Ela equilibrou as roupas dobradas e percorreu os cômodos numa rapidez incrível. Anne vinha no seu encalço e Marilla a olhou brevemente, ignorando-a com a paciência no limite, adentrou o quarto e abriu uma das gavetas.
_ Isso é injusto.
_ Não vejo onde está a injustiça. _ A mais velha uniu as sobrancelhas irritada _ Ela fez por merecer, agiu errado conosco e com você.
_ Fala como se Kakweet tivesse me dado o tiro! _ Anne indignada se levantou e dobrou uma das colchas brancas depositando-as na cadeira.
Sem que Marilla pedisse, começou a ajuda-lá, na estratégia de "abrandar a fera " e ao mesmo tempo se pôs a expôr o seu ponto de vista, mas antes que pudesse abrir a boca ela a cortou;
_ Antes tivesse lhe dado mesmo o tiro , pois poderia alegar que soltou o gatilho por acidente. Agora de modo algum, mentir por meses pode ser considerado não intencional, Matthew foi atacado, Green Gables foi invadida, e você terminou ferida. Eu a acolhi na minha casa, em troca ela mentiu a identidade e colocou minha família em risco. Kakweet, Hanna seja lá o que for, não entra mais aqui!
_ Mas não foi culpa dela, ela só mentiu sobre quem era de verdade para tentar evitar que eles a achassem!
Ela caminhou pelo quarto começando a fazer tudo mecanicamente e despejou o conteúdo do cesto de roupas sujas. Anne podia jurar que Marilla começava a fazer os movimentos assim pela força do ódio.
_ Que altruísta! - soou irônica_ Pois foi exatamente o que aconteceu, e não só a acharam, e sim todos nós juntos não é? Ainda te arrastou para o meio do nada para ser quase morta. Até mesmo Matthew já foi com você antes junto com os pais dessa garota e foram barrados, o que seus amigos estavam esperando encontrar lá dessa vez?! Uma recepção calorosa?
A verdade é que Marilla assim que se inteirou da história, custou a acreditar o quanto tinha sido tola a ponto de não perceber de quem se tratava. Havia esquecido a tanto tempo do casal de índios que veio visitar Green Gables um ano antes parecendo tão desesperados, que a princípio foi fácil acreditar na versão de Kakweet. E depois de tudo era como se um imenso quebra cabeças se encaixasse diante dos seus olhos. Enquanto Anne estava desacordada, tomou como prioridade mandar a menina embora.
Sem se importar se era na frente de todos ou não, sem cerimônias abriu a porta e indicou a saída e nem mesmo as lágrimas de Kakweet comoveram-na, nem os olhares de pena. E numa sentença crua e curta, disse bem claro que nunca mais voltasse a se aproximar dela ou de Anne novamente.
Cole, ainda muito constrangido na ocasião, conversou com ela e pediu para que o aguardasse longe dali e não fosse a lugar nenhum sem ele.
Tudo o que desejava no momento era esquecer a história e enterra-la, mas Anne vinha lhe tirar os esqueletos do armário novamente.
_ Marilla eu fui por que eu quis...
_ Já chega Anne!
Ela tomou-lhe a fronha da mão e desconversou.
_ Vamos, deixe-me terminar isso , por que não vai dar uma volta ou terminar de comer o seu café da manhã? Precisa parar de sonhar acordada e brincar com a comida, as torradas estão te esperando lá em baixo.
Anne bufou de irritação, e chateada, deixou o quarto finalmente.
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_ Já é a terceira que visitamos hoje, tem certeza de que quer continuar?
Estavam longe, bem longe na verdade. A terceira aldeia da lista era próximo a Kingston, Kakweet e Cole foram bem recebidos em todas as duas por onde passaram. Era ela quem fazia as comunicações como uma espécie de intermediário tradutor entre ele e os aldeões.
Cole estava amando a experiência, na última do qual saíram uma das garotinhas a filha mais nova de nove irmãos, lhe deu um colar de micangas que ele considerou uma obra de arte. Mal conteve o sorriso quando se abaixou e recebeu o presente pelas mãos pequenas e habilidosas.
No entanto não estavam lá a passeio e por mais que fosse divertido observar os artefatos exóticos que eles produziam, não pôde ignorar a expressão frustrada de Kakweet.
Ela deu um breve sorriso e se livrou do xale pendurando-o no braço enquanto andavam.
_ Não, acho que procuramos o suficiente hoje, não estou com os sapatos apropriados para andar, preciso pedir a tia Josephine que pare de me comprar essas sapatilhas esmagadoras. Além do mais a próxima nos fará pegar duas viagens de trem e precisamos voltar.
_ Ok. - o rapaz deu de ombros e lhe ofereceu o braço.
Kakweet aceitou e juntos foram ver as passagens, retornando para se sentarem com pacotes de comida nas mãos, ele perguntou quase ao acaso;
_ Você já me disse o nome dos seus pais, certo?
_Sim. Por que?
Cole deixou o pacote de papel sobre o banco e se reclinou.
_ Você não tem só eles, também tem irmãos.
Kakweet ficou nostalgica e mastigou lentamente o sanduíche, engolindo-o para falar :
_ Sim, tenho. Morro de saudade dos caçulas, Kiptu e Mimiky.
_ É isso- Cole apontou sorridente. _ Era disso que precisávamos, o nome deles. Talvez se da próxima perguntarmos por todos até mesmo seus irmãos, tenhamos mais sucesso.
_ Tem razão...
Kakweet ponderou e sorriu também pela nova solução.
_ Obrigada.
_ Não há de quê !
Ele consultou o relógio uma última vez, e assim seguiram rumo ao próximo trem de volta.
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As árvores nuas com os galhos pontiagudos apontados para o céu, faziam um contraste inimaginável com o sol pálido que havia dado às caras naquele dia. Gilbert tinha desviado-se do seu caminho para passar na casa de Sebastian e devolver o jornal.
Parando diante da varanda larga e a porta marrom , bateu. Esperou alguns segundos e bateu novamente. Nada.
Constatou logo que talvez seu amigo não estivesse em casa. Com a intimidade que lhe era permitida, entrou, na intenção de deixar o jornal sobre a mesa e ir embora.
A porta estava aberta, e a casa silenciosa. Derrepente, um barulho de choro se fez ouvir, um choro estridente de criança. Um alerta soou dentro de Gilbert e a primeira pessoa que lhe veio a cabeça foi Delphine.
Onde estariam os adultos daquela casa? Vasculhando os cômodos, com uma voz incerta, chamou-a pelo apelido :
_ Delphi?
A resposta não veio porém o chorinho insistente cessou alguns segundos, para então retornar com mais intensidade.
Seguindo o som foi ter na cozinha, e assim que chegou lá, apertou o jornal com tanta força que os nós dos dedos embranqueceram e podia crer que seus olhos saltaram de susto. Delphine estava sentada no chão com vários cacos brancos de louça ao redor pelo piso.
O joelho ensanguentado e os olhos vermelhos, assim que o viu colocou as mãozinhas no rosto e voltou a chorar.
_ Mas o que aconteceu aqui?!- perguntou desesperado como se a menininha pudesse explicar com exatidão.
Ela puxou o ar com força e apontou para o alto do armário, repleto de xícaras e potes de vidro dispostos um ao lado do outro. Gilbert notou entre eles um recipiente com doces pela metade, um caramelo molinho enjoativo e fácil de mastigar, que Hazel costumava guardar para dar a neta.
_ Você tentou pegar?
Mais calma, balançou a cabeça em afirmativo e enfiou três dedinhos na boca. Ele imaginou Delphine escalando o armário e puxando a xícara, aquilo poderia ter sido muito mais sério do que um joelho cortado.
Olhando-a com mais atenção, examinou o corte se perguntando se haviam cacos na pele. Ela se encolheu quando a ferida foi tocada e Gilbert massageou a testa buscando uma solução. Não fazia idéia de onde estariam os remédios naquela casa.
Decidindo, se abaixou e pegou-a no colo . Delphine passou os braçinhos ao redor do seu pescoço e ele desejou mentalmente que Sebastian não ficasse furioso por ele ter "sequestrado " a sua filha por uma boa causa.
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