São três horas. Três horas. A hora que Maria disse que viria, a hora que eu marcada para irmos ao enterro dos nossos pais...
Meu coração está doendo, quebrado, estilhaçado, nem sei se tenho algum ainda. Não consigo suportar. Não sei se conseguirei me aguentar, manter a postura. Para mim não...
— Becky Briant, abra. — a voz de minha irmã enche meus ouvidos, chega ao meu coração. Estremeço inteiramente.
— Já estou indo. — respondo com a voz trêmula. Abro a porta e a deixo entrar.
— Podemos ir? — ela olha por todos os cantos do quarto como se procurasse algo. Mais especificamente uma gilete.
— Podemos. — Falo segurando a porta para Maria passar.
— Vejo que está usando um casaquinho... — diz irônica.
— Pois é. — fecho a porta assim que saímos.
Andamos em silêncio todo o trajeto até o portão do campus. Um carro preto está em frente o portão, provável que seja nosso Uber.
— Boa tarde. — o motorista diz quando nós entramos no carro. Sentei no banco traseiro e minha irmã ao lado do motorista na frente.
— Não sei para quem... — murmuro mais para mim mesma do que para os outros presentes. O carro finalmente andou, pelo o que parece ele já sabia para onde precisamos ir. Percebo que ele olha repetidas vezes de relance para Maria, o que a está deixando visivelmente desconfortável e nervosa.
— Eu não lhe conheço de algum lugar...? — se refere a minha irmã que parece ficar apreensiva.
— Não. Tenho certeza de que não. — sua voz é trêmula, como se não estivesse convicta do que fala.
— Já sei da onde te conheço! — solta uma gargalhada de entusiasmo por ter lembrado de onde a conhecia, provavelmente. Agora eu que estou curiosa. — Você trabalha naquela boate, eu acho, que esqueci o nome. Eu já fui seu cliente, e tenho que falar sua foda é a melhor dali!
Como assim? Ela era uma... Uma prostituta?!
— Tenho certeza de que está enganado, senhor.
— Não, tenho certeza de que é você. Ladycad...?
— Ladycat — ela revira os olhos — Quer dizer... Eu não sei do que o senhor está falando.
— Tem horário para mim amanhã?
...
Tem tanta gente aqui. Amigos de trabalho de Samuel, alguns conhecidos de minha mãe, uns que eu nunca vi. O padre começa a falar:
— Que estas almas tenham seu merecido descanso ao lado do pai. Este casal tão amado, respeitado. Esse casal tão perfeito de seu modo, um casal feliz, com uma linda família, descansará em paz... — Amado? Linda família?
Pessoas chorando por toda parte, pessoas fingindo uma dor que não existe neles. Isso está me enraivecendo-me, uma mágoa só indo por todos os meus membros. Não consigo olhar tanta hipocrisia!
— Seu bando de hipócritas! — grito, interrompendo o discurso memorizado do padre. — Muitos de vocês aqui nem se quer conhecia eles! Vocês não têm direito... Eles não merecem... Ela não merece suas lágrimas falsas! — lágrimas percorrem meu rosto, sinto minha voz morrendo aos poucos, até sumir de vez. Me jogo em cima do túmulo de minha mãe. Não consigo resistir, é mais forte que eu. Choro e berro descontroladamente. Todos aqui olham para mim, mas eu não ligo, de verdade. Olho com raiva para o túmulo de Samuel.
— Seu babaca! Você mereceu a morte, ela não! Você foi um monstro! — Ouço a voz de Maria me gritar, viro para olha-la. — Você acha que está livre?! Conheçam a prostituta da família! — aponto para Maria que recua alguns passos. Todos a olham com um misto de confusão e repulsa.
— Becky, chega! —a voz de Giovana me faz, pela primeira vez, notar sua presença. — Amiga, vamos. — ela me puxa pelo antebraço esquerdo, e ao mesmo tempo, com a outra mão, pelos ombros.
— Ainda tenho muita a falar! — digo entre soluços. O meu choro é profundo. Não choro apenas pela morte de meus pais; choro também pelas perdas, pelo meu estrupo, por eu estar me perdendo...
Isso é muito, eu não aguento, está muito pesado. Mais uma parte de mim que morre, junto a minha mãe.
...
— Becky, minha amiga, não fica assim. Isso vai passar. Eu estou aqui para você.- Giovana se senta ao meu lado no banheiro. Após vomitar tudo o que comi e não comi, estou chorando, meu estômago dói...
— Você me ama? — levanto a cabeça para encará-la, bem em seus olhos.
— É claro! Eu amo você, é como se fosse um irmã para mim. — passa as mãos pelo meus cabelos.
— Você me amaria de qualquer jeito? Do jeito que estou agora, por dentro? Do jeito quebrada que me encontro? — indago. Preciso dessa resposta.
— Claro, mas você está me assustando. O que houve? — me olha preocupada.
Eu tiro meu casaquinho e deixo a mostra os meus braços, os meus cortes. Deixo visíveis os cortes, os que fiz a pouco tempo. Os que me fazem aliviar e lembrar desta dor que sinto constantemente.
— O que...? — ela parece estar sem palavras. Seus olhos arregalados denunciam seu estado de horror.
Estou confiando, me abrindo a última vez para alguém. Se não der certo... Bem, então me fecharei completamente. Para sempre.
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