha simplesmente brincando com uma cobra no meio da sala. A menina mal sabia se manter de pé, engatinhava apenas, mas estava lá fazendo carinho em uma cobra coral que parecia satisfeitíssima em ser acariciada.

- SAMANTHA! – Lica correu para a cozinha, onde a mulher estava preparando um jantar – TEM UMA COBRA NO MEIO DA SALA!

E ela tinha pavor de cobra, fosse de que tamanho fosse, fosse de que espécie fosse. Odiava lidar com esse tipo de réptil nas aulas na escola e tinha pavor quando ouvia as palavras “animago” e “serpente” no trabalho.

- Olívia! – Samantha correu até ela. Lica pensou que a mulher fosse tirar a filha de perto daquele animal monstruoso, mas ela simplesmente pegou a cobra e saiu levando pra fora – Eu falei que não era pra trazer ela pra dentro.

- Ela trouxe? – a Gutierrez se desesperou – Samantha, nossa filha tem dois anos, pelo amor de Merlim! Eu não acredito que você deu uma cobra pra ela!

- Eu não dei, mas ela gostou do bicho, eu vou fazer o quê? Você tinha que ver como as duas se entenderam quando se viram.

- Samantha, é uma cobra! Pelo amor de Merlim, uma cobra que pica e mata! E pode se enrolar na nossa filha e....

- Cobinha, cobinha – uma Olívia afoita saiu engatinha atrás do animal como quem vai atrás de um cachorro.

- Olívia, volta aqui! – Lica foi até ela, mas voltou correndo desesperada quando a cobra voltou rastejando para sua filha e, de novo, se enrolando toda em conforto o toque dela – Não.... Meu Merlim, não me diz que....

- É... Ela não nega o sangue – Samantha soltou a bomba simplesmente e foi para a cozinha.

- Você fala com cobras? – Lica a seguiu, passando o mais longe possível do réptil e correndo atrás da mulher – Samantha, eu estou te fazendo uma pergunta.

- Falo, Lica – ela soltou em um suspiro e agitou a varinha no ar. Pratos e talheres começaram a se mover sozinhos, montando a mesa – Sempre falei. Pensei que você soubesse.

- Eu sou casada com uma ofidioglota e não sabia? Esse tempo todo e você nunca se lembrou de me contar? E o pior, nossa filha também pode ser uma!

- Pior por quê? – Samantha pegou ar – Falar língua de cobra não tem nada de ruim. As pessoas que associam com magia negra. Meu avô era ofidioglota, meu pai é... e ninguém nunca fez mal a um mosca. Pelo contrário. Um deles é Ministro da Magia. É um dom como outro qualquer.

- É bem raro – Lica suspirou e abriu a geladeira – Não vai precisar nem de chapéu seletor no Grupo – e riu-se, recostando-se ao balcão e servindo-se de água – Mas ó, eu não quero cobra andando aqui dentro de casa não. Eu tenho pavor desses bichos, a gente vai ter que ensinar a Olívia a brincar com elas da porta pra lá. Serpentes são perigosas e nem um pouco de confiança. E você, ó... um-hum. De jeito nenhum.

Lica se agachou e deixou um beijinho no ventre avantajado da mulher.

- Dramática – Samantha riu-se e deu ordens – Vai preparar minha salada e, ó – pegou a varinha dela – Nada de magia.

- Às ordens, madame – ela fez um floreio e foi lavar as mãos.

E sim, Samantha estava grávida novamente. Foi de comum acordo, claro, que não faria mal algum terem mais um Limanthinho pra povoar o mundo. Olívia e Maurício já estavam com seus dois aninhos de idade, as duas julgaram ser um bom momento pra darem a eles um último e definitivo presente. Mas também, parariam ali. A Lambertini fora taxativa: mais de três, aqui não, foi o que ela dissera. E dessa vez, graças a Merlim, era apenas um. Sim, porque só ela sabia das noites insones que passara pensando se fizera certo em aceitar mais uma inseminação e planejando formas de matar Lica lentamente caso ela lhe viesse com mais um par.

Nove meses depois, Olívia e Maurício estavam prestes a completar três aninhos, e a terceira Limanthinha veio ao mundo. Uma menininha danada, esperta e linda, claro. E era impressionante como a ciência dos trouxas parecia capaz de operar milagres: ela era a mistura perfeita de Lica e Samantha. Os cabelinhos lisos de uma no tom acastanhado da outra. Os olhos expressivos de uma no tom amarronzado da outra.

E sabe o encaixe perfeito? Olívia e Maurício receberam a irmã de braços abertos como um encontro de almas. Lica e Samantha ensinavam. Os irmãos “desensinavam”. Lica e Samantha orientavam, os irmãos descaminhavam. E sabe a cobra?

- Ei mãe, a Olívia está botando a Martinha pra brincar com a Nagini – Maurício era o X9.

Sim, a cobra ganhara nome e virara bicho de estimação da Gutierrez mais velha. Para desespero de Heloísa.

- Samantha, toma uma providência, pelo amor de Merlim!

- E por que tem que ser eu?

- Porque quem entende o que aquele bicho horroroso fala é você!

- Eu nunca vi auror com medo de cobra.

- Eu não sou mais auror, meu amor. Já posso externar meu pavor em paz. E tira aquela cobra horrorosa de perto das nossas filhas!

Sim, Lica não era mais auror. Mas não era bem aposentadoria, era só uma... promoção. Lembram do concurso para juíza? Uma hora, a vida da concurseira gera suas recompensas. Aos trinta anos, Heloísa Gutierrez assumira uma cadeira na Suprema Corte Bruxa. Seu uniforme agora era terninho e toga, o que alimentava muito bem as fantasias de uma certa Lambertini acolá.

- Eu sempre quis transar na mesa do tribunal. Que o papai não me ouça.

- Eu já ouvi, Samantha, e vou ter pesadelos com isso, acredite – Marco brotou da lareira. Tinha sido convidado para um jantar na casa da filha, mas ela esperava recebe-lo na porta da rua, não na rede de Flu. Bruxos e suas manias... – Como vão meus netos? – cumprimentou a filha e se dirigiu para o Trio de Ouro que corria desembestado no meio da casa – Não obstrua o Flu, sua mãe está vindo.

Mas como dito lá no começo, o tempo, ele não perdoa.... E o tempo de alguns, ele simplesmente acaba.

Como o de Marco Lambertini um dia acabou.

- Eu nunca pensei que um dia veria isso – Gabriel comentou aos sussurros com Gabriel.

- Nem eu. A Lica, coitada, não para de chorar. Quem vê jura que o ministro era o pai dela.

- Eu acho que ela está chorando de emoção pela Ellen. E vocês podiam fazer silêncio, estão me atrapalhando a ouvir o discurso dela – Benê foi curta e grossa.

Lembram da Glória Eterna do Torneio Tribruxo? Pois bem, Ellen não precisou matar dragão nenhum nem descer ao fundo do Lago Negro para conseguir a sua. Quase dez anos depois de ter ingressado no Ministério da Magia como uma simples estagiária, conseguiu respeito e reconhecimento naquilo que fazia. Aos vinte e cinco anos, já tinha criado um novo departamento do zero na administração bruxa, fora a responsável por uma das principais revoluções na comunicação mágica e, claro, a cereja do bolo.... Ela nunca falta.

O choro de Nena e Das Dores denunciava. O olhar de devoção de Anderson também. E a euforia das amigas ali no canto. Ou ao menos de uma delas. Lica parecia mais contida, mas também era só por fora, porque sua posição ali exigia isso. Ninguém senta ao lado da ministra da Magia em uma solenidade oficial agindo de forma espalhafatosa.

- Você é incrível! – Lica disse em claro e bom som ao ouvido dela quando a abraçou – Merece toda a admiração do mundo e vai ser a ministra mais foda que esse país já viu.

No sistema eleitoral mágico, era a própria sociedade civil que escolhia seu ministro. Qualquer cidadão bruxo com o ensino básico em magia poderia concorrer. Foi com certa surpresa que a família e os amigos receberam de Ellen a notícia de que ela tentaria o pleito. Nunca imaginaram-na fazendo política, isso era fato. Ellen Rodrigues sempre estivera mais para a cabeça pensante por trás de tudo. Mas foi exatamente esse o argumento dela.

- A mina crânio aqui vai protagonizar a própria história e ser vista – foi o que ela disse um belo dia depois de uma cervejas amanteigadas a mais – A filha do seu Leandro e da dona Nena, a nascida trouxa, um dia ainda vai ser ministra da Magia, podem escrever.

Foi dito e feito. Lica e Samantha ficaram felizes e aliviadas em saber que seus filhos cresceriam em um mundo liderado por alguém como Ellen. Quem sabe com ela, ele se tornasse um pouco mais justo como deveria de fato ser. E por falar em justiça....

Era praxe na cerimônia de posse, o novo ministro anunciar sua nova equipe. Em geral, os integrantes de cada departamento votavam para escolher aqueles mais aptos para gerir cada área. A lista tríplice era, então, enviada ao novo ministro, que escolhia quem assumiria cada sessão. Geralmente ele respeitava a votação de cada departamento e indicava o nome mais votado. Marco costumava fazer isso, Ellen havia prometido que o faria também, afinal, não seguir por esse caminho poderia gerar um tremendo mal-estar já no começo de sua gestão.

Após o discurso de posse, as atenções se voltaram para os nomes que comporiam a nova conformação do Ministério da Magia. E enquanto Ellen fazia o preâmbulos....

- Que cara é essa? – Guto quis saber. Samantha ria para o vento e mordia o lábio com aquela típica expressão de quem vai aprontar. E acredite: ninguém melhor para defini-la com um olhar do que Augusto Sampaio Neto – Onde você estava? Sumiu do nada.

- Fui o banheiro – mentiu e buscou Lica com o olhar – Minha mulher é linda, não é? Olha aquela carinha fofa de juíza séria. Nem parece que quando estamos sozinhas, ela enlouquece.

- Samantha, pelo amor de Merlim! Detalhes aqui não – Guto suplicou e seguiu o olhar dela – E qual é essa agora? Resolveu cadelar a Lica do nada por quê?

Ela tinha seus motivos. E fontes, claro. Um jornalista sem fontes não é nada.

Samantha sabia bem como terminaria a noite: dormindo com a nova presidente da Suprema Corte Bruxa e chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia.

- E-eu? – Lica precisou ser empurrada para frente por um colega magistrado – Mas eu nem me candidatei a nada.

- E nem precisou, minha querida – Joana, a mulher que um dia lhe julgara por uso indevido da magia e agora era sua colega de trabalho, comentou – Um juiz só precisa ser juiz para se tornar apto ao cargo. Não reclame, vá fazer seu discurso – e empurrou-a em direção a Ellen.

Uma Ellen que sorria de orelha a orelha diante de uma Lica completamente atônita e com uma interrogação do tamanho do mundo pairando sobre a cabeça.

- Que foi? Seu nome estava na lista, viu? Não favoreci ninguém, só fui pelos votos – a ministra a envolveu pela cintura e posou para a foto – Parabéns, patricinha – disse por entredentes – Vai ter que me aturar como sua chefe agora.

E definitivamente não seria sacrifício nenhum.

- Samantha, uma nota sobre sua esposa ser a nova chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia? – o repórter pediu. A Lambertini riu e negou com a cabeça.

- Fala com ela, Simas – e apontou para Lica tentando chegar até ela no meio da chuva de congratulações – Só não faz muita propaganda, essa juíza tem dona e ela morde – deixou um piscadela para o repórter no ar, aproximou-se de Heloísa, segurou o rosto dela em um carinho, inclinou-se para o ouvido e sussurrou um “te dou parabéns mais tarde”. Se retirou como quem não tinha feito nada

E Lica, coitada, mal conseguia formar uma frase com sentido para os jornalistas. E tinha como depois daquilo?

A propósito, ela amou as congratulações da esposa depois. Ninguém, simplesmente ninguém sabia dar como Samantha. Os parabéns, é claro.

- É estranho a casa ficar silenciosa assim – a Gutierrez comentou por alto. Tinha as costas apoiada nos travesseiros e uma Samantha completamente nua sobre ela. Pele com pele, a Lambertini descansava a cabeça no peito dela, subindo e descendo conforme a respiração calma. Brincava com o pingente de fênix do cordão dela.

- Bem oportuno esse convite da Clara pra levar os meninos pro sítio. Se fosse combinado, não tinha dado certo – Samantha brincou e rolou sobre Lica – A gente estava precisando desse tempinho só nós duas – e deixou um beijo lento e cadenciado nos lábios dela.

- A Olívia e o Maurício estão naquela idade de derrubarem a casa no meio da brincadeira e a Martinha não sabe dizer não pros irmãos... Sobra pra quem? – Lica riu e encarou o teto – Sammy, nossos filhos podiam ser menos nós? Presta atenção como a Olívia é decidida como você e o Maurício é meio... displicente como eu.

- Displicente é um sinônimo novo pra preguiçoso, atentado e malino? – Samantha brincou – Outro dia eu mandei ele ir arrumar o quarto e ele teve a coragem de me pedir a varinha emprestada – e imitou o filho em um falsete – Rapidinho, mamãe. Só se eu tivesse nascido ontem

Lica riu negando com a cabeça e a apertou mais contra si.

- Você fala assim, mas eu sei que ele é seus olhos e seus ouvidos nessa casa. Tudo que as meninas fazem, ele vai enredar pra você e você adora.

- Adoro mesmo. Filho mais velho tem que ser assim. Cuidar dos mais novos e não deixar eles se matarem. Semana passada, a Martinha quis duelar com a Olívia. Eu peguei ela subindo num banquinho pra tentar pegar sua varinha da prateleira enquanto ‘cê tomava banho.

- Primeiro que o Maurício só é mais velho treze minutos. Segundo que a Martinha é meu espírito animal.

- Pois está explicada a razão de todas as minhas dores de cabeça – Samantha apoiou o queixo no peito de Lica e suspirou – Se a Samantha monitora-chefe do Grupo me visse agora, sairia arrancando os cabelos de desespero.

- E a Lica campeã do Tribruxo? Enfrentar um dragão foi fichinha perto de criar e educar três meninos, comandar um departamento no Ministério e ainda ser uma boa esposa.

Ela sequer percebeu o risinho bobo que pintou os lábios de Samantha. Mas é que era meio impossível não se derreter inteira com a espontaneidade daquilo: a verdade em cada palavra no que ela proferia, a certeza. Fácil não era, mas ela via todo santo dia o esforço de Heloísa em não pecar em nada no que dizia respeito ao casamento delas e aos filhos. A dedicação, o carinho, o amor e a devoção que ela depositava e alimentava religiosamente a cada nascer e pôr-do-sol. Os erros, as falhas... normais em qualquer relação, claro, estavam ali sim. Mas se tornavam pequenos detalhes quase imperceptíveis na vivência diária.

Lica era uma apaixonada nata do que tipo que mandava flores. Mandava literalmente. Um belo dia, Samantha foi chamada até a recepção do Profeta Diário para dar de cara com o carro de uma floricultura depositando buquê atrás de buquê em tudo que era canto. De rosas a flor de lótus. Em um cartão, a explicação: “Feliz dez anos de casadas”. Era isso: trinta e cinco anos e nada, simplesmente nada havia mudado entre elas. A cumplicidade, a paixão, o desejo e o respeito não arrefeciam. Pelo contrário: pareciam sempre aumentar, se intensificar.

A comemoração pela primeira década unidas em matrimônio não ficou só nas flores, claro. Interessante foi ver a explicação que os filhos mais velhos davam para a mais nova sobre o motivo das mães estarem saindo toda arrumadas para jantar sem eles.

- Elas vão namorar, Martinha – uma Olívia de nove anos explicou.

- E o que você sabe sobre namorar, Olívia? Eu posso saber? – Samantha inquiriu lá do corredor dos quartos.

- A tia Tina que falou, mãe. Que você e a mãe Lica vão namorar e.... como foi mesmo? Quem sabe dar mais um irmãozinho pra gente. Como vocês fazem um irmãozinho?

- Encerrou esse assunto – Lica se meteu. Apareceu trajando um macacão abotoado até a metade, um par de scarpins na mão – Vão assistir filme que é melhor.

- Esse filme é legal. O menino de óculos derrotou uma cobrona – Martinha comentou.

- Eu achei essa cobra bonita. Mas é um basilisco, Martinha. É um monstro – Maurício corrigiu.

- A minha Nagini se chama assim por causa da cobra desse filme, sabia? – Olívia se juntou a eles – É a cobra do vilão, o Voldemort. Ela é uma horcrux.

- O que é horcrux?

- Não dá spoiler, Olívia – Maurício ralhou e lá foram os três entrar na própria bolha. Lica riu-se, negou com a cabeça e retornou para o quarto, cruzando com Samantha.

- Harry Potter de novo? – a Lambertini inquiriu.

- Sempre – Lica brincou – É a primeira vez que a Martinha está vendo. Nem pisca. Disse que o Harry é o herói preferido dela. Duvido se esse moleque ganha um torneio tribruxo – ela parecia emburrada.

- Spoiler. No quarto filme, ele ganha sim – Samantha provocou pirracenta e roubou um beijinho – Mas no final, ele não casa com a sonserina gata.

- Está vendo? Eu sou muito melhor que esse moleque míope bobão. Deixa eu ir terminar de me arrumar – deixou mais um beijinho na esposa e rumou para o quarto.

- Moleque míope bobão, mas que sobreviveu à morte, viu?

- E daí? Eu também – Lica rebateu lá dentro – Me chamem de Heloísa Potter – e fez um floreio.

- Para de falar loucura e vai terminar de se arrumar, oh menina que sobreviveu – Samantha debochou e foi terminar de colocar uns assessórios.

Mas era bem isso mesmo. Torneios, dragões, castelos, magia... qualquer semelhança poderia não ser mera coincidência.

(...)

- Martinha – Lica chamou a primeira vez. Silêncio – Martinha, eu te ouvi. Nem adianta se esconder – rindo, a mulher se agachou e enfiou a cara na casinha que havia construído nos fundos do sítio em Campos.

- Eu vou enfeitiçar você! -  a menina apontou a varinha direto na cara de Lica. O objeto faiscou.

- Opa, opa... Dá isso aqui – gentilmente, Heloísa segurou o bracinho de Martinha e tirou dela a varinha – Isso aqui não é brinquedo, pensei que já tivesse dito. Como você conseguiu isso?

- Eu achei – a menina retorceu os dedos, se balançou toda e riu faceira. Bem filha de Samantha mesmo.

- Achou? Onde? – Lica foi na dela.

- No quarto.

- Ah, no quarto... então a senhorita andou entrando no quarto das suas mães e mexendo onde não devia, hum? Bom saber.

- Desculpa – Martinha ria.

- Desculpada, mas ó... Não é pra voltar a acontecer, fui clara? Varinha é coisa de adulto, criança não pode mexer. Quando você for pra escola, aí sim nós vamos comprar a sua.

Os olhinhos de Martinha brilharam.

- Eu posso ter uma igual à da Olívia?

Lica suspirou e riu fraquinho.

- Eu acho que não.... É que existe uma varinha pra cada bruxo, sabe? E dificilmente há duas iguais.

- Eu posso escolher a cor?

Lica gargalhou.

- Eu acho que também não, mas se consola.... É a varinha que escolhe o bruxo. E eu tenho certeza que a sua vai ser tão poderosa quanto a bruxa que você vai ser um dia. Palavra de Gutierrez – e encaixou o mindinho com a filha – O que você está fazendo aqui fora sozinha?

- Eu queria brincar. Estou com saudades do Maurício e da Olívia.

Aos onze anos, como era de praxe, Olívia e Maurício ingressaram no Grupo para iniciarem sua educação mágica. Ela, Sonserina. Ele, Grifinória. Decididamente não negavam o sangue. A euforia de poder entregar os filhos ao Expresso do Grupo na Plataforma Nove Três Quartos não foi nada comparada à dor no peito que Lica e Samantha sentiam em ter que se separarem de suas crias por tanto tempo. O ano letivo durava exatos nove meses e ok que eles poderiam passar feriados e datas comemorativas em casa, mas nunca era a mesma coisa.

- Era assim que nossos pais se sentiam?

- Os seus devia ser – Lica comentou – Minha família praticamente vivia no Grupo, então... – dois segundos de silêncio – Eles não podiam estudar em casa? Quer dizer, eu ensino Defesa Contra as Artes das Trevas e....

- E vai presa por negar aos seus filhos o direito básico da educação – Samantha brincou e envolveu-a pelo pescoço – Me ajuda, vai. Não fica nessa paranoia, porque eu também estou odiando essa ideia de me separar dos meus meninos. Bora só curtir a Martinha antes dela ir também? Ano que vem, vai ser ela.

- Depois de ouvir isso, me nasceram dois fios brancos aqui – Lica brincou e suspirou, observando ao longe o trem partir levando suas crias para longe – Eles vão ficar bem. E nós também, eu espero – virou-se para encontrar o olhar de Samantha perdido na mesma direção que o dela. Elas iriam ficar bem sim. A vida é feita de ciclos e elas estavam só começando mais um.

(...)

O verão pareceu chegar de repente naquele ano. A manhã do dia primeiro de março estava revigorante e, quando a pequena família atravessou saltitante a rua em direção à grande estação encardida, a fumaça que os carros expeliam cintilavam como teias de aranha no ar. Três grandes gaiolas sacudiam em cima dos carrinhos cheios que as mães empurravam; as corujas dentro delas piavam indignadas. Os passageiros olhavam curiosos para as corujas quando a família se encaminhou em ziguezague para a barreira entre as plataformas nove e dez. A voz de Martinha chegou aos ouvidos de Lica apesar do barulho reinante: seus dois filhos tinham retomado a discussão começada no carro.

- Não quero ir! Não quero ir para a Sonserina!

- Maurício, dá um tempo! – pediu Samantha.

- Eu só disse que talvez ela fosse – defendeu-se Maurício rindo da irmã mais nova – Não vejo problema nisso. A Olívia foi pra lá e talvez a Martinha também vá pra Sonse....

Maurício, porém, viu o olhar da mãe e se calou. Os Lambertini-Gutierrez se aproximaram da barreira. Maurício foi o primeiro a pegar o carrinho que Samantha levava e saiu correndo sendo seguido por Olívia. Um instante depois os dois tinham desaparecido.

- Vocês vão escrever pra mim, não vão? – perguntou Martinha às mães, capitalizando imediatamente a ausência momentânea dos irmãos.

- Todo dia, se você quiser – respondeu Samantha.

- Todo dia não – replicou Martinha depressa – A Olívia disse que a maioria dos alunos recebe carta de casa mais ou menos uma vez por mês.

- Escrevemos para ela e o Maurício três vezes por semana no ano passado – contestou Samantha.

- E você não acredite em tudo que eles lhe disserem sobre o Grupo – acrescentou Lica – Eles gostam de brincar, os seus irmãos.

Lado a lado, elas empurraram o terceiro carrinho e ganharam velocidade. Ao alcançarem a barreira, Martinha fez uma careta, mas a colisão não aconteceu. Em vez disso, a família emergiu na plataforma Nove Três Quartos, que estava encoberta pela densa fumaça clara que saía do Expresso do Grupo. Vultos indistintos pululavam na névoa, em que Maurício e Olívia já desapareceram.

- Onde eles estão? – perguntou Martinha ansiosa espiando os vultos brumosos pelos quais passavam ao avançar pela plataforma.

- Nós vamos encontra-los – tranquilizou-a Samantha.

Mas o vapor era denso e estava difícil distinguir os rostos das pessoas. Separadas dos donos, as vozes ecoavam anormalmente altas. Até que um grupo de quatro pessoas que estava parado ao lado do último vagão emergiu da névoa. Seus rostos só entraram em foco quando Lica, Samantha e Martinha estavam quase em cima deles.

- Oi, tias – disse Martinha parecendo imensamente aliviada.

- Conseguiu estacionar direito? – perguntou Lica a Tina – Eu consegui. A Samantha não acreditou que eu pudesse passar no exame de motorista dos trouxas pra renovar minha carteira. Achou que eu ia precisar confundir o examinador.

- Não pensei não – replicou Samantha – Botei a maior fé em você.

- Pois eu confundi mesmo – sussurrou Lica para as amigas quando embarcou o malão e a coruja de Martinha no trem – Só me esqueci de olhar pelo retrovisor externo e, cá entre nós, posso usar um Feitiço Supersensorial para isso.

- Você vai é ser presa e perder seu cargo, juíza – Tina debochou e apontou para Ellen mais à frente repassando mil recomendações ao sobrinho que ingressaria no Grupo naquele ano. Fruto do casamento de Tina e Anderson, Tiago Yamada Rodrigues tinha na tia ministra da Magia uma segunda mãe – Deixa a Ellen saber disso.

De volta à plataforma, eles encontraram Martinha e Luís, filho mais novo de Keyla com Tato e irmão de Tonico, em uma conversa animada sobre para qual casa seriam selecionados.

Lica consultou seu velho relógio arranhado que, no passado, tinha pertencido a seu avô, Maurício Gutierrez.

- São quase onze horas, é melhor embarcar.

- Não se esqueçam de transmitir nosso carinho à Malu, ao Bóris e à Dóris! – recomendou Samantha ao abraçar Maurício.

- Mãe, eu não posso transmitir carinho a um professor.

- Mas você conhece os três....

Maurício girou os olhos para o alto.

- Aqui fora sim, mas na escola eles são diretores, não é? Não posso entrar na sala de aula falando em carinho....

E balançando a cabeça para a tolice da mãe, ele fez um high-five com Olívia e deu um cutucada em Martinha.

- A gente se vê, Martinha! Cuidado com os testrálios.

- Pensei que eles fossem invisíveis. Você disse que eram invisíveis!

Maurício e Olívia, porém, riram apenas, permitiu que as mães os beijassem e saltaram para o trem que se enchia rapidamente. Elas os viram acenar e saírem correndo pelo corredor cada um para um lado à procura dos amigos.

- Não precisa se preocupar com os testrálios – disse Lica a Martinha – São criaturas meigas, não têm nada de apavorante. E, de qualquer modo, você não irá para a escola de carruagem, e sim de barco.

Samantha se aproximou.

- Tchau, filhota – disse e a filha a abraçou – Não esqueça de seguir as recomendações dos monitores e dos diretores, não duele com ninguém até aprender como se faz e não deixe que o Maurício nem a Olívia enrolem você. Eles são seus irmãos, te amam, mas também amam pregar peças por aí.

- E se eu for para a Sonserina?

O sussurro foi apenas para Lica, mas Samantha ouviu. As duas perceberam que só o momento da partida poderia ter forçado Martinha a revelar como o seu medo era grande e sincero.

Heloísa se abaixou de modo a deixar o rosto da menina ligeiramente acima do seu. Dos seus três filhos, Martinha fora a única que herdara aquele jeito mais calmo e quieto. Tinha lá suas inseguranças. Lica se via muito na filha, especialmente aquela Lica de onze anos, curiosa e amedrontada demais com tudo que dizia respeito ao Colégio Grupo e à magia.

- Maria Marta Lambertini Gutierrez – disse baixinho para ninguém mais, exceto Samantha, poder ouvir – Eu e sua mãe lhe demos o nomes de duas das bruxas mais incríveis e talentosas que o mundo já viu. Uma delas é diretora do Grupo e pertenceu à Sonserina. Você sabe de quem eu estou falando, não sabe?

- Da vó Malu? – a menina inquiriu em dúvida.

- Exatamente. Maria Luiza Becker, Sonserina nascida e criada e provavelmente a mulher mais corajosa que eu já conheci. Ela me ensinou muita coisa, ensinou muita coisa pra sua mãe e vai te ensinar muito também. Ser da Sonserina não é nenhum problema. Sua mãe também foi de lá, sua irmã é....

- Mas mãe....

Samantha se agachou para entrar na conversa.

- Se você for pra Sonserina, Maria Marta, então eles terão ganhado uma excelente estudante, hum? Não faz diferença nenhuma pra gente. Mas, se fizer pra você, você pode escolher qualquer outra casa. O Chapéu Seletor leva em consideração sua escolha.

- Sério?

- Levou comigo – Lica lembrou.

Ela jamais contara isso a nenhum dos filhos, e notou o assombro no rosto de Martinha ao ouvi-la. Agora, entretanto, as portas estavam começando a se fechar ao longo do trem vermelho e os contornos indistintos dos pais se aglomeravam para os beijos finais, as recomendações de última hora. Maria Marta pulou pra o vagão e Samantha fechou a porta do compartimento dela. Os estudantes estavam pendurados nas janelas mais próximas. Um grande número de rostos, tanto dentro quanto fora do trem parecia estar virado para Lica e Samantha.

- Por que eles estão nos encarando? – perguntou Martinha enquanto ela, Maurício e Olívia se esticavam para olhar os outros estudantes.

- Não se preocupe – disse Tina com pirraça – É comigo. Eu sou excepcionalmente famosa por ser dona do Grupo. Ah, e também fui campeã do Torneio Tribruxo, namorei e casei com a monitora-chefe da escola e filha do ministro da Magia, sabe como é....

Lica e Samantha riram. O trem começou a se deslocar e as duas o acompanharam olhando os rostos dos filhos já iluminados de excitação. Continuaram a sorrir e acenar, embora tivessem a ligeira sensação de terem sido roubadas ao vê-los se distanciando delas....

O último vestígio de vapor de dispersou no ar. O trem fez uma curva, as mãos erguidas de Lica e Samantha ainda acenavam um adeus.

- Eles vão ficar bem – murmurou Samantha e deixou um beijinho nos lábios da esposa.

Ao olhá-la, Lica encontrou o mundo. Samantha era seu mundo e, muito embora uma parte fundamental dele estivesse distante fisicamente com os filhos, ela ainda sentia que sim, estava completa e bem como nunca pensou que um dia estaria.

A menina que sobreviveu, amou e foi amada. Nada seria capaz de incomodá-la mais, porque havia Samantha, seus filhos e uma vida inteira pela frente. Tudo estava bem.


Notas Finais


Finalmente os "finalmente" rsrsrs. Gente, era isso. Espero que tenham gostado e mais uma vez, obrigada pela leitura e pelos comentários.
Agora um aviso final: sempre falam nos comentários (e eu também falo) em novas fics. Escrevi seis fics em três anos e todas elas foram Limantha. Pra mim é fácil demais fanficar e criar histórias com elas, imaginar as duas em diversas situações e cenários. Mas como tudo na vida, pra escrever é preciso ter um empurrãozinho, um inspiração. Finalizei Amortentia hoje, porque amanhã vem uma nova era no fandom de Limantha: cadelar pela Giovanna em Rebelde. Eu estou animadíssima, mas também entendo que com ela em outro projeto, o conteúdo da Lica e da Samantha deu e vai dar mais ainda uma desacelerada. Pra mim é meio difícil escrever e criar fic delas sem nada delas de novo, entendem?
Esperemos pela segunda temporada de As Five e as surpresas que ela pode trazer. Fics Limantha eu tenho aos montes sendo escritas para serem postadas, mas até que o time venha, darei um tempinho rsrsrs. Espero que ele não seja longo kkkkk.

No mais, eu agradeço imensamente por vocês me acompanharem e aqui e até breve!


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