1. Spirit Fanfics >
  2. Angels - Seulrene >
  3. 05:03 - Sketches

História Angels - Seulrene - 05:03 - Sketches


Escrita por: KimLeah04

Capítulo 34 - 05:03 - Sketches


- Eles só podem estar de sacanagem comigo! - o berro enfurecido feriu seus ouvidos, e num reflexo levou as mãos às laterais da cabeça, seu cenho se torcendo em uma careta.

Demorou menos de um segundo para que sua reação fosse percebida, os olhos escuros faiscando reprovação em sua direção. Não se deixou abalar, no entanto. Tinha tempo de prática suficiente para que aquele tipo de comportamento não a afetasse, o mínimo que fosse. Amber não a assustava, e o azar era todo seu se pensava o contrário.

As causas por trás de seus pequenos surtos regados a gritos eram em sua maioria misteriosas, mas por algum milagre de Santa Hyuna naquele dia ela poderia dizer com chances elevadas de precisão que sabia o motivo. E o termo em questão nada mais era do que um envelope branco de vinte e cinco por vinte centímetros, mais magro do que tudo indicava que deveria ser. Normalmente, dia de pagamento era sinônimo de felicidade para cada ínfimo trabalhador assalariado da face da Terra, e para ambos não deveria ser diferente - principalmente se levado em conta o fato de que, como toda pessoa vivente, tinham contas à pagar; boletos de água, energia e fibra óptica como os bons artifícios demoníacos que eram jamais deixavam de chegar, como não desapareciam as parcelas restantes de um financiamento que, sabe Deus porque, Liu tinha achado de bom tom fazer mesmo tendo cem por cento de certeza de que não conseguiria arcar com os juros futuramente. Para essas questões e outras mais, o mirrado salário de seus empregos na lanchonete vinham bem à calhar, na maioria do tempo.

As grandes exceções eram ocasiões como aquela, em que pela centésima vez em dois anos descobriam o surgimento milagroso de uma nova alíquota sobre seus contracheques. Mas ao seu bem pensar, já estava na hora de mais uma redução em prol do Governo... a única coisa que não sabia era quando tal abate viria sobre suas carteiras. Entendia bem a revolta de Amber, porque tinha o seu quinhão na história toda. Compreendia a poesia dos discursos políticos que incitavam os cidadãos a contribuir com o crescimento de seus países, mas se continuavam a sugar seu dinheiro daquela forma não via outras alternativas senão ir de encontro com aquele pensamento utópico de construção de uma sociedade melhor.

Que benefício poderia ter, se seguia tendo de pôr fora coisas básicas de sua lista de pendências?

- Daqui a pouco vão nos colocar para trabalhar de graça. - resmungou, colocando o pedaço de papel de volta em seu envelope e enfiando grosseiramente o pacote num dos bolsos da mochila com estampa militar para lá de surrada. Suspirou, dobrando seu próprio contracheque em dois e escorregando-o para o bolso da frente do jeans, julgando ser um local muito mais seguro para o mesmo na longa jornada que teria rumo ao seu destino daquele fim de tarde. - Seul? - chamou-a, e ouviu o clique metálico quando fechou o armário. Continuou concentrada na tarefa que exercia, respondendo-lhe com um termo incompreensível qualquer. Xingou mentalmente quando dois de seus fios de cabelo foram arrancados, apesar de todo o seu esforço em retirar o elástico da maneira mais sutil possível; as mechas livres caíram por seu rosto, fazendo cócegas na pele nua e não demorando a atar-se às poucas gotículas de suor que resistiam sobre seu pescoço.

Quarta feira, além de ser o dia em que seu turno acabava mais cedo, era também ocasião em que ficavam responsáveis pela limpeza das mesas e do salão. Fazer a faxina da lanchonete não era de todo ruim, desde que pudesse ficar longe dos banheiros e disso poderia se livrar com alguma facilidade; não se considerava uma pessoa sortuda, mas Amber deveria ser ao menos dez vezes pior do que si para sempre perder o mesmo jogo, de cara ou coroa, e tornar-se quase que o limpador oficial dos sanitários do Mcdonalds em que trabalhavam. Restava-lhe, com o trabalho sujo nas costas do amigo, a parte mais fácil de tudo aquilo - mas que não tivesse a ousadia de desafiar o potencial das mesas e dos ladrilhos para estragarem seu dia, porque do contrário os mesmos teriam o prazer de mostrar que estava errada.

Ter de sair mais cedo era o que verdadeiramente a deixava nauseada. Sair mais cedo do trabalho era sinônimo de tantas coisas desagradáveis que por vezes precisava listá-las e contar nos dedos para se assegurar de que não esquecia nada - e mesmo esse tipo de atitude era raro por sua parte, justificando-se na informação de que era torturante demais viver tudo aquilo, ainda que hipotética e nunca fisicamente. Chegar em casa mais cedo e ter de lidar com sua família poderia ser uma ótima maneira de resumir a missa. Seulgi daria sua perna esquerda por um meio permanente que possibilitasse a chance de não ter mais que encarar os olhares de repulsa e nojo dos progenitores e os comentários maldosos do irmão mais velho. De seus demônios particulares, Seokjin era quem mais se dedicava a fazê-la entrar em colapso diariamente. Era de certa forma incrível pensar que ele estava sempre ali, esperando apenas pelo segundo preciso para importuná-la com algumas de suas piadinhas envolvendo enredos de filmes de terror ou provocações baratas sobre seus hábitos totalmente desconexos e demais afins. Gastara horas de vida dizendo a si mesma que não lhe valia à pena estressar-se com o que deixava sua boca, mas não era estúpida para não admitir que algo na maneira com que o mesmo tecia cada uma das sentenças parecia especialmente desenvolvido para tocá-la em seu ponto mais fraco.

Ainda que diante de muitos não aparentasse, Seulgi sempre havia sido péssima em controlar suas emoções. Muita coisa somente conseguia registrar horas... dias depois... quando o momento finalmente se arrefecia e lhe era permitido pensar com maior clareza sobre seus atos. Em maioria, se encontrava subordinada aos seus sentimentos e instintos, e como isso a impossibilitava de ver muito além do sentido literal das coisa que aconteciam ao seu redor, então não seria de se surpreender que não tivesse a menor das ideias do que fazia e do que dizia. Seus instantes de inconsciência a amedrontavam na proporção em que se tornavam frequentes, e mais recorrentes eram as situações em que se via tendo de apelar para pedidos de desculpa um tanto quanto vazios e narrativas de terceiros sobre seus feitos, enquanto não conseguia responder por estes. Ir para casa sempre lhe causava esse tipo de perda de controle, e esta era uma das muitas razões pelas quais evitava passar mais do que o período necessário dentre aquelas paredes - maior ainda era no entanto seu desejo de afastar-se de tudo aquilo de maneira definitiva, mas ao que tudo lhe indicava esta era uma utopia, um delírio (embora algo racional) pelo qual teria ainda de aguardar algum pouco antes de ver completamente realizado.

Mas naquele dia em questão, Seulgi não precisava temer sua residência como o fazia em dias comuns, porque não era para lá que estava indo. E como se somente isso não fosse o suficiente para deixá-la satisfeita e feliz, ainda existia a porcentagem expressiva de possibilidades que apontavam que teria ainda direito a um pequeno mimo, que seu já pequeno salário agora ainda mais reduzido não poderia lhe ceder com a frequência com que poderia desejar tal. Era tudo que precisava para deixar o trabalho com um humor infinitas vezes melhor do que o era em suas saídas habituais... e foi exatamente isso o que chamou a atenção de Amber.

- Tá indo pra onde, com essa cara de quem viu passarinho verde? - interpelou-a, ao mesmo segundo em que batia a porta de seu armário. Revirou os olhos, apenas para não perder o costume do gesto, um pequeno mas existente sorriso surgindo em seu rosto. A desconfiança alheia somente cresceu. Arriscou, com o tom vacilante de quem sabia que o tópico era delicado. - Não tá com cara de quem tá indo pra casa...

- E não estou. - deu de ombros brevemente, passando as mãos pelos fios escuros e pondo uma quantidade generosa deles atrás da orelha. Talvez estivesse chegando a hora de finalmente adotar um corte. - Joy me chamou pra sair... aquele café que ela tanto diz que adora, sabe?

- Aquele que você não poderia entrar sozinha, nem mesmo para limpar o chão?

- Esse mesmo. - confirmou, sem se importar com a referência explícita na frase do amigo. Era verdade que Sooyoung tinha dinheiro, bem mais do que a sua família toda em duas gerações, e que com tal condição podia ter acesso à toda uma gama de locais e privilégios que a Kang não poderia sonhar em seus trinta aninhos de idade, quem dirá aos vinte e um que tinha atualmente. Isso fazia com que certos convites, como o que havia recebido mais cedo por mensagens de áudio curtinhas (que tanto a faziam amar a amiga), para um lanche em um lugar que habitualmente lhe custaria os olhos da cara e um pedaço do fígado, não passassem sequer pela possibilidade de serem recusados. - Ela disse que precisava de companhia... e de ajuda pra um trabalho.

- Aposto que é mais um desses experimentos da faculdade dela... ela faz artes plásticas, não é? - assentiu uma vez, positivamente. - Eu no seu lugar me preparava. Ela bem que pode estar querendo essa carinha e corpitcho pra um dos desenhos dela... - Amber piscou um olho, forçando um biquinho tosco e desengonçado. Seulgi fez uma nova careta.

- Que louco ia me querer eternizada num desenho, Hyuna do céu?! - o tailandês deu de ombros. Puxou a falsa mochila do exército, jogando-a sobre as costas de qualquer jeito.

- Acredite, muita gente. Você é bonita, criatura sonsa. - mostrou-lhe a língua, ao que Seulgi revirou os olhos novamente. - Se eu gostasse de mulher, eu te pegava.

A morena o encarou como se tivesse acabado de falar a maior blasfêmia do milênio. Ergueu uma das mãos, elevando o tom de voz para falar acima do riso de Amber quando viu a expressão de choque e nojo dramático em seu rosto.

- Pode parar com a conversa estranha, por aqui. Posso viver a minha vida sem ouvir você falando essas baboseiras... - bufou, tomando a frente e marchando na direção da saída. Amber a seguiu, passando as portas duplas articuladas mundo consigo. Seu riso cessou, e ambos prosseguiram em silêncio até a outra extremidade do local. Usou suas chaves para trancar a porta principal, torcendo internamente para que a pessoa que viesse substituí-la no turno da noite se recordasse de levar seu próprio chaveiro e não tivesse de retornar ali, depois. Não era o tipo de situação que acontecia com frequência, mas tinha aprendido a deixar seu celular sempre no modo avião para evitar que lhe fizessem contato.

Sem querer parecer uma monstra das cavernas, mas não estava em suas cláusulas de contrato a obrigação de ser chaveiro vinte e quatro horas de quem quer que fosse.

O ar ainda meio morno do lado de fora provocou-lhe um choque térmico instantâneo, a temperatura pelo menos doze graus mais quente do que estava no interior da loja; torceu para que sinusite não a atacasse antes que estivesse no incômodo "conforto" de sua casa, porque fatidicamente não se lembrara de apanhar seus remédios naquele dia e seu contracheque magro não iria lhe permitir uma passada de última hora na farmácia, mesmo que para uma emergência. Em sua determinação de caráter de honra de se desprender totalmente do dinheiro dos pais, Seulgi buscava manter o máximo de controle sobre cada compra que fazia, chegando a planejar com semanas de antecedência a aquisição de qualquer objeto e esperando pelas melhores promoções quando tinha certeza de que era um ato indispensável; noventa por cento do que tinha havia sido comprado durante a Black Friday e outros cinco por cento coisas que se havia permitido ter em épocas muito raras e especiais, como finais de semestre e as últimas semanas de novembro, pouco antes do Natal. Os cinco por cento restantes eram produto de momentos de loucura consumista e não gostava sequer de pensar sobre.

Tinha uma blusa dos Aerosmith que nunca tinha tirado da embalagem, tamanho constrangimento de encarar peça comprada em um instante de exclusiva loucura, nos dias em que tinha cogitado se aventurar definitivamente no mundo do rock; descobriu tardiamente que não era a sua vibe e desde então a tal camiseta estava afundada em seu armário, coberta por outras tranqueiras que a impediam de vê-la no cotidiano. Mas Seulgi ainda sabia que estava lá, espreitando-a e amaldiçoado sua negligência por tanto tempo.

Guardou o molho de chaves no bolso mais seguro de sua própria mochila, passando-a sobre os ombros. O silêncio de Amber continuou nos segundos subsequentes, e estava quase se esquecendo de sua presença irritante e inconveniente quando o mesmo fez questão de recordá-la, soltando mais precisamente esta frase:

- Ah, qual é! Vai me dizer que se a sua praia fosse macho, você não estaria doidinha pra cair na minha rede?

Seulgi engasgou com a própria saliva, congelando onde estava, à meio caminho da faixa de pedestres. Encarou-o por sobre o ombro, a postura despojada e o sorriso provocador fazendo se torcerem seus órgãos internos. Contou até dez e depois até vinte, repetindo seu mantra sobre não ser nada benéfico para si mesma cometer um assassinato... mesmo que conseguisse fazê-lo parecer um acidente e a polícia acreditasse em sua versão. Foi árduo, principalmente considerando o fluxo de carros que passavam por ali e a facilidade que seria empurrar Amber para a morte em um piscar de olhos. Mas ao invés de despachar seu melhor amigo para uma conversa cara a cara com São Pedro, tudo o que fez foi encarar-lhe e devolver, no tom mais frio e despropositado que pôde fabricar.

- Jhonny? - chamou-o, recebendo um meneio fraco de cabeça como resposta. - A testosterona injetada chegou no seu cérebro? - questionou, e a expressão confusa no cenho alheio foi o indício de que precisava para saber que suas suspeitas estavam certas. Aparentemente ser homem afetava mesmo a capacidade racional de uma pessoa. Hyuna a ajudasse, quando aquela transição estivesse completa...

~~~🖤~~~

Para sua infelicidade, Amber estava certo quando disse que Joy precisava da sua ajuda para pintar. Mas para a sua felicidade, não era exatamente ela quem a desesperada do curso de humanas queria em seu sketchbook.

Pelas suas contas, tinha chego à cafeteria famosa e recém inaugurada na hora combinada ou bem próximo à isso, mas julgando pela quantidade de aparos de lápis sobre a mesa em que a ruiva se encontrava, a Park deveria estar ali há pelo menos uma meia hora. Aproximou-se com um tanto de receio, ciente dos olhares tortos que a iam acompanhando conforme se deslocava. Jurou ter percebido um segurança prestes a puxar a arma do coldre, uma fração de tempo antes de sentir os braços familiares ao seu redor.

- Ainda bem que você chegou. Eu já tava ficando louca! - exclamou a amiga, parecendo profundamente feliz e aliviada em vê-la ali. Uma parte dos olhares sobre si se desviou, as pessoas compreendendo finalmente que não estava ali para roubar ou pedir alguma esmola... ou o que quer que pudessem estar pensando ao encarar suas roupas meio em frangalhos e jeans rasgados nos joelhos. Em compensação, uma nova quantidade dos clientes presentes começou a cochichar, e certamente deveria ser a respeito das motivações pelas quais uma garota tão bem apanhada, como aparentava ser Sooyoung com sua echarpe de seda cara e roupas batizadas por alguma loja de grife, estar aos abraços com uma pé de chinelo como a Kang.

Sentindo-se incomodada por ser o centro das atenções, Seulgi tomou a iniciativa de romper o contato, por mais afetuoso e reconfortante que fosse receber uma manifestação de carinho como a de Joy. Recuou um passo, encarando o rosto fracamente corado e reconhecendo o que bem podiam ser lágrimas de frustração acumuladas em seus olhos.

- É... eu tô vendo que sim. - comentou. A ruiva suspirou, batendo o pé em um gesto infantil e levando as mãos à face, enxugando a umidade com as costas das mãos.

- Pareço boba, não é? - sussurrou, tão baixo que se não fosse pelo silêncio reinante não teria escutado uma sílaba que fosse. - Eu odeio esse curso. Se eu pudesse, juro que trancava... - resmungou. Arqueou uma sobrancelha, a veracidade nas palavras alheias lhe passando longe de ser aceita. Por mais que a outra reclamasse da faculdade, Seulgi tinha absoluta certeza de que não se via fazendo nenhuma outra coisa; ela mesma havia duvidado da escolha de Joy no começo, mas conforme os meses se passavam seus olhos iam se abrindo para o inegável talento que, até então, havia permanecido oculto dentro da garota. Aquela devia ser apenas mais uma das suas várias crises existenciais relacionadas à complexidade inesperada das matérias, mas apesar disso resolveu que demonstrar indiferença não seria o melhor caminho a se seguir.

- Ei... calma aí... - ergueu as mãos, as palmas voltadas na direção da amiga. Baixou-as, voltando o passo que tinha dado para longe da mesma. - O que aconteceu? Você disse que precisava da minha ajuda... bem, eu tô aqui não é? Vamos resolver isso... seja lá o que for... - suspirou, deixando seus ombros baixarem para uma posição mais relaxada. Desviou o olhar, encarando o chão polido e brilhante abaixo delas. Não era a melhor pessoa do mundo para demonstrar apoio ou qualquer outra coisa muito íntima da ideia de empatia, e esperava que ao menos uma parte do significado daquilo que tinha dito pudesse ter sido compreendido pela Park. Embora não soubesse como, Seulgi de fato queria ajudá-la... porque Joy era uma das únicas pessoas que se importavam consigo, e que não faziam de sua existência um limbo em vida.

Um sorriso inicialmente pequeno surgiu nos bonitos lábios da ruiva, se expandindo até parecer que iria rasgar suas bochechas. Buscou por sua mão, persistindo quando tentou fugir ao contato, entrelaçando seus dedos.

- Você é a melhor, Seul. Obrigada. - sussurrou, ainda sorrindo. E então a puxou novamente. Fechou os olhos antecipando um novo abraço, mas o que fez foi arrastá-la na duração da mesa que ocupava anteriormente. Suas pálpebras se ergueram a tempo de salvá-la de uma embaraçosa queda em local público, seus pés torcendo-se um ao outro enquanto lutava para acompanhar seu ritmo. - Senta aí. - apontou a cadeira diante da sua, soltando finalmente suas mãos. Tirou a mochila dos ombros, colocando-a sobre o vago assento daquela mesa para três, puxando a cadeira de respaldar metálico com cuidado. A peça tinha detalhes todos trabalhados em um bonito tom de dourado e não se surpreenderia se aquilo fosse ouro, tendo como ponto de partida o luxo que pairava sobre todo o ambiente. Precisaria se desdobrar em cinco para não causar nenhum dano que se refletisse em um prejuízo financeiro - porque, mais uma vez, não estava em condições de esgotar sua mirrada conta bancária.

Sobre a superfície de mármore branco, os materiais de desenho de Sooyoung estavam espalhados em um caos que pareceu-lhe demasiado organizado comparado com a bagunça que fazia com suas próprias canetas enquanto ainda estudava. Se Joy era o tipo de aluna que separava itens por cor e guardava-os em departamentos separados em seu estojo gigantesco, Seulgi era do tipo que começava o dia com uma caneta e uma prece para não a perder, unicamente porque não haveria substituta... a menos é claro que se dispusesse a roubar um dos burgueses estudantis de sua classe.

O caderno de desenho da mesma estava em uma das extremidades da mesa quadrada, a página aberta ostentando uma série de rascunhos que na visão da Kang eram tão bons quanto Picasso ou Monet, mas que para o olho crítico da amiga não passavam de desenhos de crianças da segunda série.

- O que você tem que fazer, exatamente? - perguntou ao ver-se totalmente perdida no contexto atual. Os rabiscos da ruiva pareciam-lhe simplesmente perfeitos, e não via motivos para que ela estivesse tão frustrada como se mostrava diante de seus olhos. A dita cuja não se manifestou verbalmente à princípio, baixando a xícara de algum tipo de chá gelado colorido com uma lentidão que era o dobro do que julgaria como sendo necessário; talvez fosse apenas por causa da porcelana que parecia caríssima, mesmo para o alto poder aquisitivo da Park, ou quem sabe produto de sua intrínseca delicadeza de movimentos, que sempre a havia acompanhado desde que eram praticamente crianças, ainda.

- Prática de desenho rápido. - ditou. Seulgi deve ter feito cara de quem não entendia lhufas, porque a ruiva se apressou a explicar melhor. - Minha professora pediu um trabalho de campo. A classe toda devia ir para um ambiente público... metrô, um shopping, uma cafeteria, qualquer lugar assim... e produzir o máximo de desenhos rápidos que conseguíssemos, de pessoas desconhecidas. A finalização eu posso fazer em casa, mas o rascunho tem que ser feito enquanto olho para essa pessoa... em um curto período de tempo. Mas o problema é que eu não consigo desenhar alguém que não conheço tão rápido! Eu mal olho pra pessoa e estudo onde devo colocar cada parte do rosto, porque quando eu começo o esboço ela vai embora ou simplesmente desaparece!

Bufou, apanhando com um tanto de irritação o sketchbook. Estendeu-o em sua direção para que o pegasse, e quando o fez Seulgi analisou cuidadosamente os desenhos nas últimas páginas preenchidas. Mesmo que continuasse a considerá-los como dignos de uma exposição, pensou, era notável que estavam incompletos; duas mulheres retratadas tinham apenas parte do rosto desenhado e um terceiro, um homem com uma boina sobre a cabeça, não tinha uma das orelhas e o canto de seu olho esquerdo claramente tinha sido feito às pressas - a linha na parte inferior erra irregular e fazia uma curva estranha para cima, como um novo traço de delineado. Para uma mente perfeccionista como a de Sooyoung? Aberrações inaceitáveis.

- A pior parte é que essa droga vale um sexto da minha nota nas aulas práticas... e você sabe que eu só passo raspando na teoria, né? Se eu não conseguir fazer esses desenhos, corro risco de reprovar o período. - a expressão no rosto da amiga era de completo pavor e o retrato de um nervosismo tão perfeito quanto o daquele quadro famoso de Munch, O Grito. Devolveu-lhe o caderno, vendo como se formava um beicinho nos lábios rosados conforme a mesma analisava seu progresso até então, claramente chateada com a perspectiva de um intento fracassado.

Seulgi pensou por alguns instantes, olhando ao redor e analisando o perfil das pessoas por ali. De fato, eram todas muito diferentes esteticamente falando, embora todas possuíssem esse mesmo ar de sofisticação moderna que não conseguia explicar; buscou meios de ajudar a amiga, mesmo sendo totalmente leiga em aspectos como desenho. Nunca tinha sido muito fã de artes, no que contava a execução, desde que se lembrava por gente, mas era uma apreciadora de cada traço, cada centímetro de pedra esculpida, de rosto fotografado. Cada linha composta e cantada era admirada por si em silêncio profundo, de respeito para quem se dedicava a criar maneiras tão únicas e preciosas de desconectá-la da realidade... porque era assim que se sentia, a cada vez que se via presa em um quadro ou viciada em uma música - como alguém que navega para fora dos limites traçados pela gravidade da Terra, para além dos pontos conhecidos do Sistema Solar como um todo. O bloqueio de Sooyoung lhe era sentido enquanto significava uma semente de questionamento plantada nos pensamentos da amiga. Não queria vê-la duvidando de seu potencial. Já lhe bastava ela própria, com o título de ameba improdutiva da sociedade. Ou talvez nem isso... as amebas tinham uma função, não tinham?

- Porque não tenha deixar alguma coisa pré-pronta? - arriscou. Os olhos alheios se ergueram em sua direção, um incentivo para que continuasse cintilando fracamente em suas pupilas. - Eu não sei... você desenha tanto... não tem alguma coisa que possa deixar preestabelecida? Algo que você possa mudar em casa, como mesmo disse... algo que não interfira tanto no seu rascunho... as linhas de base pro desenho, por exemplo. - deu de ombros, deixando a sugestão no ar. Sooyoung a encarou fixo por um par de segundos, sua cabeça trabalhando sobre aquilo que tinha acabado de dizer.

Quase conseguia ver engrenagens entre seus neurônios, girando enquanto analisava a possibilidade. Subitamente a mesma deu um pulo em sua cadeira, o movimento repentino fazendo temer toda a mesa. O líquido cor-de-rosa em sua xícara se agitou perigosamente, mas não derramou uma única gota, o sketchbook sendo deixado de lado enquanto ela se inclinava para agarrar suas mãos uma vez mais.

- Você é divina, Seulgi! - riu ela, apertando seus dedos com força. - É claro! Como não pensei nisso antes? Deixar alguma coisa pronta... e só modificar quando tiver o rosto que quiser desenhar... Genial! - soltou-a, batendo pequenas palminhas de empolgação.

- Hum... de nada? - arriscou, ousando um riso soprado. Joy sorriu-lhe mais uma vez, retornando à posição normal. Naquele instante um dos garçons da cafeteria ia passando próximo à elas, e a ruiva apressou-se a fazer-lhe um sinal para que se aproximasse; o homem rapidamente se prontificou, o bloco de notas e a caneta preparados para a anotar o pedido. Sooyoung negou uma vez, apontando na direção da Kang, indicando que ela é quem iria fazer um pedido.

- Peça o que quiser, Seul. Eu pago. - ditou, certificando-se de grifar bem as palavras e não lhe permitir nenhum espaço para contestar, o que para início de conversa não estava sequer ponderando. Contudo, não era como se fosse esbanjar o dinheiro da amiga, mesmo que o pequeno demônio em seu ombro esquerdo a instigasse a pedir a coisa mais cara que havia no cardápio; puxou a carta com as opções disponíveis do centro da mesa, passando os olhos pelas opções e se decidindo por alguma coisa relativamente simples, mas ainda assim exorbitante para sua carteira de trocos sempre contados: um frappuccino* de caramelo. A Park revirou os olhos, deixando evidente sua desaprovação. Puxou a carta de suas mãos, sem se importar com o olhar cortante que Seulgi lhe destinou. - Traga o frappuccino que ela pediu... e também uma fatia de cheesecake de morango e sete... não, oito dos brownies da sua mais nova fornada. Ah, e eu também vou querer um donut grande com cobertura de chocolate meio amargo e uma kanelbulle* com canela extra, por favor.

Seulgi assistiu com o queixo caído o garçom se afastar, seus olhos arregalados com a atitude da amiga. Sooyoung não a encarou a princípio. Baixou os olhos para o caderno, puxando um lápis de desenho com ponta cuidadosamente aparada e traçando algumas linhas. Só foi erguer os olhos meio minuto depois, e a Kang ainda conservava a mesma expressão surpresa.

- O que foi? - perguntou, aparentando estar evidentemente confusa. Gaguejou um par de vezes, antes de finalmente pôr a frase para fora.

- Eu odeio gente rica.

- Não sou rica. - comentou a ruiva, parecendo ultrajada com seu comentário. - Só economizo as minhas mesadas... e muito bem por sinal. - sorriu fraco, voltando sua atenção para o caderno e continuando com as linhas. Seulgi piscou, tentando aliviar sua cara de tacho quando o mesmo homem de antes surgiu, trazendo em mãos uma bandeja recheada que aos poucos desfez diante de seus olhos. Os doces e o copo gigantesco com a bebida gelada fizeram seu estômago adormecido dar sinais de vida pela primeira vez desde que entrara no lugar, apesar de ter sentido o cheiro de açúcar e de café ainda do lado de fora. O funcionário se afastou logo em seguida, deixando um papel que identificou como sendo um resumo da conta sob seu copo. Seus olhos encontraram a última linha com o valor final de toda a comida diante de si, um som engasgado deixando sua garganta quando percebeu a quantidade de dígitos ali. Joy ergueu uma das mãos em sua direção, posicionando o caderno sobre a superfície e buscando por outro lápis, de numeração mais baixa, para começar os rascunhos. - Não ligue para isso. Apenas coma. - abriu a boca para contestar, dizer que aquilo era um absurdo, mas os olhos castanhos a fuzilaram uma vez mais. - Coma, Seulgi. É uma ordem.

Ia contestar, dizer que Joy não podia obrigá-la a nada mas o apelo dos brownies sobre sua fome falou mais alto. Afinal de contas, não se recusa brownies, ainda mais quando eles são de graça. Fechou a boca para as palavras, apanhando o garfo sobre o prato de porcelana, cortando um pedaço do doce sem muita resistência apesar da superfície crocante; espetou-o, levando à boca e quase gemendo de satisfação quando o chocolate se desfez sobre sua língua. Então esse era o paraíso...

Avançou para os doces sem muita cerimônia, intercalando mordidas e suspiros satisfeitos com goles da bebida gelada, desligando-se parcialmente da Terra enquanto literalmente tirava a barriga da miséria. Agradeceu mais uma vez aos céus pelo convite de Sooyoung, porque se estivesse em cada aquela hora provavelmente mataria a fome com um pão com queijo qualquer, e no entanto estava ali, feliz como uma criança com brinquedo novo provando daquelas delícias que mal sabia serem permitidas aos mortais. Se distraiu o suficiente com a comida, porque sequer percebeu quando a amiga se posicionou para desenhar, os olhos ávidos seguindo um alvo em movimento e intercalando a observação criteriosa com os traços rápidos e precisos sobre o papel.

Seulgi sentou curiosidade ao ver a ruiva aparentemente tão deslumbrada e concentrada no trabalho que fazia, seguindo a direção que seus olhos tomavam a cada vez que erguia o rosto, procurando pela pessoa que a tinha posto em tamanho torpor. Demorou um pouco graças ao seu péssimo senso de orientação mesmo para coisas pequenas, mas quando encontrou-a não teve dúvidas, nem de que era ela quem Joy desenhava, nem de que era a mesma mulher de outras ocasiões...

A mesma que havia esbarrando em si, na madrugada de sábado. A mesma que tinha pedido-lhe informação no ônibus e se deixado guiar por ela até a lanchonete em que trabalhava. E mesmo com todas essas coincidências, seguia sendo a mesma mulher da qual Seulgi não sabia o nome... até agora.

Porque vendo-a claramente ali, sentada em uma mesa não muito distante de onde estava, soube imediatamente que precisava descobrir quem era.

~~~💖~~~

 


Notas Finais


Oie😆 tudo bem com vcs?

Então, voltamos com a Seulgi no foco da narração, quem amou?😱💜mas aparentemente a folga da Irene não diz nada sobre ela ficar desaparecida completamente nesse período... ela não vai narrar, mas fiquem tranquilos que momentos dela na visão da Seul não vai faltar😁

Pequeno glossário desse capítulo pra vcs:

Frappuccino -  bebida gelada geralmente constituída por leite, chocolate em pó, calda de chocolate e chantilly☕
Kanelbulle - bolo sueco criado nos anos 20 do século XX, cuja tradução do nome em português é "bolo de canela" :)

Notícia de última hora: quinta feira passada o Cast Book de Angels foi atualizado e rumores apontam que o dono da ficha da vez não ficou nem um pouquinho feliz com a exposição🧐 fonte - vozes da minha cabeça. Tem alguma ideia de quem eu estou falando? 🤔🤨 kkkk

Acertou quem disse Yuta, vulgo o chato mais chato desse site;-; e eu sugiro que vcs corram pra ler essa ficha (por vários motivos que agora eu não posso citar🤫 spoilers...)

Para ler a ficha do Yuta no livro cast: https://my.w.tt/ebG1aS8G99

É isso por hoje, gente. Nos lemos em uma próxima🤗🌻
Magá~💜

Ps.: Oie^^ voltei aqui depois do capítulo pronto pra perguntar uma coisa pra vocês. Que Angels tem muitos loops temporais, vocês já devem ter percebido... os personagens ficam indo e voltando no tempo e nem sempre a narração é linear; mas acontece que esse é um fator muito importante na compreensão da estória e eu me toquei que talvez vcs fiquem meio (ou totalmente) perdidos em alguns momentos. Pensando nisso eu tive a ideia de colocar marcações (no topo dos capítulos) para auxiliar vocês a saberem direitinho como o tempo tá passando em Angels e esse loop todo não afetar tanto a leitura (aproveitando que em breve terei uma folga do Estresse A Distância e vou revisar os primeiros capítulos). O que vocês acham?

Comentem se apoiam ou não a ideia, eu particularmente acho que seria uma ajuda e tanto (até porque eu também fico meio perdida de vez em quando kkk isso evitaria vários erros de localização dos personagens e... enfim, uma dor de cabeça maior lá na frente). Era esse o recado que eu queria passar^^ se alguém tiver mais alguma sugestão, sintam-se livres para entrar em contato comigo (por aqui ou por dm) o feedback de vcs vai me orientar muito💜 beijinhos, se cuidem


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...